UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO
JEFFERSON DE QUEIROZ GOMES
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E A CRIMINALIDADE INFORMÁTICA: AS CORRELAÇÕES ENTRE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A CONVENÇÃO DE
BUDAPESTE SOBRE CIBERCRIMES
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E A CRIMINALIDADE INFORMÁTICA: AS CORRELAÇÕES ENTRE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A CONVENÇÃO DE
BUDAPESTE SOBRE CIBERCRIMES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal Informático. Orientadora: Profª. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva
Biblioteca Universitária
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G614s Gomes, Jefferson de Queiroz.
Sociedade da informação e a criminalidade informática : as correlações entre a legislação brasileira e a Convenção de Budapeste sobre Cibercrimes / Jefferson de Queiroz Gomes. – 2017.
77 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2017.
Orientação: Profa. Ma. Fernanda Cláudia Araújo da Silva.
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E A CRIMINALIDADE INFORMÁTICA: AS
CORRELAÇÕES ENTRE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A CONVENÇÃO DE
BUDAPESTE SOBRE CIBERCRIMES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal Informático.
Orientadora: Profª. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva
Aprovada em: ___/___/______.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Profª. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_______________________________________________
Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_______________________________________________
Mestrando Thanderson Pereira de Sousa
À Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, por todo o suporte
oferecido aos alunos. Gostaria de recordar que a biblioteca foi muito importante para minhas
pesquisas. No mesmo sentido, também me foi útil contar com a excelente plataforma do
Portal de Periódicos da Capes, cujo acesso é oferecido pela Faculdade.
À professora Fernanda Cláudia Araújo da Silva, por ter aceito a orientação deste
trabalho e por inspirar seus alunos através da dedicação à docência.
Aos membros da Banca Examinadora, profª. Fernanda Cláudia Araújo da Silva,
prof. William Paiva Marques Júnior e Thanderson Pereira de Sousa, por aceitarem avaliar o
presente trabalho.
Ao corpo docente da Faculdade (cito alguns em ordem alfabética): Carlos César
Sousa Cintra; Fernanda Cláudia Araújo da Silva; Filippe Augusto dos Santos Nascimento;
Francisco de Araújo Macedo Filho (in memoriam); Francisco Gérson Marques de Lima;
Gustavo César Machado Cabral; Gustavo Raposo Pereira Feitosa; João Luís Nogueira Matias;
Lino Edmar de Menezes; Márcio Augusto de Vasconcelos Diniz; Márcio Ferreira Rodrigues
Pereira; Maria José Fontenelle Barreira Araújo; Maria Vital da Rocha; Matias Joaquim Coelho
Neto; Raquel Cavalcanti Ramos Machado; Raul Carneiro Nepomuceno; Samuel Miranda
Arruda; Sérgio Bruno Araújo Rebouças; Sidney Guerra Reginaldo; Tarin Cristino Frota
Mont’Alverne; William Paiva Marques Júnior. Sinto verdadeiro orgulho por ter tido
professores tão bons, que me inspiraram no estudo e no pensamento crítico.
Aos servidores e funcionários da Coordenação da Faculdade de Direito da UFC,
por todo o auxílio na resolução das questões burocráticas que apresentei durante esses anos.
E por último, mas não menos importante, aos meus amigos e colegas de
faculdade, por tornaram os dias mais alegres.
As relações entre o ser humano e os equipamentos informáticos estão se tornando mais
estreitas, repercutindo no campo jurídico. A própria ideia de modernidade está relacionada à
de uma maior conexão. Chama-se sociedade da informação a esse novo contexto surgido com
o incremento das tecnologias e da internet no cotidiano. Os reflexos dessas inovações podem
ser observados também no Direito, como ocorre com os delitos informáticos. Antes das Leis
nº 12.735/2012 e nº 12.737/2012, havia muita dificuldade envolvendo a incriminação de
condutas como a invasão a dispositivos informáticos, pois inexistia tipificação para elas. Com
a Lei nº 12.965/2014, foi promulgado o Marco Civil da Internet, que facilitou a
operacionalização das leis penais. Verifica-se que há uma tendência mundial em se legislar
sobre os delitos informáticos. Também nota-se a necessidade de uma uniformização dessas
legislações para que se diminuam as chances de impunidade. A Convenção de Budapeste
sobre Cibercrimes foi o primeiro tratado internacional a versar sobre crimes informáticos.
Embora o Brasil não a tenha ratificado, há consonância entre a legislação nacional e a
Convenção. O estudo do tema da criminalidade informática e de suas implicações na
sociedade tem bastante relevância por conta das incertezas que ainda persistem.
The relations between the human being and the computer equipment are becoming narrower,
with repercussions on the legal field. The very idea of modernity is related to a greater
connection. It is called information society this new context that arrived with the increase of
technologies and the internet in daily life. The reflexes of these innovations can also be
observed in Law, as with computer crime. Prior to laws 12,735 / 2012 and 12,737 / 2012,
there was much difficulty involving the incrimination of conducts as the invasion of computer
devices, as there was no typification for them. Law 12,965 / 2014 promulgated the Brazilian
Civil Rights Framework for the Internet, which facilitates the operation of criminal laws.
There is a worldwide tendency to legislate on cybercrime. In addition, it is noted the need for
a uniformity of laws to decrease the chances of impunity. The Budapest Convention on
Cybercrime was the first international treaty dealing with the matter. Although it has not been
ratified by Brazil, there is a consonance between national legislation and the Convention. The
study of the subject of computer crime and its implications in society has a lot of relevance
due to the uncertainties that still persist.
Las relaciones entre el ser humano y los equipos informáticos se están volviendo más
estrechas, repercutiendo en el campo jurídico. La propia idea de modernidad está relacionada
con la de una mayor conexión. Se llama sociedad de la información a ese nuevo contexto
surgido con el incremento de las tecnologías y de la Internet en lo cotidiano. Los reflejos de
esas innovaciones pueden ser observados también en el Derecho, como ocurre con los delitos
informáticos. Antes de las leyes 12.735 / 2012 y 12.737 / 2012, había mucha dificultad
involucrando la incriminación de conductas como la invasión a dispositivos informáticos,
pues no existía tipificación para ellas. Con la ley 12.965 / 2014, se promulgó el Marco Civil
de Internet, que facilitó la operacionalización de las leyes penales. Se observa que existe una
tendencia mundial a legislar sobre los delitos informáticos. También se nota la necesidad de
una uniformidad de esas legislaciones para que se disminuyan las posibilidades de impunidad.
El Convenio de Budapest sobre ciberdelincuencia fue el primer tratado internacional en tratar
sobre delitos informáticos. Aunque Brasil no la ha ratificado, hay una concordancia entre la
legislación nacional y el Convenio. El estudio del tema de la criminalidad informática y sus
implicaciones en la sociedad tiene bastante relevancia por las incertidumbres que aún
persisten.
ANATEL: Agência Nacional de Telecomunicações
Art.: Artigo
CF: Constituição Federal
CP: Código Penal
CPC: Código de Processo Civil
CPP: Código de Processo Penal
DDOS Attack: Distributed Denial of Service Attack
GMT: Greenwich Mean Time
IP: Internet Protocolo
LAN: Local Area Network
MAN: Metropolitan Area Network
PAN: Personal Area Network
TCP: Transmission Control Protocol
UTC: Universal Time Coordinated
1 INTRODUÇÃO………..………..………11
2 DISPOSITIVOS INFORMÁTICOS E INTERNET: SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS E JURÍDICAS………..………...…14
2.1 Considerações sobre os equipamentos informáticos e a internet….………….….…...14
2.1.1 Origem e desenvolvimento do computador………...…….15
2.1.2 Origem e desenvolvimento da internet………...………16
2.2 A sociedade digital diante da globalização………..………18
2.2.1 Globalização………..………..18
2.2.2 Sociedade da informação e cibercultura………..………..21
2.3 Reflexos da internet e das novas tecnologias no Direito: prelúdio para o Direito Penal Informático………...………...22
2.3.1 Direito à informação……….………..23
2.3.2 Privacidade, anonimato e liberdade de pensamento………..24
2.3.3 Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014: Marco Civil da Internet………..…….…….…...26
3 ASPECTOS GERAIS DO DIREITO PENAL INFORMÁTICO……...……….30
3.1 A principiologia aplicável ao Direito Penal……….30
3.2 Nomenclaturas usuais e definição dos crimes informáticos………..33
3.3 O bem jurídico tutelado………35
3.4 Classificação dos delitos informáticos……….37
3.4.1 Delitos informáticos impróprios……….37
3.4.2 Delitos informáticos próprios……….38
3.4.3 Delitos informáticos mistos………39
3.6 Tempo e local do crime……….42
3.7 Provas da autoria e da materialidade nos crimes digitais……….44
3.8 Jurisdição e competência………..45
4 ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE AOS CRIMES INFORMÁTICOS…..47
4.1 Dificuldade de se legislar sobre os crimes informáticos……….47
4.2 A Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012 (Lei Carolina Dieckmann) e os tipos penais informáticos na legislação brasileira……….49
4.3 A Convenção de Budapeste sobre os cibercrimes e sua relação com a legislação penal brasileira……….……….57
CONSIDERAÇÕES FINAIS……….63
REFERÊNCIAS………..67
1 INTRODUÇÃO
“Dave, my mind is going. I can feel it.” HAL 9000, em 2001: a space odyssey
No filme 2001: a space odyssey, do diretor Stanley Kubrick (1968), HAL 9000 é
um computador que opera com uma poderosa inteligência artificial. Conversa com os
tripulantes da nave e, em alguns momentos, parece ser também humano. Como sugere o
termo, a ficção científica não é realidade, mas os avanços tecnológicos atuais estão se
aproximando dessas criações que antes existiam apenas na imaginação.
Atualmente percebe-se uma maior interação entre o homem e a tecnologia. O que
antes era mero acessório, passa a ser fundamental no cotidiano das pessoas. Os equipamentos
informáticos, por exemplo, constituem verdadeiros cofres de informações pessoais. Não
parece surpreendente que criminosos se aproveitem disso, e que o Direito não possa ficar
alheio a essas questões.
O presente trabalho, que se insere do campo do direito penal informático, tem
como objetivos: a) investigar as principais implicações jurídicas que envolvem a sociedade
digital, notadamente a criminalidade informática; assim como b) analisar as correlações
existentes entre a legislação brasileira referente aos delitos informáticos e a Convenção de
Budapeste sobre os Cibercrimes.
Para que os propósitos desse trabalho sejam atingidos, são adotados o método
indutivo, pelo qual busca-se a extensão das questões que envolvem o direito e a tecnologia a
partir de particularidades da vida digital; assim como os métodos analítico e sintético – estes
últimos por conta da necessidade de se promover uma divisão do assunto, seguida de uma
reconstrução coerente das ideias.
Recorreu-se ainda a comparações legislativas pertinentes, tendo-se em vista o
intento de buscar as conexões entre a legislação penal nacional e a Convenção sobre os
cibercrimes.
O tema se mostra relevante justamente por conta das novidades legais e pela
dificuldade de se legislar sobre o tema, uma vez que os crimes informáticos tornam-se cada
A tecnologia rapidamente se torna obsoleta, e em seu lugar são colocados novos
equipamentos. Com essas novidades, o cidadão busca facilitar sua vida, estreitar laços
(através de redes sociais, por exemplo), ter entretenimento de seu gosto, dentre outros.
Alguns dispositivos informáticos contam com funcionalidades não completamente
dominadas até por parte daqueles que têm expertise no assunto. No atual cenário em que boa
parte da vida das pessoas é exposta na rede, que mensagens são enviadas a todo momento pela
internet, que informações são armazenadas em nuvem, muitos perigos são iminentes.
Certos indivíduos mal intencionados, valendo-se de brechas que comumente
encontram-se nesses equipamentos e aplicações, promovem invasões e ataques com o fim de
obter informações para as quais não tinham autorização.
Como sabido, o princípio da legalidade, em Direito Penal, aduz que não há pena
sem lei anterior que defina algo como sendo um crime.
Antes das modificações no Código Penal, realizadas penas Leis nº 12.735/2012 e
nº 12.737/2012, aquelas condutas que envolviam invasão de dispositivos informáticos de
terceiros eram atípicas. Além do tratamento dado pelas normas penais, o Marco Civil da
Internet, Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, foi promulgado e, mesmo não sendo uma lei
de caráter penal, tem natureza complementar às disposições sobre os delitos informáticos. A
análise desses instrumentos jurídicos é feita conforme se explica a seguir.
Os capítulos estão divididos de modo a contemplar: o perfil do atual estágio da
sociedade; as ferramentas do Direito Penal informático; e as leis que versam sobre esses
delitos.
No capítulo segundo, trata-se das implicações sociais e jurídicas dos dispositivos
informáticos e da internet. Tal abordagem faz-se necessária em razão das relações entre as
novas tecnologias com a globalização e, consequentemente, com o contexto da sociedade
digital. A partir desse pano de fundo, expõe-se os reflexos dessas questões no Direito Penal
informático, dentre os quais: o direito à informação, direito à privacidade, anonimato e
liberdade de pensamento. Como desfecho desse apanhado, analisa-se o Marco Civil da
Internet, que surgiu em face de uma necessidade bastante demandada da sociedade civil.
No capítulo terceiro, busca-se analisar os aspectos gerais do Direito Penal
entendimento dos tipos penais informáticos da legislação brasileira, assim como da
Convenção de Budapeste. Dentre as questões tratadas, estão: uma explicação acerca da
principiologia aplicável ao direito penal; críticas sobre as diversas nomenclaturas existentes
para os delitos dessa natureza, assim como as possíveis definições; descrição do bem
juridicamente tutelado; classificação dos delitos informáticos; sistematização dos aspectos
criminológicos para a aferição dos sujeitos ativo e passivo; análise do tempo e local do crime,
e das dificuldades que dizem respeito a isso; tratamento das provas da autoria e da
materialidade nos crimes digitais; e explicações sobre a jurisdição e a competência.
No capítulo quarto, cuida-se da legislação pertinente aos crimes informáticos.
Desse modo, é feita uma abordagem sobre a dificuldade de se legislar sobre esses delitos, e é
exposta uma técnica que pode auxiliar nessa atividade. Sobre a legislação em si, analisam-se
as alterações ao Código Penal, e a outros dispositivos, promovidas penas Leis nº 12.735/2012
e nº 12.737/2012. Por fim, após ser desenvolvida uma explicação sobre a Convenção de
Budapeste sobre os Cibercrimes, passa-se a tratar comparativamente das correlações
2 DISPOSITIVOS INFORMÁTICOS E INTERNET: SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS E JURÍDICAS
Já não causa tanta surpresa o fato de que, a cada geração, novas tecnologias
surjam e modifiquem substancialmente o modo de vida das pessoas. Algumas são disruptivas,
ou seja, reformulam conceitos e trazem algo completamente novo. Outras consistem em
adaptações ao que já se tem. Em todo caso, esses avanços não incidem somente na esfera
econômica, com o maior lucro auferido pelas empresas, mas repercutem no âmbito social e,
consequentemente, no jurídico.
Muito tempo se passou da invenção da escrita, assim como do papel e depois da
tipografia. Hoje em dia o que reluz toma cada vez mais a feição de algo que não tem
existência no mundo material, mas, sim, no virtual. Desde o surgimento dos primeiros
computadores, gigantes em dimensões físicas, até os atuais smartphones, mínimos em espaço
que ocupam, mas potentes em tarefas que desempenham, os mais variados setores sociais
precisaram se adaptar para acompanhar as mudanças. Apenas a título de exemplo, note-se
como já se tornou uma realidade o processo eletrônico, o qual foi inclusive incentivado pelo
Código de Processo Civil de 20151. Não apenas nisso, mas também é possível notar a
tendência da tecnologia em tornar tudo mais conectado: carros sem motorista, casas
inteligentes, aspirador de pó robô e inúmeros outros dispositivos.
2.1 Considerações sobre os equipamentos informáticos e a internet
Após o pano de fundo preliminar que acaba de ser exposto, poderia ser indagado o
que vem a ser exatamente um dispositivo informático, dada a gama de artefatos tecnológicos
que são encontrados na vida diária. Sobre esse termo, Greco (2013, p. 600) define como
qualquer aparelho que seja apto a receber, tratar e transmitir dados, como acontece com os
computadores, smartphones, tablets, dentre outros.
Consideramos acertada essa definição, mas fazemos uma observação sobre o fato
de que nossa legislação, quando da tipificação acerca da invasão a dispositivos informáticos,
não faz diferença se estes estão ou não conectados à internet. Além disso, parece considerá-los
de forma mais extensiva, englobando também os suportes para armazenamento de dados,
mesmo que não os trate, como é o caso dos pendrives - que são dispositivos portáteis de
memória nos quais podem ser guardadas informações, inclusive as pessoais ou sigilosas que
mereçam proteção penal.
Apesar da variedade de equipamentos informáticos que existem, passa-se a tratar
com maior enfoque do computador.
2.1.1 Origem e desenvolvimento do computador
Poderíamos destacar o computador com um dos representantes da categoria dos
equipamentos informáticos. Pimentel (2000, p. 20 e 21) explica que a palavra computador (do
francês ordinateur), apareceu na França em 1955 quando da tradução da expressão “eletronic
data processing machine”, que fora solicitada pela empresa IBM, International Business Machines Corporation.
Dois grandes marcos podem ser divisados quando se fala de computadores. O
primeiro deles está atrelado às mudanças, ou desenvolvimentos, atinentes ao processamento
desempenhado pelas máquinas, o que deu ensejo à popularização. O segundo tem relação com
a internet, uma vez que foi conferida maior rapidez nas formas de comunicação, assim como
maior eficiência para as atividades executadas (SILVA, 2003, p. 31).
Hoje o computador é entendido como sendo o equipamento ou máquina
eletrônica, constituída de parte física e lógica, cuja finalidade é a de executar múltiplas tarefas
“unindo pressupostos da velocidade aos da precisão operacional” (PIMENTEL, 2000, p, 21).
Pimentel (2000, p, 21) considera o computador como o núcleo do direito cibernético. Numa
escala de abrangência conceitual, seria possível dispor do mais específico para o mais geral da
seguinte forma: computador, informática, cibernética, informática jurídica (ou jurimetria),
direito informático, giuritecnica, direito cibernético.
Computador e cibernética não se confundem, uma vez que aquele dispositivo
obedece aos princípios desta ciência. Cibernética, segundo Silva (2003, p. 20), é a área do
conhecimento científico que diz respeito às máquinas, ao cérebro e ao sistema nervoso, cujo
objetivo é descobrir e analisar seu funcionamento: não busca descobrir o que é cada um
desses objetos, mas o que cada um faz. Pimentel (2000, p. 78) considera a cibernética como a
de tratamento de informação, haja vista que eles recolhem, elaboram e transmitem
informações por meios variados. Assim, cibernética corresponderia a uma “teoria geral dos
sistemas mecânicos e biológicos”, estudando “as diversas formas de controle e as leis que
regem o comportamento, tanto da natureza quanto da sociedade” (PIMENTEL, 2000, p, 83).
Com esta última abordagem, concorda Vianna (2003, p. 11) em sua obra.2
Os computadores, equipamentos antes de uso exclusivo de operações estratégicas
militares e também voltado para pesquisa avançada em universidades, tornaram-se uma
ferramenta de trabalho comum, ordinária, no atual estágio de evolução da sociedade. A sua
popularização também está bastante relacionada ao alargamento do acesso à internet e ao
surgimento de novas ferramentas de comunicação, como as redes sociais.
No tópico seguinte, é apresentada uma pesquisa que evidencia o fato de que os
computadores pessoais estão cedendo espaço para dispositivos cada vez mais compactos que
desempenham, muitas vezes, funções similares para o grande público: os smartphones,
tablets, televisões conectadas, notebooks, dentre outros.
Em que pese essa maior portabilidade da tecnologia digital, que se notabiliza por
deixar o usuário conectado a todo momento, alguns problemas acabam surgindo, como não
poderia deixar de ocorrer. Reflexos dessas tecnologias podem ser sentidos em questões
envolvendo: privacidade, comércio eletrônico, moedas digitais descentralizadas (ex: bitcoin);
segurança digital (e as suas falhas), fraudes (ex: cartas nigerianas); falsidade ideológica;
fornecimento de dados pessoais pelas empresas; vazamento de informações íntimas; violação
a direitos autorais; vícios relacionados a entretenimentos digitais etc. É fácil perceber que o
Direito se interessa por algumas dessas implicações, e por outras não. Indo mais longe, certas
situações ocorridas no dia a dia assumem contornos de tanta importância que são protegidas
inclusive pelo Direito Penal, que é considerado ultima ratio. Para isso, faz-se uso do chamado
Direito Penal Informático, cujo estudo é feito nos tópicos 3 e 4.
2.1.2 Origem e desenvolvimento da internet
A internet poderia ser definida como um conjunto de rede de computadores a
nível global. Essa rede tem em comum o denominado Transmission Control Protocol/Internet
Protocol (TCP/IP), o qual viabiliza a comunicação entre as diversas máquinas espalhadas pelo
planeta, como uma espécie de linguagem em comum entre os dispositivos que fazem parte da
internet (SILVA, 2003, p. 24).
Silva (2003, p. 24) expõe que o desenvolvimento tecnológico que deu ensejo ao
que conhecemos hoje como internet remonta à Guerra Fria3. Período em que fora
desenvolvida uma rede descentralizada, ou seja, sem comando central, para que fossem
realizadas comunicações apesar dos ataques inimigos. Isso porque, por ser descentralizada,
todos os pontos dessa rede se equivaliam, de modo que, se um parasse de funcionar por conta
de algum ataque, a rede permaneceria íntegra, pois outras alternativas continuavam a existir.
Após a Guerra Fria, a rede (que ainda não era chamada internet) passou a ter
maior alcance, estando disponível para o público (PIMENTEL, 2000, p. 45).
Greco (2013, p. 601), ao tratar da internet e de como se classificam a redes de
computadores, assim explica:
A internet pode ser considerada um amplo sistema de comunicação, conecta inúmeras redes de computadores. As quatro redes mais conhecidas, classificadas quanto ao tamanho, são: 1. LAN (Local Area Network) – redes locais, privadas, em que os computadores ficam localizados dentro de um mesmo espaço, como, por exemplo, uma residência, uma sala comercial, um prédio etc.; 2. MAN (Metropolitan Area Network) – redes metropolitanas, em que os computadores estão ligados remotamente, a distâncias pequenas, podendo se localizar na mesma cidade ou entre duas cidades próximas; 3. WAN (Wide Area Network) – são redes extensas, ligadas, normalmente, entre diferentes estados, países ou continentes, a exemplo do que ocorre com o sistema bancário internacional; 4. PAN (Personal Area Network) – são redes pessoais, presentes em regiões delimitadas, próximas umas das outras.
Atualmente, a abrangência que tomou a internet na vida cotidiana torna quase
fracassada a tarefa daquele que decidir se desvencilhar dela. De acordo com a 11ª edição da
pesquisa TIC Domicílios de 2015, constatou-se que 58% dos brasileiros utilizam a internet, o
que corresponde a cerca de 102 milhões de pessoas, tal percentagem supera em 5% à de 2014.
Ainda segundo essa pesquisa, 51% dos domicílios brasileiros possuem acesso à internet
(sendo a variação conforme as classes de: 97% dos domicílios da classe A, 82 % dos
domicílios da classe B, 49% dos domicílios da classe C e 16% dos domicílios das classes
D/E). Outro dado curioso apontado foi o de que os celulares são os dispositivos mais
utilizados para o acesso à rede (89%), vindo logo em seguida os computadores pessoais de
mesa (40%), os notebooks (39%), os tablets (19%), a televisão (13%) e os aparelhos de
videogame (8%). Nos dispositivos móveis, o tipo de conexão mais usado foi o wi-fi (87%),
depois o 3G ou 4G (72%), (BOCCHINI, 2016).
Diante de tal situação, cuja tendência é crescer ao longo dos anos, percebe-se
como a internet e as tecnologias a ela relacionadas são responsáveis por mudanças na própria
sociedade. Novos costumes surgem e, com eles, novos paradigmas.
2.2 A sociedade digital diante da globalização
No atual estágio da sociedade, ao lado de uma maior integração global, percebe-se
uma grande relativização de conceitos antes bastante rígidos. Com a evolução dos
mecanismos de comunicação e de transporte, as distâncias parecem ter “encurtado” e as
fronteiras tornaram-se menos nítidas.
2.2.1 Globalização
Inevitavelmente essas mudanças observadas na sociedade repercutem no âmbito
jurídico4. Gomes e Bianchini (2002, p. 19 a 20) elencam algumas das tendências verificadas
do Direito Penal da globalização, dentre elas: a “descriminalização dos crimes
anti-globalização”; a “globalização da política criminal”5; a “globalização da cooperação policial e
judicial”; e a “globalização da justiça criminal”6.
4 Cf. Mulholland (2006, p. 111 a 182), que trata das mudanças na forma de contratar e de consumir que se operaram com o tempo. Acerca disso, refere-se às problemáticas atinentes aos contratos eletrônicos, os quais são contratos à distância, ou seja, não há um contato real dos consumidores com os fornecedores. Nas compras efetuadas por meio da internet, que se massificaram nos últimos anos, isso traz implicações importantes no que diz respeito às obrigações contratuais.
5 Nesse sentido é possível destacar a Convenção de Budapeste sobre os Cibercrimes (analisada no tópico 4.3), que busca promover uma maior harmonização das leis que versam sobre os crimes informáticos nos países signatários.
Gomes e Bianchini (2002, p. 22 a 24), apontam algumas transformações ocorridas
no Direito Criminal, são elas: a “globalização dos crimes e dos criminosos” (que passam a ter
atuação e efeitos para além das fronteiras nacionais); “globalização dos bens jurídicos” (se
referindo aos direitos coletivos e supraindividuais); “globalização das vítimas”7;
“globalização da explosão carcerária”; “globalização da desformalização da Justiça Penal”; e
“agravamento incessante da hipertrofia do Direito Penal”. Dentre as características do Direito
Penal nesse momento de globalização que enunciam os referidos autores, elencamos estas:
“erosão do conteúdo da norma”; o “uso do Direito Penal como instrumento de ‘política de
segurança’”; e a “transformação funcionalista de clássicas diferenciações dogmáticas”8.
Longe de a globalização ser um fenômeno perfeitamente compreendido ela dá
ensejo a novos desafios, sobretudo para as ciências sociais aplicadas9. As relações entre os
indivíduos tornaram-se mais conectadas, inclusive em âmbito global. É comum que surjam
também novas modalidades de condutas lesivas com efeitos que transcendam os limites
fronteiriços do próprio agente (por exemplo: ciberterrorismo, invasões a sistemas bancários,
roubo de dados informatizados, entre outros).
Os delitos informáticos, por exemplo, são alguns dos que passaram a ter maior
repercussão com o fortalecimento da globalização. Diversos ataques e invasões informáticas
acontecem por comandos lançados, às vezes, do outro lado do globo.
Para que se perceba a gravidade de alguns desses ataques, expõe-se aqui um que
se tornou bem conhecido: o Stuxnet. Tratou-se de um sofisticado worm de computador que,
valendo-se de brechas, atacou os sistemas de usinas nucleares no Irã – tal fato acabou por
causar atrasos ao programa nuclear desse país em alguns anos. Há ainda muita matéria
especulativa sobre a origem desse código malicioso, tendo sido noticiado em vários jornais
pelo mundo (SANGER, 2012).
Atualmente fala-se bastante em cyberterrorism e também em cyberwarfare. São
temas que requerem um estudo bastante acurado, uma vez que não é possível precisar quais
7 Esse termo se refere ao fato de que, nos crimes informáticos, as vítimas não necessariamente estão concentradas em determinada localidade, mas, sim, podem estar espalhadas pelo globo. Além disso, determinados crimes digitais podem afetar um grande número de pessoas a um só tempo, muitas vezes em locais distantes do próprio agente, como ocorre com o ciberterrorismo.
suas reais consequências10. O cyberterrorism, ou terrorismo cibernético, diz respeito aos
ataques promovidos por terroristas valendo-se da internet; suas consequências podem ser
muito graves, como ataques a sistemas de governos, ataques a centrais de energia nuclear,
entre outros11. Cyberwarfare, ou ciberguerra, longe de ser algo que se passa meramente em
ficção científica já ocorre nos dias de hoje. Sem o uso das ruidosas armas convencionais, essa
guerra silenciosa gera preocupações justificadas e reais – o arsenal intelectual é o que
prevalece agora.
Por conta dessas implicações globais, até mesmo das condutas individuais, faz-se
necessária a promoção de uma uniformização entre as legislações de outros Estados com o
fim de se evitar a impunidade e também para se prevenir violações aos direitos dos cidadãos.
A globalização é um fato que proporciona acontecimentos positivos nunca antes imaginados,
mas também esconde perigos invisíveis.
10 Cf. Também vem ganhando força os chamados hacking político e o hackerativismo. Acerca disso, recomenda-se a leitura de Mota, Hayashi e Fernandes (2016).
2.2.2 Sociedade da informação e cibercultura12
Bastante curioso é o modo como atualmente a sociedade se comporta diante da
tecnologia. Alguns autores denominam esse estágio de “sociedade da informação”13 ou de
“sociedade digital” (PINHEIRO, 2016, p. 63). De fato, percebe-se o destaque que hoje
possuem as mídias, principalmente aquelas que veiculam notícias de forma quase instantânea,
como as redes sociais.
A aparente necessidade de se estar informado a respeito dos acontecimentos do
momento chega inclusive a tomar proporções um tanto quanto pitorescas. Não é exagero dizer
que, a cada segundo, são compartilhados uma gigantesca quantidade de dados digitais pela
internet, que vão desde a transmissão simultânea de notícias acerca da Guerra na Síria à foto
da refeição do dia em um restaurante novo, por exemplo.
O estereótipo de “homem moderno” tornou-se o de homem conectado14. O vínculo
entre o ser humano e a tecnologia se estreitaram. Não se fala mais apenas em cultura, mas
também em cibercultura. Se antes a tecnologia denotava ferramentas, técnicas, artifícios, por
meio dos quais poderia haver uma facilitação das atividades humanas, isso passou a
corresponder quase que a uma necessidade. Muitas pessoas recorrem a dispositivos
eletrônicos e a aplicativos para lhes auxiliarem no cotidiano. Todavia, devido a essa relação
tão estreita que se estabelece entre o homem e o ambiente digital, alguns pontos negativos
vêm se tornando cada vez mais comuns.
A dependência e o vício em tecnologias é algo que afeta muitas pessoas. Cada vez
mais cedo as crianças são expostas ao computador e à internet. A falta de maturidade e a
maior liberdade para se passar mais tempo conectado podem trazer consequências nefastas ao
desenvolvimento dos jovens. Não apenas no que concerne aos aspectos intelectuais e
12 Em seu livro, Lévy (1999, p. 17) define os termos “ciberespaço” e “cibercultura”. Por “ciberespaço (que também chamarei de ‘rede’) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”.
13 Jesus e Milagre (2016, p. 12) apontam que “da globalização, surge a sociedade do conhecimento, ou a nova economia, ou, ainda, a sociedade da informação. Vivemos em uma economia global e informacional.”
educacionais, mas também traz riscos à sua própria segurança, uma vez que passam a ser um
grupo alvo dos criminosos digitais. Pensando nisso, já foram criadas até clínicas de
reabilitação, de “detox” digital, para aqueles que apresentam quadro de vício em tecnologia
ou internet.
Fato é que a tecnologia faz parte do modo de vida de boa parte da população
atualmente. Muitos sequer têm o devido conhecimento acerca dos riscos a que estão sujeitos
no ambiente digital15; outros preferem ignorá-los e alimentam continuamente a rede com
informações e conteúdos de natureza pessoal. É em meio a esse mar de “conteúdo” que os
criminosos informáticos encontram material para suas práticas delituosas16.
Diante da mescla entre a vida digital e a real, que está reestruturando a sociedade,
é esperado que certas questões repercutam na seara jurídica.
2.3 Reflexos da internet e das novas tecnologias no Direito: prelúdio para o Direito Penal Informático
O Direito guarda íntima relação com o que se passa em sociedade, uma vez que é
produto dela. De acordo com Reale Júnior (1998, p. 13) “está o direito inserido na história, e
sua historicidade se manifesta por ser ele reflexo das condições sociais e culturais de uma
época”17.
Diversas questões podem ser suscitadas quando se observam os reflexos da
internet e das novas tecnologias no Direto. Algumas das que guardam estreita relação com o
15 “A sociedade da informação (ou para muitos, pós-industrial) tem, sim, seus riscos. Pode ser chamada de sociedade dos riscos. Riscos que podem ser aceitos e riscos que devem ser mitigados. E um deles está associado à criminalidade digital.” (JESUS; MILAGRE, 2016, p. 14). Cf. Gomes (2015) para informações acerca de alguns casos de roubo de identidade digital que atingiram empresas como Adobe, Sony, RSA, dentre outras.
tema deste trabalho são: o direito à informação, as problemáticas que envolvem a privacidade,
o anonimato e a liberdade de expressão.
Muito se discute atualmente sobre as fronteiras entre o público e o particular, entre
o direito à informação e a privacidade18, entre o direito à liberdade e as suas limitações. Em
todos esses aspectos é necessário haver uma ponderação tendo-se em vista aquilo que a lei
busca fundamentalmente proteger.
2.3.1 Direito à informação
O direito à informação é um dos mais caros na sociedade do século XXI. É
possível valer-se dele tanto para resolver questões pessoais quanto para se promover um
melhor exercício da vida pública. O Art. 7º do Marco Civil da Internet, analisado no tópico
2.3.3, enuncia que “o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania”. De fato, quando
se fala em termos de uma “sociedade da informação”, em que boa parte das atividades
humanas se organizam através da tecnologia, o acesso à internet implica no exercício de
outros direitos e da própria cidadania.
Pinheiro (2016, p. 82) esclarece que o direito à informação pode ser dividido em
três grupos “de acordo com o sujeito de direito: a) direito de informar, que é um direito ativo;
b) direito de ser informado, que é um direito passivo; c) direito de não receber informações,
que é um direito ativo e passivo.” Quando se cuida do ambiente virtual, percebe-se que todas
essas três categorias são bastante suscitadas. Por exemplo: o direito à liberdade de expressão,
de divulgar seus pensamentos (direito de informar); o direito que o indivíduo tem de receber
informações importantes e de seu interesse sobre serviços que adere, como o valor de suas
faturas a pagar (direito de ser informado); direito de não ser importunado a qualquer momento
com propagandas indesejadas (direito de não receber informação).
Observe que “o direito à não informação traz um limite ao direito de informar no
qual o valor protegido é a privacidade do indivíduo” (PINHEIRO, 2016, p. 82). Como
resolver os conflitos inerentes a esses direitos contrapostos é uma tarefa com a qual o Direito
precisará lidar, sobretudo com o incremento das tecnologias digitais, que dão a ilusão de que
as esferas públicas e privada se estreitaram.
2.3.2 Privacidade, anonimato e liberdade de expressão
Como visto, o direito à informação (compreendendo as três acepções que pode
apresentar) não é absoluto. Na verdade, nenhum direito o é. Mendes, Coelho e Branco (2009,
p. 333), ao tratar das limitações aos direitos fundamentais19, escrevem que a Constituição
Federal faz uso da “técnica da restrição legal a diferentes direitos individuais”; de modo que,
por exemplo, o direito ao sigilo telefônico, pode sofrer limitação, desde que por ordem
judicial e nas hipóteses que a lei estabelecer, conforme o Art. 5, XII, CF/8820.
Assim, ao mesmo tempo em que o direito de acesso é conferido ao usuário da
internet, é preciso salientar que este não pode fazer o que lhe aprouver. Em outros termos, a
sua liberdade está condicionada a não violar os direitos alheios. Por exemplo, não é possível
que, em nome da liberdade, um indivíduo invada a esfera íntima de outro, acessando sem
permissão as conversas privadas deste21, menos ainda que divulgue tais conteúdos sem a
autorização do proprietário.
Todos possuem o direito de ter sua privacidade resguardada, sem ser alvo de
violações por parte da curiosidade alheia. Na intimidade do lar, da família e dos
relacionamentos, ocorrem as mais variadas situações que, longe de serem algo para escrutínio
público, dão forma à personalidade humana.
Para Silva (2010, p. 208) “o segredo da vida privada é condição de expansão da
personalidade. Para tanto, é indispensável que a pessoa tenha ampla liberdade de realizar sua
vida privada, sem perturbação de terceiros.” Silva (2010, p. 206) também esclarece que o
“direito à intimidade é quase sempre considerado como sinônimo de direito à privacidade”,
mas existem diferenças entre os termos, uma vez que a Constituição Federal preferiu os
separar, como pode ser observado no Art. 5º, X, segundo o qual “são invioláveis a intimidade,
a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
19 Importante ressaltar que não é correto falar em renúncia a direitos fundamentais, visto que eles podem ser autolimitados, não renunciados. E essa limitação não pode ferir a dignidade da pessoa (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 424).
20 Cf. Martins Filho et al. (2010, p. 252 a 304) para mais esclarecimentos acerca da evolução histórica dos direitos fundamentais. No que diz respeito à dignidade da pessoa humana, algo bastante em evidência quando se trata dos direitos fundamentais e de suas limitações é exposto pelo autor da seguinte forma: “a positivação dos direitos humanos fundamentais se dá comumente através dos atos normativos mais importantes de cada nação, que são a Constituição. No entanto, conforme já assentado, a natureza de sua positivação não é constitutiva, mas declaratória.” (MARTINS FILHO et al., 2010, p. 283).
21 Cf. Para uma visão da relação que se estabelece entre o cibercrime e a ciberliberdade recomenda-se a leitura de Strossen (2000, p. 12 a 14), de onde se depreende que esse tema envolve questões sobre até que ponto pode ocorrer o exercício de algumas liberdades (como a liberdade de expressão), e até que ponto as liberdades on-line
material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988). José Afonso entende que vida
privada, honra e imagem das pessoas, são aspectos da privacidade (SILVA, 2010, p. 206).
Importante também é não confundir privacidade com anonimato. Enquanto a
privacidade diz respeito a algo de natureza particular, que por isso se mantém reservado, o
anonimato é a característica daquele que se esconde – seja ocultando sua identidade, seja
valendo-se de outra que não a sua. O Art. 5º da Constituição Federal, ao garantir a liberdade
de pensamento, veda o anonimato. Pinheiro (2016, p. 90) entende que o anonimato na rede
associado com a ideia de impunidade é algo que faz se intensificar os crimes contra a honra
(nesse sentido, o Marco Civil ao tratar da guarda de registros de acesso, logs, preocupa-se
com a identificação da autoria de delinquentes digitais que, muitas vezes, agem através do
manto do anonimato). Por conta da necessidade de se responder pelos danos que possam ser
decorrentes de suas declarações é que a CF/88 enuncia a vedação ao anonimato (PINHEIRO,
2016, p. 90).
No meio ambiente digital, todavia, verifica-se uma prática disseminada da
utilização de perfis falsos, os fakes, tanto por parte daqueles que querem apenas manter-se
mais resguardados por questões de segurança, quanto por aqueles que tencionam cometer
práticas delitivas através de contas falsas. Esses abusos costumam ocorrer sobretudo por meio
das redes sociais, nas quais alguns indivíduos mal intencionados agem anonimamente (haters)
no sentido de denegrir e ofender a honra e a imagem de outras pessoas.
Certos atos de agressão ou assédio digital configuram o que se costuma chamar
cyberbullying e os alvos são os mais diversos (e se torna algo ainda mais crítico quando envolve menores, uma vez que as ofensas podem ser psicologicamente mais graves para as
vítimas22).
Vê-se, portanto, que a privacidade, o anonimato e a liberdade de expressão no
meio digital precisam ser analisados de forma a não serem permitidos abusos, principalmente
aqueles que impliquem em ofensas ou danos a terceiros. Pensando na necessidade de serem
averiguadas as identidades de eventuais criminosos digitais, a Lei nº 12.965, de 23 de abril de
2014, trouxe algumas disposições que auxiliam o trabalho investigativo. Essa e outras
novidades trazidas pelo chamado Marco Civil da Internet são analisadas no tópico seguinte.
2.3.3 Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014: Marco Civil da Internet
A Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, o Marco Civil da Internet, é também
conhecida como a Constituição da Internet23, uma vez que traz disposições acerca de direitos e
deveres de usuários da internet, assim como dos provedores de conexão e de serviços (JESUS;
MILAGRE, 2016, p. 152).
Importante observar que a Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012, traz os
chamados crimes informáticos, mas não versa sobre aspectos atinentes aos deveres
cooperativos dos provedores de acesso à internet quando da investigação desses delitos. Nesse
sentido, pode-se dizer também que o Marco Civil é complementar à lei que tipifica os crimes
informáticos (JESUS; MILAGRE, 2016, p. 152).
O Marco Civil, além de outros assuntos, versa sobre a responsabilidade dos
provedores de acesso à internet, algo que há muito vinha sendo demandado pela sociedade.
Acerca disso, Jesus e Milagre (2016, p. 152) lembram que anteriormente ao Marco Civil da
Internet não havia disposições legais que obrigassem os provedores de internet a registrar os
logs de atividades dos seus usuários. Assim, a tarefa de se identificar a autoria dos delitos informáticos tornava-se mais complexa24.
Passando-se à análise do conteúdo dessa lei, verifica-se nas disposições
preliminares que o Art. 1º enuncia que por essa norma são estabelecidos princípios, garantias
e deveres para o uso da internet no Brasil.
O Art. 2º, por sua vez, prescreve que o uso da internet em nosso país está
fundamentado no respeito à liberdade de expressão, assim com pelo: “reconhecimento da
escala mundial de rede”; “os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o
23 “O Marco Civil é considerado uma vitória da sociedade brasileira. Uma reclamação da sociedade civil, em 2009, que repudiou as iniciativas no sentido de criminalizar condutas na Internet, exigindo, antes, que o Congresso desse uma carta de direitos dos internautas.” (JESUS; MILAGRE, 2016, p. 152).
exercício da cidadania em meios digitais”; “a pluralidade e a diversidade”; “a livre iniciativa,
a livre concorrência e a defesa do consumidor”; e “a finalidade social da rede”.
Como princípios norteadores da disciplina do uso da internet, o Art. 3º elenca:
“garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos
da Constituição Federal”; “proteção da privacidade”; “proteção dos dados pessoais, na forma
da lei”; “preservação e garantia da neutralidade de rede”; “preservação da estabilidade,
segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os
padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas”; “responsabilização dos
agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei”; “preservação da natureza
participativa da rede”; e “liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde
que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei”.
São elencados, no Art. 4º, os objetivos da disciplina do uso da internet no Brasil,
são eles a promoção: “do direito de acesso à internet a todos”; “do acesso à informação, ao
conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos”; “da
inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso”; e
“da adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comunicação, a acessibilidade e a
interoperabilidade entre aplicações e bases de dados”. (BRASIL, 2014).
Ainda nas disposições preliminares, o legislador optou, convenientemente, por
definir alguns termos utilizados. Desse modo, no Art. 5º encontram-se:
I - internet: o sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes;
II - terminal: o computador ou qualquer dispositivo que se conecte à internet;
III - endereço de protocolo de internet (endereço IP): o código atribuído a um terminal de uma rede para permitir sua identificação, definido segundo parâmetros internacionais;
IV - administrador de sistema autônomo: a pessoa física ou jurídica que administra blocos de endereço IP específicos e o respectivo sistema autônomo de roteamento, devidamente cadastrada no ente nacional responsável pelo registro e distribuição de endereços IP geograficamente referentes ao País;
V - conexão à internet: a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP;
VII - aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet; e
VIII - registros de acesso a aplicações de internet: o conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado endereço IP. (BRASIL, 2014), (grifou-se).
Em seguida, são elencados no Art. 7º os direitos assegurados aos usuários da
internet. Dentre eles, estão: a inviolabilidade à intimidade e à vida privada e a inviolabilidade
das comunicações privadas que estiverem armazenadas.
No Art. 8º está enunciado que, para o exercício do direito de acesso à internet, são
necessárias as garantias do direito à privacidade e de liberdade de expressão. Algo bastante
pertinente, pois sem a garantia da privacidade se inibiriam produções de conteúdo de natureza
pessoal; e sem a liberdade de expressão se tolheria a capacidade de o indivíduo externalizar
aquilo que ele licitamente pode.
Trata a seção II, do Capítulo III, do Marco Civil, da proteção de registros, de
dados pessoais e das comunicações privadas. O Art. 10 dispõe que a guarda, assim como a
disponibilização dos registros de acesso precisam se pautar na preservação da intimidade, vida
privada e honra das partes envolvidas. O § 1º, do referido artigo, estabelece que o provedor
responsável pela guarda dos dados estará obrigado a disponibilizar os registros de acesso que
auxiliem na identificação do usuário ou terminal, por meio de ordem judicial (BRASIL,
2014).
Outro ponto que merece ser analisado na Lei nº 12.965/2014 é o que trata da
guarda de registro de conexão, encontrada no Art. 13. Lembram Jesus e Milagre (2016, p.
156) determinar o dispositivo referido que os registros de conexão deverão ser armazenados
pelos provedores de acesso, os que conectam o usuário à rede, pelo prazo de um ano. Os
provedores de aplicações ou de serviços, por sua vez, conforme disposição do Art. 15,
deverão guardar os registros de acesso dos usuários por seis meses. Apesar desses prazos, a lei
ressalva que autoridades administrativas ou o Ministério Público poderão requerer de forma
cautelar que eles sejam maiores que os estabelecidos, lembrando que os dados só poderão ser
fornecidos por meio de ordem judicial.
Acerca da responsabilidade por danos oriundos de conteúdos gerados por
terceiros, o Art. 18 enuncia que os provedores de conexão não serão responsabilizados
danos gerados por terceiros se, depois de uma ordem judicial, não tornarem indisponível o
conteúdo infringente (BRASIL, 2014). Nesse sentido, também interessa que se observe o Art.
2125.
Assim, o Marco Civil da Internet, além de ser uma carta de direitos e deveres para
usuários e provedores, também traz mecanismos pelos quais é possível uma maior
operacionalização da legislação acerca dos crimes informáticos26. Ademais, a Lei nº
12.965/2014 é complementar às que tratam dos crimes informáticos, que são o objeto desse
trabalho.
25 “Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo. Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido.” (BRASIL, 2014).
3 ASPECTOS GERAIS DO DIREITO PENAL INFORMÁTICO
Para o entendimento do Direito Penal Informático é salutar que sejam analisados
certos aspectos que envolvem a principiologia aplicável. Isso porque os tipos penais devem
obedecê-la para uma maior observância dos fins que o Direito pretende atingir (como a paz
social). Assim, não seria razoável um tipo penal que fosse contrário aos princípios da
humanidade das penas, da presunção de inocência ou da insignificância, por exemplo.
3.1 A principiologia27 aplicável ao Direito Penal28
O Direito Penal se pauta por alguns princípios norteadores29, quais sejam:
princípio da intervenção mínima, da fragmentariedade, da lesividade, da alteridade, da
insignificância, da adequação social, dentre outros.
O princípio da intervenção mínima indica que apenas aqueles bens jurídicos mais
relevantes devem receber a proteção do Direito Penal. Tal cuidado deve ser sempre levado em
conta também em razão de uma característica peculiar das normas penais que é a de prever
em seus tipos a pena de encarceramento. Por conta da intervenção mínima, quando
determinado bem já recebe a devida proteção por parte de outro ramo do Direito, não é
necessário que as normas penais interfiram, visto se tratarem de ultima ratio.
O princípio da fragmentariedade deriva da intervenção mínima. Segundo ele, o
Direito Penal deve se ocupar apenas de alguns pontos ou segmentos da ilicitude, daí sua
característica fragmentária. Para Bitencourt (2014, p. 55), ao se referir a esse princípio, o
Direito Penal deve proteger apenas os valores que sejam imprescindíveis para a sociedade (e
não todos os bens jurídicos). Além disso, deve-se observar a própria condição subsidiária do
Direito Penal, ou seja, ele não deve reprimir uma conduta lesiva se ela puder ser devidamente
punida no âmbito do Direito Civil, por exemplo.
27 Quando da distinção entre regras e princípios, escreve Ávila (2010, página 78 a 79) que “as regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.”
28 Para uma análise dos princípios gerais de Direito, conferir Maximiliano (2007, p. 241 a 246).
O princípio da lesividade, ou da ofensividade, também guarda relação com o da
intervenção mínima e pode ser definido como aquele segundo o qual as normas penais devem
incidir sobre os crimes que lesionam, ou que expõe à lesão, importantes bens jurídicos. O
princípio da lesividade atesta que as normas penais devem combater apenas aquelas condutas
que tenham efetivo potencial lesivo aos bens jurídicos mais relevantes. Por conta desse
princípio, uma ação que não tenha capacidade, em si, de causar a lesão não merece receber a
reprimenda penal. Bitencourt (2014, p. 61) recorda que “para que se tipifique algum crime,
em sentido material, é indispensável que haja, pelo menos, um perigo concreto, real e efetivo
de dano a um bem jurídico penalmente protegido”.
O princípio da alteridade proíbe que sejam incriminadas aquelas condutas cuja
ofensa atinja apenas o próprio agente, que não transcendem além dele. Por conta desse
princípio, não é punível a automutilação. Da mesma forma, não faria sentido um tipo de
direito penal informático que previsse a modalidade de causar dano ao próprio equipamento
informático, ou invadir os próprios dados informatizados.
O princípio da adequação social é aquele que diz não ser devido o alcance das
normas penais àquelas condutas socialmente aceitas. Trata-se de uma redução da abrangência
do campo penal, e não de uma revogação pelos costumes. Segundo Bitencourt (2014, p. 57)
“as condutas que se consideram ‘socialmente adequadas’ não se revestem de tipicidade e, por
isso, não podem constituir delitos”.
O princípio da insignificância30 indica que o Direito Penal não deve se ocupar de
ninharias, bagatelas. Para que algo seja considerado típico, é preciso que uma ofensa de
considerável gravidade tenha atingido algum bem jurídico protegido em lei (BITENCOURT,
2014, p. 60). Assim, para que seja insignificante, a conduta deve ter mínimas ofensividade e
periculosidade, assim como o grau de reprovabilidade da ação deve ser reduzido e a lesão
provocada ser de pouca monta. Tal princípio, todavia, encontra algumas restrições, quais
sejam: em crimes contra a fé pública; crimes militares; aqueles crimes em que há uso de
violência ou de grave ameaça; crimes de perigo abstrato; e crimes ambientais.
Além desses princípios ora referidos, o Direito Penal também é norteado por
alguns princípios constitucionais (legalidade, responsabilidade pessoal, individualização da
pena, humanidade da pena, presunção de inocência) os quais são tratados em seguida.
O princípio da legalidade estrita, um dos mais caros ao Direito, prescreve que não
haverá crime se, anteriormente ao cometimento da ação, não havia a devida cominação
legal31. Essa prescrição limita o poder que o Estado tem de punir (BITENCOURT, 2014, p.
50). Tal princípio engloba a reserva legal (apenas a lei pode definir crimes), a anterioridade da
lei penal (a norma precisa ser anterior ao crime, retroagindo apenas em benefício do réu) e a
taxatividade (a norma deve ser clara). O princípio da legalidade está previsto no Art. 5º, inciso
XXXIX, da Constituição de 1988, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal” (BRASIL, 1988).
O princípio da responsabilidade pessoal do agente, ou da personalidade da pena,
encontra previsão no Art. 5º, inciso XLV, CF/88, o qual enuncia “nenhuma pena passará da
pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de
bens ser, nos termos da lei, estendidas (...)” (BRASIL, 1988). Ou seja, a pena não deve passar
além daquele que for condenado pelo crime.
O princípio da individualização da pena é enunciado pela Constituição, Art. 5º,
inciso XLVI, CF/88, de forma que a lei deverá adotar a individualização através da adoção
das penas elencadas pelo dispositivo, quais sejam: privação ou restrição de liberdade, perda de
bens, multa, prestação social alternativa, suspensão ou interdição de direitos (BRASIL, 1988).
Assim, sintetiza Prado (2013, p. 172), “o princípio da individualização da pena obriga o
julgador a fixar a cominação legal (espécie e quantidade) e a determinar a forma de sua
execução”.
O princípio da humanidade encontra-se disposto no Art. 5º, inciso XLVII, CF/88,
proibindo a adoção de penas de morte32, perpétuas, de trabalhos forçados, de banimento e
31 Costuma-se usar o brocardo nulla poena sine lege (TABOSA, 2007, p. 303). Maximiliano (2007, p. 261) lembra que “em Roma, sobretudo na esfera criminal, não se distinguia, como hoje, entre as funções de legislador e as de juiz; gozava este de autoridade enorme, quase sem peias. Era natural que a restringissem os vindouros, cerceadores de toda onipotência, zelosos da própria liberdade. Entretanto ainda perdurou, relativamente, o arbítrio do magistrado até o século dezoito, quando se generalizou a reação, vitoriosa, contra ele. Daí o nullum crimen, nulla poena sine lege: ‘não há crime, sem pena, senão quando previstos em lei’.”
cruéis (BRASIL, 1988). Por conta desse princípio é que nosso ordenamento não pode adotar
penas cuja finalidade seja a de violar a incolumidade do preso, mas, sim, deve pautar-se no
sentido de promover a sua reinserção na sociedade (BITENCOURT, 2014, p. 71).
O princípio da presunção de inocência33, previsto constitucionalmente no Art. 5º,
inciso LVII, CF/88, prescreve que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988).
3.2 Nomenclaturas usuais e definição dos crimes informáticos
Apesar da diversidade de nomenclaturas possíveis para os delitos34 que versam
sobre o acesso não autorizado a sistemas computacionais e sobre a violação a dados
informatizados, parece mais apropriado a denominação crimes informáticos35. Para Vianna
(2003, p. 9) seria absurdo chamarmos delitos virtuais, uma vez que não haveria razão para
cuidar-se de um “bem jurídico virtual”.
Quanto à expressão “delitos computacionais”, Vianna (2003, p. 10) entende que a
terminologia também não é a mais adequada, visto que o termo remete à ciência da
computação, que trata de outros objetos como, por exemplo, os programas de computadores.
Segundo o mesmo autor, nos delitos ou crimes informáticos o bem juridicamente protegido é
precisamente a informação (dados) existente em determinado dispositivo computacional.
No mesmo sentido trata Silva (2003, p. 57)36:
33 Interessante observação é a feita por Oliveira (2004, p. 174) de que “o princípio da inocência é, efetivamente,
estrutural, na medida em que se localiza na raiz de qualquer modelo processual com pretensões garantistas. Com efeito, uma vez afirmada e reconhecida a inocência, não como presunção, mas como verdadeira realidade ou
concretização jurídica, dessa realidade, entendida como posição do sujeito diante das normas da ordenação, resultarão também direitos subjetivos públicos, a serem exercidos em face do Estado, que haverá de justificar sempre, ou em lei ou/e motivadamente – quando judicial a decisão – quaisquer restrições àqueles direitos.” (grifos no original).
34 “(Do latim, dilínquere, delictum = errar, pecar, transgredir, delinquir). Delito é a palavra com que mais comumente se designa o que hoje chamamos de crime. Também eram usadas outras palavras, como maleficium
ou crimen (críminis, pl. crímina). Estas, porém, com menos freqüência. Há quem admita a distinção de uso entre delictum e crimen.” (TABOSA, 2007, p. 303). Adiante, referencia Fritz Schulz ao dizer que “Delicta eram os crimes privados; e crimina eram os crimes públicos.” (TABOSA, 2007, p. 303), (grifos no original).