UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS
Educação em Direitos Humanos e o Debate de Gênero no Sistema Público de Ensino Básico de Cajazeiras-PB: um estudo sobre a (in)efetividade das
políticas públicas municipais em educação
VICTOR DE SAULO DANTAS TORRES
Orientadora: Profa. Dra. Adelaide Alves Dias
Linha de Pesquisa: Políticas Públicas em Educação em Direitos Humanos
JOÃO PESSOA – PB
2017
Educação em Direitos Humanos e o Debate de Gênero no Sistema Público de Ensino Básico de Cajazeiras-PB: um estudo sobre a (in)efetividade das
políticas públicas municipais em educação
VICTOR DE SAULO DANTAS TORRES
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, em cumprimento às exigências para a obtenção do título de Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas, Área de Concentração em Políticas Públicas em Direitos Humanos.
Orientadora: Profa. Dra. Adelaide Alves Dias
Linha de Pesquisa: Políticas Públicas em Educação em Direitos Humanos
JOÃO PESSOA – PB
2017
T693e Torres, Victor de Saulo Dantas.
Educação em direitos humanos e o debate de gênero no Sistema Público de Ensino Básico de Cajazeiras - PB : um estudo sobre a (in)efetividade das políticas públicas municipais em educação / Victor de Saulo Dantas Torres. - João Pessoa, 2017.
394 f. : il.
Orientação: Adelaide Alves Dias.
Dissertação (Mestrado) - UFPB/CCHLA.
1. Educação - Políticas públicas. 2. Direitos humanos - Educação. 3. Gênero e diversidade. 4. Plano Municipal de Educação - Cajazeiras - PB. I. Dias, Adelaide Alves.
II. Título.
UFPB/BC
Catalogação na publicação Seção de Catalogação e Classificação
Educação em Direitos Humanos e o Debate de Gênero no Sistema Público de Ensino Básico de Cajazeiras-PB: um estudo sobre a (in)efetividade das
políticas públicas municipais em educação VICTOR DE SAULO DANTAS TORRES
Dissertação de Mestrado avaliada em ____/____/______ com conceito _________________
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profa. Dra. Adelaide Alves Dias
Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas – Universidade Federal da Paraíba
Orientadora
___________________________________________________
Prof. Dr. Jailton Macena de Araújo
Centro de Ciências Jurídicas – Universidade Federal da Paraíba Examinador Externo
___________________________________________________
Profa. Dra. Rosa Maria Godoy Silveira
Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas – Universidade Federal da Paraíba
Examinadora Interna
IV
Dedico este trabalho à minha amada Mãe,
Teresinha Flor Dantas (in memoriam), que foi,
é e sempre será a razão maior da minha vida,
minha força e minha coragem para seguir em
frente, e a quem devo mais esta conquista.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço à minha amada Mãe, Teresinha Flor Dantas (in memoriam), pelo dom da vida, pelo amor que sempre me deu, e pelos sacrifícios que sempre fez para que seus filhos pudessem ter acesso à melhor educação disponível. Mamãe, se não fosse por ti, jamais estaria concretizando mais esta conquista, que é tua também.
Agradeço também às minhas Tias, Antônia Flor Dantas e Maria Flor Dantas, pela coragem e ímpeto que me forneceram para que eu me aventurasse em terras desconhecidas, buscando o aprofundamento acadêmico e a realização do sonho de lecionar. Tia Toinha e Titia Maria, muito obrigado por tudo, não sei o que seria da minha vida sem vocês, obrigado por estarem do meu lado, me apoiarem e serem a família que eu precisei nos momentos mais difíceis.
Também aos meus Padrinhos, Maria Aleuda de Oliveira Nóbrega e José Pires Ribeiro Nóbrega, que para mim são meus pais do coração, que mesmo sem compartilhar o sangue, sempre me trataram qual um filho, com todo o carinho e atenção, abrindo as portas de sua casa pare me receber e me dar abrigo durante todo o percurso desta jornada. Madrinha e Padrinho, vocês tem um espaço cativo no meu coração, obrigado pelo amor, apoio e confiança que depositaram em mim, não sei se sou digno de tanto, mais saibam que, junto ao pequeno José, também os amo em igual ou superior medida.
Agradeço ainda aos amigos Itamar Júnior, Itamária Mangueira e Renata Mangueira, que me receberam em sua casa com toda a hospitalidade, tratando a mim, um ainda estranho, como alguém da máxima confiança e pessoa de casa. Muito obrigado, meus queridos, se consegui obter sucesso naquela seleção, grande parte dele se deve a vocês.
Meus sinceros agradecimentos ainda à minha orientadora, Prof.ª Adelaide Alves Dias, sem a qual, no sentido mais direto da palavra, eu estaria perdido. Muito obrigado, professora, por ter sido minha guia nessa batalha, mesmo sabendo que lhe dei muito trabalho, espero que possa, com este trabalho, de alguma forma retribuir o seu trabalho e sanar as minhas falhas.
Agradeço também a todos e todas que compõem o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania da UFPB, para onde estendo aos integrantes do PPGDH, que foram durante esses dois anos casa e família para mim, sempre prestativos, companheiros e acima de tudo bons amigos, a quem agradeço na figura da professora Maria de Nazaré Tavares Zenaide, a quem também dedico o capítulo terceiro desta obra.
Um especial agradecimento a todos e todas que fazem o Centro de Atenção Psicossocial
– CAPS de Cajazeiras, a quem agradeço na pessoa da minha psicóloga, que me ajudou em
VI
momentos críticos, em que a depressão, a vontade de desistir e de tirar a própria vida pareciam que iam vencer. Meu muito obrigado, por me ajudarem a encontrar forças para vencer as barreiras mentais e emocionais que me impediam de dar prosseguimento a este trabalho.
Também aos inesquecíveis amigos de todas as horas, Nayhara Helena, Heloísa Clara, Waldir Porfírio, Thatiana Alcón, Alice Ramos, Inafran Ribeiro, Luana Porto, Heloísa Marinho, Leonardo Dantas, Julyanna Oliveira, Ana Danielly, Jaqueline Lira e Max de Lima, pelo que jamais irei esquecer ajuda e o apoio de cada um, dentro e fora de sala de aula, nas intermináveis filas do RU e nos eventos de que participamos. Meus Nhe Nhe Nhems, recebam todo o meu carinho e agradecimentos.
Também agradeço a todos os meus entrevistados, aos gestores escolares, e aos demais sujeitos da pesquisa, por colaborarem tão prontamente para que este estudo pudesse ser realizado, pelo que aproveito o ensejo para agradecer aos avaliadores da banca de qualificação e de defesa, a Prof.ª Rosa Maria Godoy Silveira, a quem considero uma historiadora simplesmente fantástica e uma fonte inesgotável de conhecimento, e o Prof. Jailton Macena de Araújo, amigo sincero que, desde a graduação, teve e tem um papel especial para que eu me dedicasse à produção acadêmica e à carreira docente.
Agradeço ainda aos meus amigos do Centro de Formação de Professores – CFP/UFCG, por todo o companheirismo, quer seja dividindo as angústias acadêmicas ou lutando contra o golpe, e que o faço nas pessoas de Nelson Ferreira, um verdadeiro irmão que a vida me deu, e de Risomar Alves, com quem tive o prazer de ministrar durante um ano aulas na UFCG, por ocasião do estágio em docência, vocês são sensacionais.
Por fim, mas não menos importante, agradeço aos meus mais que amigos, membros do Conselho Jurídico Intervans – CJI, que desde a graduação têm sido presença constante em minha vida, trazendo alegria em dias de dificuldades. Obrigado Renato Filgueira (Dr. Faraó), Rafael Dorgival (Ministro do STF), Lyvia Raquel (Ryca), Polyanna Figuerêdo, Renata Elisa (Flor), Vanessa Medeiros (Eu Lírico), obrigado por serem os melhores amigos que alguém poderia desejar um dia chamar de seus.
FORA TEMER!
“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção.
Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que fizemos e o que fazemos.”
(Paulo Freire)
VIII
RESUMO
Considerado o histórico de violações de direitos de certos grupos sociais com base nas diferenças sexuais e de gênero, em especial mulheres e pessoas LGBT, não é difícil perceber que a estrutura excludente, que opera e reforça o tratamento discriminatório destes grupos, encontra nas instituições sociais, especialmente nas educacionais, o apoio necessário para perpetuar tais formas de agir e pensar. Ponderando nossas vivências escolares frente ao condicionamento das identidades e sexualidades a um modelo binário e heteronormativo, além da aproximação com o tema na produção acadêmica e a constante discussão sobre como a escola deve se posicionar diante do novo paradigma das diversidades, escolhemos aprofundar os estudos sobre a ótica das políticas públicas em Direitos Humanos, sabendo que são estes instrumentos essenciais para a transformação social, de forma que, nesse aspecto, nossa pesquisa voltou-se ao campo das políticas públicas em Educação em Direitos Humanos. Dessa forma, a presente dissertação teve como objetivo principal averiguar a efetividade das políticas públicas de educação no campo do gênero e da diversidade no município de Cajazeiras- PB, ante a inclusão dessa temática em seu Plano Municipal de Educação e outras ações nesse sentido desenvolvidas no sistema escolar municipal. Para tanto, foi desenvolvido um estudo qualitativo, com a realização de entrevistas não estruturadas, com 13 sujeitos, entre representantes de movimentos sociais, do Poder Executivo e Legislativo, sendo 04 deles professores do próprio sistema municipal, além de pesquisa documental, bibliográfica e de campo, através da observação escolar, sendo a interpretação dos dados feita pela técnica da análise de conteúdo. Foram analisadas as políticas de gênero e diversidade no município e sua influência sobre o currículo escolar, em especial o reforço ou desestimulo de certas práticas e preconceitos baseados no gênero e na sexualidade, discutindo a qualidade dessas políticas no contexto da educação municipal, identificando como resultado principal a existência de políticas fragilizadas com reflexos na atuação de alguns educadores, mostrando que ainda há muito que se trabalhar nesse sentido. Por fim, a pesquisa aponta novas perspectivas para aprofundamentos, no sentido de compreender como será desenvolvida a formação continuada em gênero e diversidade dos docentes municipais, prevista no PME de Cajazeiras-PB.
Palavras-chave: Políticas Públicas. Educação em Direitos Humanos. Gênero e Diversidade.
ABSTRACT
Considered the history of rights violations of certain social groups based on gender and sexual differences, especially women and LGBT people, it is not difficult to see that the exclusionary structure, that operates and reinforces the discriminatory treatment of these groups, found in social institutions, especially in the education ones, the necessary support to perpetuate such forms of acting and thinking. Pondering our school experiences front of the conditioning of identities and sexualities to a binary and heteronormative model, in addition to the approach with the theme in academic production and the constant discussion about how the school should position itself in the new diversity paradigm, we chose to deepen the studies on the perspective of public policies on Human Rights, knowing that these instruments are essential for social transformation, so that, in this regard, our research has returned to the field of public policies in Human Rights Education. Thus, the present dissertation have as main objective ascertaining the effectiveness of public education policies in the field of gender and diversity in the municipality of Cajazeiras-PB, face the inclusion of this theme in its Municipal Education Plan and other actions in this direction developed in the municipal school system. For that, a qualitative study was developed, with not structured interviews, with 13 subjects, between representatives of social movements, executive and legislative power, being 04 of them teachers of the own municipal system, besides the documentary, bibliographical and field research, this last through school observation, and the interpretation of the data was done by the technique of content analysis. Was analyzed the gender and diversity policies in the city and its influence in the school curriculum, in particular the reinforcement or discouragement of certain practices and prejudices based on gender and sexuality, discussing the quality of these policies in the context of municipal education, identifying as main results the existence of fragile policies with reflections on
some educators actuation, showing that there’s still a lot to work at this sense. For last, the researchindicates new perspectives of deepen, in order to understand how will be developed the continuing formation in gender and diversity of municipal teachers, foreseen on the MEP of Cajazeiras-PB.
Key-words: Public Policies. Human Rights Education. Gender and Diversity.
X
LISTA DE SIGLAS
ABGLT Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, e Transexuais ACNUDH Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
AM Amazonas
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPS Centro de Atenção Psicossocial
CDM Centro de Defesa da Mulher
CE Ceará
CEDAW Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women CFP Centro de Formação de Professores
CID Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde CJI Conselho Jurídico Intervans
CMDM Conselho Municipal de Direitos das Mulheres CME Conselho Municipal de Educação
CNCD Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNE Conselho Nacional de Educação
CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação CRAM Centro de Referência
DNA Deoxyribonucleic Acid
DNEDH Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EUA Estados Unidos da América
FMI Fundo Monetário Internacional
GGB Grupo Gay da Bahia
GLBT Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais GLTB Gays, Lésbicas, Travestis, Transgêneros e Bissexuais HIV Human Immunodeficiency Virus
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ISO International Organization for Standardization LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Transgêneros MEC Ministério da Educação
MEL Movimento do Espírito Lilás
MELICA Movimento do Espírito Lilás de Cajazeiras
MG Minas Gerais
MLF Movimento de Liberação Feminina
MNDH Movimento Nacional de Direitos Humanos NEMS Núcleo de Estudos da Mulher Sertaneja OEA Organização dos Estados Americanos ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas
PB Paraíba
PE Pernambuco
PI Piauí
PL Projeto de Lei
PME Plano Municipal de Educação
PNDH Programa Nacional de Direitos Humanos
PNE Plano Nacional de Educação
PNEDH Plano Nacional de Educação em Diretos Humanos PPGDH Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos PUC Pontifícia Universidade Católica
RSC Responsabilidade Social Corporativa RU Restaurante Universitário
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SINTTEP Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Estado da Paraíba
SP São Paulo
SPPM Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres STF Supremo Tribunal Federal
UFCG Universidade Federal de Campina Grande UFPB Universidade Federal da Paraíba
UNDIME União Nacional de Dirigentes de Educação
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
XII
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Sujeitos da primeira etapa da pesquisa ... 118
Tabela 2 – Categorias iniciais de análise das entrevistas ... 123
Tabela 3 – Categorias intermediárias de análise das entrevistas ... 125
Tabela 4 – Categorias finais de análise das entrevistas ... 125
Tabela 5 – Categorias iniciais de análise das observações ... 125
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA ... IV AGRADECIMENTOS ... V EPÍGRAFE ... VII RESUMO ... VIII ABSTRACT ... IX LISTA DE SIGLAS ... X LISTA DE TABELAS ... XII
1 INTRODUÇÃO ... 15
2 GÊNERO, DIVERSIDADE SEXUAL E EDUCAÇÃO: Primeiras aproximações ... 28
2.1 GÊNERO E HETERONORMATIVIDADE ... 31
2.2 DISCURSOS DE REGULAÇÃO ... 34
2.3 ESCOLA, EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE ... 38
2.4 GÊNERO, DIVERSIDADE SEXUAL E CURRÍCULO ESCOLAR ... 44
3 GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS ... 50
3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS: conceitos e elementos ... 50
3.1.1 Principais modelos de formulação e análise de políticas públicas ... 51
3.1.2 A análise de políticas públicas no contexto brasileiro ... 65
3.2 POLÍTICAS PÚBLICAS EM DIREITOS HUMANOS ... 69
3.2.1 O direito à educação e a Educação em Direitos Humanos nas políticas públicas ... 83
3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL E A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NO BRASIL ... 89
4 ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO E DIVERSIDADE NO SISTEMA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CAJAZEIRAS – PB ... 114
4.1 UNIVERSO DA PESQUISA ... 114
4.2 SUJEITOS DA PESQUISA ... 117
4.3 PROCEDIMENTOS DA PESQUISA: instrumentos, métodos e técnicas de análise .. 120
4.4 CATEGORIZAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ... 126
4.4.1 Sociedade civil e a pauta das mulheres e da diversidade ... 127
4.4.2 Desenvolvimento das políticas públicas para as mulheres e a diversidade ... 141
4.4.3 Perspectivas para inclusão do gênero e da diversidade na educação ... 191
4.4.4 O gênero e a diversidade no cotidiano escolar ... 206
XIV
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 224
REFERÊNCIAS ... 228
APÊNDICES ... 244
ANEXOS ... 256
O percurso dos Direitos Humanos tem sido marcado por lutas sociais históricas, em que movimentos de indivíduos menos favorecidos buscaram sua afirmação perante o mundo, como merecedoras de respeito e atenção, exigindo um tratamento livre de qualquer discriminação e a garantia de condições dignas para suas vidas. Tais lutas emergiram desde as perspectivas individualistas, a exemplo do Bill of Rights, em 1689, na Revolução Gloriosa, e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, na Revolução Francesa, em que os direitos eram baseados apenas no pertencimento do indivíduo a um Estado, para chegar até as concepções contemporâneas de proteção à dignidade de cada pessoa, não mais baseadas em fundamentos territoriais ou políticos, mas pela condição que ostenta como ser humano, a exemplo de conquistas como a Carta das Nações, em 1945, e, por fim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, quando se passou a entender o ser humano como detentor de direitos universais, inalienáveis e invioláveis, não pertencentes apenas aos cidadãos.
Contudo, apesar destes marcos de proteção a direitos, perdura até os dias de hoje uma forte carga de preconceitos baseada em diferenças culturais, sociais, raciais e de gênero. Sobre este último aspecto, frisamos as desigualdades impostas às mulheres em várias partes do mundo, e que consistem em violações de direitos básicos, como a liberdade de locomoção, o direito à propriedade, o acesso ao mercado de trabalho em igualdade de condições, a autodeterminação sexual e reprodutiva e o acesso à educação. Tal exclusão ocorre em contraponto às inúmeras garantias e privilégios conferidos aos homens, no que se refere à posição de superioridade que ocupam dentro do corpo social.
Tal forma de enxergar o mundo, presa a uma dualidade hierarquizada entre gêneros, não pode mais permanecer ditando o comportamento da sociedade, o que gera essa necessária luta por afirmação e direitos iguais, e que se organiza através dos mais diversos modelos, como organizações não governamentais, fundações, grupos de apoio e centros de defesa. Os direitos à liberdade e à igualdade, mesmo que não totalmente concretizados, são resultado dessas intensas lutas, que constituem uma parcela importante do patrimônio cultural humano, e, portanto, devem ser apresentadas na temática educacional, a fim de criar uma cultura de respeito e enfrentamento aos preconceitos sociais que ainda persistem.
Entendida a educação como prática social que possibilita aos indivíduos o acesso e a
apropriação do conhecimento e da cultura, é possível vislumbrar seu caráter indispensável na
formação e transformação das realidades sociais, culturais e econômicas e na construção da
cidadania. O acesso ao patrimônio histórico-cultural de nossa espécie, bem como sua
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apropriação, são direitos humanos inalienáveis, portanto dignos de proteção e tutela do Estado. Nessa ótica, é dever fundamental do poder público oferecer educação pública, gratuita, laica, de qualidade e universal. Tal assertiva deve servir de norte para a criação de políticas públicas que possibilitem a consecução deste e de outros objetivos, principalmente em correlação com a Educação em/para os Direitos Humanos.
Contudo, o dever de possibilitar o acesso ao conhecimento, muitas vezes, acaba sendo permeado por interesses particulares, que buscam reproduzir modelos de opressão, negando o caráter libertador da educação, a fim de perpetuar um discurso de exclusão e intolerância do diferente, classificando como “anormais” todos aqueles que divergem dos padrões estabelecidos, transformando dentro do ambiente escolar o diferente no desigual.
Dessa forma, demonstra-se a necessidade de políticas públicas voltadas à educação com o objetivo de propagar a discussão acerca da problemática de gênero, integrando parte de conquistas dos movimentos pela equidade de gênero e a não discriminação. A criação de uma sociedade justa e igualitária, baseada nos Direitos Humanos, passa também pelo reconhecimento dos sujeitos enquanto seres dignos de respeito e de direitos, dos que sofreram e ainda sofrem com o androcentrismo
1e a heteronormatividade
2social, conceitos que retratam a dominação exercida pelo masculino dentro da sociedade e da predominância de um modelo determinado de comportamento social do ser homem e do ser mulher, tal como é o caso das mulheres, dos homossexuais, travestis, transexuais e transgêneros e tantos outros, que necessitam de uma mudança do paradigma da simplificação, conforme Silveira (2014), que ainda permanece imbricado em boa parte das instituições escolares, para passar a promover uma educação inclusiva e para a diversidade, e que, segundo a autora, lastreada no pensamento de Morin (2005), aponta para o paradigma das complexidades.
Para tanto, é necessário que o poder público, nas esferas municipal, estadual e federal, promova, dentro de suas respectivas competências, a melhoria desta realidade, realizando debates dentro das instituições de ensino, promovendo projetos de enfrentamento ao preconceito e à violência e fomentando estudos sobre estas temáticas. Uma especial atenção
1 Termo criado em 1903 por Lester F. Ward, sociólogo americano. Refere-se à forma como as experiências masculinas são universalizadas ao patamar da própria humanidade sem dar qualquer crédito ou fazer referência às contribuições femininas. A tendência linguística presente em vários idiomas de simplificar a humanidade no termo "o homem" é um exemplo excludente que ilustra um comportamento androcêntrico.
2 Termo utilizado para descrever um conjunto de situações, regras ou comportamentos que se exigem dos indivíduos, baseado nas diferenciações entre o masculino e o feminino, com especial atenção ao componente sexual destas identidades, fazendo com que aqueles que não estejam dentro do padrão binário homem-mulher, sejam perseguidos, discriminados, ofendidos, ignorados e marginalizados. Isto se dá de acordo com um conjunto de práticas ou normas que são ditas capazes de enquadrar, de forma sexual e identitária, qualquer pessoa nestas duas categorias.
deve ser dada ainda à educação ofertada nas cidades dos interiores, localidades afastadas dos grandes centros urbanos, que preservam grande carga herdada de uma estrutura patriarcal e conservadora que remonta a tempos coloniais, mas que resurge em anos mais recentes no cenário nacional através de movimentos religiosos, conservadores e de direita, aglutinados em torno das instituições estatais, tentando impor valores já fossilizados à educação pública, sob o credo de uma única fé (cristã), um padrão singular de família (tradicional), e um único modelo de cidadão (de bem).
Partindo-se da premissa de que a história é composta por uma série de rupturas e continuidades existentes entre o presente e o passado, é possível situar a educação ocidental sobre bases que provêm desde a era clássica, originada na relação entre mestre e aluno e no ideário do homem filósofo apto a participar das decisões políticas, sendo possível situá-la enquanto um instrumento de controle social. O modelo da sociedade ideal trazida por Platão, em sua obra “A República”, apresentava um formato de educação guiado para a divisão dos indivíduos em categorias sociais de acordo com o caráter por eles apresentado, e, desta forma, apta a produzir uma sociedade justa e feliz, com cada um em sua esfera social, artesãos, guerreiros e sábios, revelando uma sociedade planificada, rígida, privada da mobilidade social, sendo a educação o instrumento principal para o controle e manutenção de tal modelo.
Apesar de a sociedade perfeita de Platão não ter alcançado êxito, sua estrutura metodológica de uma educação planificada subsistiu e aflorou por todo o Ocidente, constituindo as bases da escola até o início da era moderna, compondo um jogo de poder ao qual se submetem os indivíduos desde sua infância até a idade adulta, pelo uso da disciplina e do controle.
Para ilustrar tal afirmação, citamos algumas das alterações pelas quais a escola, enquanto instituição ocidental, passou pelos séculos, com o monopólio do conhecimento pelos monastérios e universidades católicas, durante a Idade Média, a difusão de escolas e universidades privadas durante o renascimento e o iluminismo europeu, impulsionados pela invenção da prensa tipográfica, a ascensão do capitalismo moderno e a educação profissionalizante, a influência do modelo fordista, criado por Henry Ford em 1914 e caracterizado pela modelagem de uma linha de montagem.
Outras mudanças, mais recentes, foram trazidas pelas políticas educacionais do pós-
segunda guerra e os movimentos de pensadores por uma Escola Nova, quando a educação
passou a ser vista como uma necessidade social. Também com a difusão das teorias sobre a
gestão escolar, que busca dar capacidade para melhor resolver questões relacionadas ao
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planejamento e melhoria da qualidade do ensino e a preparação para a vida pessoal e profissional.
Por certo, o citado modelo filosófico preserva certa influência sobre a educação atual, conquanto alguns educadores entendam o ensino como um processo mecânico, em que é possível saber como cada um aprende, elaborando métodos, planejando e controlando a informação e o aprendizado, fixando objetivos para, ao final, ter a certeza de que, o que foi ensinado, foi aprendido, detendo o educador o controle sobre a aprendizagem do educando.
Logicamente não se afirma que a disciplina e a verificação da aprendizagem não devem compor a prática educacional. Contudo, os modelos de escola baseados no rigor absoluto e no controle, fortemente arraigados no tecnicismo científico
3, e quando não, nos valores religiosos cristãos e ocidentais, orientados para uma formação profissional e moralista, numa proposta de assimilação de valores excludentes e conservadores, de uma sociedade patriarcal e machista, não representam alternativas viáveis para a construção de uma sociedade de paz e respeito mútuo.
Nesse contexto, o indivíduo, em especial onde a gestão escolar não é democrática, ainda é orientado a uma formação educacional bastante padronizada, instituída pelos detentores do controle, personificados na figura de professores, burocratas e políticos, e que por vezes, carregam barreiras, preconceitos e visões únicas de mundo, também institucionalizando comportamentos sociais como aceitáveis ou reprováveis. Persiste o paradigma da simplificação
4, teorizado por Morin (2005), que assimila a padronização dos alunos e exclui o diverso, num processo de agrupamento baseado nas características semelhantes dos sujeitos, tal como no campo da taxonomia, transportando o modelo de ciência da padronização e uniformização para o campo social da educação, ignorando as particularidades e aspectos subjetivos de cada um, tornando a diferença algo negativo. Não é incomum a tentativa de transformação da escola, de um ambiente que deveria ser um dos espaços de respeito e convivência com a diversidade religiosa, racial, sexual e de gênero, num espaço reprodutor de preconceitos, onde não há discussão sobre estas temáticas.
3 Este termo se refere à supervalorização dos aspectos técnicos de algo, mais especificamente os científicos, na acepção mais racionalista da palavra, por vezes negligenciando um conjunto de outros aspectos que podem auxiliar em sua compreensão.
4 O paradigma da simplificação consiste em um conjunto de princípios e regras que estruturam o modelo de produção, organização, validação e transmissão do conhecimento, dentro de estruturas lineares onde se simplificam os problemas em busca de soluções excessivamente especializadas. Tal paradigma passa a produzir o que o autor chama de inteligência cega e sem consciência de si, incapaz de refletir ou se posicionar livremente.
Em contraponto ao modelo de uma educação conservadora e tradicionalista, a importância de se educar, tanto discentes quanto docentes, em Direitos Humanos, urge, sob pena de se continuar a perpetuar antigas práticas sociais discriminatórias e segregacionais.
Apontando para a necessidade de se discutir o gênero no ambiente escolar, está a condição do feminino na sociedade, apresentada por Beauvoir (1967, 1970) em uma perspectiva histórica, que expõe como sempre foi tratada a mulher, como um ser outro, dissociado do homem, e com menor valor em relação a este. As obras desta pensadora francesa, ao serem apropriadas pela militância feminina, tiveram extrema importância nas primeiras ações para incluir a discussão sobre a mulher no meio acadêmico, e depois, nas salas de aula, devido aos séculos de submissão e apagamento de sua presença na História, na Biologia e nas outras ciências, assim como aos mitos de inferioridade que a circundavam e que precisariam ser questionados, criticados e debatidos. Em verdade, a modelagem social criada pelo masculino tira da mulher o seu papel de construtora de sua realidade, reservando-o ao homem, que reproduz a mulher à sua imagem, considerando-a fonte de imperfeições, objetificando-a para tratá-la como um ser sem vontade, submisso.
Muito disso ainda se revela em pensamentos arraigados no corpo social, tais como a exaltação do modelo de mulher ideal, submissa à vontade do marido, do pai, do irmão, do filho, a Amélia
5, em contraponto à prostituta, à infiel, à revoltada com os homens, como se a mulher, enquanto sujeito, ofendesse a masculinidade do homem, no seu pensamento falocêntrico
6e na necessidade de se demonstrar superior.
Foucault (1988) contribui e amplia ainda mais o tema, expondo a sexualidade como inscrita num jogo de poder, tratada como um segredo a ser mantido, num contraponto entre a propagação da pureza e da castidade e a ideia do prazer, do desejo, e o uso do controle para manter um padrão de condutas sexuais aceitáveis e para repudiar as que não condissessem com os preceitos morais e sociais, a saber, o modelo da heteronormatividade, hoje também presente no padrão de uma suposta família tradicional, formada por um pai, uma mãe e filhos, que carrega em si todas as expectativas de papéis e comportamentos esperados pela norma de gênero.
5 Referência à letra da música “Ai que Saudade de Amélia”, composta por Ataulfo Alves e Mario Lago, em que o Eu Lírico faz referência à figura da mulher amada como sendo desprovida de qualquer vaidade e conformada com a fome, achando até mesmo “bonito não ter o que comer”, em contraponto à mulher que rejeita a vida na miséria ao lado do companheiro.
6 Termo que representa a convicção de que existe uma superioridade do masculino sobre o feminino, expressa através do pensamento, da linguagem e da escrita, tendo como ápice a representação do poder a ele atribuído pela natureza pela autoafirmação como o possuidor do pênis, o falo.
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Tais problemas envolvendo gênero e sexualidade se inserem na questão da escola enquanto ambiente de apropriação de saberes e compartilhamento de experiências. Para alcançar um novo referencial de educação plural e igualitária também é necessário discutir temas como esses, sob pena de se permitir a propagação das velhas estruturas de controle, adequando e restringindo o pensamento para reproduzir um discurso de inferioridade e opressão que não mais pode ser sustentado diante do reconhecimento dos Direitos Humanos, inalienáveis e pertencentes a cada ser humano.
As questões de gênero ganham força com autoras como Butler (2012), que desconstrói os conceitos de binarismo até então predominantes para apresentar o gênero como uma construção social, que parte da cultura e do tempo de cada sociedade, não indicando o sexo biológico, necessariamente, o gênero de um indivíduo, quando faz uso do pensamento de Beauvoir (1967, 1970) para indicar que não se nasce homem ou mulher, mas que o ser humano pode externalizar qualquer gênero com o qual se identifique, não restrito à dicotomia de macho-fêmea.
Nesse esquema de dominação, a prevenção estatal através de políticas públicas que incitem à discussão de gênero e sexualidade, é de extrema importância, até mesmo para garantir a permanência dos indivíduos na escola, posto que, quando se reproduzem práticas opressoras dentro do ambiente educacional, o risco da evasão escolar se torna maior, seja pela prática da discriminação ou mesmo pela violência física infligida a esses grupos por outros alunos. Há que se considerar ainda o comportamento do próprio educador diante das diferenças, como marcadores externos (uso de acessórios, maquiagem, cabelo longo ou curto, peças de vestuário) ou a frustração das expectativas comportamentais bem definidas entre homem e mulher, muitas vezes resultando na exclusão do aluno do ambiente escolar. Um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, em 13 capitais do país e no Distrito Federal, no ano de 2004, afirma que 25%
dos alunos entrevistados afirmam que não gostariam de estudar com um homossexual, enquanto 20% dos pais dizem não querer um homossexual na sala de aula do filho, o que demonstra claramente a rejeição sofrida e os motivos que levam à exclusão e ao abandono da escola (ABRAMOVAY; CASTRO; SILVA, 2004).
A atualidade do tema se demonstra, por vezes, através da manifestação da sociedade, por atos ou campanhas, como a realizada pelo Coletivo LGBT
7Cores (CARTA CAPITAL,
7 A sigla LGBT é o acrônimo para lésbicas, gays, bissexuais, travestis. Tal vocábulo, apesar de figurar como redução literal, não exclui outros indivíduos que compõe a mesma base de lutas por respeito à orientação sexual e identidade de gênero, tais como os(as) transexuais, transgêneros, intersexuais, assexuais e queer, dentre outros.