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MARIA CRISTINA GIORGI (CEFET-RJ)

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Academic year: 2021

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GÊNERO DE DISCURSO EM PROCESSO DE SELEÇÃO DOCENTE: EDITAL, MANUAL E PROVA

MARIA CRISTINA GIORGI (CEFET-RJ)

RESUMO:

Nesta apresentação temos como objetivo, desde uma visão dialógica de linguagem focada na noção de gênero de discurso (BAKHTIN, 1929 e 1979), refletir sobre o trabalho do professor de língua estrangeira, a partir da análise de edital, manual do can- didato e prova - documentos que integram os concursos que sele- cionam grande número de candidatos. Entendendo o processo seletivo como prática social que autoriza o profissional professor a exercer sua atividade na rede pública, buscamos discutir a inser- ção do professor de língua estrangeira dentro do contexto da esco- la e seu papel de formador.

Em nosso quadro teórico optamos por propostas voltadas para análises que relacionam linguagem e trabalho e compreen- dem a linguagem como resultado de uma atividade humana. Nes- se sentido, destacamos contribuições interdisciplinares referentes ao trabalho (LACOSTE, AMIGUES), à perspectiva dialógica da linguagem (BAKHTIN), à Análise do discurso de base enunciati- va (MAINGUENEAU) e à relação saber-poder (FOUCAULT 1987 e 1996).

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Temos como objetivos, neste artigo, pensar um pouco so- bre o métier do professor, além de iniciar um diálogo entre for- mação e trabalho docente. Para tal, tomamos como base o proces- so que seleciona professores, dado que esse é uma prática social que diz qual professor está apto para atuar na rede pública e o que ele precisa saber.1 A relevância de tal análise justificasse por po- der esse processo fornecer pistas sobre aquilo que vem sendo privilegiado no ensino de língua estrangeira no estado do Rio de Janeiro, além de nos permitir compreender um pouco mais sobre a prática docente.

Para alcançar nossos objetivos, privilegiamos propostas que relacionam linguagem e trabalho, e cabe explicar que compreen- demos a linguagem como um agir discursivo no mundo. Essa compreensão destaca contribuições interdisciplinares referentes ao mundo do trabalho (AMIGUES e LACOSTE), a perspectiva dialógica da linguagem (BAKHTIN), a Análise do discurso de base enunciativa (MAINGUENEAU) e reflexões acerca das rela- ções saber-poder (FOUCAULT).

Mesmo que muitos trabalhos enfoquem a relação ensino- aprendizagem, pouco se fala sobre o trabalho docente em si. Uma vez que os concursos de seleção habilitam o professor para o tra-

1 Nosso trabalho baseia-se em Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras – Área de concentração em Lingüística, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com o título Seleção docen- te: perfil de professor e saberes privilegiados pelo trabalho, orientada pela Profa. Dra. Del Carmen Daher.

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balho nas redes públicas – ou seja, são uma prática social que autoriza o profissional professor a exercer sua atividade em esco- las públicas da rede oficial – , a análise desse processo deve nos fornecer pistas sobre a atividade docente.

Baseando-nos em pesquisa de Giorgi (2002) que constata que parte dos professores concursados da rede pública não estão familiarizados com alguns conceitos que atravessam os prescritos da área, surgem e indagações sobre quais concepções de ensino e saberes são privilegiadas nesses concursos, representando um acervo das concepções de língua e de ensino representantes de crenças, que se perpetuam no âmbito do ensino de língua estran- geira.

O processo seletivo constitui-se de três documentos: Edital, Manual do Candidato e provas e o diálogo entre os três documen- tos permite-nos melhor compreender a “lógica” da organização do concurso, pois todos eles contribuem para a materialização do perfil de professor de línguas almejado pela rede pública de ensi- no do Estado do Rio de Janeiro. Compreender como os três do- cumentos relacionam-se entre si, quais as suas funções, por que existem, quais relações são estabelecidas entre eles possibilita uma melhor compreensão da forma como se instituem as relações de saber / poder. Por isso, apresentamos agora, em linhas gerais, os três documentos.

Além de garantir a limpidez do processo, o edital funciona como contrato de adesão, cujas cláusulas são elaboradas unilate-

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ralmente pelo Estado e devem ser cumpridas por ambas as partes – Estado / candidato –, a partir do momento em que são aceitas.

No que tange às características genéricas do edital, pode-se afirmar que, de forma análoga ao que ocorre em uma lei, este documento constitutivo do concurso público, que prescreve regras gerais e específicas para sua realização, pressupõe a homogeneidade do lugar do qual se enuncia, o lugar da lei.

(GIORGI, 2005, p. 43)

Significa dizer que, quando o candidato participa de um processo seletivo desta ordem, concorda com o estabelecido em seu respectivo edital. Com base em nosso conhecimento de mun- do permitimo-nos asseverar que esses constituem um gênero es- tável, onde “alguns espaços” são reformulados e outros se man- têm os mesmos, assim como acontece em requerimentos que já vêm “prontos” e temos apenas que preencher os espaços em bran- co, sem modificar o que está previamente determinado.

Por esse motivo, fazemos a hipótese de que são elabora- dos antes do contato entre as secretarias e os órgãos que organi- zam os certames, dado que, por ser esse gênero que não prevê muitas modificações – pois segue formas rigorosamente oficiais, com alto grau de estabilidade – não seria “criado” a cada concur- so, mas seria apenas “reelaborado” a partir de um modelo padro- nizado visando a atender exigências jurídicas, no qual somente se

“preenchem lacunas”.

Ainda que o edital ora analisado estudado faça menção a leis (como a Constituição Federal e alguns decretos) nenhuma

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referência é feita a leis que prescrevem especificamente a educa- ção, denotando um silenciamento das vozes desse âmbito. Assim, não verificamos no edital uma proximidade com questões vincu- ladas à realidade do trabalho do professor, mas apenas uma ne- cessidade de atender aos princípios legais, que têm peso maior do que as acadêmicas. É, em suma, a voz do mundo jurídico.

Em nossa opinoão manual do candidato seria a “voz do mundo real”. Definido nos dicionários como “obra de formato pequeno que contém noções ou diretrizes relativas a uma discipli- na, técnica, programa escolar etc.” ou “livro que orienta a execu- ção ou o aperfeiçoamento de determinada tarefa; guia prático”

(HOUAISS, 2001), o manual, dentre o conjunto dos três docu- mentos que compõem a seleção da rede estadual, é o único que não é condição necessária para a realização do concurso. Todavia, apesar de não ser um documento oficial como o edital – previsto constitucionalmente – integra uma grande parte dos concursos, principalmente os que pressupõem grande número de candidatos, como concursos de vestibular, de seleção docente para Estado e Município, dentre outros.

Interessante notar que esse documento repete uma grande parte das informações do edital como se o primeiro fosse uma

“tradução” do segundo, inclusive reproduz integralmente algumas partes. Verificamos, assim, sua função de organizar as informa- ções, servindo como um roteiro de instruções, “um passo a passo”

daquilo que o professor “de fato precisa para participar do con-

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curso”, pois há no manual um menor número de informações que enfocam a parte mais prática do concurso.

Bem, se o manual reformula algumas das informações constantes do edital, é porque o último não está direcionado ao professor, por possuir informações de cunho jurídico que não lhe dizem respeito. Em sendo assim, identificamos o candidato como co-enunciador do manual e não do edital, co-enunciador este que precisa de uma outra linguagem, que não a jurídica.

No que diz respeito às provas, adotamos definição de Gi- orgi (Op. cit.), que afirma:

As provas indicam, no contexto atual de nossa realidade edu- cacional, aquilo que os profissionais precisam saber. Funcio- nam como um padrão a ser seguido por aqueles que preten- dem ingressar na rede pública, podendo, inclusive, influenciar cursos de formação, uma vez que a última seleção realizada sempre reflete não só o que se espera do professor naquele momento, mas também o que se antecipa para futuras sele- ções, sugerindo quais saberes devem ser privilegiados e re- produzidos. São, portanto, uma dupla memória que remete ao passado, reproduzindo e mantendo o que vem ou não sendo privilegiado, e aponta para o futuro, prescrevendo o que deve ou não continuar sendo considerado importante; ou seja, o que é esperado por um determinado grupo para a prática desse trabalho. Uma vez que, de acordo com Bakhtin (1929), cada um de nós orienta suas ações a partir de uma visão de futuro, os conteúdos que se repetem nas provas também indicam uma possibilidade de futuro, pois refletem o que é e deverá conti- nuar sendo considerado importante no contexto da educação, isto é, aquilo que o professor precisa conhecer para poder tra- balhar com a disciplina. (Id., ibid., p. 57)

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É nesse documento que esperamos encontrar nelas a voz do professor, dado que essa é um documento escrito, por meio do qual uma banca formada por professores interpela/examina o candidato e que tem como função “verificar conhecimentos, ava- liar, classificar, selecionar candidatos para exercer uma atividade profissional” (VIVONI, 2003, p. 25). Nesse quadro pode-se dizer que as provas são o instrumento por meio do qual o professor precisa, pode e / deve provar o seu “saber”, ou seja, demonstrar sua “competência” para o exercício profissional.

Todavia o documento onde esperávamos encontrar a voz do professor não trata em nenhum momento de questões relativas ao trabalho docente, limitando-se apenas a questões relativas à estrutura da língua ou à compreensão leitora. Ou seja, sequer o contexto de sala de aula se reflete nesses exames.

Depois dos resultados apontados pela análise dos docu- mentos, algumas questões continuam. E onde se fala sobre o tra- balho docente? Na verdade, o que constatamos foi uma primazia de saberes relacionados ao mundo jurídico e um total silencia- mento da voz do professor. Verifica-se, pois, uma maior preocu- pação em atender e garantir o espaço do jurídico, fato que, por sua vez, implica a depreciação, na desvalorização de outros espaços, a nosso ver tão ou mais importantes, como o da sala de aula. Privi- legiam-se, ao longo do processo de seleção, saberes acadêmicos como a gramática, e ao mesmo tempo ignora-se o espaço de sabe- res sobre as necessidades do trabalho na escola.

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Além disso, constata-se que as seleções não são planeja- das por professores que conhecem as necessidades da rede esta- dual, o que indica que a esses não cabe selecionar seus pares.

Acreditando que a seleção tem um espaço importante no âmbito da formação docente, percebe-se no diálogo entre essa formação e a escola ausência da voz do trabalhador-professor.

Dialogando com Foucault (Op. cit.), aprendemos que o regime capitalista instaurado no século XIX, em lugar de sim- plesmente transformar o trabalho em lucro, foi obrigado a cons- truir uma rede de técnicas por meio das quais o homem se vê atado ao trabalho, onde seu corpo, seu tempo e sua força de traba- lho transformam-se em sobre-lucro, que pressupõe a criação de um subpoder, de um poder político microscópico, operado pelo poder. E a partir da criação desse subpoder, brotam diversos sabe- res, que se multiplicam nas suas instituições de subpoder, origi- nando as ciências do homem e o homem como objeto da ciência.

São o saber do indivíduo, o saber da normalização e o saber cor- retivo. Ou seja, a relação saber-poder tem suas origens mais nas relações de produção que propriamente na existência do homem.

Para que um determinado modelo econômico sobreviva são ne- cessários poderes e saberes que suportem as relações de produção assim como o inquérito na sociedade feudal e o exame no capita- lismo.

Após a leitura do filósofo francês, parece mais fácil com- preender o processo de seleção como uma conseqüência da socie-

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dade disciplinar, uma vez que, para recompensar ou punir, primei- ramente é necessário avaliar, verificar quem está ou não de acor- do com o estabelecido. Assim como as prisões, as provas são a representação da sociedade no seu contínuo cumprir regras. Legi- timam o controle, dizem quem pode ou não pode continuar na escola, quem pode ou não “passar de ano”, quem pode ou não ser professor da rede pública estadual. Punem e recompensam. Den- tro do âmbito escolar atual, o exame está relacionado a rendimen- to e resultado dos processos de aprendizagem, sendo um instru- mento ao qual se atribui o papel de quantificar o conhecimento adquirido por meio de notas ou conceitos que levam a “autoriza- ções”, como poder entrar de férias, passar de ano, exercer a pro- fissão etc. Para nós, o papel social do professor transcende ao espaço da sala de aula, o que significa dizer que este profissional deve ser mais do que um simples executor de tarefas prescritas;

deve integrar pesquisas sobre a ação educativa, refletindo, inclu- sive uma mudança nos rumos de nossa educação, que nos remete a uma escola que tem como função propiciar meios que garantam ao aluno o exercício de sua cidadania. Portanto, torna-se indis- pensável que o docente tenha preocupações não apenas com a transmissão de conteúdos, mas também com sua própria visão sobre a relação ensino-aprendizagem e de como esta influencia a formação de seus alunos.

Em nossa opinião não há espaço para o isolamento de um profissional dentro de sua sala de aula e tampouco em uma visão

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de professor que desvincule teoria e prática, pesquisa e prática, e portanto, é preciso que haja espaço para esse profissional dentro do âmbito das seleções públicas.

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Referências bibliográficas:

BAKHTIN, M. A estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

FOUCAULT, M. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro:

Nau, 2003.

GIORGI, M. C. Seleção para a rede pública estadual de ensino:

o que se espera do professor de língua estrangeira?. (Dissertação de Mestrado em Letras) – Universidade do estado do rio de janei- ro – Departamento de Letras. Rio de janeiro: UERJ, 2005.

HOUAISS, A; VILAR, M. Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2001.

LACOSTE, M. Paroles, activité, situation. In: BOUTET, J.

Paroles au travail. Paris: L’Harmattan, 1995.

MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso.

Campinas: Pontes, 1996.

VIVONI, R. Interlocução seletiva: análise de provas para sele- ção de docentes – A construção do perfil do profissional profes- sor. (Dissertação de Mestrado em Letras) – Universidade do esta- do do Rio de janeiro – Departamento de Letras. Rio de janeiro: UERJ, 2005.

Referências

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