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O papel exercido pelo direito penal tributário: instrumento de proteção do bem jurídico penal ou de arrecadação fiscal?

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(1)

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

LIA COELHO DE ALBUQUERQUE

O PAPEL EXERCIDO PELO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO: INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO DO BEM JURÍDICO PENAL OU DE ARRECADAÇÃO FISCAL?

(2)

O PAPEL EXERCIDO PELO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO: INSTRUMENTO DE

PROTEÇÃO DO BEM JURÍDICO PENAL OU DE ARRECADAÇÃO FISCAL?

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do bacharelado em Direito. Área de concentração: Direito Penal. Direito Tributário.

Orientador: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno

FORTALEZA

(3)
(4)

O PAPEL EXERCIDO PELO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO: INSTRUMENTO DE

PROTEÇÃO DO BEM JURÍDICO PENAL OU DE ARRECADAÇÃO FISCAL?

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do bacharelado em Direito. Área de concentração: Direito Penal. Direito Tributário.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Me. Sérgio Bruno Araújo Rebouças

(5)
(6)

Aos meus pais, Alexandre e Tânia, por terem me proporcionado todas as

condições de chegar até aqui e por serem exemplos de tamanho significado para

mim. Meu “muito obrigada” nunca vai ser suficiente para agradecê-los!

Aos meus irmãos, Alexandre Filho e Levi. Meus companheiros de vida,

sem os quais a rotina nunca seria a mesma, tão única e, antes de tudo: tão divertida

e feliz.

À minha família, aos meus avós Marlene, Coelho, Socorro e Haroldo e a

todos os meu tios e primos, que sempre contribuíram para a minha formação,

pessoal e profissional, com tanto amor e carinho, me ensinando sobre o valor que

devemos dar à vida e sobre a importância de darmos, cada vez mais, o melhor de

nós.

Ao meu namorado, Pedro, pela ajuda prestada em todas as etapas dessa

batalha e por acreditar em mim de uma forma que, às vezes, nem eu sou capaz.

À Adriana e ao Seu Antônio, por todos os cuidados que tiveram comigo, e

continuam tendo, há tantos anos, sempre tão solícitos e presentes em todos os

momentos.

Ao Professor Raul Nepomuceno, com a imensa gratidão pela excelente

orientação, pela disponibilidade, e pela atenção dispensada em todos os momentos

da pesquisa. Sua contribuição foi imprescindível para o desenvolvimento deste

trabalho.

Às lindas amizades construídas ao longo da graduação, em especial

“AzamigaFD”. Sem vocês para dividir cada angústia, cada dúvida e cada aflição,

passar por esses cinco anos não teria sido possível. Muito obrigada por fazerem

parte da minha história de uma forma tão especial.

Às minhas amigas do colégio, de vida, de sempre: Anna Clara, Beatriz,

Fernanda, Ingrid, Marcella, Marina, Natália, Vanessa e Carol. O apoio e a amizade

de vocês foram essenciais. Obrigada por sempre terem estado presentes nos

momentos mais importantes, e agora, claro, não poderia ser diferente. Só tenho a

agradecer a vocês.

A todas as instituições em que tive a oportunidade de estagiar,

acrescentando de modo substancial na minha formação profissional. Em especial à

(7)

estudo e o apreço pelo Direito Penal.

A cada um daqueles que fizeram parte da minha trajetória na Faculdade

de Direito da UFC, professores e demais servidores da Casa, em especial ao

Fabrício, ao Seu Moura e ao Marcelo da Xérox.

E, por fim, aos Professores Hugo de Brito Machado Segundo e Sérgio

Bruno Araújo Rebouças por terem aceitado, prontamente, o convite para participar

(8)

“A sanção é útil na medida em que é

eficaz. E a eficácia da sanção depende,

em primeiro lugar e acima de tudo, de sua

viabilidade, que incrementa para o seu

destinatário a certeza de que ela

(9)

O presente trabalho monográfico investiga, em face dos índices alarmantes

atingidos pela sonegação fiscal no Brasil, o papel efetivamente exercido, atualmente,

pelo Direito Penal Tributário, mormente com o intuito de avaliar os limites dentro dos

quais se pode considerar legítima sua intervenção. Para tanto, revelou-se

imprescindível o estudo das funções de que se deve ocupar o Direito Penal; à luz,

sobretudo, dos princípios da exclusiva proteção de bens jurídicos e da intervenção

mínima. Fundamental, também, foi a análise dos pormenores dos instrumentos de

política criminal fiscal; retratando, inclusive, a respectiva evolução histórica até a

aquisição de seus contornos atuais, com maior enfoque nos efeitos decorrentes do

pagamento e do parcelamento do tributo sobre a punibilidade estatal. Em seguida,

não obstante a dificuldade de apontar, precisamente, o conteúdo do bem jurídico

penal tutelado pelos crimes contra a ordem tributária, almejou-se discutir sobre a

legitimidade de sua incriminação nos moldes ora vigentes, bem como ponderar

acerca de possíveis soluções capazes de promover sua tão almejada relegitimação.

Palavras-chave: Proteção do bem jurídico penal. Intervenção mínima. Arrecadação

fiscal. Extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo. Crimes contra a Ordem

(10)

This paper inquires the functions actually performed by Tax Criminal Law, given the

alarming rates reached because of tax evasion in Brazil, specially with the aim of

evaluating its intervention’s rightful limits. For this purpose, it was essential to study

the duties it should attend to Criminal Law, mainly with regard to the principles of the

exclusive protection of legal interests and the minimal intervention. It was also

necessary to go over the particulars of the tax criminal policy instruments. To this

end, it took to draw their history evolution until the conception of its current outlines,

with a greater focus in every sort of tribute payments effects on the state

punishability. Then, and despite the difficulty of identifying the exact content of the

assets protected as legal property by Tax Criminal Law, the present research

attempted to discuss the legitimacy of its criminalisation in the form and manner

current established. Furthermore, there was an attempt to consider other possibilities

which can be able to solve those legitimacy problems and, therefore, to reach the

much desired Tax Criminal Law’s re-legitimization.

Keywords: Protection of the criminal juridical assets. Minimal intervention. Tax

Collection. Punishability extinction beacuse of tribute payments. Crimes against the

(11)

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 AS FUNÇÕES DO DIREITO PENAL... 12

2.1 A proteção de bens jurídicos como finalidade do Direito Penal... 12

2.1.1 A incorporação de bens jurídicos supraindividuais e imateriais ao espectro de proteção jurídico-penal... 16

2.2 A teoria do bem jurídico penal... 18

2.3 Legitimação versus deslegitimação das proibições penais... 23

3 O DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO E OS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA CRIMINAL FISCAL... 26

3.1 A Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965... 26

3.2 A Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990... 30

3.3 A Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995... 32

3.4 A Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000... 35

3.5 A Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003... 37

3.6 A Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009... 40

3.7 A Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011... 42

3.8 O atual regime jurídico-penal dos crimes tributários... 44

4 O PAPEL EFETIVAMENTE EXERCIDO PELO DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO... 47

4.1 Os delitos fiscais sob a ótica da proteção do bem jurídico penal: o caráter simbólico do Direito Penal Tributário... 48

4.2 Redução da intervenção penal fiscal: uma tendência à descriminalização... 53

4.3 Sugestões alternativas para repressão das fraudes fiscais... 59

5 CONCLUSÃO... 62

(12)

1 INTRODUÇÃO

É preocupante o cenário em que se encontra a sonegação fiscal no Brasil.

Somente no ano de 2016, já foram calculados mais de R$ 400.000.000,00

(quatrocentos milhões de reais) que deixaram de ser objeto de arrecadação1; fato

este que representa, decerto, prejuízos de imensas proporções aos cofres nacionais.

Nesse contexto, vem à tona discussão acerca do papel exercido pelo

Direito Penal Tributário, quer dizer: se está funcionando como um instrumento de

proteção de bens jurídicos ou meramente como uma ferramenta de auxílio do Fisco

na tentativa de promover, de forma mais eficaz, a arrecadação fiscal.

A questão é relevante, eis que, uma vez superada a referida indagação,

pode-se passar à temática da (i)legitimidade da incriminação dos delitos fiscais. Isso

porque, consoante os postulados do célebre princípio da subsidiariedade, o Direito

Penal deve sempre atuar como “ultima ratio”, de modo que, esvaziada sua função

protetiva de bens jurídicos, não se faz legítima sua intervenção.

Desse modo, no primeiro capítulo, busca-se estudar as funções do Direito

Penal, notadamente a partir da finalidade de tutelar os bens jurídicos mais relevantes

ao convívio social. Ainda, importante traçar um panorama sobre a incorporação de

bens jurídicos supraindividuais, como é o caso da ordem tributária, ao espectro de

proteção jurídico-penal, a fim de compreender como se deu o processo de

criminalização das infrações fiscais.

Além disso, também se faz imperioso analisar a previsão, em nosso

direito positivo, da extinção da punibilidade dos crimes tributários pelo pagamento do

tributo, além dos efeitos decorrentes da adesão aos diversos programas de

parcelamento sobre o jus puniendi estatal. Para tanto, destina-se o segundo capítulo

à abordagem das diversas alterações legislativas e dos entendimentos

jurisprudenciais e doutrinários sobre o assunto.

Logo, no terceiro capítulo, propõe-se a averiguar como efetivamente se

comporta o Direito Penal Tributário no que se refere à proteção do bem jurídico

tutelado. Destarte, a partir da análise da legitimidade da intervenção penal fiscal,

intenta-se apresentar propostas com o objetivo de promover o verdadeiro combate e

contenção das fraudes fiscais; visando, portanto, à relegitimação do sistema.

1

(13)

2 AS FUNÇÕES DO DIREITO PENAL

Inicialmente, pretende-se tratar do tema relativo às funções do Direito

Penal como pré-requisito ao desenvolvimento do presente trabalho monográfico.

Essa análise revela-se fundamental para viabilizar a obtenção dos resultados da

pesquisa, a qual se baseia, primordialmente, no estudo do papel exercido pelo

Direito Penal Tributário.

2.1 A proteção de bens jurídicos como finalidade do Direito Penal

A fim de discorrer sobre as finalidades pretendidas pelo Direito Penal, é

preciso levar em consideração o sistema de convivência que o sistema repressivo

fomenta, além das consequências de sua incidência sobre os integrantes de um

determinado grupo social2.

Nesse contexto, merece destaque a função pacificadora do Direito Penal,

qual seja: “[...] de proteger as condições elementares da convivência humana, e

motivar aos indivíduos a que se abstenham de desrespeitar essas condições

mínimas.”3

Para a consecução dessa finalidade, revela-se primordial a proteção dos

bens jurídicos essenciais ao convívio em sociedade como pressuposto da

manutenção do chamado bem estar social4.

Aduz Francisco de Assis Toledo que bens jurídicos seriam definidos

como “os valores éticos-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de

assegurar a paz social, e os coloca sob sua proteção para que não sejam expostos

a perigo de ataque ou a lesões afetivas.”5

Assim, teve lugar a teoria do bem jurídico como missão imediata do

Direito Penal, sendo desenvolvida com o propósito de conferir limitações ao poder

punitivo estatal, mediante a seleção das condutas que efetivamente careceriam de

2

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 201.

3

Ibidem, p. 202.

4

PRADO, Luiz Regis. Bem

jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.31.

5

(14)

cominação de pena; resguardando, quando e sempre que possível, a liberdade do

indivíduo6.

A liberdade, prerrogativa fundamental do Estado Democrático de Direito,

deve ser tida como regra; a não liberdade, a contrário sensu, como exceção. Isso

porque a Constituição Federal de 1988 enfatizou a observância, notadamente a

partir de seu artigo 5º, de princípios como a inviolabilidade da vida, da liberdade e da

integridade física7.

Conforme Luiz Régis Prado, “o pensamento jurídico moderno reconhece

que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens

jurídicos – essenciais ao indivíduo e à comunidade norteada por princípios penais

fundamentais.”8

Imperioso destacar, portanto, o princípio da exclusiva proteção de bens

jurídicos, elemento que constitui o núcleo essencial da matéria penal, servindo de

fundamento e de limite à responsabilidade penal9.

À luz do princípio retro mencionado, deve prevalecer a orientação de que

não há delito sem prévia lesão ou perigo de lesão a um determinado bem jurídico.

Além disso, há de se mencionar que a referida exigência deve operar não

só no que diz respeito ao processo de criação da figura delitiva, mas também na

fase de aplicação da norma. Logo, tanto a lei penal quanto a conduta concreta do

agente devem envolver uma lesão ao bem jurídico tutelado, seja esta efetiva, seja

tão somente potencial10.

Nesse escopo, denota-se que a tutela penal será legítima tão somente

quando se apresentar socialmente necessária. É o que prevê o princípio da

necessidade, fundamental para promover o desenvolvimento e a paz social, com

fulcro sobretudo no princípio da dignidade da pessoa humana.

Cesare Beccaria, discorrendo sobre o princípio da necessidade, afirma

que:

6

AFONSO, Thadeu José Piragibe. O Direito Penal Tributário e os Instrumentos de Política

Criminal-Fiscal. 188 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2011, p. 55.

7

QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do Direito Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 25.

8

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 65.

9

PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso

de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 102.

10

(15)

Melhor prevenir os crimes que puni-los. Esta é a finalidade precípua de toda boa legislação, arte de conduzir os homens ao máximo de felicidade, ou ao mínimo de infelicidade possível, para aludir a todos os cálculos dos bens e dos males da vida11.

Sob essa perspectiva, cumpre destacar o modelo penal garantista,

desenvolvido por Luigi Ferrajoli “como um parâmetro de racionalidade, de justiça e

de legitimidade da intervenção punitiva.”12

Surgiu, nesse contexto, a teoria do “garantismo” como uma resposta à

dificuldade vislumbrada pela legislação penal ordinária, pela jurisdição e pelas

práticas administrativas policialescas de promover, efetivamente, a defesa do Estado

de Direito e do ordenamento democrático13.

Para Ferrajoli, pode-se entender o garantismo a partir de diferentes

pontos de partida, ora considerando-o como um sistema cognitivo ou de poder

mínimo, ora como uma técnica idônea a minimizar a violência e a maximizar a

liberdade, ora como uma pluralidade de vínculos impostos à função punitiva do

Estado em garantia dos direitos dos cidadãos14.

No entanto, impende destacar que em qualquer dessas hipóteses pode-se

extrair uma conclusão em comum, qual seja: de que não deve haver crime sem

necessidade (nulla lex poenalis sine necessitate).

Nesse passo, oportuno salientar que a atuação do Direito Penal, no caso

concreto, passa a ser tida como inadequada e não recomendável quando outras

formas de sanção ou mesmo outros meios de controle social revelarem-se

suficientes para garantir a tutela de determinado bem jurídico15.

Ao lado do princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos, também

conhecido por princípio da lesividade ou ofensividade, chama-se atenção para o

princípio da intervenção mínima; o qual, do mesmo modo, funciona como

instrumento de orientação e limitação do poder incriminador do Estado16:

11

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Organizado e Traduzido por J. Cretella Jr e Agnes Cretella. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 109.

12

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Organizado e Traduzido por Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr et al. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 785.

13

Ibidem. 14

Ibidem, p. 786.

15

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 52.

16

(16)

O Direito Penal deve, portanto, interferir o menos possível na vida em sociedade, devendo ser solicitado somente quando os demais ramos do Direito, comprovadamente, não forem capazes de proteger aqueles bens considerados de maior importância17.

Destarte, o Direito Penal deve funcionar como a ultima ratio na proteção

de bens jurídicos; sendo imperioso, antes de se recorrer ao Direito Penal, esgotar

todos os meios extrapenais de controle social18.

Sob o mesmo raciocínio, não se pode olvidar da possibilidade de bens

que outrora apresentavam importância fundamental por ventura deixem de ser

considerados como tal, haja vista a mutação incessante a que está sujeita a

sociedade.

Nessa hipótese, o Direito Penal perde sua aplicabilidade; devendo,

portanto, permitir que os demais ramos do ordenamento jurídico assumam o encargo

de proteger os bens jurídicos em questão. Trata-se da outra faceta do princípio da

intervenção mínima, qual seja: o fenômeno da descriminalização19.

Da mesma forma, reforçando a ideia de que o Direito Penal deve se

ocupar tão somente da tutela dos bens considerados de extrema importância, ora

versando acerca da cominação e da execução da pena, segundo Rogério Greco,

esta seria “simplesmente o instrumento de coerção de que se vale o Direito Penal

para a proteção dos bens, valores e interesses mais significativos da sociedade.”20

Ressaltando o importante papel dos princípios da intervenção mínima e

da lesividade, consoante as explicações de Rogério Greco:

Os princípios da intervenção mínima e da lesividade são como duas faces da mesma moeda. Se, de um lado, a intervenção mínima somente permite a interferência do Direito Penal quando estivermos diante de ataques a bens jurídicos importantes, o princípio da lesividade nos esclarecerá, limitando ainda mais o poder do legislador, quais serão as condutas que poderão ser incriminadas pela lei penal21.

Desse modo, depreende-se que os princípios da proteção de bens

jurídicos e da ultima ratio estão intimamente relacionados, com o objetivo primordial

de orientar não só legislador, mas também o operador do Direito acerca de quais

condutas estarão sujeitas à repressão da norma penal.

17

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Niteroi: Impetus, 2012, p. 47.

18

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 52.

19

QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do Direito Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 143.

20

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Niteroi: Impetus, 2012, p. 2.

21

(17)

2.1.1 A incorporação de bens jurídicos supraindividuais e imateriais ao espectro de proteção jurídico-penal

A proteção jurídica penal passou por diversas transformações em virtude

dos novos paradigmas vislumbrados na sociedade pós-moderna. Isso porque, tendo

em vista principalmente o fenômeno da globalização e o considerável avanço

tecnológico verificado nas últimas décadas, “começaram a surgir novos valores e

interesses a serem protegidos, que as instituições de direito clássico ainda não

podiam prever e garantir.”22

Logo, o Direito, entendido como espécie de mecanismo de tutela de

relações e pacificação social, não poderia ficar alheio a essas mudanças, posto que

a renovação da sociedade provoca o aparecimento de novas necessidades, novos

costumes e novos pensamentos23.

Ademais, na tentativa de concretizar os valores decorrentes da ordem

constitucional vigente, pautados, primordialmente, na consecução dos ideais do

Estado Democrático de Direito, a proteção de bens jurídicos individuais mostrou-se

insuficiente para acobertar demandas cujo objeto envolvia direitos coletivos,

ultrapassando interesses puramente individuais.

Nesse contexto, ganham relevância os direitos supraindividuais, os quais

têm por finalidade alcançar uma pluralidade de cidadãos conectados por

circunstâncias jurídicas ou mesmo fáticas.

Hugo Xerez, abordando a temática, aduz que a tutela jurídico-penal não

pode ficar inerte diante das mutações sofridas pela sociedade; devendo, no caso,

adaptar-se às novas diretrizes do Estado Democrático de Direito, mediante a

proteção dos direitos fundamentais de terceira geração:

Presente esta nova moldura, como instrumento de controle social que é, o Direito Penal, forjado sob a égide do Iluminismo, deve igualmente apresentar estruturas modernas e, eventualmente, sofrer readequações com vistas ao resguardo dos bens coletivos, contemplando institutos inteiramente vocacionados para a tutela desses interesses supraindividuais,

22

GODOY, Regina Maria Bueno de. A proteção dos bens jurídicos como fundamento do

direito penal. 122 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, São Paulo, 2010, p. 89.

23

MASI, Carlo Velho. A crise de legitimidade do direito penal na sociedade

contemporânea. 313 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) - Pontifícia Universidade

(18)

como a elaboração de diplomas legislativos cuja objetividade é a proteção dos bens difusos e coletivos24.

Sendo assim, denota-se que “os critérios jurídicos de seleção de bens

jurídicos individuais e meta-individuais, com suas características estruturais e

funcionais, devem ser analisados sob a ótica do modelo constitucional do Estado

brasileiro.”25

Nesse cenário, pode-se considerar como readequações a preocupação

com a tutela do meio ambiente e da ordem econômica; havendo, inclusive, previsão

legal admitindo a responsabilização penal da pessoa jurídica, fato este que seria

absolutamente inconcebível segundo a estrutura das bases penal e processual penal

do Direito Penal Clássico outrora vigente26.

Justificando a necessidade do já comentado processo de adaptação do

Direito Penal, nas palavras de Fernando Capez:

A sociedade moderna precisa criar mecanismos de defesa contra agressões diferentes que surgem e se multiplicam dia a dia. Assim é o finalismo, o funcionalismo e outras teorias do Direito Penal que devem adaptar-se à superior vontade constitucional, e não o contrário. Nesse passo, a Lei n. 9.605/98, apenas atendeu ao comando constitucional, e, desta forma, em seu art. 3º, dispôs expressamente que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas penalmente nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou de seu órgão colegiado [...]27.

Ainda, conforme a classificação de Luiz Régis Prado, os bens jurídicos

supraindividuais dividem-se em bens jurídicos institucionais28, coletivos29 e difusos30.

Ora trazendo para o bojo do Direito Penal Tributário, objeto do presente trabalho

monográfico, pode-se afirmar que o bem jurídico protegido pelas infrações fiscais

pertence à subespécie institucional, haja vista se tratarem de delitos contra a

administração pública, sendo esta a titular da função pública tributária.

24

XEREZ, Hugo Vasconcelos. Extinção da punibilidade dos crimes tributários pelo

pagamento: uma crítica à luz do estado democrático de direito e da teoria do bem jurídico. 227 f.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015, p. 104.

25

PEREIRA, Cláudio José. Proteção jurídica penal, estado democrático de direito e bens

jurídicos universais. 263 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, São Paulo, 2006, p. 26.

26

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral - Volume 1. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 176.

27

Ibidem, p. 175.

28

Também chamados de públicos ou estatais, nos quais a tutela revela-se intermediada por uma pessoa jurídica de direito público. (PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 109).

29

Atingem um grupo relativamente determinável de pessoas. (Ibidem).

30

(19)

Desse modo, a proteção de bens jurídicos acaba assumindo os contornos

da proteção de instituições estatais, já que os interesses tutelados não são

individuais, senão universais. Por essa razão, os direitos individuais passaram a ser

valorados à luz dos interesses sociais.

2.2 A teoria do bem jurídico penal

Convém tecer breves comentários a respeito da origem do conceito de

bem jurídico penal e da respectiva finalidade de protegê-lo. Trata-se de clássica e

árdua discussão; a qual, no entanto, ainda se encontra longe de apresentar um

desfecho, de modo que segue sendo objeto de pesquisa tanto pela doutrina nacional

quanto pela estrangeira.

Inicialmente, não obstante o vasto campo de pesquisa desenvolvida

acerca do tema, importa destacar a dificuldade enfrentada pelos estudiosos em

estabelecer um conceito minimamente uniforme sobre o bem jurídico penal. Ainda,

há de se mencionar a existência de corrente que entende pela insignificância desse

estudo para o Direito Penal31.

Após a difusão dos ideais iluministas, já no fim do século XVIII,

Feuerbach, tratadista alemão, desenvolveu a teoria dos direitos subjetivos, pautada,

sobretudo, na ideologia do contrato social.

Para ele, o Estado só estaria legitimado a intervir penalmente diante de

infração que lesionasse algum direito do cidadão. Lesão esta que era entendida

basicamente como violação aos direitos subjetivos dos membros da sociedade

burguesa, de modo que, sem a referida agressão, não haveria crime a ser punido32.

Conforme destacado por Hugo Xerez, “de acordo com a teoria de

Feuerbach, onde não houver direito subjetivo a ser protegido, não há que se falar

em conduta criminosa; o delito, segundo o autor do Código Penal da Baviera, seria a

violação de um direito subjetivo.”33

31

AFONSO, Thadeu José Piragibe. O Direito Penal Tributário e os Instrumentos de Política

Criminal-Fiscal. 188 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2011, p. 55

32

SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal supra-individual: interesses difusos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 38.

33

XEREZ, Hugo Vasconcelos. Extinção da punibilidade dos crimes tributários pelo

pagamento: uma crítica à luz do estado democrático de direito e da teoria do bem jurídico. 227 f.

(20)

Ademais, a conduta lesiva não deveria ser, necessariamente, dirigida

contra algo do mundo real para estar apta a configurar uma infração criminosa,

motivo pelo qual não havia que se falar no emprego da expressão bem jurídico34.

Discordando da posição consagrada por Feuerbach, Birnbaum, reputado

como o precursor da ideia de bem jurídico35, passa a defender que, para ser

considerada criminosa, a conduta deve provocar lesão a bens, substituindo o então

vigente conceito de direito subjetivo.

De acordo com sua doutrina, estes bens devem ser compreendidos como

os valores mais relevantes dentro de uma determinada sociedade.

Thadeu José Piragibe Afonso, traçando um paralelo entre os referidos

autores:

Como visto a concepção de BIRNBAUM não definia o que seria esse bem merecedor de proteção estatal. Entretanto, considerava como decisivo para a tutela penal a existência de um bem pertencente ao mundo do ser, da realidade palpável. Como exemplifica LUIZ FLÁVIO GOMES, para FEUERBACH no homicídio haveria lesão ao direito subjetivo à vida, enquanto que para BIRNBAUM existiria ofensa à própria vida36.

Em seguida, utilizando-se de um viés positivista, Binding acrescentou sua

contribuição à evolução da teoria do bem jurídico, definindo-o como tudo aquilo que

fosse valorado pelo legislador como condição imprescindível ao convívio em

sociedade; tratando-se, pois, de lesão a um direito subjetivo do próprio Estado37.

Luiz Flávio Gomes, discorrendo sobre o tema, aduz que o bem jurídico,

na acepção de Binding, assume contornos abstracionistas e tendencialmente

autoritários38.

No mesmo sentido são as explicações de Thadeu José Piragibe Afonso,

quando afirma que há uma certa desmaterialização do bem jurídico, além de um

consequente afastamento do objetivo de limitar o jus puniendi estatal, uma vez que a

seleção dos bens jurídicos ficaria unicamente ao crivo do legislador: “disto resultou

34

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 29.

35

BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. O rendimento da teoria do bem jurídico no direito penal atual. Revista Liberdades, São Paulo, v. 1, n. 1, p.16-27, maio 2009, p. 17.

36

AFONSO, Thadeu José Piragibe. O Direito Penal Tributário e os Instrumentos de Política

Criminal-Fiscal. 188 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2011, p. 56.

37

Ibidem.

38

(21)

uma maior intervenção do Estado na utilização do Direito Penal que, agora, poderia

criminalizar tudo o que considerasse adequado.”39

Ora assumindo um status pré-jurídico, segundo a perspectiva de Von

Liszt, o bem jurídico passa a não depender da vontade do legislador para existir;

precedendo, portanto, ao direito positivo40.

No entanto, compartilhando das conclusões de Binding, Von Liszt defende

ser necessária a criação de norma penal para viabilizar a proteção dos bens

jurídicos. Logo, o Estado não perde sua importância no que pertine à eleição dos

bens merecedores de tutela41.

Em seguida, após sofrer influência da filosofia neokantiana, o estudo do

bem jurídico perdeu grande parte de sua força, passando a apresentar-se,

basicamente, como um vetor interpretativo, destituído de conteúdo dogmático e

crítico42.

Isso em virtude da famigerada supressão da autonomia política do

indivíduo em detrimento dos interesses estatais, que estava diretamente relacionada

com os acontecimentos históricos vivenciados pela Alemanha alguns anos antes da

Segunda Guerra Mundial, notadamente a ascensão dos ideais

nacionais-socialistas43.

Resumindo as ideias de bem jurídico partilhadas pelo neokantismo,

explica Renato de Mello Jorge Silveira:

A partir do início do século XX, é de se perceber o aparecimento de orientações espiritualistas que desenvolvem, em sede penal, uma concepção metodológica ou telemetodológica do bem jurídico. Procedendo a um a espiritualização e normatização conceitual do bem jurídico, inicia-se com Richard Honig, em 1919, a idealização deste como a ratio da norma44.

Entretanto, tendo em vista a divulgação das atrocidades praticadas pelo

governo nazista alemão, toda a fundamentação que sustentava as estruturas do

Império Alemão perdeu sua credibilidade.

39

AFONSO, Thadeu José Piragibe. O Direito Penal Tributário e os Instrumentos de Política

Criminal-Fiscal. 188 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2011, p. 57.

40

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 35.

41

AFONSO, Thadeu José Piragibe. O Direito Penal Tributário e os Instrumentos de Política

Criminal-Fiscal. 188 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2011, p. 57.

42

Ibidem.

43

Ibidem, p. 58.

44

(22)

Desse modo, vem à tona um movimento de revalorização do estudo do

bem jurídico penal, pautado sobretudo na pesquisa desenvolvida por Birnbaum e

Von Liszt, com o escopo de redefinir os contornos do poder punitivo do Estado45.

Nessa esteira, no intuito de adequar o Direito Penal às diretrizes

político-ideológicas do Estado Democrático de Direito, destacam-se as teorias sociológicas e

as teorias constitucionais, ambas com o mesmo objetivo de consolidar um conceito

material de bem jurídico, por meio da determinação de seu conteúdo com base em

critérios aptos a vincular as escolhas de criminalização do legislador ordinário46.

Sendo assim, valendo-se de uma estreita relação entre a Sociologia e o

Direito, Winfried Hassamer defendeu ser necessário verificar a confirmação de uma

danosidade social para a legítima configuração de um injusto penal, posto que os

bens jurídicos seriam oriundos de acordos sociais decorrentes da convivência social;

não sendo, portanto, produto de processos naturais47.

Para essa corrente, “o que importa não é a posição objetiva do bem e da

conduta, mas a valoração subjetiva, com as variantes dos contextos social e

cultural.”48

Perfilhando do mesmo entendimento, observam-se os ensinamentos de

Alice Bianchini, ao defender que o bem jurídico não pertence à sociedade em

abstrato; eis que, na verdade, é produto de um sistema concreto de relações sociais

em determinado período49.

Ocorre que, não obstante o renascimento do estudo do bem jurídico,

ainda se verifica o surgimento de teses que negavam sua relevância no campo do

Direito Penal. Exemplificando, Jakobs renuncia por completo a ideia de bem jurídico

penal, representando a face mais radical do funcionalismo, ao defender que a

finalidade primordial do Direito Penal seria “confirmar a vigência da norma, e não

45

XEREZ, Hugo Vasconcelos. Extinção da punibilidade dos crimes tributários pelo

pagamento: uma crítica à luz do estado democrático de direito e da teoria do bem jurídico. 227 f.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015, p. 82.

46

FIGUEIREDO, Guilherme Gouvêa de. Crimes ambientais à luz do conceito de bem

jurídico: (des)criminalização, redação típica e (in)ofensividade. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2013, p. 61.

47

XEREZ, Hugo Vasconcelos. Extinção da punibilidade dos crimes tributários pelo

pagamento: uma crítica à luz do estado democrático de direito e da teoria do bem jurídico. 227 f.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015, p. 85.

48

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 40.

49

(23)

proteger bens jurídicos. Dito diversamente, o bem jurídico seria a própria norma e

em sua atuação residiria a legitimidade do Direito Penal.”50

Consoante a doutrina de Luigi Ferrajoli:

A recente doutrina de Jakobs que, inspirando-se nas ideias sistêmicas de Niklas Luhmann, justifica a pena enquanto fator de coesão do sistema político-social em razão da sua capacidade de reestabelecer a confiança coletiva abalada pelas transgressões, a estabilidade do ordenamento e, portanto, de renovar a fidelidade dos cidadãos no que tange às instituições51.

Discordando do funcionalismo-sistêmico de Jakobs, Luiz Régis Prado

afirma ter havido uma erosão do conteúdo liberal do bem jurídico, dificultando a

limitação do jus puniendi estatal. Ainda, considera estar-se diante de uma construção

de conteúdo esvaziado, incompatível com os postulados do Estado Democrático de

Direito52.

Por outro lado, verificam-se as teorias constitucionais cujo maior expoente

é o tratadista alemão Claus Roxin, o qual é responsável por reconduzir o bem

jurídico à condição de delimitador da norma, ora entendendo-o como valor, e não

mais como dever53.

Destarte, o autor supracitado define os bens jurídicos como

“circunstâncias reais dadas ou finalidades necessárias para uma vida segura e livre,

que garanta todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o

funcionamento de um sistema estatal que se baseia nesses objetivos.”54

Com efeito, a fim de justificar sua posição, pronuncia-se pela necessidade

de o conteúdo do bem jurídico extrair seu fundamento da ordem constitucional:

No Estado moderno, junto a esta proteção de bens jurídicos previamente dados, surge a necessidade de assegurar, se necessário através dos meios do Direito Penal, o cumprimento das prestações de caráter público de que depende o indivíduo no quadro da assistência social por parte do Estado. Com esta dupla função, o Direito Penal realiza uma das mais importantes tarefas do Estado, na medida em que apenas a proteção dos bens

50

AFONSO, Thadeu José Piragibe. O Direito Penal Tributário e os Instrumentos de Política

Criminal-Fiscal. 188 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2011, p. 59.

51

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Organizado e Traduzido por Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr et al. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 256.

52

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 40.

53

BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. O rendimento da teoria do bem jurídico no direito penal atual. Revista Liberdades, São Paulo, v. 1, n. 1, p.16-27, maio 2009, p. 20.

54

(24)

constitutivos da sociedade e a garantia das prestações públicas necessárias para a existência possibilitam ao cidadão o livre desenvolvimento da sua personalidade, que a nossa Constituição considera como pressuposto de uma condição digna55.

No mesmo sentido, de acordo com Paulo Queiroz, “o Direito Penal deve

ser enfim a extrema ratio de uma política social orientada pelos valores

constitucionais.”56 Ainda, adiciona como pressuposto da atuação desse ramo do

ordenamento jurídico o insucesso das instâncias primárias de prevenção e de

controle social.

Destarte, para essa corrente, denota-se inconcebível a tutela penal de

bens que não forem consagrados constitucionalmente como alvo de proteção

jurídico-penal ou que violem os valores contemplados pela Constituição Federal57.

Isso porque, hodiernamente, prevalece que “a valoração constitucionalista

é um juízo ao qual todos os setores do Direito devem ser submetidos.”58

Desse modo, considerando o atual estágio da ciência jurídica, cujo

enfoque constitucional apresenta-se bastante em evidência, faz-se necessário que o

bem jurídico penalmente tutelado encontre respaldo na ordem constitucional, sob

pena de ser tido por ilegítimo59.

2.3 Legitimação versus deslegitimação das proibições penais

Nesse momento, importa destacar, ainda que de forma sucinta, a crise de

legitimidade que vem sendo enfrentada pelo Direito Penal na sociedade

contemporânea.

De um modo geral, é fácil perceber a transformação sofrida pelos

paradigmas modernos quando comparado à sociedade clássica, inspirada sobretudo

em valores individuais. Nesse contexto, podem-se considerar, como fatores

responsáveis por essa sensível mudança, os avanços científicos, a crise do

capitalismo industrial e o aumento expressivo da violência e da criminalidade.

Tudo isso aliado, conforme outrora mencionado, à tentativa de promover

55

ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal. Traduzido por Ana Paula dos Santos e Luís Natscheradetz. Lisboa: Veja, 1993, p. 27.

56

QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 116.

57

SILVA, Ivan Luiz da. O bem jurídico-penal como limite material à intervenção criminal. Revista de Informação Legislativa, v. 197, n. 50, p.65-74, jan./mar. 2013, p. 69.

58

Ibidem, p. 69.

59

(25)

os ideais do Estado Democrático de Direito, a partir da incorporação de bens

jurídicos supraindividuais ao espectro de proteção jurídico-penal, acabou por

acarretar diversas consequências, tais como “uma tendência à inflação penal, ao

aumento dos aparatos de segurança pública, à elevação das penas previstas para

delitos já existentes e à criação de novas figuras delitivas.”60

Passou-se a vislumbrar, portanto, um fenômeno de maximização da

intervenção punitiva do Estado, com o escopo de conferir eficiência à defesa da

segurança nacional, assim como de garantir a proteção dos valores assegurados

pelo texto constitucional.

No entanto, o referido expansionismo penal deu ensejo a uma proliferação

tão ampla de bens jurídicos institucionais, coletivos e difusos que acabou

tornando-se difícil identificar os valores os quais tornando-se encontram efetivamente tutelados61.

Nessa linha, não se pode deixar de mencionar a produção de efeitos

nocivos e incompatíveis com a manutenção da tutela seletiva de valores

elementares à vida comunitária, cuja responsabilidade pode ser atribuída à

expansão exagerada do sistema penal. Conforme retrata Carlo Velho Masi:

Desta forma, gradativamente, a disciplina vai se convertendo em um instrumento político de manobra social. Política e ideologicamente tem sido atribuídas ao Direito Penal certas funções tipicamente administrativas. Não se pretende mais dar uma resposta apropriada ao passado, mas dominar o potencial comportamento futuro. O resultado é que este Direito Penal do risco acaba colocando em risco o próprio (legítimo) Direito Penal62.

Nessa esteira, surgem teorias que tem por objetivo retirar do sistema

penal qualquer forma de justificação de seu poder punitivo. Isso em contraposição

às teorias já abordadas, as quais reconhecem a necessidade da existência de

normas jurídico-penais para o controle da criminalidade, isto é: “teorias que partem

da legitimidade estatal para definir crimes e cominar penas como forma de controle

social.”63

Trata-se das teorias deslegitimadoras, que recusam a legitimidade do

Estado para punir. Dentre elas, sobressaem o abolicionismo penal64 e o minimalismo

60

MASI, Carlo Velho. A crise de legitimidade do direito penal na sociedade

contemporânea. 313 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) - Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014, p. 267.

61

Ibidem, p. 273.

62

Ibidem, p. 272.

63

QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 83.

64

(26)

radical65.

Outrossim, ganha destaque a teoria minimalista, conforme já aduzido,

denominada de “garantismo”, cujo maior expoente se encontra em Luigi Ferrajoli,

defendendo a adoção de um direito penal mínimo como possível solução para

alcançar a relegitimação do sistema penal que ora se encontra deslegitimado.

Portanto, não obstante reconhecer a ocorrência de crise conjuntural de

legitimidade, o autor acredita em sua reversibilidade; propondo, para tanto, a adoção

do modelo minimalista como um fim em si mesmo66.

Nesse ínterim, verifica-se a existência simultânea de uma pluralidade de

teorias reducionistas (deslegitimadoras) e expansionistas (legitimadoras), ambas

com o mesmo intuito de combater a criminalidade, porém mediante a imposição de

táticas diametralmente opostas.

Enquanto aquelas defendem, ora mais ora menos agressivamente, a

descriminalização de condutas e a humanização de sanções penais, estas se valem

da tipificação de novos fatos e do enrijecimento das penas para infrações já

tipificadas67.

65

Na concepção do minimalismo radical, deve-se adotar um direito penal mínimo como tática para a abolição gradual do sistema penal (QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 84). Como expoentes dessa teoria, destacam-se Alessandro Baratta e Raúl Zaffaroni.

66

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Minimalismos, abolucionismos e eficienticismo: a crise do sistema penal entre a deslegitimação e a expansão. Revista Sequência, Santa Catarina, v. 27, n. 52, p.163-182, jul. 2006, p. 176.

67

(27)

3 O DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO E OS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA CRIMINAL FISCAL

Conforme já exposto em momento anterior, a proteção jurídica penal

passou por uma série de transformações com o advento do Estado Democrático de

Direito, à luz, primordialmente, dos valores albergados pela Constituição Federal de

1988. Observou-se, dentre outros aspectos, a incorporação de bens jurídicos

supraindividuais ao âmbito de proteção do Direito Penal.

Nessa esteira, desenvolveu-se o Direito Penal Tributário, notadamente a

partir da criminalização de condutas responsáveis pela agressão de bens jurídicos

da coletividade como um todo, oportunidade em que apontar, precisa e

individualmente, o bem jurídico efetivamente lesionado passou a ser uma tarefa bem

mais árdua.

Logo, impende analisar a evolução legislativa enfrentada pelo tema, a

partir de uma sucessão de atos normativos que foram sendo implementados, cada

um trazendo um regime distinto, com o escopo de alterar os contornos dos crimes

tributários. Isso, aliado à ausência de uniformidade na doutrina e na jurisprudência,

por vezes acabou tornando insegura a aplicação do Direito Penal como ultima ratio

no caso concreto68.

Outrossim, não se pode deixar de afirmar que o tratamento dispensado à

criminalidade tributária revela-se bastante diferenciado quando posto em

comparação às demais searas do Direito Penal, sobretudo no que pertine aos

privilégios oriundos da política criminal fiscal ora vigente. Ganham destaque, nesse

contexto, os mecanismos de extinção da punibilidade, mormente pelo pagamento do

tributo.

3.1 A Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965

Imperioso verificar como se dava a regulamentação do Direito Penal

Tributário anteriormente à Constituição Federal de 1988. Inicialmente, há que se

68

(28)

falar, ainda que de forma sucinta, da Lei nº 4.357, de 16 de julho de 196469, eis que

não fazia distinção entre a conduta material do não recolhimento do tributo e o crime

de apropriação indébita, capitulado no artigo 168 do Código Penal70.

Por essa razão, foi objeto de severas críticas, sob o fundamento de que

“possuía evidente equívoco em seu conteúdo já que tipificava como crime

puramente a falta de pagamento, e não a sonegação do fato gerador.”71

Ademais, um dos temas responsáveis por gerar uma maior confusão

legislativa e, não menos importante, um certo grau de insegurança jurídica, diz

respeito à extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo. Isso porque, conforme

veremos a seguir, tem-se um dinamismo um tanto quanto caótico na evolução

legislativa pátria sobre a matéria, a qual sofria alterações à medida que se

modificavam os interesses políticos preponderantes.

No que tange ao referido instituto, já se vislumbrava a possibilidade de

sua aplicação em duas hipóteses: mediante o pagamento do tributo devido, desde

que realizado antes da decisão de primeira instância do processo fiscal72; e

mediante uma espécie de compensação, quando se pudesse verificar a existência

de crédito do infrator perante o Fisco superior ao valor dos tributos pagos a menor73.

Em seguida, tido como o primeiro diploma legal a instituir especificamente

um crime tributário, sucedeu a Lei nº 4.729/65, definindo o crime de sonegação

69

“Art. 11. Inclui-se entre os fatos constitutivos do crime de apropriação indébita, definido no art. 168 do Código Penal, o não recolhimento, dentro de 90 (noventa) dias do término dos prazos legais:

a) das importâncias do Imposto de Renda, seus adicionais e empréstimos compulsórios, descontados pelas fontes pagadoras de rendimentos;

b) do valor do Imposto de Consumo indevidamente creditado nos livros de registro de matérias-primas e deduzido de recolhimentos quinzenais, referente a notas fiscais que não correspondam a uma efetiva operação de compra e venda ou que tenham sido emitidas em nome de firma ou sociedade inexistente ou fictícia;

c) do valor do Imposto do Selo recebido de terceiros pelos estabelecimentos sujeitos ao regime de verba especial.” (Lei 4.357/1964).

70

“Art. 168. Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção.” (Código Penal Brasileiro).

71

BRITO, Alexis Couto de; VANZOLINI, Maria Patrícia. Do crime de sonegação ao crime contra a ordem tributária: análise histórica, política e jurídica do tipo penal e da extinção da punibilidade. A efetiva repristinação do artigo 34 da lei 9.249/95. Revista Duc In Altum: caderno de Direito, São Paulo, v. 5, n. 8, p. 283-326, jul. 2013, p. 285.

72

“Art. 11, § 1º. O fato deixa de ser punível, se o contribuinte ou fonte retentora, recolher os débitos previstos neste artigo antes da decisão administrativa de primeira instância no respectivo processo fiscal.” (Lei 4.357/1964).

73

(29)

fiscal, com sua respectiva pena74.

Nesse momento, depreende-se que o crime de sonegação fiscal previsto

pela Lei nº 4.729/65 consistia em espécie delitiva de mera conduta75; prescindindo,

portanto, da aferição de qualquer resultado para sua consumação.

Logo, bastavam a falsa declaração ou a inserção de elementos inexatos,

com a intenção de eximir-se do pagamento do tributo, para caracterizar a ocorrência

do injusto penal.

Em contrapartida, não obstante ser o não recolhimento do tributo

irrelevante para fins de configuração do crime de sonegação fiscal, verifica-se que o

respectivo pagamento mantém sua importância para o efeito excepcional de

extinção da punibilidade.

Vale dizer, entretanto, que a Lei nº 4.729/6576 tornou mais restrita a

aplicação da extinção da punibilidade pelo pagamento, ora facultado tão somente

quando o tributo fosse recolhido antes de deflagrada a ação fiscal.

Destarte, considerando esse regramento, o legislador tornou inadmissível,

no campo criminal, a extinção da punibilidade pelo pagamento após o início da ação

fiscal, podendo este ser considerado apenas como causa genérica de redução da

pena.

Nos anos seguintes, a partir da edição dos Decretos-Lei nº 157, de 10 de

fevereiro de 1967, e nº 1.060, de 21 de outubro de 1969, o tratamento da matéria foi

novamente modificado. Num primeiro momento, ampliou-se o âmbito de incidência

74

“Art. 1º. Constitui crime de sonegação fiscal:

I - prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei;

II - inserir elementos inexatos ou omitir, rendimentos ou operações de qualquer natureza em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de exonerar-se do pagamento de tributos devidos à Fazenda Pública;

III - alterar faturas e quaisquer documentos relativos a operações mercantis com o propósito de fraudar a Fazenda Pública;

IV - fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o objetivo de obter dedução de tributos devidos à Fazenda Pública, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis.

V - Exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário da paga, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida do imposto sobre a renda como incentivo fiscal.” (Lei 4.729/1965).

75

São crimes de mera conduta aqueles cuja lei não exige a ocorrência de qualquer resultado naturalístico, contentando-se com a ação ou omissão do agente. Logo, entende-se haver uma ofensa presumida pela lei diante da prática da conduta. (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito

Penal: parte geral – Arts. 1º a 120 do CP. 18. Ed. Atlas: São Paulo, 2002, p. 134.).

76

(30)

da extinção da punibilidade pelo pagamento77, passando-se a permitir sua aplicação

durante o procedimento fiscal ou por meio do acréscimo das multas devidas para a

liquidação do débito em discussão78.

O Decreto-Lei nº 1.060/69, a seu turno, traz de volta a hipótese de

extinção da punibilidade pelo pagamento no curso da ação fiscal e antes da decisão

administrativa de primeira instância, além do procedimento de compensação retro

comentado79.

Assim, restabeleceu-se o já mencionado regime da extinção da

punibilidade disposto na Lei 4.357/64 para, nessa oportunidade, aplicar-lhe aos

crimes previstos na Lei 4.729/65.

Empós, o Decreto-Lei nº 2.303, de 21 de novembro de 1986, volta a tratar

do tema. Embora sem mencionar acerca da necessidade de ser ou não o

pagamento prévio à ação penal ou fiscal, ressalva que o instituto somente poderia

ser aplicado relativamente aos débitos declarados pelo sujeito passivo da obrigação

tributária de forma espontânea80.

Tem-se, ainda, discussão acerca da aplicação da extinção da punibilidade

ao crime de descaminho, posto que o Decreto-Lei nº 157/67 facultava a incidência

da mesma disciplina a outros delitos de elisão fiscal não previstos na Lei nº

4.729/65; sem, todavia, mencionar expressamente o crime de descaminho.

Contudo, prevaleceu o entendimento de que tais excludentes poderiam

ser aplicadas ao crime de descaminho, posição esta a qual acabou encampada pela

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), no ano de 1977: “A extinção de

punibilidade, pelo pagamento do tributo devido, estende-se ao crime de descaminho,

por força do art. 18, § 2º, do Decreto-lei 157/67.”81.

Ocorre que, logo no ano seguinte, foi editado o Decreto-Lei nº 1.650, de

77

"Art. 18. Nos casos de que trata a Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, também se extinguirá a punibilidade dos crimes nela previstos se, mesmo iniciada a ação fiscal, o agente promover o recolhimento dos tributos e multas devidos, de acordo com as disposições do Decreto-lei nº 62, de 21 de novembro de 1966, ou deste Decreto-lei, ou, não estando julgado o respectivo processo depositar, nos prazos fixados, na repartição competente, em dinheiro ou em Obrigações Reajustáveis do Tesouro, as importâncias nele consideradas devidas, para liquidação do débito após o julgamento da autoridade da primeira instância." (Decreto-Lei nº 157/1967).

78

MACHADO, Hugo de Brito. A extinção da punibilidade pelo pagamento nos crimes tributários e a Lei nº 12.382/2011. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 202, p. 67-72, 2012, p. 68.

79

“Art. 5º. Aplicam-se ao crime de sonegação fiscal, definido no artigo 1º da Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, as normas que regulam a extinção da punibilidade dos crimes de apropriação indébita previstos no artigo 11, da Lei nº 4.357, de 16 de julho de 196.” (Decreto-Lei nº 1.060/69).

80

“Art. 24, § 4º. O disposto neste artigo aplica-se aos débitos espontaneamente declarados pelo sujeito passivo da obrigação tributária.” (Decreto-Lei nº 2.303/86).

81

(31)

19 de dezembro de 1978, com o fito de vedar a extensão do privilégio supracitado ao

crime de descaminho; indo, portanto, completamente de encontro ao entendimento

consolidado pelos tribunais superiores82.

3.2 A Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990

A Lei 8.137/90 passou a definir os crimes contra a ordem tributária,

econômica e contra as relações de consumo, passando a delinear os contornos do

atual regime jurídico-penal.

Conforme se pode depreender especialmente da leitura dos artigos 1º e

2º do referido diploma normativo, foram tipificados os crimes tributários, mediante a

descrição de condutas que configuram a supressão ou a redução de tributo,

contribuição social ou qualquer acessório para fins de incidência do Direito Penal83.

Dessa maneira, ao contrário do que se verifica na Lei nº 4.729/65, inovou

o legislador ao dispor que, para a consumação da infração, faz-se necessária

conduta do contribuinte no sentido de efetivamente suprimir ou reduzir o valor dos

tributos devidos.

No entanto, percebe-se não ser pacífica na doutrina a classificação

82

“Art. 1º. O disposto no artigo 2º da Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, e no artigo 18, parágrafo segundo, do Decreto-lei nº 157, de 10 de fevereiro de 1967, não se aplica aos crimes de contrabando ou descaminho, em suas modalidades próprias ou equiparadas, nos termos dos parágrafos 1º e 2º do artigo 334 do Código Penal.” (Decreto-Lei nº 1.650/78).

83

“Art. 1°. Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

(32)

quanto à natureza dos crimes contra a ordem tributária. De um lado, há quem

defenda se tratarem de delitos materiais84, enquanto que, para outra parcela dos

autores, consistem em crimes de mera conduta.

Na esteira do pensamento de Hugo de Brito Machado, a Lei nº 8.137/90

define a supressão ou redução de tributo como crime material, ou de resultado. Por

essa razão, para que seja caracterizado, é preciso definir a existência de um tributo

devido, a fim de que se possa afirmar sua supressão, ou redução, mediante uma ou

mais das condutas descritas na lei85.

A esse respeito, faz-se mister trazer à baila a posição consagrada pelo

STF, no julgamento do Habeas Corpus nº 75.945, em cujo voto, de autoria do

Ministro Sepúlveda Pertence, restou acolhida a natureza material das infrações

contra a ordem tributária. Confira-se:

Crime contra a ordem tributária (L. 8.197/90, art. 1º, I): infração material - ao contrário do que sucedia no tipo similar da L. 4.729/65 -, à consumação da qual é essencial que, da omissão da informação devida ou da prestação da informação falsa, haja resultado efetiva supressão ou redução do tributo: circunstância elementar, entretanto, em cuja verificação, duvidosa no caso, não se detiveram as decisões condenatórias: nulidade86.

Assim, conforme o entendimento da Suprema Corte Brasileira, a falsa

declaração, ainda que com a intenção de isentar-se do recolhimento do tributo,

passou a ser, por si só, insuficiente para caracterizar a ocorrência do fato delitivo.

Isso porque a supressão ou redução do tributo prevista no artigo 1º da Lei

nº 8.137/90, que antes figurava como um fim especial de agir - isto é: dolo específico

inerente ao tipo penal -, passou a consistir em elemento material indispensável para

a consumação do delito.

No que tange à extinção da punibilidade, a Lei nº 8.137/90 seguiu

prevendo sua aplicação mediante o pagamento do tributo. Contudo, a partir de

então, autorizado somente quando efetuado antes do oferecimento da denúncia

ministerial87.

84

São crimes materiais aqueles cuja lei impõe a necessidade de um resultado externo à ação, entendido como desdobramento lógico e cronológico da conduta praticada. (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – Arts. 1º a 120 do CP. 18. Ed. Atlas: São Paulo, 2002, p. 134.).

85

MACHADO, Hugo de Brito. Prévio esgotamento da via administrativa e ação penal nos crimes contra a ordem tributária. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 15, p.231-239, jul. 1996, p. 236.

86

Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 75945/DF.

87

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