Renan Figueiredo Menezes – Bolsista PET - Filosofia / UFSJ (MEC/SESu/DEPEM)
Orientadora: Profa. Dra. Glória Maria Ferreira Ribeiro - DFIME / UFSJ (Tutora do Grupo PET Filosofia)
Resumo: Propõe-se uma reflexão sobre o feminismo a partir da análise da personagem central da obra Antígona de Sófocles (496 a.C? – 406 a.C.). A partir dos livros: “O rosto materno de
Deus: ensaio interdisciplinar sobre o feminismo e suas formas religiosas” de Leonardo Boff e “Le Deuxième Sexe” (O Segundo Sexo) de Simone Beauvoir, enfoca-se a forte presença do feminismo e
a colaboração dos personagens secundários (Créon, Coro e Ismênia) dentro da tragédia Antígona. Palavras-chave: Tragédia grega, Antígona, feminismo.
ste artigo pretende relacionar aspectos do movimento feminista, como por exemplo: luta pelo reconhecimento, voz ativa, poder, igualdade de direitos, espaço, entre
tantos outros, com a personagem principal da obra de Sófocles (496-405 a.C), intitulada
Antígona. Para isso baseio-me principalmente nos livros: O rosto materno de Deus. Ensaio interdisciplinar sobre o feminino e suas formas religiosas, do teólogo Leonardo Boff e O Segundo Sexo de Simone Beauvoir, da escritora, filósofa, existencialista e feminista francesa
do século XX.
O termo "feminismo" é visto de forma desvalorizada no campo das ciências sociais, no nosso caso, literário, mas na Europa Ocidental e nos Estados Unidos a partir da primeira metade do século XIX; as mulheres o utilizavam enquanto um movimento e até mesmo uma filosofia de vida, para combater as injustiças sociais existentes nas instituições econômicas, sociais e políticas, pois desejavam o direito ao voto e ao ensino superior. O feminismo surge, então, como um modo de afirmação da vida. A mulher afirma o seu modo de ser e estar no mundo, de modo a ser reconhecida como uma força de transformação social e política. Por conseguinte, não se trata de diluir o feminino no masculino, de se apagar as diferenças existentes entre um modo de ser e outro; trata-se antes de assegurar à mulher o direito do seu ser e estar no mundo de forma justa
.
Na época de Sófocles a mulher tinha seus direitos bastante restritos à manutenção do lar e ao cuidado para com os filhos, somente os homens tinham acesso às atividades públicas como a filosofia, a política e a arte sendo assim a mulher servia de suporte à vida do homem. As citações a seguir comprovam este comportamento machista da época.
Aristóteles dizia que “a mulher é mulher em virtude da falta de certas qualidades”, Pitágoras disse “há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher.”
Antígona personagem principal da peça antes de qualquer análise é uma heroína, pois mesmo sendo meiga e suave, angelical, pura e humilde ela é determinada e altiva, e luta bravamente para romper valores muito fortes da época, características estas muito similares ao feminismo.
De todos os valores simbólicos que Antígona representa, citados anteriormente, a insurreição das massas, representada na peça através do coro, contra a tirania de Créon, é a mais marcante, pois pela sua boca altiva o povo amordaçado pelo medo, enfrenta a prepotência aliada com o poder de Créon, com a cabeça erguida.
No trecho a seguir, o coro em sua ultima fala na peça, se volta a Créon para alertá-lo de seus atos errados:
O Coro
[...] prudência é a primeira condição da felicidade. Sobretudo não esqueçamos
que os deuses são implacáveis em relação aos ímpios. Aos presunçosos, os grandes golpes da sorte
fazem pagar caro a sua jatância e lhes ensinam,
embora tardiamente, a ser cautelosos. (SÓFOCLES, 1958, p.95)
O que Antígona tem em comum com o feminismo é que os dois anunciam o direito de qualquer cidadão se erguer contra as ordens absurdas, Créon é o Estado que escraviza, Antígona a nação que se rebela.
Essa “rebeldia” de Antígona manifesta-se na peça principalmente, através da inconformidade com o não sepultamento de seu irmão Polinice:
Antígona
A sepultura que é devida a nossos dois irmãos, Créon não pretende conferi-la a um e recusar a outro? Diz-se que mandou enterrar Eteocle, segundo o rito,
afim de assegurar-lhe junto aos mortos um acolhimento honroso, e isso era o seu dever.
Mas ao infeliz Polinice proibiu que se o enterre
Antígona ao tentar ir contra o poder é vista como desviada, louca ou na melhor das hipóteses uma exceção, embora a estrutura formal da autoridade da sociedade grega da época de Sófocles declarasse que a mulher é impotente e irrelevante.
Ainda nesta temática da “rebeldia” podemos citar Leonardo Boff:
Tanto o varão (termo este utilizado pelo teórico para se referir aos homens) quanto a mulher projetam, a seu modo, a existência, têm suas maneiras de tecer suas relações e costurar suas rupturas existências e sociais.(BOFF, 1983, p.53) Antígona opta pela ruptura de outras leis: as humanas (Créon) em favor de leis divinas (todo ser humano tem direito aos rituais sagrados de sepultamento).
Diferenciando cada personalidade; a feminina, com raras exceções, baseia-se na relação e na ligação com outras pessoas, em contraste a masculina parece estar baseada na negação da relação e da dependência, talvez isto explique a inconformidade da nossa heroína e a insensatez do Rei Creonte.
As relações de Creonte para com a Antígona estão envenenadas por um fundamental desejo de dominação aliado a sua auto-afirmação. Na peça esse desejo de se impor, de dominar, implica na eliminação de outros (Antígona e seu próprio filho Émon).
Estes sentimentos ruins presentes na relação destes dois personagens pode ser explicado segundo Simone de Beauvoir pelo fato de que “quando duas categorias humanas se acham em presença, cada uma delas quer impor à outra sua soberania.” (BEAUVOIR, 1949, p 38).
Quando Créon ordena a morte de Antígona ele comprova para si sua superioridade, já que além da diferença dos sexos, outro fator que marca a supremacia no povo grego é o “poder” sobre a vida do outro.
Partindo para a análise de um outro personagem, Ismenia, podemos perceber que Sófocles atribui ao seu discurso um forte antagonismo em relação a Antígona, pois a primeira representa a conformidade e passividade diante da situação imposta a ela (mulher). Para melhor evidenciar esta afirmação cito um diálogo entre as duas irmãs:
Antígona
[...] As cousas estão neste pé e, agora, tu mostrarás, sim ou não, se és digna de teu sangue.
Ismenia
Mais adiante no mesmo diálogo Sófocles insere definitivamente um discurso passivo e até obediente por parte de Ismênia:
Ismênia
[...] Não se esqueça que somos mulheres e não poderemos lutar contra os homens.
O Rei é o Rei. [...] Eu me inclinarei deante da força. É loucura empreender mais do que se pode. (SÓFOCLES, 1958, p.34)
Essa discrepância entre as atitudes das irmãs pode ser explicada segundo Boff pela formação social de cada uma. Outra explicação plausível pode ser o desejo de Sófocles de ao mesmo tempo demonstrar atitudes renovadoras, neste caso Antígona, e ortodoxas, neste Ismênia, da época em que viveu, pois seu contemporâneo Aristóteles já dizia ser a tragédia uma imitação de uma ação séria.
Concluindo. Antígona, assim como o feminismo; reage sempre que em face da opressão, sem temores de qualquer espécie, pois o “holocausto” das feministas em oposição à consciência do dever cumprido nos mostra que não é em vão o sacrifício.
Já a segunda conclusão trata-se da leitura que fizemos desta obra sobre o aspecto (feminismo) que é, em essência, uma forma de interpretação, uma das muitas que qualquer texto complexo terá; porém nenhuma outra análise será tão verdadeira ao valor individual não só de Antígona, mas, como de todas as mulheres.
A comparar a época grega e a nossa, percebemos grandes conquistas por parte das mulheres, mas há ainda muito a ser melhorado como, por exemplo, o próprio desejo de algumas mulheres e sua conscientização pela eterna luta por seus direitos.
Finalizo este artigo com uma citação de Simone de Beauvoir, a respeito deste desejo, que as mulheres tem que ter e sempre lutar fazendo o possível para conseguir mais adeptos a cada dia que passa: “O que elas (mulheres) reivindicam hoje é serem reconhecidas como existentes ao mesmo título que os homens e não de sujeitar a existência à vida.” (BEAUVOIR, 1949, pg.85).
Referências bibliográficas
SÓFOCLES. Antígona; tradução de Heitor Moniz. – São Paulo: Revista dos Tribunais.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo v.1 – Fatos e mitos; v.2 – A experiência vivida; tradução de Sérgio Milliet. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 8ª edição.
BENHABIB, Sheyla & CORNELL, Drucilla (coordenadoras). Feminismo como crítica da
modernidade: releitura dos pensadores contemporâneos do ponto de vista da mulher. Rio
de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1987.
BOFF, Leonardo. O Rosto Materno de Deus: ensaio interdisciplinar sobre o feminino e suas formas
BRANCO, Lúcia Castelo. O que é escrita feminina. São Paulo: Brasiliense, 1991.
LEITE, Miriam Lifchitz Moreira. Outra Face do Feminismo: Maria Lacerda de Moura. São Paulo: Editora Ática, 1984.