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UMA GEOMETRIA PARA ENSINAR: considerações sobre saberes geométricos em livros didáticos para escola de ensino primário

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 57 UMA GEOMETRIA PARA ENSINAR: considerações sobre saberes geométricos

em livros didáticos para escola de ensino primário

Márcio Oliveira D’Esquivel1

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar em perspectiva histórica como são “fabricados” os saberes geométricos constantes dos livros didáticos de geometria para escola de ensino primário. Para tanto buscou-se discutir alternativas teórico-metodógicas de abordagens da questão tendo como empiria as análises realizadas sobre livros didáticos de geometria catalogados no Repositório de Conteúdo Digital da História da Educação Matemática. Como resultados parciais o estudo aponta para sensíveis transformações nas abordagens didático-pedagógicas dos conteúdos de geometria em livros didáticos nas décadas iniciais do século XX. É possível nesse sentido que esteja em questão o inicio de uma nova articulação entre os saberes práticos/profissionais, saberes científicos e os saberes disciplinares específicos.

PALAVRAS CHAVES: Saberes geométricos, livro didáticos, ensino primário.

ABSTRACT

The present study aims to analyze in historical perspective as they are "manufactured" the knowledge contained geometric of textbooks for geometry for school of primary education. To this end we sought to discuss theoretical alternatives-metodógicas of approaches to the question having as empirics the analysis performed on didactic books of geometry cataloged in the repository of Digital Content in the History of Mathematics Education. As partial results the study points to sensitive changes in approach didactic-pedagogical contents of geometry in textbooks in the early decades of the twentieth century. It is possible in this direction that is in question, the beginning of a new linkage between the practical/professional, scientific knowledge and the knowledge specific disciplinary.

KEY WORD: Geometric knowledge, textbook, primary education.

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 58 Introdução

A escola produz saber? É possível falar de uma “cultura escolar”? Quais saberes fazem parte da cultura escolar? Por que estes e não outros? Qual a natureza do saber escolar? Como analisá-lo do ponto de vista de sua constituição e especifidades? A pertinência dessas e outras questões estão nos cerne dos estudos que atribuem aos saberes escolares estatuto próprio, e, portanto uma epistemologia própria. De forma específica, interessa-nos para o trabalho em questão compreender como vai se constituído uma geometria para ensinar nos livros didáticos para o ensino primário. Dito de outra maneira interessa-nos analisar numa perspectiva histórica como são “fabricados” os saberes geométricos constantes dos livros didáticos de geometria para escola de ensino primário.

Neste trabalho discutimos alternativas teórico-metodológicas de abordagens da questão e apresentamos resultados parciais das análises realizadas sobre livros didáticos de geometria catalogados no repositório. Para tanto organizamos a exposição em quatro momentos. Incialmente retoma-se as discussões que analisam a relação entre saberes escolares e saberes matemáticos. Em um segundo momento procurou-se analisar as contribuições do referencial teórico suíço para compreensão do processo de transformação dos saberes em saberes “ensináveis”. Procurou-se identificar em que medida tais estudos podem auxiliar na análise dos saberes geométricos constantes de livros didáticos de geometria. Por fim, nas duas últimas partes do trabalho discute-se possibilidades de pesquisa que tem como objeto de investigação edições didáticas de livros escolares e apresenta-se os resultados parciais das análises realizadas sobre saberes geométricos em livros didáticos catalogados no Repositório de Conteúdo Digital da História da Educação Matemática.

Sobre a natureza do saber escolar e os saberes matemáticos

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 59 por tempos e contextos culturais específicos, pesa sobre o saber escolar a sua função educativa. Tornar saberes ensináveis no contexto cultural da escola, estrutura e configura de maneira peculiar o próprio saber escolar.

Uma vez estabelecida como primícias a singularidade do saber escolar, parece-nos quase que imediata a proposição da seguinte questão: como analisá-lo do ponto de vista de sua constituição e especificidades? Tal questão está no cerne dos estudos que atribuem ao saber escolar epistemologia própria. Da complexidade de sua investigação derivam abordagens teóricas que concebem o saber escolar em perspectivas diferentes de estudo. Sem a pretensão de discutir tendências teóricas de investigação da natureza do saber escolar2, limitaremo-nos, para os fins desse trabalho, em discutir possibilidade de análise do processo de constituição dos saberes geométricos nos livros escolares numa perspectiva histórico-epistemológico-didática que considere a singularidade do espaço escolar na produção/invenção dos saberes.

Se, diga-se em primeiro, em relação à natureza do saber escolar os estudos tem avançado nos últimos anos, em relação à configuração interna dos saberes escolares específicos, e de maneira particular dos saberes matemáticos para os primeiros anos escolares, os estudos ainda são um campo aberto à investigação. A complexidade de tais estudos está no fato de que investigar a lógica interna dos saberes matemáticos implica desvelar o seu funcionamento, sua estrutura e o processo histórico de constituição. Nessa direção o recente trabalho publicado por Valente sob o título Les enjeux da pesquisa em história da educação matemática nos anos iniciais escolares indica possibilidades de pesquisa sobre a natureza do saber matemático da escola primária, do qual aproxima das ideias apresentadas neste ensaio. Sobre estes estudos nos deteremos nas análises que seguem.

Para Valente o ensino primário historicamente orientou-se ora na perspectiva de promover o ensino na forma de rudimentos, ora na forma de elementos3. Tais objetivos inscreviam-se sobretudo nas finalidades prescritas para o ensino primário em cada tempo histórico. Ainda, Valente analisa que a peculiaridade da organização dos saberes matemáticos na escola primária está no fato de que, para este nível de ensino, os saberes

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Para aprofundamento pode-se tomar os textos de (CHERVEL, 1990); (CHEVALLARD, 1995) ou ainda os textos que analisam as implicações para os saberes específicos de uma ou outra corrente teórica tais como (VIDAL, 2005), (MONTEIRO, 2001, 2003); (VALENTE, 2003, 2005,2015, 2016).

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 60 não se ligariam diretamente às disciplinas científicas de referência. Antes se organizariam em torno de matérias/rubricas. Por fim, considera que concorrem para constituição dos saberes matemáticos escolares a própria ação inventiva dos professores que “ao fabricarem ao longo do tempo a sua didática, o seu modo de mobilizar os saberes, acionam conhecimentos práticos, do saber-fazer, que se integram na elaboração de novos saberes que, ao longo do tempo, ganham sistematização”. (Valente, 2016, p. 290). Nesse sentido o que defini a natureza do saber escolar não seria o desenvolvimento linear de um conhecimento específico, mas a intricada relação entre práticas, didática e as finalidades de ensino postas para cada tempo.

Ao assumir que métodos e didáticas participam do processo de constituição dos saberes matemáticos para escola de ensino primário, assume-se igualmente, que estes não são algo fora do ensino, mas que transformam os próprios saberes, constituindo-os. Dito dessa maneira, tudo nos leva a crer, que só uma abordagem que considere as transformações dos saberes numa perspectiva histórica pode colocar em evidência o processo de estruturação e objetivação de saberes matemáticos para escola primária.

Importa-nos, para o trabalho em questão, analisar como em livros didáticos para o ensino de geometria se articulam praticas, didáticas, métodos e conteúdos na constituição dos saberes geométricos para escola primária.

Orienta-nos os estudos de Hofstetter & Scheuwly (2014) sobre o processo de constituição dos saberes necessários a profissão do ensino e da formação. Para estes autores diferentemente das abordagens que investigam a natureza dos saberes profissionais como emergência do saber-fazer individual, interessa investigar os saberes objetivados. Estes como representações sancionadas têm estatuto distinto dos saberes práticos contextuais.

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 61 Saberes geométricos e ensino objetivado em livros didáticos

“A escolha dos saberes e a sua transformação em saberes a ensinar é resultado de processos complexos que transformam fundamentalmente os saberes a fim de torna-los ensináveis.” (HOFSTETTER & SCHEUWLY, 2014, p. 14, no prelo).

Considerar a especificidade da natureza do saber escolar tem implicações diretas na maneira como se concebe seu processo de constituição. Dito de outra maneira, os saberes uma vez produzidos na e pela escola, carregam em si a marca indelével da configuração desse espaço. Sobre as características que definem a singularidades do espaço escolar Hofstetter & Scheuwly (2014), recorrem à etimologia da palavra “escola”: do grego “scholè” 4. Espaço da “aprendizagem intencional” cujo princípio fundamental é transformar o próprio sujeito. Caracterizam a escola, dentre outros elementos, o fato de que os conteúdos nela ensinados são o resultados de processos complexos de transformações e modelizações.

A universalização do ensino transforma as próprias finalidades da escola, imprimindo-lhe características cada vez mais gerais. As transformações que se operam no sistema de ensino, cujas finalidades gradativamente migram das práticas específicas contextuais para ações sistemáticas de formação, imprimem mudanças na “forma escolar” e na maneira como esta organiza o ensino. Com a reconfiguração do espaço escolar, as práticas sociais com as quais ela mantém intima relação são,

convertidas em discursos. Despersonalizadas, teorizadas, didatizadas, tornam-se transmissíveis, reprodutíveis, ensináveis. Esta conversão de uma prática em texto substitui a situação (em ato) por um contexto, ou seja, pelo que se pode compreender fora das circunstâncias singulares onde ela ocorre (HOFSTETTER & SCHEUWLY, 2014, p. 8, no prelo).

Depreende-se das análises apresentadas que, ao que tudo indica, a gradativa institucionalização da escola caminha pari passu com a objetivação dos saberes5.

4Do grego “skhole” – de onde a escola tira sua etimologia – exprime primeiro a ideia de lazer, em seguida a de atividade intelectual feita com prazer, e finalmente de estudo. Espaço instaurado (de tempo e lugar) totalmente reservado à aprendizagem. Tempo livre das ocupações e das preocupações práticas, que organiza de forma privilegiada o lazer estudioso. Colando-se na condição de subtrair de seus objetivos as necessidades imediatas e as urgências dos fins práticos a “skholé” inventa o espaço onde seria possível se dedicar a experiência “desinteressada” do pensamento. (HOFSTETTER & SCHEUWLY, 2014)

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 62 Dando-lhe identidade. Saberes objetivados, organizados em sistemas, constituem assim o foco essencial da investigação proposta pelos autores.

Livros didáticos escolares nesse sentido, como instrumento de mediação do ensino, cumprem a função de estruturar o saber a fim de torná-los ensináveis. No contexto da especificidade da cultura escolar assumem a função de “tornar presente o que está ausente: pela narrativa, pelo texto, pelo exemplo, pelo exercício”. A análise dos seus elementos em perspectiva histórica possibilita que se investigue o processo de constituição dos saberes escolares didatizados e que estão formalizados de forma objetiva.

Saberes geométricos em livros didáticos: possibilidades para investigação

Um primeiro desafio posto a nossa intenção de investigação, relaciona-se ao fato de que tal problemática se encontra no intercruzamento entre os estudos que analisam o processo de constituição histórico-epistemológico-didática de saberes, e aqueles que tomam livros e manuais escolares como objeto de investigação. Poderíamos sintetizar tal desafio na seguinte questão: como desenvolver análises sobre o processo de constituição e objetivação dos saberes geométricos em livros didáticos6 para escola primária que considere as especificidades das investigações que tomam livros escolares como objeto de estudo? A solução da questão não nos parece ser trivial, dada a complexidade dos estudos que tomam um ou outro tema para pesquisa. Não há, de toda forma, modelos metodológicos que possam ser seguidos cujo cumprimento dos passos levaria a investigação das premissas à tese.

Sobre a questão do método e a condução das análises, lembra-nos Munslow (2009) que “a evidência está aí para que possamos dela inferir significados e, assim criarmos conhecimento histórico. Contudo, a inferência do significado emerge na medida em que organizamos, configuramos e enquadramos os dados”. (Munslow, 2009, p.17) Dito de outra maneira, não há uma “verdade” sobre o processo de constituição dos saberes geométricos nos livros didáticos, que se queira revelar. Há sim, evidências transformadas em “fatos” que ganham significados mais amplos quando organizados

valorização social, tais saberes apresentam-se mais imunes a subjetividade dos que os enunciam ou daqueles que deles apropriam. (HOFSTETTER & SCHEUWLY, 2014).

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 63 pelo historiador através da interpretação. Dito dessa maneira é possível que perspectivas de abordagens de pesquisas sobre livros didáticos sejam tomadas como referência a fim de contribuírem para evidenciar as maneiras que saberes geométricos se estruturam e se formalizam historicamente nos próprios livros.

De forma específica, interessa-nos compreender como historicamente vai se constituindo uma geometria para ensinar para escola de ensino primário a partir da análise dos saberes objetivados em livros didáticos. Saberes, aqui compreendidos como representações sancionadas da realidade. Esquemas intelectuais produtores de sentido por sua natureza “conserváveis, acumuláveis, apropriáveis”.

Sobre pesquisas que tomam o livro como objeto de investigação convém retomarmos os estudos de Choppin (2004). Segundo este autor existe pelo menos duas possibilidades de considerar pesquisas que tomam edições didáticas do livro como objeto de investigação, abordagens que embora diferentes, não se excluem. Sendo em certa medida indissociáveis, cada uma dessas abordagens pode assumir importância relativa para aquele que investiga o livro didático:

a) Abordagens que o consideram a partir de sua materialidade: formatos, edições, editoras, estruturação dos tópicos, organização e sequenciamento capítulos etc. abordagem, que e ao contrario do que se parece, têm implicações diretas na trajetória de transformações dos saberes;

b) Abordagens que o consideram a partir da análise dos seus conteúdos, ora interessando-se por uma crítica ideológica e cultural, ora interessando-se por sua trajetória de constituição epistemológica ou propriamente didática dos saberes.

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 64 Para este trabalho apresenta-se os resultados parciais das análises realizadas sobre os elementos constantes dos paratextos7 de livros didáticos de geometria para escola de ensino primário catalogados no Repositório de Conteúdo Digital da História da Educação Matemática. A análise de tais elementos são indicadores, em geral, de ricas fontes de informações, revelando, com frequência, muito sobre o autor, suas concepções de matemática, ensino e aprendizagem; suas crenças, seus pontos de vista. Em certa medida, paratextos são reveladores dos discursos educacionais em circulação no período evidenciando processos de apropriação.

Paratextos em livros didáticos para o ensino primário: considerações sobre os saberes geométricos no início do século XX

Sem a pretensão de apresentar uma análise que explore toda a potencialidade das investigações que tomam como estudo os paratextos dos livros didáticos, nos limitaremos, para os fins desse trabalho, em esboçar algumas considerações sobre os textos introdutórios de livros de geometria para escola primária em circulação nas décadas iniciais do século XX. Acreditamos que, embora tais considerações apresentem resultados parciais, são indícios da trajetória de constituição dos saberes geométricos em livros didáticos para escola de ensino primário. Evidentemente que, como indícios, as inferências produzidas carecem de mais fundamentos que considerem, por exemplo, números de edições e tiragem, outras obras produzidas no mesmo período, instituições de ensino. Estes e outros elementos indicam possibilidades de escolhas e aprofundamentos que só poderão ser definidos no processo de construção da própria problemática investigação.

Neste primeiro exercício de análise procuramos analisar as seguintes questões: quem eram os autores dos livros didáticos? Como anunciavam a própria produção? Quais orientações didáticas e pedagógicas figuravam nos prefácios das suas obras? Há indicações de referências utilizadas? Qual público se direcionava? As obras aqui analisadas foram catalogadas a partir do levantamento realizado no Repositório de Conteúdo Digital de História da Educação Matemática. Para tanto, considerou-se os

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 65 livros didáticos para escola de ensino primária disponibilizados no repositório cuja geometria constituía temática de ensino.

O Quadro 1 apresenta os livros catalogados. Destes, apenas os livros Desenho Linear ou Elementos de Geometria Prática Popular de Abílio César Borges, Noções Intuitivas de Geometria Elementar de Gabriel Prestes, Geometria de Heitor Lyra da Silva do ano de 1923, foram tomados para análise. Em tais obras os paratextos explicitam opções metodológicas, referências utilizadas, concepções educacionais, público destinado, organização pedagógica.

Quadro 1 – Livros de geometria para o ensino primário

Fonte: Construído pelo autor a partir do Repositório de Conteúdo Digital da História da Educação Matemática.

Entendemos, a partir das análises preliminares realizadas, que há indícios de uma sensível mudança nas abordagens dos conteúdos de geometria para escola primária. Se em um primeiro momento o ensino de geometria para escola de ensino primário, tudo indica, orientar-se por uma prática pedagógica quase que artesanal, para a qual a habilidade de ensino do professor constitui o fator preponderante, nota-se obras em circulação nas décadas iniciais do século XX, que começam a ganhar espaço abordagens de ensino que o consideram não a partir da lógica interna do conteúdo, mas do ponto de vista daquele que aprende. É possível nesse sentido que esteja em questão o inicio de uma nova articulação entre os saberes práticos/profissionais, saberes científicos e os saberes disciplinares específicos. Importa-nos investigar quais implicações dessa nova reconfiguração dos saberes na constituição de uma geometria para ensinar nos livros didáticos.

TÍTULO DO MANUAL AUTOR ANO

1 Elementos de Desenho Linear Ayres de Albuquerque Gama 1880

2 Curso Elementar de Desenho Linear Paulino Martins Pacheco 1881

3 Desenho Linear ou elementos de Geometria Prática Popular

Abílio Cesar Borges Barão de Macahubas

1882

4 Elementos de Geometria Sabino da Luz 1895

5 Noções Intuitivas de Geometria Elementar Gabriel Prestes 1895

6 Primeiras Noções de Geometria Prática Olavo Freire 1905

7 Compêndio de Arithmetica para uso das aulas

preliminares Não consta

1920

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 66 Na condução das análises tomamos como ponto de partir o manual Desenho Linear ou Elementos de Geometria Prática Popular de Abílio César Borges8. A respeito do método de ensino de desenho, escreve o Borges:

o melhor processo que se pode empregar para interessar profundamente não um somente, porém todos os discípulos de uma classe, consiste em se executar em grande no quadro preto os traços das figuras. O professor chama a atenção dos seus ouvintes para os pontos mais interessantes, excita-lhes a curiosidade, e provoca entre eles a emulação pelas explicações e pelas interrogações um e a outro. (BORGES, 1882, XI).

E continua

[...] e chegam assim os discípulos com pouca fadiga quase sem perceberem o caminho percorrido, a receber pelos olhos e pelos

ouvidos as lições que foram dadas pela imagem e pela palavra.

(BORGES, 1882, XII, grifos nossos).

Borges ainda conclui sua digressão inicial indicando a gradação pretendida com os conteúdos abordados, progressão segundo o qual os conteúdos se organizariam das “ideias mais simples as mais complicadas” (BORGES, 1882, XII). Tal característica pode ser identificada na obra do autor. Ao que nos parece a categoria simples e complexo adotada por Borges considera a lógica interna do conteúdo: começa pelo estudo do ponto, da linha, ângulos até chegar aos sólidos. Estão ainda presentes na obra de Borges ao final dos capítulos quadros sinópticos e questionários com perguntas conceituais. Tais características “reiteram a importância em reproduzir a parte conceitual e formal, de maneira similar as práticas de ensino tradicional” (LEME DA SILVA, 2016, p. 7).

O livro de Gabriel Prestes9 por sua vez procura responder a questão: Como conciliar o ensino abstrato da geometria com a formação inicial? Indagação posta no

8

Abílio Cesar Borges (1824-1891) nasce na Bahia e, em 1858, troca sua carreira de médico pela atividade educacional ao fundar, nesse ano, o Ginásio Baiano; em 1871, transfere-se para Rio de Janeiro, instalando o Colégio Abílio. Em 1881, ganha de D. Pedro II o título de barão de Macaúbas. Sobre esse personagem, há muitos estudos. Um deles, de autoria de Gondra & Sampaio (2010), resume do seguinte modo sua trajetória: médico, gestor da instrução pública, dono de escola, homem de imprensa, autor de livros de destinação escolar, viajante, conselheiro da instrução, Dr. Abílio César Borges protagonizou algumas iniciativas na esfera pública e privada, como forma de demonstrar princípios educativos que abraçara no que se refere aos métodos de ensino, aprendizagem da leitura e escrita, aritmética e geometria, educação infantil e castigos corporais, por exemplo. (VALENTE, 2012, p. 89).

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 67 prefácio da obra Noções Intuitivas de Geometria Elementar. Para apresentar a defesa do método adotado por sua obra Prestes acerca-se de algumas das referências da matemática e da pedagogia do seu tempo. Dentre as quais cita Essais sur l’Enseignement de Lacroix, Elementos de Geometria de Clairaut, Premiers Eléments de Géometrie Expérimentalè de Paul Bert e ainda Calkins. Se a apresentação gradual do conteúdo parece constituir-se a máxima do pensamento didático do seu tempo, Prestes, diferentemente advoga que “o conhecido para criança não coincide exatamente com o mais simples” (PRESTES, 1895, p. 20). Para Prestes, a natureza do conhecimento geométrico infantil relaciona-se diretamente com o mundo que o rodeia neste adquire conjuntamente noções relativas as linhas, as superfícies e aos volumes. Entretanto, considera o autor, “para completar essas noções parece-me conveniente confrontá-las constantemente antes de especializar o estudo de cada uma na ordem de sua complexidade crescente” (PRESTES, 1895, p. 20).

Tendo em vista que a obra de Prestes direciona-se para o professor, conforme o próprio autor indica no prefácio, seus apontamentos ao tempo que explicitam as intenções pretendidas para o ensino de geometria, apresentam também orientações didáticas para os professores. Neste sentido pode-se depreender que relativamente à obra de Abílio Cesar Borges, o saber-fazer quase artesanal esperado do mestre que ensina noções elementares de geometria, ganham contornos, novos detalhamentos.

Considere-se agora o prefácio da obra intitulada Geometria de Heitor Lyra da Silva10 do ano de 1923. A obra cujo público preferencial são alunos do ensino elementar, compõe a série de volumes da Bibliotheca de Educação Geral da Editora Leite Ribeiro. Explicita-se de início as características que definem as publicações da coleção, “fazer a indução predominar sobre a dedução, substituído a memoria das palavras pela dos fatos” (SILVA, 1923, p.5). A maneira como se deve processar o ensino ou a “exposição da matéria” parece pretender-se mais “scientifico”. O autor

no mesmo período. Escreve artigos para o Jornal do Estado de São Paulo e traduz livros cuja temática é a afirmação da “identidade institucional” e o regime didático da infância. (MONARCHA, 2001).

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Heitor Lyra da Silva nasceu no Rio de Janeiro em 05 de março de 1887 e faleceu no dia 18 de novembro de 1926, aos 47 anos. A escassa biografia disponível sobre Heitor Lyra da Silva é iniciada afirmando que ele fez o seu curso primário sob a direção da própria família. No ano de 1890, ingressou no Colégio Pedro II para continuar seus estudos. Formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, criador da Associação Brasileira de Educação - ABE e membro da Liga Pedagógica de Ensino Secundário. Participou ativamente de todos os eventos educacionais de seu tempo, desde as reformas de ensino, edições de normas, discussão de métodos e apoio a iniciativas tais como o Curso Jacobina e a Escola Regional de Meriti, até o planejamento de bibliotecas (Biblioteca de Educação Ativa). Disponível em:

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 68 propõe um ensino a partir de “círculos concêntricos”, ou seja, um caminho didático que “consiste em seguir, em vez de uma ordem por assim dizer linear aberta, outra em que se fornece a princípio um conhecimento superficial de toda matéria e depois se volta a cada parte, em seguida e mesmo a uma terceira vez, para estuda-la com maior minúcia” (SILVA, 1923, p.7). Quando aplicando ao ensino de geometria, orienta o autor:

Não se faz primeiramente o estudo da geometria plana para só depois abordar o da geometria no espaço. Ao menos no ensino elementar, não parece racional semelhante ordem [...] se se quer fazer indução de fatos geométricos, é indispensável aludir desde o começo a observações que só são possíveis sobre corpos, e muitas vezes só destes é que se pode partir para o conhecimento de formas e relações de geometria plana. (SILVA, 1923, p.7-8).

E conclui a respeito da obra,

Procurou-se sempre dá a matéria um caráter concreto e intuitivo, incluindo nos exercícios questões de interesse prático cujos dados e soluções fossem verosímeis e úteis e se prestassem a verificações experimentais. (SILVA, 1923, p. 8).

Por fim, chama a atenção, as obras em francês, inglês e espanhol referenciadas na contracapa do livro, como Géométrie élémentare de De Comberousse, Initiation mathematique de Laisant, Cours abrégé de Géométrie de Carlo Bourlet, Elements of Geometriy de Philips & Fisher, Observational Geometry de W. Campbell, e Geometria de J. Palau Vera dentre outros. Das obras nacionais, constam na referência, Agrimensura da F.I.C., Geometria elementar da F.T. D e Noções de Geometria Prática de Olavo Freire. Some-se a estas considerações, outra característica peculiar a obra: a notada qualidade gráfica, cuja intenção didática é manifesta no prefácio.

Para Silva, o ensino “scientifico elementar” e em especifico, o ensino da geometria de forma intuitiva, deve obedecer aos princípios que privilegiem a “observação direta dos fatos, a indução em detrimento da dedução e a redução ao mínimo das definições”.

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 69 Conclusões preliminares

Buscou-se com a proposição do trabalho apresentar possibilidades teórico-metodologicas para análise do processo de constituição dos sabes geométricos constantes dos livros didáticos para escola de ensino primário. Como empiria foram tomados para análise livros didáticos de geometria em circulação nas décadas iniciais do século XX. Pôde-se como resultados parciais apontar as seguintes conclusões: parecem profícuos para fins de análise do processo de constituição dos saberes geométricos em livros didáticos, o conceito de “saberes objetivados”. A aplicabilidade do conceito ao estudo dos saberes formalizados em livros didáticos escolares reside no fato que tal perspectiva teórica os diferencia em status dos saberes estritamente práticos.

As transformações nas abordagens pedagógicas que evidenciaram uma nova reconfiguração do elementar para o ensino de saberes geométricos constituem indícios cujo aprofundamento podem ajudar melhor compreender a objetivação de saberes geométricos em livros didáticos.

Referencias:

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: Reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educação nº 2, Porto Alegre: Pannônica,1990, p. 177-229.

CHEVALLARD, Yves. La transposición didáctic. Del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique Grupo Editor, 1995.

CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.3 p. 549-566, set/dez. 2004.

HOFSTETTER, Rita. SCHNEUWLY, Bernand. Saberes: um tema central para as profissões do ensino e da formação. 2014 (no prelo)

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MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. A história ensinada: algumas configurações do saber escolar. História & Ensino, Londrina, v. 9, p. 37-62, out. 2003.

________________________ Professores: entre saberes e práticas Educação & Sociedade, ano XXII, nº 74, Abril/2001.

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Caminhos da Educação Matemática em Revista/On line - v. 6, n. 1, 2016 - ISSN 2358-4750. 70 SILVA, Circe Mary. Livro Aberto: uma análise histórica. Perspectivas da Educação Matemática, UFMS, v. 8, número temático, 2015.

VALENTE, Wagner Rodrigues. Saber científico, saber escolar e suas relações: elementos para reflexão sobre a didática. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 4, n.10, p.57-67, set./dez. 2003.

_________________________ A matemática escolar: epistemologia e história. Revista Educação em Questão, v. 23, n. 9, p. 16-30, maio/ago. 2005.

_________________________ Como Ensinar Matemática no Curso Primário? Uma questão de conteúdos e métodos, 1890-1930. Disponível em: http://seer.ufms.br/index.php/pedmat/article/view/731 Acessado em: 23 dezembro de 2016.

_________________________Les enjeux da pesquisa em história da educação

matemática nos anos iniciais escolares. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 16, n. 48, p.

271-299, maio/ago. 2016.

Referências

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