Capítulo
1
HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO
Sumário: 1.1 História Geral do Direito do Trabalho – 1.2. História do Direitodo Trabalho no Brasil.
1.1 HISTÓRIA GERAL DO DIREITO DO TRABALHO
Na realidade, o Direito do Trabalho surge com a sociedade indus-trial e o trabalho assalariado, ou seja, com a Revolução Indusindus-trial,
no século XVIII.
Mesmo assim, vejamos alguns aspectos que antecedem a formação do Direito do Trabalho.
Na chamada sociedade pré-industrial, observa-se primeiramente
a escravidão, em que o trabalhador era considerado coisa, e não pro-priamente sujeito de direito1, como verificado na Grécia, em Roma
1 Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 31. ed. São Paulo:
e no Egito da Antiguidade, em que o trabalho tinha uma conotação negativa e de castigo.
No feudalismo, havia o regime da servidão, em que o senhor
feudal dava proteção militar e política aos servos, sendo que estes não tinham liberdade.
A Idade Média se caracteriza pelas corporações de ofício, nas quais
existiam três modalidades de membros: os mestres (proprietários das oficinas); os companheiros (trabalhadores livres que recebiam salários dos mestres); e os aprendizes (menores que recebiam dos mestres o ensinamento metódico do ofício ou profissão)2.
Com a Revolução Francesa foram suprimidas as corporações de
ofício, tidas como incompatíveis com o ideal de liberdade individual da pessoa, sabendo-se que no liberalismo o Estado não devia intervir na área econômica.
Como já mencionado, a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, foi a principal razão econômica que acarretou o surgimento do Direito do Trabalho. A necessidade de pessoas para operar as máquinas a vapor e têxteis impôs a substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado3.
As péssimas condições de trabalho daquela época, com excessivas jornadas e exploração do labor de mulheres e menores, geraram o que se costuma chamar de “questão social”. Em razão dessas condições
adversas, os trabalhadores começaram a se reunir, para reivindicar melhorias nas condições de trabalho, por meio de sindicatos.
Em decorrência disso, o Estado também deixa o seu estado de abstenção, passando a intervir nas relações de trabalho, com o fim
de proteção do trabalhador por meio de legislação proibitiva de abusos do empregador.
Cap. 1 • HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO 33
Essas mudanças ocorreram, ainda, em razão da ideia de justiça social, que se fortaleceu a partir da doutrina social da Igreja Católica.
Nesse contexto, podem ser destacados os seguintes documentos:
– Encíclica Rerum Novarum, de 1891, do Papa Leão XIII;
– Encíclica Quadragesimo Anno e Encíclica Divini Redemptoris, de Pio XI;
– Encíclica Mater et Magistra, de João XXIII; – Encíclica Populorum Progressio, de Paulo VI;
– Encíclica Laborem Exercens, de 1981, de João Paulo II; – Encíclica Caritas in Veritate, de 2009, de Bento XVI.
Registre-se, ainda, o surgimento do constitucionalismo social, após
o término da Primeira Guerra Mundial, o que significou a inclusão, nas Constituições, de disposições pertinentes à defesa de interesses sociais, inclusive garantindo direitos trabalhistas4.
A primeira Constituição que dispôs sobre o Direito do Trabalho foi a do México, de 1917.
A segunda Constituição a trazer disposições sobre o tema foi a da Alemanha, de Weimar, de 1919, com repercussão na Europa.
Ainda em 1919, o Tratado de Versalhes prevê a criação da Or-ganização Internacional do Trabalho (OIT).
A Carta del Lavoro, de 1927, da Itália, instituiu um sistema cor-porativista, servindo de inspiração para outros sistemas políticos, como Portugal, Espanha e Brasil. No corporativismo, o objetivo era organi-zar toda a economia e a sociedade em torno do Estado, promovendo o interesse nacional, interferindo e regulando todos os aspectos das relações entre as pessoas5. Nesse modelo, os sindicatos não tinham
autonomia, estando a organização sindical vinculada ao Estado6.
4 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho, cit., p. 8. 5 Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho, cit., p. 8.
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), houve a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), na Conferência de São
Francisco (1945), com a aprovação da Carta das Nações Unidas. Em 1944, a OIT aprovou a Declaração de Filadélfia, ampliando os princípios do Tratado de Versalhes e estabelecendo a cooperação internacional para a realização da justiça social.
Em 1946, consolidou-se a vinculação da OIT à ONU, como
instituição especializada para as questões referentes à regulamentação internacional do trabalho. Em Conferência Internacional do Trabalho de 1946, foi aprovado o novo texto da Constituição da OIT, tendo a Declaração de Filadélfia sido integrada como seu anexo.
Ainda no plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948, também prevê diversos direitos trabalhistas.
Como se nota, o Direito do Trabalho é uma verdadeira conquista
obtida ao longo da história da humanidade, exercendo papel
funda-mental, ao garantir condições mínimas de vida aos trabalhadores, assegurando a dignidade da pessoa humana e evitando abusos que o capital e a busca pelo lucro pudessem causar aos membros da socie-dade, em especial àqueles que não detêm o poder econômico.
O sistema capitalista, por sua própria natureza, acarreta a neces-sidade de que certas limitações e exigências sejam fixadas no que se refere à utilização do trabalho humano, especialmente quanto àqueles que não detêm os meios de produção. O Direito do Trabalho, desse modo, exerce o relevante papel de assegurar patamares mínimos de
dignidade e justiça social, impedindo que a busca pela obtenção de
lucros e a concorrência acabem impondo níveis inaceitáveis de explora-ção do trabalho humano, em afronta aos valores magnos da liberdade,
justiça, solidariedade e bem comum.
1.2 HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL
A Constituição Imperial de 1824, seguindo o liberalismo, aboliu
Cap. 1 • HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO 35
de exercício de profissões7. O próprio trabalho escravo existiu,
for-malmente, até a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, que aboliu a escravidão no Brasil.
A Constituição de 1891 reconheceu a liberdade de associação,
de forma genérica.
As transformações ocorridas na Europa, com o crescente surgimento de leis de proteção ao trabalho, e a instituição da OIT em 1919, in-fluenciaram o surgimento de normas trabalhistas no Brasil. Do mesmo modo, os imigrantes em nosso país deram origem a movimentos ope-rários, reivindicando melhores condições de trabalho. Começa, assim, a surgir a política trabalhista de Getúlio Vargas, em 19308.
Destaca-se, ainda, a Lei Eloy Chaves (Decreto 4.682/1923), ao criar a caixa de aposentadoria e pensões para os ferroviários, bem como estabilidade para esses trabalhadores quando completavam dez anos de emprego.
Na década de 1930, diversos Decretos do Poder Executivo esta-beleciam normas referentes a questões trabalhistas.
Já iniciada a política trabalhista de Getúlio Vargas, em 1930, a
primeira Constituição brasileira a ter normas específicas de Direito do
Trabalho foi a de 1934, como influência do constitucionalismo social.
A Constituição de 1937 expressa a intervenção do Estado, com
características do sistema corporativista, tendo instituído o sindicato único, vinculado ao Estado, além de proibir a greve (vista como re-curso antissocial e nocivo à economia).
A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei
5.452, de 1.º de maio de 1943, sistematizou e reuniu as diversas leis esparsas sobre Direito do Trabalho existentes à época.
A Constituição de 1946 restabeleceu o direito de greve, rompendo,
de certa forma, com o corporativismo da Carta de 1937,
do um rol de direitos trabalhistas superior àquele das Constituições anteriores.
No plano infraconstitucional, podem ser mencionadas, entre outras: a Lei 605/1949, dispondo sobre repouso semanal remunerado e remu-neração de feriados; a Lei 2.757/1956, que dispõe sobre a situação dos empregados porteiros, zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos residenciais; a Lei 3.207/1957, regulamentando as atividades dos empregados vendedores-viajantes; a Lei 4.090/1962, que institui a gratificação de Natal (décimo terceiro salário).
A Constituição de 1967 manteve os direitos trabalhistas previstos
nas Constituições anteriores e passou a prever o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que havia sido criado pela Lei 5.107, de 13 de setembro de 1966.
A Emenda Constitucional 1, de 17 de outubro de 1969, não alterou
os direitos trabalhistas previstos na Constituição de 1967.
São dessa época diversas leis ordinárias, por exemplo: a Lei 5.859/1972, dispondo sobre o emprego doméstico (atualmente revo-gada pela Lei Complementar 150/2015, que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico); a Lei 5.889/1973, estatuindo normas sobre o trabalho rural; a Lei 6.019/1974, sobre o trabalho temporário.
A Constituição Federal de 1988, promulgada em 5 de outubro
de 1988, tratando dos “Direitos Sociais” (art. 6.º), regula de forma particular a matéria pertinente ao Direito do Trabalho nos seus arts. 7.º a 11.
Com isso, diversos direitos trabalhistas, individuais e coletivos, passaram a ser assegurados no contexto dos direitos fundamentais, em sintonia com os mandamentos da dignidade da pessoa humana e da justiça social.
Capítulo
2
TEORIA GERAL DO DIREITO DO TRABALHO
Sumário: 2.1 Denominação – 2.2 Conceito – 2.3 Divisão da matéria para fins
didáticos – 2.4 Autonomia do direito do trabalho – 2.5 Relações com outros ramos do direito – 2.6 Relações com os direitos humanos e fundamentais – 2.7 Relações com outras ciências – 2.8 Natureza jurídica do direito do trabalho – 2.9 Fontes do direito do trabalho – 2.10 Fontes formais do direito do trabalho: 2.10.1 Constituição; 2.10.2 Leis; 2.10.3 Atos do poder executivo; 2.10.4 Sentença normativa; 2.10.5 Jurisprudência; 2.10.6 Sentença arbitral; 2.10.7 Convenções e acordos coletivos; 2.10.8 Usos e costumes; 2.10.9 Regulamento de empresa; 2.10.10 Contrato de trabalho; 2.10.11 Princípios jurídicos – 2.11 Interpretação do direito do trabalho – 2.12 Integração do direito do trabalho – 2.13 Eficácia no tempo das normas de direito do trabalho – 2.14 Eficácia no espaço das normas de direito do trabalho – 2.15 Princípios de direito do trabalho: 2.15.1 Princípio da proteção; 2.15.2 Princípio da irrenunciabilidade; 2.15.3 Princípio da primazia da realidade; 2.15.4 Princípio da continuidade da relação de emprego; 2.15.5 Outros princípios aplicáveis ao Direito do Trabalho – 2.16 Flexibilização e Direito do Trabalho: 2.16.1 Programa seguro-emprego..
2.1 DENOMINAÇÃO
Cons-tituição de 1934 (art. 121, § 1.º). Como o Direito não se resume às leis, o referido nome não mais é considerado adequado.
Outra designação refere-se a Direito Operário, utilizada na Cons-tituição de 1937, art. 16, XVI, também de conotação restritiva.
A denominação Direito Industrial surgiu com a Revolução Indus-trial, mas também não é correta, pois a disciplina em estudo não se restringe ao trabalho nas indústrias.
A expressão Direito Corporativo está superada por se relacionar com a ideologia do regime autoritário e fascista, já ultrapassada pelo regime democrático.
A denominação Direito Social corresponde à teoria de proteção aos hipossuficientes, abrangendo não só o Direito do Trabalho, mas também o assistencial e previdenciário. No entanto, na realidade, todo o Direito é por natureza social.
Direito Sindical, por sua vez, é expressão muito restritiva, por se
limitar ao plano coletivo, das relações sindicais de trabalho.
Assim, a denominação mais correta e utilizada na atualidade é
Direito do Trabalho, por indicar a matéria objeto de regulação de
forma mais adequada. A Constituição de 1946 e as seguintes utilizam a referida expressão, encontrada no art. 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988.
2.2 CONCEITO
O Direito do Trabalho pode ser definido como o ramo do Direito
que regula as relações de emprego e outras situações semelhantes.
Como ramo do Direito, ele é composto de normas jurídicas, aqui incluídas as regras e os princípios, além de instituições, como entes que criam e aplicam as referidas normas, no caso, o Estado e certas organizações profissionais e econômicas.
Cap. 2 • TEORIA GERAL DO DIREITO DO TRABALHO 39
as respectivas consequências. Os princípios do Direito do Trabalho são as disposições estruturais desse ramo do Direito.
A finalidade do Direito do Trabalho é estabelecer medidas
prote-toras ao trabalho, assegurando condições dignas de labor. Esse ramo
do Direito apresenta disposições de natureza tutelar à parte vulnerável, em regra economicamente mais fraca da relação jurídica, de forma a possibilitar uma melhoria das condições sociais do trabalhador.
2.3 DIVISÃO DA MATÉRIA PARA FINS DIDÁTICOS
O Direito do Trabalho pode ser dividido, para fins didáticos, em
Teoria Geral do Direito do Trabalho, Direito Individual do Trabalho
e Direito Coletivo do Trabalho.
Parte da doutrina faz menção ao Direito Tutelar do Trabalho, englobando normas de proteção ao trabalhador, como as pertinentes à Segurança e Medicina do Trabalho, jornada de trabalho e repousos do trabalhador. No entanto, pode-se entender que os referidos temas são pertinentes ao conteúdo do contrato de trabalho, também integrando o Direito Individual do Trabalho.
Esclareça-se que o Direito Processual do Trabalho não pertence ao
Direito do Trabalho, pois aquele integra o próprio Direito Processual. O Direito Internacional do Trabalho, na realidade, é segmento
do Direito Internacional.
O Direito da Seguridade Social também é considerado autônomo
do Direito do Trabalho, apresentando natureza e matéria distintas. A Teoria Geral do Direito do Trabalho engloba as questões perti-nentes à autonomia, natureza jurídica, fontes, interpretação, integração e eficácia desse ramo do Direito.
O Direito Coletivo do Trabalho, por sua vez, tem por objeto as relações coletivas de trabalho, com destaques à organização sindical, à negociação coletiva e aos instrumentos normativos decorrentes, bem como à representação dos trabalhadores na empresa, aos conflitos coletivos e à greve.
As questões relativas à inspeção (ou fiscalização) do trabalho, realizada pelos órgãos do Ministério do Trabalho, integram o que parte da doutrina denomina de Direito Público (ou Administrativo) do Trabalho, disciplinando as relações do Estado com os empregadores e do Estado com os trabalhadores.
2.4 AUTONOMIA DO DIREITO DO TRABALHO
Reconhece-se na atualidade a plena autonomia científica do
Di-reito do Trabalho, em face da existência de ampla temática objeto de
estudo, dando origem a institutos específicos, com metodologia apta a entender suas diversas peculiaridades, bem como princípios próprios.
Quanto ao desenvolvimento legislativo, no Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho não é um verdadeiro Código, pois apenas repre-sentou uma reunião de leis trabalhistas existentes à época. Além disso, a CLT também apresenta disposições pertinentes ao Direito Processual do Trabalho. Existem, ainda, diversas leis esparsas sobre esse tema. De todo modo, pode-se dizer que a legislação trabalhista é ampla e se destaca dos demais ramos do Direito.
No plano doutrinário, as diversas obras sobre a matéria confirmam a autonomia do Direito do Trabalho.
Em relação ao desenvolvimento didático, a matéria Direito do Trabalho é estudada de forma separada e autônoma nas diversas Fa-culdades de Direito.