• Nenhum resultado encontrado

A ficção jurídica como hipótese de incidência da regramatriz tributária de taxa

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "A ficção jurídica como hipótese de incidência da regramatriz tributária de taxa"

Copied!
91
0
0

Texto

(1)

F A C UL D A D E D E D I R E I T O

C UR S O D E G R A D UA Ç Ã O E M D I R E I T O

C A I R O T R E V I A C H A G A S

A F I C Ç Ã O J UR ÍD I C A C O M O H I PÓT E S E D E I NC I DÊNC I A D A R E G R A -M A T R I Z T R I B UT Á R I A D E T A X A

(2)

A F I C Ç Ã O J UR ÍD I C A C O M O H I PÓT E S E D E I NC I DÊNC I A D A R E G R A -M A T R I Z T R I B UT Á R I A D E T A X A

Monografia apresentada à C oordenaçã o do C urso de Graduaçã o D ireito da Universidade F ederal do C eará, como requisito parcial para a obtençã o de grau de B acharel em D ireito.

Á rea de concentraçã o: D ireito T ributário.

Orientador: Profa. D ra. D enise L ucena C avalcante.

F O R T A L E Z A

(3)

G erada automaticamente pelo módulo C atalog, mediante os dados fornecidos pelo( a) autor(a)

C 1f C HA G A S, C airo T revia.

A F icçã o J urídica como Hipótese de Incidê ncia da R egra-Matriz T ributária de T axa / C airo T revia C HA G A S. – 2016.

81 f.

T rabalho de C onclusã o de C urso (graduaçã o) – Universidade F ederal do C eará, F aculdade de D ireito, C urso de D ireito, F ortaleza, 2016.

Orientaçã o: Profa. D ra. D enise L ucena C avalcante.

1. Hipótese de Incidê ncia T ributária. 2. F icçã o J urídica. 3. T axa. I. T ítulo.

(4)

C A I R O T R E V I A C H A G A S

A F I C Ç Ã O J UR ÍD I C A C OM O H I P ÓT E S E D E I NC I D ÊNC I A DA R E G R A -M A T R I Z T R I B UT Á R I A DE T A X A

Monografia apresentada à C oordenaçã o do C urso de Graduaçã o D ireito da Universidade F ederal do C eará, como requisito parcial para a obtençã o de grau de B acharel em D ireito.

Á rea de concentraçã o: D ireito T ributário.

A provada em: 05/12/2016

B A NC A E X A MINA D OR A

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Profa. D ra. Denise L ucena C avalcante (Orientadora)

Universidade F ederal do C eará (UF C )

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Prof. D r. Hugo de B rito Machado Segundo

Universidade F ederal do C eará (UF C )

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Prof. J osé E rinaldo D antas F ilho

(5)

A G R A DE C I M E NT O S

Inicialmente, nesta pequena nota de agradecimento, gostaria de prestar minhas homenagens à minha orientadora, Profa. D ra. D enise L ucena, que, desde o início, se mostrou interessada neste trabalho e muito voluntariosa em ajudar que eu o elaborasse. D evo à diligê ncia e ao brilhantismo dela nã o só a capacidade de desenvolver este estudo, mas, principalmente, um enorme crescimento pessoal e acadê mico.

Gostaria de homenagear, ainda, os amigos do D antas A dvogados e C onsultores - em especial, meus chefes, E rinaldo D antas e A lmir C ardoso -, que me ensinaram praticamente tudo o que sei sobre a profissã o que pretendo seguir, assim como despertaram meu interesse pelo D ireito T ributário. Se em alguma medida me desenvolvi como jurista ao longo dos anos de F aculdade, foi pela convi vê ncia e ensinamentos diários naquele ambiente.

T ambém merece o mais que justo prestígio o Professor J osé C andido L ustosa B ittencourt de A lbuquerque, pessoa de nobreza ímpar e minha inspiraçã o como advogado e pessoa pública. F ui um privilegiado de, ainda como mero estudante de graduaçã o, ter podido dispor de sua amizade e de seus ensinamentos.

A o C entro A cadê mico C lóvis B eviláqua, na direçã o do qual desenvolvi muitas das habilidades jurídicas e humanas que permearam minha formaçã o. E ste foi, sem dúvidas, o projeto ao qual, individualmente, empreguei mais tempo e esforço ao longo de minha graduaçã o, e digo hoje sem qualquer hesitaçã o que valeu muito a pena tê -lo feito. D edico atençã o especial, contudo, aos colegas da Gestã o Novas C onquistas, - D avi G uimarã es, E rnani Soares, C ristiano Moita, Marina W illiam, V ictor V alença, Marina F aust, dentre vários outros, - pela amizade e pelo esforço conjunto em todos os nossos projetos. A convivê ncia ao longo dessa gestã o, sem dúvida, será uma das minhas melhores lembranças da F aculdade.

A os meus colegas de C oordenaçã o do G rupo de E studos D ragã o do Mar – K alil Santiago, D eborah Sátiro, R odrigo Saraiva Marinho, C aio Predes, K aio L ukas, J onab F ernandes, dentre outos – pelo novo horizonte que me mostraram na academia e na política, além do muito que se repete nas faculdades de Direito, e pela amizade constante nesses anos.

(6)

A inda que nesta curta nota, jamais poderia deixar de agradecer e render homenagens aos meus orientadores de monitoria, G lauco B arreira Magalhã es F ilho e J orge A loisio Pires, que, em suas respectivas matérias, me ensinaram muito e dos quais vou levar muito do acadê mico, professor e ser humano que pretendo ser. A experiê ncia de monitoria é sempre muito valorizada em qualquer curso, e a orientaçã o desses mestres fez que a minha fosse a melhor possível.

A demais, merecem a devida mençã o e homenagem todos aqueles que trabalham diariamente para fazer da F aculdade de D ireito da Universidade F ederal do C eará uma instituiçã o de excelê ncia no ensino jurídico como ela é atualmente. D essa forma, estendo agradecimentos a todos que lá trabalharam para que eu tivesse a educaçã o jurídica que tive até hoje, citando especialmente, além do já mencionado D iretor, os servidores E risvaldo Maia e A ntonio Moura, os professores Hugo de B rito Machado Segundo, Maria V ital, F elipe L ima Gomes, R aquel Machado, Uinie C aminha, C arlos C intra, S ergio R ebouças, e R aul Nepomuceno.

D evo ainda cumprimentar, pois nã o podem ser esquecidos, os grandes mestres com os quais eu, como anônimo estudante, aprendi muito. A pesar de nã o ter tido o privilégio do contato pessoal, contribuíram muito para o presente estudo, inspirando-o e dando as bases sobre a qual foi construido, A lfredo A ugusto B ecker, C ristiano R osa de C arvalho, K arl R aimund Popper, R oque A ntonio C arrazza, Paulo de B arros C arvalho, dentre diversos outros que constam na bibliografia deste trabalho.

(7)

R E S UM O

E ste trabalho parte da premissa que toda norma jurídica – e, em especial, as normas j urídicas tributárias – tem um campo de incidê ncia finito e definido. A partir disto, estuda as normas tributárias que prescrevem a incidê ncia de taxas sobre situações fáticas nã o verificáveis no mundo real, mas meramente potenciais, ou fictas. A ssim, a partir de premissas epistemológicas e jurídicas busca, por meio de deduçã o lógica, ser capaz de conceituar satisfatoriamente o fato j urídico tributário ficto das taxas, ou seja, delimitar quais ficções j urídicas sã o passíveis de atrair a incidê ncia de regra-matriz instituidora de taxa, e, consequentemente, quais potenciais de fato nã o sã o j uridicizáveis no D ireito T ributário.

(8)

A B S T R A C T

T his study starts from the premise that all juridical norms – in special, the tax law norms – have a finite and defined incidence field. F rom that point, it studies the tax law norms that prescribe the incidence of fees over factual situations not verifiable in the real world, but merely potential, or fictitious. T hus, from epistemological and juridical premises, it has the purpose of, thru logical deduction, being able to define properly the fictitious tax law fact, that is to say that the study should limit which j uridical fictions are susceptible of attracting the incidence of the rule that institutes a fee, and, therefore, which facts in potential are not able to become juridical under the T ax L aw.

(9)

SUM Á R I O

1 I NT R O D UÇ Ã O ...1

1.1 Pr emissas ger ais e j ur ídicas...4

2 A F I C Ç Ã O J UR ÍD I C A NA H I PÓT E SE D E I NC I DÊNC I A ...16

2.1 C onsider ações ger ais...16

2.2 D o fato j ur ídico r eal e do fato j ur ídico ficto...18

3 D A R E G R A -M A T R I Z D E I NC I D ÊNC I A DA S T A X A S...25

3.1 D a fór mula ger al da r egr a-matr iz de incidê ncia tr ibutár ia...25

3.2 D a espécie tr ibutár ia de taxa...27

3.3 D a r egr a-matr iz de incidê ncia das taxas de ser viço público...33

3.4 D a r egr a-matr iz de incidê ncia das taxas de poder de polícia...39

3.5 D a difer ença entre taxa e pr eço público...43

4 D A DE L I M I T A Ç Ã O D O F A T O J UR ÍD I C O T R I B UT Á R I O F I C T O DA S T A X A S...50

4.1 D a essencialidade das atividades estatais tr ibutadas por taxa...50

4.1.1 D as condições de essencialidade dos ser viços públicos que tutelam dir eitos fundamentais coletivos...52

4.1.2 D as condições de essencialidade dos ser viços públicos que tutelam dir eitos fundamentais individuais...57

4.2 D a ficçã o j ur ídica nas taxas de ser viço...61

4.2.1 A r tigo 79, I , “a”, do C ódigo T r ibutár io Nacional...63

(10)

4.3 D a impossibilidade de ficçã o nas taxas de poder de polícia...72

5 C O NC L USÃ O ...76

(11)

1 I NT R O D UÇ Ã O

É muito comum, na literatura jurídica-tributária brasileira, que se escreva que “as taxas podem ser cobradas pela utilizaçã o, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis”, praticamente reproduzindo o dispositivo constitucional que assim demanda. C ontudo, nã o tã o comum nas mesmas obras é a referê ncia ao que é a “utilizaçã o potencial” desses serviços.

Por mais que a maioria dos autores demonstre trabalhar facilmente com a ideia desse potencial, entendendo que há o potencial quando o serviço está à disposiçã o do contribuinte

12

, poucos deles parecem interessados na definiçã o precisa do que ele seria, ou seja, quais os limites dessa ficçã o jurídica. A o falar dos limites, me refiro ao que separa um potencial que efetivamente pode atrair a incidê ncia da regra-matriz, sem prejuízo da segurança jurídica e da legalidade estrita que regem o D ireito T ributário, do potencial que é frágil e indireto demais para esse efeito.

Por exemplo, é bem claro para todos que, existindo uma taxa de coleta de lixo, deve ela ser cobrada do proprietário de determinada residê ncia em frente a qual para o caminhã o de coleta de lixo todos os dias para verificar se há lixo a ser retirado, ainda que efetivamente nã o tenha sido produzido lixo.

Parece igualmente óbvio que apenas a promulgaçã o de lei instituindo a taxa e a criaçã o do respectivo órgã o público que deve realizar o serviço de coleta, sem que este sequer possua caminhões e funcionários contratados para o serviço, nã o atraem a incidê ncia da norma tributária, uma vez que, definitivamente, o serviço nã o está à disposiçã o nesse caso.

A té entã o, mostra-se fácil o trabalho do jurista de separar o que é ou nã o um potencial digno de fazer incidir taxa. Surge o problema ao tratar-se dos casos limítrofes. A inda no exemplo da taxa de lixo, o que acontece com uma indústria que, apesar de receber a visita do caminhã o de lixo diariamente, produz apenas resíduos sólidos que o Município nã o tem sequer a estrutura de recolher e dispor? Nesse caso, sem dúvidas, há um serviço público sendo prestado e uma despesa pública que seria remunerada por taxa. C ontudo, para o contribuinte, inexiste sequer a possibilidade de que ele tenha seu lixo devidamente recolhido e destinado.

1

C A R V A L HO, Paulo de B arros. C ur so de dir eito tr ibutár io. 27ª ed. S ã o Paulo, Saraiva, 2016. p. 62-63. 2

(12)

C om efeito, é exatamente nesses casos que surge a necessidade de uma teoria geral do que é um fato jurídico tributário potencial, de modo a evitar resoluções casuísticas e assistemáticas para cada caso concreto. Uma vez que se saiba o conceito disto, pode-se aplicá -lo indistintamente, para todas as taxas, sem necessidade de contar com a arbitrariedade do intérprete em estabelecer o limite de acordo com as particularidades do caso, porquanto estas devem servir apenas para que ele consiga formar o j uízo de adequaçã o do fato à norma.

Portanto, a pergunta a ser respondida neste trabalho é: O que é o fato jurídico tributário potencial das taxas? O objetivo, por sua vez, é responder essa pergunta com a formulaçã o de um conceito que sirva para responder eventuais questões como esta que apareçam no caso concreto de qualquer taxa, diferenciando essa ficçã o jurídica aproveitável ao D ireito T ributário do fato gerador real, nã o ficto, e, principalmente, da ficçã o - ou seja, do mero potencial – que nã o é capaz de adentrar o mundo jurídico.

E m que pese ser pretensioso o desenvolvimento desse tema por um mero estudante de graduaçã o, penso, parafraseando E uclides da C unha, que o autê ntico acadê mico é, antes de tudo, um ousado, ainda que falhe em seu propósito. A ssim, procederemos ao desenvolvimento de uma teoria geral do que seja um fato jurídico tributário potencial, ainda que cientes da possibilidade de serem insuficientes os estudos e fracassadas as tentativas.

C om efeito, outra advertê ncia que deve ser feita ao leitor sobre a ousadia imotivada deste trabalho é a de que este nã o é um ensaio. B usca-se aqui efetivamente fazer ciê ncia, e, portanto, nã o ocuparemos o leitor com a leitura de uma longa demonstraçã o de nossas conclusões pré-concebidas. Pelo contrário, tudo que será lido ao longo deste estudo é o desenvolvimento do pensamento que levaráà s conclusões ao final apresentadas. Nã o pretendemos ser guias, mas sim exploradores, pelo que, inclusive, pede-se a compreensã o do leitor que se impacientar com o tateado ao longo da pesquisa.

Outros esclarecimentos sã o importantes ainda.

Um deles, que deveria ser presumido em qualquer obra acadê mica, infelizmente, nã o o é, o que, muitas vezes, gera problemas. A o nosso ver, a referida elucidaçã o já é feita de forma absolutamente perfeita por V irgílio A fonso da Silva, pelo que reproduziremos suas brilhantes considerações em vez de fazer nossas próprias no mesmo sentido, o que teria bem inferior qualidade:

(13)

questionar ou superar. Na maioria dos casos o contrário é o que acontece, já que é a própria existê ncia de uma teoria que cria as condições para que aqueles que vê m depois possam desenvolvê -la ainda mais, questioná-la ou tentar superá-la. Para usar uma expressã o famosa, utilizada por Isaac Newton, poder-se-ia dizer que enxergar mais longe só é possível quando se pode estar nos ombros de gigantes.”

3

Obviamente, sem qualquer pretensã o de parecer com o sobredito Mestre, Professor T itular da Universidade de S ã o Paulo (USP) , intencionamos seguir apenas sua orientaçã o, no sentido de desenvolver um trabalho analítico, sem medo de confrontar qualquer tese pré-estabelecida, mas com respeito a absolutamente todas elas e a seus respectivos autores.

Queremos destacar que nã o há problema algum com o uso que já fizemos da locuçã o “teoria geral”, diferentemente do que afirmam muitos, pois serve ela para diferenciar das teorias particulares e das teorias individuais, como, aliás, explicita F redie D idier J r

4

. É a que se pretende elaborar, portanto, uma teoria geral do fato jurídico tributário potencial das taxas, ao mesmo tempo em que é uma teoria particular da hipótese de incidê ncia tributária.

Quanto ao método, a presente pesquisa científica usará deduçã o lógica, própria das ciê ncias humanas, para atingir os seus objetivos, ou seja, assumirá, justificadamente, algumas premissas básicas e buscará, de entã o em diante, definir, a partir dos demais elementos do sistema, o que significa o termo “potencial” nas normas constitucionais e legais.

Nessa perspectiva, obviamente, isto envolverá um trabalho analítico, de dissecar o conteúdo da linguagem e de confrontar teorias acerca dela. A análise, portanto, compreenderá elementos linguísticos, lógicos e normativos. Pretendemos, com isto, formar teorias sólidas que consigam explicar apropriadamente a realidade normativa da ordem jurídica vigente, para que só entã o, após encontrados e bem explicados os elementos imediatamente anteriores na cadeia lógica, possamos chegar ao resultado pretendido.

A pesquisa a ser aqui realizada será quase integralmente bibliográfica, com o fito de reunir os elementos teóricos necessários, utilizando livros j urídicos e filosóficos, precipuamente, mas também artigos, dentre outras fontes. Haverá ainda, entretanto, alguma investigaçã o apenas quanto a dispositivos legais de taxas dos mais diversos contextos, tanto de entes tributantes distintos quanto com fatos geradores também diferentes, de modo que possamos assegurar - com certo nível de precisã o, ainda que limitada pelo escopo deste

3

SIL V A , V irgílio A fonso da. D ir eitos fundamentais: conteúdo essencial, r estr ições e eficácia. S ã o Paulo, Malheiros E ditores, 2014. p. 28-29.

4

(14)

trabalho – que a teoria aqui elaborada nã o serve apenas a um tipo específico de taxa, mas a qualquer uma delas.

Separamos esse estudo em cinco capítulos, que, obviamente, guardam íntima relaçã o entre si. No primeiro, esta Introduçã o, explicamos o escopo e as particularidades do estudo, assim como suas premissas epistemológicas as premissas jurídicas mais gerais. No segundo, denominado “A F icçã o J urídica na Hipótese de Incidê ncia”, estudaremos diversos aspectos da hipótese de incidê ncia, além de uma teoria geral da ficçã o jurídica, de modo a sermos capazes de obter um conceito fundamental para o fim da presente obra, o do “fato j urídico ficto”. O terceiro capítulo, por seu turno, recebe o título “Da R egra-Matriz de Incidê ncia das T axas”, investigando a estrutura das normas que fazem incidir o dever j urídico de prestar a espécie de tributo denominada “taxa”.

No quarto capítulo, “Da D elimitaçã o do F ato J urídico T ributário F icto das T axas”, chega-se ao objetivo final do trabalho, qual seja, delimitar o que pode e o que nã o pode ser um fato jurídico potencial para fins de incidê ncia das normas de taxa. A pós isto, o quinto capítulo cinge-se a compilar as conclusões apanhadas ao longo do estudo, consignando seu resultado.

Sem maiores delongas, passaremos à exposiçã o dos pressupostos que serã o adotados no restante do trabalho, porquanto é importante que os leitores os conheçam para que seja possível avaliar a coerê ncia dos raciocínios.

1.1 Pr emissas ger ais e j ur ídicas

C iê ncia é o sistema de enunciados falseáveis que explicam o real

5

. Portanto, qualquer ciê ncia, por definiçã o, deve ter como objetivo criar teorias que descrevam seu objeto de estudo.

A C iê ncia do Direito, nessa perspectiva, é o sistema de enunciados que descreve o ordenamento jurídico, que é precisamente o seu objeto. Portanto, data vê nia aos que defendem o contrário

6

, a C iê ncia J urídica nã o comporta a tomada de decisã o sobre a validade de um de seus enunciados por ato volitivo, ainda que em mínima medida. A razã o para isto é explicada por K arl R . Popper, com muito maior propriedade:

5

POPPE R , K arl. A lógica da pesquisa científica. 2ª ed. T raduçã o L eoni das Hegenberg, Sã o Paul o, C ultrix, 2013.

6

(15)

“V oltemos, agora, a um ponto que assinalei na seçã o anterior – a minha tese de que uma experiê ncia subjetiva, ou um sentimento de convicçã o, jamai s pode justificar um enunciado científico e de que, dentro dos quadros da ciê nci a, el e nã o desempenha papel algum, exceto o de objeto de uma investigaçã o empírica (psicológica). Por mais intenso que seja um sentimento de convicçã o, ele jamais pode justificar um enunci ado. A ssim, posso estar inteiramente convencido da verdade de um enunciado, estar certo da evidê ncia de minhas percepções; tomado pela intensidade de minha experiê ncia, toda dúvida pode parecer-me absurda. Mas estaria aí uma razã o qualquer para a ciê ncia aceitar meu enunciado? Pode qualquer enunciado encontrar justificativa no fato de K . R . P. estar totalmente convencido de sua verdade? A resposta é ‘ nã o’, e qualquer outra resposta se mostraria incompatível com a ideia de objetividade ci entífica.”

7

A ssim, ainda que envolvidos elementos nã o expressíveis em linguagem verbal, a formulaçã o de enunciados acerca deles há de ser passível de submissã o ao teste de validaçã o de qualquer um a qualquer momento, sob pena de nã o serem falseáveis esses enunciados e, logo, nã o integrantes do sistema científico.

C om essa explicaçã o, pretendemos esclarecer que o objetivo final deste trabalho é elaborar um enunciado acerca do que seria o fenômeno do fato jurídico meramente potencial passível de atrair a incidê ncia das normas j urídicas tributárias instituidoras de taxa, evento identificado pelas expressões “potencial” e “postos a sua disposiçã o” nas normas gerais que regem a matéria. O enunciado, portanto, propor-se-á a explicar a realidade normativa do fato j urídico tributário ficto das taxas.

D esta feita, seráeste nosso corte metodológico. J osé Souto Maior B orges esclarece a necessidade de haver uma secçã o desse tipo:

“Porque, sob outro ângulo de estudo, toda observaçã o é sempre um procedimento seletivo. A ciê ncia implica, sempre, sob esse aspecto, um corte sel etivo no real. S eleciona, no universo das teorias possíveis uma que explique um determinado fenômeno, e exclui um número infinito de hipóteses. Há sempre uma seleçã o darwiniana de teorias na abordagem científica. (...) S e for dada a alguém a ordem: ‘ observe! ’, ele simplesmente nã o saberá o que observar, se a figura, a cor, a dimensã o, o volume da coisa observada etc.”

8

Nã o obstante, para que seja científico, nã o pretendemos que seja ele definitivo, mas muito pelo contrário. Produziremos - por meio da deduçã o, a qual, por sua vez, deve ser feita partindo dos enunciados mais gerais – uma proposiçã o que deve submeter-se aos diversos testes que a ciê ncia j urídica admite para verificar sua validade, como a compatibilidade com outras normas da ordem jurídica.

7

POPPE R , K arl. A lógica da pesquisa científica. 2ª ed. T raduçã o L eonidas Hegenberg, Sã o Paul o, C ultrix, 2013. p. 43.

8

(16)

Nesse sentido, K arl R . Popper, mentor da proposta teórica aqui admitida, faz impecável explicaçã o sobre ela:

“O critério de demarcaçã o inerente à L ógica Indutiva – isto é, o dogma positivista do significado – equivale ao requisito de que todos os enunciados da ciê ncia empírica ( ou todos os enunciados ‘ significativos’ devem ser suscetíveis de serem, afinal, julgados com respeito à sua verdade e falsidade; diremos que eles devem ser ‘ conclusivamente julgados’) . Isso quer dizer que sua forma deve ser tal que se torne logicamente possível verificá-los e falsificá-los. S chlik diz: ‘ ... um enunciado genuíno deve ser passível de verificaçã o conclusiva’; W aismann é ainda mais claro: ‘ Se nã o houver meio possível de determinar se um enunci ado é verdadeiro, esse enunciado nã o terá significado algum, pois o significado de um enunciado confunde-se com o método de verificaçã o’.

Ora, a meu ver, nã o existe a chamada induçã o. Nestes termos, inferê ncias que levam a teorias, partindo-se de enunciados singulares ‘ verificados por experiê ncia’ ( nã o importa o que isto possa significar) sã o logicamente inadmissíveis. C onsequentemente, as teorias nunca sã o empiricamente verificáveis. Se quisermos evitar o erro positivista de eliminar, por força de critério de demarcaçã o que estabeleçamos, os sistemas teóricos da ciê ncia natural, deveremos eleger um critério que nos permita incluir, no domínio da ciê nci a empírica, até mesmo enunciados insuscetívei s de verificaçã o.

C ontudo, só reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for passível de comprovaçã o pela experiê ncia. E ssas considerações sugerem que deve ser tomado como critério de demarcaçã o, nã o a verificabilidade, mas a falseabilidade de um sistema. E m outras palavras, nã o exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que se torne possível validá-lo através do recurso a provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar, pela experiê ncia, um sistema científico empírico.

( A ssim, o enunciado ‘ C hoverá ou nã o choverá aqui, amanhã ’, nã o será considerado empírico, simplesmente porque nã o admite refutaçã o, ao passo que será considerado empírico o enunciado ‘ C hoverá aqui, amanhã ’.) ( ...)

Pode-se tentar voltar contra mim meus próprios argumentos críticos acerca do critério indutivista de demarcaçã o; com efeito, pode parecer cabível levantar contra a falseabi lidade, como critério de demarcaçã o, objeções similares às que levantei contra a verificabilidade.

O ataque nã o me perturbará. Minha posiçã o está alicerçada numa assimetria entre verificabilidade e falseabilidade, assimetria que decorre da forma lógica dos enunciados universais. E stes enunciados nunca sã o deriváveis de enunciados singulares, mas podem ser contraditados pelos enunciados singulares. C onsequentemente, é possível, através de recurso a inferê ncias puramente dedutivistas, ( com auxílio do modus tollens, da lógi ca tradicional), concluir acerca da falsidade de enunciados universai s a partir da verdade de enunciados singulares. E ssa conclusã o acerca da falsidade dos enunciados universais é a única espécie de inferê ncia estritamente dedutiva que atua, por assim dizer, em ‘ direçã o indutiva’, ou seja, de enunciados singulares para enunciados universais.”

9

9

(17)

C om efeito, advogamos pela unidade do método científico, nos termos propostos pelo Professor J osé Souto Maior B orges, conforme o excerto a seguir, com o brilhantismo que lhe é peculiar:

“A s normas jurídicas atuam, na soci edade, segundo o princípio da imputaçã o: dado um certo antecedente normativamente previsto, um descritor normativo ( V oraussetzung) , deve-se seguir um certo consequente, um prescritor normativo ( F olgerung) . Quer dizer: ao comportamento normativamente regulado imputa-se uma consequê ncia juridicamente relevante. Mas a conduta juridicamente prescrita nã o se conformará necessariamente à previsã o expressa da norma.

D iversamente, as ciê ncias naturais regem-se pelo princípio da causalidade: dada uma certa causa, seguir-se-ánecessariamente um efeito. D ada a elevaçã o da temperatura a cem graus centígrados, ocorrerá, sob certas condições, a ebuliçã o da água. E ssa diversidade de princípios reguladores do mundo natural e do normativo induz ao entendimento equivocado de que, também metodologicamente, sã o diversos os critérios para a construçã o das ciê nci as da natureza no confronto com as ciê ncias normativas. Nã o o sã o, contudo.

S em o menor desvio no positivismo metodológico (porque, como visto, por ele nã o excluir as outras investigações pertinentes ao jurídico é que se define como metodológico) , pode-se empreender uma construçã o doutrinária em torno das categorias jurídicas fundamentais – e, entre essas, a obrigaçã o – comprometida com a unidade radical do método científico. O positivismo metodológico implica sempre, e necessariamente, uma certa dosagem de experimentaçã o. O D ireito se definirá como uma ciê ncia positiva precisamente porque as proposições jurídicas doutrinárias, à semelhança das formulações da F ísica, da Química, da B iologia, da C osmologia etc., serã o experimentalmente testáveis, ao serem confrontadas com o ordenamento jurídico. Porque a experiê ncia jurídica é basicamente uma experiê ncia do normativo, e nã o por outro motivo, as proposições da doutrina jurídica sã o cientificamente testáveis se e enquanto voltadas para as normas. S e o objeto da ciê ncia do D ireito é ordenamento jurídico-normativo, só as normas do direito positivo poderã o infirmar ou confirmar as propostas doutrinárias que a doutrina jurídica se aventura em formular. C onfirmaçã o sempre provisória, contudo.

O teste de sua inserçã o no direito positivo, como que uma justaposiçã o entre teoria e normas, é, pois, o supremo critério de experimentaçã o da teoria jurídica. Se o ordenamento jurídico a infirma, como que a expulsando ou repelindo, a proposiçã o teórica deverá ser descartada e substituída por outra melhor. E a teoria substitutiva somente será melhor se tiver um conteúdo de explicaçã o do ordenamento mais abrangente e congruente, em comparaçã o com a teoria substituída.”

10

E m absoluta consonância com os trabalhos de K arl R . Popper e J osé Souto Maior B orges, é necessário ilustrar a possibilidade de falsear um enunciado geral com um enunciado singular no D ireito. Ora, na F ísica, quando se elabora um enunciado geral sobre determinados

10

(18)

fenômenos físicos, um enunciado singular sobre um único fenômeno físico é capaz de falseá -lo, e, aliás, só assim pode ele ser verificado negativamente.

A diferença de quando isto ocorre na F ísica para quando isto acontece no Direito é exatamente o que faz a F ísica ser F ísica e o D ireito ser D ireito: os respectivos objetos. De resto, é idê ntico o mecanismo. Obviamente, uma lei geral da F ísica só pode ser falseada por uma proposiçã o acerca de evento físico, objeto da mesma ciê ncia. Uma teoria sobre o ordenamento jurídico, de forma similar, só pode ser falseada por um enunciado sobre uma norma jurídica particular. Dessa forma, o enunciado que pronuncia que as normas jurídicas tributárias só podem tomar como hipótese de incidê ncia, ao instituir um tributo, um fato econômico (lei geral) deve ser falseada com a indicaçã o de um fato nã o econômico que serve de hipótese de incidê ncia a normas tributárias, como é o caso de qualquer taxa instituída em razã o do exercício regular do poder de polícia pelo E stado (enunciado singular).

Por ser a falseabilidade o critério de demarcaçã o aqui adotado, como deve ser também nas ciê ncias naturais, somos obrigados a admitir a impossibilidade de se chegar a uma verdade definitiva, uma vez que nã o é possível verificaçã o positiva de qualquer teoria, apenas a verificaçã o negativa a partir de enunciados singulares. L ogo, conquanto seja a ciê ncia, dos métodos dominados pelo ser humano, o mais aperfeiçoado para se conhecer o real, pelo grau de confiabilidade de seus enunciados, ela nunca serácapaz de aferir definitivamente a realidade metafísica. Isto, obviamente, aplica-se ao presente trabalho, pelo que nã o pretendemos qualquer definitividade em nossas conclusões, mas apenas criar o enunciado que melhor explica o fenômeno em questã o segundo as deduções e os testes que nos foram dados fazer.

Nã o pretendemos, com isto, sustentar qualquer forma de relativismo ontológico. A realidade, embora comporte objetos de ontologia puramente subjetiva, é composta, em sua infinita maioria, por objetos de ontologia puramente objetiva, ou seja, que existem objetivamente, independentemente do sujeito cognoscente. No plano ontológico, portanto, há o que exista objetivamente, e isto é demonstrável, e há o que tenha existê ncia limitada à percepçã o dos sujeitos, que é o que se chama de realidade institucional, e compreende os objetos puramente culturais, como o E stado, o dinheiro, o D ireito e assim por diante.

11

A penas no plano epistemológico, ou seja, na teoria do nosso conhecimento das coisas, é que admitimos que é impossível conhecer definitivamente o objeto, pela falibilidade das meios (aberturas cognitivas) para tanto, de modo que é sempre possível um novo

11

(19)

enunciado singular falseando o que se considerava conhecer

12

. Isto também nã o significa uma epistemologia subjetiva, uma vez que já inclusive sustentamos o contrário nesta introduçã o, mas apenas uma proposta epistemológica falibilista, embora sempre objetiva.

Note que é muito diferente dizer “a existê ncia é relativa” e “nunca posso estar absolutamente certo que a existê ncia é do exato modo que a concebo”. D efendemos, aqui, em perfeita conformidade com o pensamento de C ristiano R osa de C arvalho

13

, apenas a segunda assertiva, nunca a primeira.

Nessa conj untura teórica, entra em contexto o significado de “verdade”, uma vez que é característica da linguagem com funçã o assertiva, própria dos enunciados científicos, a sua qualificaçã o em verdadeira ou falsa. E m outro giro, quando falamos sobre teorias do conhecimento sobre algo, estamos sempre tratando da possibilidade de saber se é possível conhecer a verdade acerca daquilo, e qual seria essa verdade.

C om efeito, adotaremos, por razões nã o comportadas neste estudo, dada a complexidade filosófica do tema, a verdade como correspondê ncia. Isto significa, em suma, que pode ser qualificada como verdadeira a assertiva que corresponde aos fatos. E stes, devem ser aferíveis pelas aberturas cognitivas (experiê ncia) e, podendo ser expressos em enunciados singulares, devem preencher as condições de veracidade da assertiva que se propõe julgar verdadeira ou falsa. A partir disto, poder-se-á fazer um juízo atribuindo a determinada assertiva a qualificaçã o de verdade.

É importante destacar, nesse contexto, que, além da já referida impossibilidade do conhecimento definitivo do real, há ainda outro problema que afeta o cientista, e, em especial, o jurista. Ora, é que por mais perfeita que pudesse ser determinada descriçã o do mundo real (verdade) , este é dinâmico, e, exceto pelos enunciados gerais que governam o respectivo sistema, pode mudar. Isto é dizer que os enunciados singulares estã o sujeitos a serem tornados inválidos para descrever a realidade a qualquer momento, por mais que fossem a mais pura descriçã o dessa realidade ( verdade) no instante imediatamente anterior. O real, a ser descrito pela linguagem científica, varia no tempo.

Isto nã o significa, de modo algum, que os enunciados singulares nã o sã o apropriados para falsear os gerais, como poderiam sugerir alguns. Pelo contrário. Os enunciados singulares sã o, com a licença da metáfora, fotografias da realidade, que, individualmente, nã o podem descrever todo um muito complexo filme que é o universo que

12

MA C H A D O SE GUND O, H ugo de B rito. O dir eito e sua ci ê ncia. S ã o Paul o, Malheiros E ditores, 2016. p. 41-42.

13

(20)

nos é dado. C ontudo, na impossibilidade de termos acesso direto à filmagem, as fotografias sã o, sem qualquer dúvida, o melhor meio para conhecer sua estória, e sã o sim subsídios suficientes para provar falsas certas alegações acerca dele.

Na C iê ncia do D ireito, o fenômeno de modificaçã o da realidade aqui referido é bastante comum, e costumamos vê -lo por meio da atividade legislativa, que faz regra que era previamente válida e, logo, componente do sistema, deixe de ser, enquanto uma nova passa a integrá-lo.

D esse modo, apesar de ter outras preocupações em mente ao tratar do cânone hermenê utico da totalidade do sistema jurídico, B ecker oferece uma excelente explicaçã o para a posiçã o teórica que adotamos no D ireito, por meio do seguinte texto:

“O cânone hermenê utico da totalidade do sistema jurídico tanto serve para revelar a existê ncia da regra jurídica (lei válida), como também pode acusar a inexistê nci a da regra jurídica ( lei nã o-válida). O intérprete constata a inexistê ncia de regra jurídica, quando o referido cânone hermenê utico conduz o intérprete à antinomia (contradiçã o entre duas ou mais leis) ou à inconstitucionalidade (lei violadora de regra jurídica criada por outro órgã o legislativo de grau superior).

F inalmente, cumpre lembrar que nã o é a interpretaçã o que invalida a lei; na verdade, o que o intérprete faz é a necropsia da lei morta. Morte da lei antiga pelo impacto da lei nova ao se embutir no sistema jurídico; ou morte da nova lei pela reaçã o do sistema jurídico ou morte de ambas em virtude daquela açã o e reaçã o.”

14

C onstata-se, portanto, que o referido cânone decorre da necessidade de coerê ncia do sistema, cuidando de mantê -lo logicamente intacto mesmo com suas alterações, que exigirã o do cientista do Direito novas explicações sobre a realidade normativa.

C omo já deve ter notado quem nos lê , o que se defende aqui é o que poderia ser chamado de uma teoria pura do Direito. F azemos desse modo por entendermos que ciê ncia nenhuma pode comportar objetos vastos e vagos como “fato” ou “valor” ou sequer “norma”, se consideradas normas em geral, e nã o apenas as j urídicas, que sã o necessariamente dotadas de coercitividade. Portanto, assim há de ser, sob pena de nã o haver C iê ncia J urídica, mas apenas técnica do D ireito.

Nessa perspectiva, acompanhamos, com muito vigor, a crítica formulada por A lfredo A ugusto B ecker, quanto ao recebimento, pela C iê ncia J urídica, de proposições de outras ciê ncias como se suas fossem. A pesar de a realidade ser única, é claro, e, muitas vezes, serem os objetos conexos, a perspectiva de estudo, obviamente, será diferente, pelo que nã o pode haver confusã o. Ora, ainda que ambos estejam estudando o fenômeno “tributaçã o”, o

14

(21)

economista, ao fazê -lo, descreve a alocaçã o dos recursos nesse fenômeno, enquanto o jurista descreve a sua realidade normativa. Há objetivos diferentes e objetos materiais diferentes, e a inserçã o de um enunciado de uma ciê ncia em outra, sem cuidado algum com essas diferenças, invariavelmente, causa erros de método. A difusã o desse tipo de erro é o que gera o estado de coisas que B ecker identifica, com muita razã o, de “manicômio jurídico-tributário”.

E xplica o D outo Professor:

“A construçã o da regra jurídica importará sempre em maior ou menor deformaçã o e transfiguraçã o do fenômeno real, gerando consequentemente uma tensã o entre a regra jurídica (construído) e a realidade social ( ‘ dado’) . A natureza essencial do Direito Positivo é ser instrumento; como instrumento deveráser praticável; sem aquela maior ou menor ( conforme o caso) deformaçã o e transfiguraçã o do fenômeno real (‘ dado’) , a regra jurídica ( ‘ construído’) será impraticável e consequentemente nã o será regra jurídica. A regra jurídica é o instrumento para resolver um problema deste mundo que, num determinado tempo e lugar, salta à frente do legislador, pedindo uma soluçã o mediante um instrumento praticável. T oda e qualquer regra jurídica nunca é a simples consagraçã o ou ‘ canonizaçã o’ de uma diretriz fornecida pelas ciê ncias pré-jurídicas, porém é sempre o resultado de uma escolha pre-meditada, de um equilíbrio e de uma verdadeira construçã o. A praticabili dade e a certeza do D ireito Positivo exigem que na construçã o da regra jurídica, seja deformada e transfigurada a matéria-prima (as diretrizes, resultados, etc.) fornecida pelas ciê ncias pré-jurídicas. E esta deformaçã o e transfiguraçã o é obtida mediante o emprego de múltiplos e interessantíssimos processos que, em seu conjunto, formam a A rte ( ‘ técnica’) de elaboraçã o do Direito Positivo.”

15

A lguns esclarecimentos sobre termos jurídicos importantes que serã o utilizados ao longo do trabalho também sã o necessários, uma vez que há disputa em torno de muitos deles, atribuindo-os significados conflitantes. A ssim, para que o leitor saiba do que estamos falando, cuidaremos de prestar os esclarecimentos sobre o sentido empregado.

E m conformidade com a doutrina de V irgílio A fonso da Silva - que, por sua vez, segue a orientaçã o de R obert A lexy -, adotaremos o significado do termo “norma” como gê nero do quais sã o espécies “princípios” e “regras”. Nesse sentido, a primeira dessas categorias poderá ser identificada, sempre que referida, como “mandamentos de otimizaçã o”, enquanto a segunda identificaria o tipo de normas que garante direitos definitivos - nã o prima facie, como a outra classe, - tendo, necessariamente, uma hipótese de incidê ncia e uma prescriçã o bem definidas. Para mais detalhes sobre esse sistema teórico, de modo um pouco mais detido, ainda que nem tanto, remete-se o leitor à obra “D ireitos F undamentais: C onteúdo

15

(22)

E ssencial, R estrições e E ficácia”, do já referido Professor da Universidade de Sã o Paulo (US P), e, mais especificamente, ao capítulo 2 desse livro

16

.

Outra questã o que causa muitas discussões e, portanto, merece esclarecimento, é a da suposta autonomia científica do Direito T ributário como segmento da C iê ncia J urídica. Nesse sentido, acompanhamos integralmente o pensamento de A lfredo A ugusto B ecker, que foi expresso nos seguintes excertos:

“A autonomia do D ireito T ributário é um problema falso e falsa é a autonomia de qualquer outro ramo do D ireito Positivo.

( ...)

O verdadeiro e genuíno sentido da expressã o ‘ autonomia’ é poder ( capacidade de agir) de o ser social impor uma disciplina aos indivíduos ( que o estã o, continuamente, criando) e a si próprio numa autolimitaçã o. E ste é o genuíno conteúdo jurídico da expressã o ‘ autonomia’ conforme demonstra F rancesco C alasso, Professor de História do D ireito na Universidade de R oma, em belíssima exposiçã o, concluindo que a expressã o ‘ autonomia’ concebida no seu verdadeiro sentido jurídico é o mais fundamental princípio da fenomenologia do D ireito porque designa a capacidade de criar o D ireito Positivo.

Por isso o Direito T ributário pode ou nã o fazer certas coisas ( nã o porque é um ramo ‘ autônomo’ do D ireito) , mas, pura e simplesmente, porque é D ireito Positivo. Para que o D ireito T ributário possa criar princípios e conceitos próprios e específicos, nã o é necessário recorrer a uma ‘ autonomia’, basta continuar a ser o que sempre foi: jurídico, pois a criaçã o e incidê ncia de toda e qualquer regra jurídica necessariamente deforma a realidade ( esta realidade pode ser fato econômico ou fato jurídico) e impõe um determinismo artificial à conduta humana. T alvez fosse melhor dizer ‘ o que deveria ter sido’, pois uma forte corrente doutrinária moderna – sob a ilusã o de defender e contribuir para o progresso do D ireito T ributário – insiste, precisamente, em destruir o que nele há de jurídico. E m nome da defesa do Direito T ributário, eles matam o ‘ D ireito’ e ficam apenas com o ‘ T ributário’.

Pela simples razã o de nã o poder existir regra jurídica independente da totalidade do sistema jurídico, a autonomia ( no sentido de independê ncia relativa) de qualquer ramo do D ireito Positivo é sempre e unicamente didática para, investigando-se os efeitos jurídicos resultantes da incidê ncia de determinado número de regras jurídicas, descobrir a concatenaçã o lógica que as reúne num grupo orgâ nico e que une este grupo à totalidade do sistema jurídico.”

17

E m idê ntico sentido, B ecker continua a denunciar tal problema da falsa autonomia ao tratar da interpretaçã o do D ireito T ributário. Muito proveitoso, portanto, é o seguinte trecho:

“O problema jurídico tributário que, no passado, mais apaixonou os estudiosos do Direito T ributário, foi o da interpretaçã o das leis tributárias. Por imaginarem que as leis tributárias deveriam ser interpretadas de modo

16

S IL V A , V irgílio A fonso da. D ir eitos fundamentais: conteúdo essencial, r estr ições e eficácia. Sã o Paulo, Malheiros E ditores, 2014.

17

(23)

diferente e com método especial, correram rios de tinta, pró e contra o F isco, inundando bibliotecas e afogando advogados e juízes num remoinho de teorias e sutilezas muito belas e sonoras, no plano filosófico, político, financeiro, retórico, porém sem densidade jurídica.

Modernamente, para a tranquilidade de todos, chegou-se à conclusã o, tã o verdadeira quanto simples que as leis tributárias sã o regras jurídicas com estrutura lógica e atuaçã o dinânima idê nticas às das demais regras jurídicas e, portanto, interpretam-se como qualquer outra lei, admitem todos os métodos de interpretaçã o jurídica e nã o existe qualquer peculiar princípio de interpretaçã o das leis tributárias.

Quase todos os modernos doutrinadores do D ireito T ributário chegaram à conclusã o supra indicada; entretanto, a maior parte ainda o faz com certas ressalvas e adaptações que revelam a permanê ncia prejudicial de alguns efeitos da tremenda e exasperante querela fradesca que, no passado, submergiu a interpretaçã o das leis tributárias.”

18

Nã o obstante, propomos a separaçã o entre os ramos do D ireito – desde que para fins estritamente didáticos, nunca científicos, como explicou B ecker - pelos seus respectivos objetos, em que pese a respeitável proposta de C elso A ntônio B andeira de Mello de que o critério para tanto seja o respectivo regime-jurídico geral

19

. Ora, a B iologia diferencia-se da F ísica tanto quanto o Direito o faz da História pelos seus respectivos objetos de estudo. Nada mais natural que o mesmo critério seja aplicado para seccionar, ainda que com fins de mera facilitaçã o do ensino e manuseio, os campos de estudo dentro de uma mesma ciê ncia, no caso, o D ireito.

A ssim, referir-se-á a “Direito T ributário” como o conj unto ordenado de normas que tê m por objeto, por sua vez, a atividade de tributaçã o do E stado; tanto quanto falar-se-á em “D ireito A dministrativo” para referir-se ao conjunto de normas que tê m como objeto a atividade de administraçã o pública, e assim por diante.

R atificamos entendermos o problema da autonomia como falso, conforme já exposto. Prestamos esse esclarecimento quanto ao que se entenderá pelo uso das expresões “Direito T ributário” e similares apenas em razã o de que sã o essas categorias muito utilizadas na dogmática jurídica, e é necessário que o leitor saiba ao que nos referimos ao empregar o termo.

A demais, nã o obstante as nossas severas críticas ao contratualismo como teoria do E stado, em termos gerais, asseveramos nossa concordância com a proposta de Hugo de B rito Machado, segundo a qual o Direito seria o sistema de limites para restringir a liberdade de cada um, viabilizando a convivê ncia social. E m especial, concordamos com a assertiva de que

18

Idem, p. 117-118. 19

(24)

o D ireito T ributário nã o seria outra coisa que nã o o conjunto de limites ao poder do E stado de tributar. E is a explicaçã o de Hugo de B rito Machado nesse sentido:

“A finalidade do direito tributário nã o é, como muitos equivocadamente afirmam, viabilizar a arrecadaçã o de recursos financeiros para o E stado. A verdadeira finalidade do direito tributário é limitar o poder tributário do E stado. A ssim, como o D ireito é um sistema de regras que tem por finalidade estabelecer limitações ao poder, o direito tributário é um sistema de regras que tem por finalidade estabelecer limitações ao poder de tributar, para que este nã o seja exercido de modo absoluto.

O tributo – este, sim – tem por finalidade a transposiçã o de recursos financeiros do particular para o E stado, para que este possa exercer suas atividades. O tributo é um instrumento para o custeio das atividades estatais; mas o tributo sempre existiu, onde quer que existam governante e governados. A lguém que manda e uma comunidade que obedece. D aí a liçã o de B aleeiro, acima transcrita segundo a qual o tributo é a velha e fiel sombra do poder político, e por isto mesmo onde quer que se erga um governante ela se projeta sobre o solo de sua dominaçã o.”

20

A ssim, data vê nia requestada aos autores das demais propostas, - dentre os quais se menciona L uis E duardo Schoueri, que sustenta um pensamento quase que diametralmente oposto

21

- entendemos que a tributaçã o, em si, decorre da soberania do E stado, ou seja, do mero poder, enquanto o D ireito T ributário é j ustamente a limitaçã o a esse poder de confiscar a propriedade privada. L imitações constitucionais ao poder de tributar sã o, portanto, direitos fundamentais individuais do contribuinte, porquanto essa categoria de direitos é, por excelê ncia, o conjunto de limitações invioláveis ao poder, especialmente, o do E stado.

A ceitamos, ainda, a teoria segundo a qual a C iê ncia do Direito é um nível de linguagem de terceiro grau, ou seja, que ela é uma linguagem que tem como objetivo descrever o ordenamento jurídico, o qual, por sua vez, tem como fim a normatizaçã o da realidade social, esta, por sua vez, descrita ainda por diversas outras linguagens, dependendo do fenômeno específico que se esteja a descrever.

E xiste, portanto, uma linguagem que descreve o fenômeno “homicídio”, outra linguagem que cria uma norma impondo pena de 6 (seis) a 20 ( vinte) anos de reclusã o ao autor, e uma terceira linguagem que explica essa norma. E ssa última é a C iê ncia do D ireito.

Na perspectiva desse estudo, todas essas linguagens serã o compreendidas como “atos de fala”, segundo teoria originalmente concebida por J ohn. L . A ustin, contemporaneamente modificada e defendida por J ohn R . Searle, e novamente adaptada, mesmo que ligeiramente, por seu discípulo C ristiano R osa de C arvalho, atingindo sua melhor

20

MA C H A D O, H ugo de Brito. T eor ia ger al do dir eito tr ibutár io. Sã o Paulo, Malheiros E ditores, 2015. p. 36-37.

21

(25)

forma até o momento

22

. E ssa classificaçã o da linguagem será extremamente importante para este trabalho, pois proporciona melhor esquema mental sobre fenômenos meramente linguísticos, como presunçã o jurídica e ficçã o jurídica, conceitos de interesse ímpar neste contexto.

E m apertada síntese, que assim foi feita em razã o da necessária brevidade do presente trabalho pelo seu escopo, sã o essas as premissas gerais e jurídicas que vã o fundamentar todo o pensamento a ser desenvolvido adiante, ao longo do presente estudo. E speramos, com isto, estarmos sendo absolutamente transparentes com eventuais críticos, porquanto acreditamos que esta é atitude mais intelectualmente honesta e que mais contribui para o desenvolvimento da C iê nca J urídica.

22

(26)

2 A F I C Ç Ã O J UR ÍD I C A NA H I PÓT E SE D E I NC I D ÊNC I A

2.1 C onsider ações ger ais

Partimos da premissa, quase axiomática, de que toda norma j urídica do sistema de direito positivo tem hipótese de incidê ncia limitada e definida. Note que nã o nos referimos, ao dizê -lo, a normas de D ireito Internacional Público, ou a uma possível norma hipotética fundamental - que simplesmente nã o estã o em discussã o no momento -, mas apenas à s normas que compõem o sistema de direito positivo.

Nessa perspectiva, apesar de serem infinitas as situações, na realidade, à s quais uma norma específica poderá ser aplicada, esta tem, necessariamente, um limite em relaçã o aos fatos que cabem, ou nã o, em sua descriçã o hipotética. A ssim, para meros fins de ilustraçã o, tome-se uma norma que enuncia “caso uma pessoa mate outra, deve receber pena de reclusã o por 10 (dez) anos”. Nesse caso, apesar de serem infinitas as situações em que pessoas podem matar outras, com as mais diversas particularidades, e, ainda assim, serem compreendidas pelo campo de incidê ncia da norma em questã o, há um limite para aplicaçã o desta, que nã o é excedido apenas quando for identificada a existê ncia de dois sujeitos, a morte de um deles e o nexo causal entre a conduta do outro e esse fato.

23

Sabemos, portanto, que a norma ora imaginada nã o deve ser aplicada quando houver apenas duas pessoas e uma morte, sem nexo causal, no caso, por exemplo, de um sujeito que apenas observa de sua janela o momento em que outro sofre um infarto fulminante na rua; ou no caso de nã o haver morte, como quando uma pessoa agredir outra, mas sem causar a morte dela. E m ambos os casos, faltou o atendimento de pelo menos um elemento essencial da hipótese normativa, que é precisamente o que define os seus limites de incidê ncia.

D esta feita, para cada norma, embora infinitas as situações que possam ocorrer dentro do seu campo de incidê ncia, há uma divisã o, mais ou menos clara a depender da norma, entre o que está ou nã o dentro desse âmbito.

E sse singelo mecanismo, com efeito, é o que mantém o ordenamento jurídico como tal, ou seja, como uma ordem, porquanto, caso cada norma nã o tivesse um desses limites, toda situaçã o estaria sujeita a todo tempo à aplicaçã o de toda norma, de modo que tornar-se-ia caótico o sistema.

23

(27)

A liás, utilidade nenhuma teria um sistema j urídico assim, uma vez que, se é sempre possível a aplicaçã o de qualquer norma, a esmo, tudo depende apenas do arbítrio do aplicador e, portanto, nã o é necessário um sistema de normas pré-definidas. E stas existem j ustamente para que se conheça, previamente, quais comportamentos sã o lícitos e quais sã o ilícitos, com as respectivas sanções resultantes de cada um dos qualificativos. Se for facultado a alguém arbitrar isto casuisticamente, nã o é necessário criar um sistema de normas.

24

D esta feita, o processo de aplicaçã o de qualquer norma jurídica ao caso concreto nã o se trata de outra coisa se nã o de um silogismo. Há uma premissa maior, a norma jurídica, que é um enunciado no formato “Se A , entã o deve ser B ”; e há uma premissa menor, que é enunciado singular do tipo “A conteceu A ”. A partir disto, devemos concluir que deve ser B no caso concreto.

A ssim como em qualquer outro silogismo, é necessário, para que se possa validar o seu resultado como necessariamente verdadeiro, que suas premissas também o sejam.

A premissa maior (norma jurídica) pode ser dita verdadeira a priori, pela sua própria condiçã o de vigê ncia no ordenamento jurídico, uma vez que todas as normas deste sã o cogentes, atendidas determinadas condições de validade que nã o sã o objeto de discussã o no presente trabalho.

Nesse caso, da premissa maior, já houve um silogismo prévio para determinar essa verdade, o qual tinha, por sua vez, como premissa maior “Se atendidas condições X , Y e Z , entã o deve ser verdade o que a autoridade C (legislador) enunciar”; e premissa menor “A autoridade C (legislador) enunciou que ‘ S e A , entã o deve ser B ’”

25

.

Portanto, correto o silogi smo anterior e validada a sua conclusã o, é possível dizer que, para o ordenamento jurídico, se A , deve ser B .

Por sua vez, a premissa menor, ou seja, o enunciado “A conteceu A ” deve ser constatada, ou nã o, como verdadeira, pela constataçã o do fato, segundo confirmado por qualquer abertura cognitiva (experiê ncia) que se pretenda adequada para tanto. Ora, se verdade é a assertiva verdadeira, ou seja, o enunciado que corresponde ao fato, resta apenas investigar se é possível obter, a partir da experiê ncia, um enunciado singular que preencha as condições de identidade com o enunciado que se pretende verificar ser verdadeiro

26

.

24

MA C H A D O SE GUND O, H ugo de B rito. O dir eito e sua ciê ncia. S ã o Paul o, Malheiros E ditores, 2016. p. 94-95.

25

Obviamente, há outro sil ogismo também anterior a esse, que faz que sua respecti va premissa mai or seja verdade, mas isto conduz a uma regressã o ao i nfinito, ou a uma regressã o até que seja encontrado o fundamento últi mo do direito positi vo. E sta, contudo, nã o é também uma questã o a ser explorada aqui.

26

(28)

B em, toda essa explicaçã o serviu apenas para chegarmos à singela conclusã o de que, para aplicar a prescriçã o de qualquer norma j urídica – que é, em última análise, a finalidade de qualquer dessas normas – é necessário constatar um fato que se identifique com a descriçã o da hipótese de incidê ncia, e, portanto, esteja dentro do respectivo campo de incidê ncia. C onquanto pareça óbvia e pouco frutífera essa conclusã o, ela é de extraordinária importância para o trabalho a ser desenvolvido daqui em diante.

2.2 D o fato j ur ídico r eal e do fato j ur ídico ficto

O fato que satisfaz a descriçã o da hipótese normativa, referido na secçã o anterior, é usualmente designado por fato jurídico. T al denominaçã o é apropriada por diferenciar esse tipo de fatos dos demais fatos constatáveis no mundo real, que nã o atraem a incidê ncia de nenhuma norma jurídica, e, portanto, nã o adquirem qualquer importância para o D ireito. D iz-se que tais fatos nã o sã o juridicizáveis, e, portanto, nã o sã o fatos j urídicos.

C om efeito, geralmente, quando se refere à expressã o fato jurídico, o reflexo mental é de pensar em algo constatável no mundo real. E ra a esse tipo de fato j urídico que se referia na secçã o anterior, e que ora identificamos, mais especificamente, por fato jurídico real.

Há, contudo, uma segunda espécie do gê nero fato jurídico, o fato jurídico ficto. E sta é uma espécie de fato jurídico que ocorre por ficçã o. Desta feita, por haver uma relaçã o de continê ncia conceitual entre os dois conceitos, há de se conhecer primeiro o que é uma ficçã o, para apenas entã o procurarmos conceituar o sobredito fato jurídico ficto.

Nesse contexto, há, na literatura jurídica tributária atual, alguns bons conceitos de ficçã o, e, mais especificamente, de ficçã o jurídica, que servem aos fins deste trabalho. A té por afinidade teórica entre os autores dos quais se extraiu essas definições, sã o estas muito similares, tendo cada uma seus méritos e demérito em relaçã o uma a outra.

E m virtude disso, e por esmero na construçã o teórica que objetivamos fazer, apresentaremos todas essas definições que consideramos apropriadas e comentaremos uma por uma, cuidado este que deve sempre ser tomado ao se importar um fragmento do pensamento de outrem, porquanto sua falta pode gerar incoerê ncias e/ou pouca utilidade da concepçã o que é meramente importada. A ssim, certificar-nos-emos da adequaçã o dos

(29)

conceitos ao pensamento aqui exposto, e do entendimento do objeto da melhor forma possível.

C om efeito, primariamente, devemos saber o que é uma ficçã o, como fenômeno linguístico. C ristiano R osa de C arvalho responde com magistralidade a essa pergunta:

“O que seriam entã o as ficções? A s ficções sã o produtos da cultura, figuras linguísticas, cuja funçã o nã o é descrever a realidade, mesmo a institucional, mas, sim, desconsiderar a realidade ( natural ou institucional), para atingir algum propósito determinado. E sse propósito pode ser contar uma história, construir modelos científicos e até mesmo criar direitos e obrigações. Nesse sentido, é inestimável a contribuiçã o de Hans V ai hinger, ao destacar a expressã o ‘ como se’ (a/s-ob) como a essê ncia das ficções, isto é, o seu caráter fabulador.

E m síntese, a ficçã o é um elemento de discurso, cuja funçã o é fabuladora, isto é, desvincular a linguagem da realidade natural ou institucional, de forma a inventar estados de coisas nã o existentes fora do universo linguístico. Outrossim, a ficçã o serve para desconectar a linguagem da realidade, pois a funçã o precípua da primeira é permitir a açã o eficaz do homem na última em determinados contextos.”

27

E is a melhor definiçã o que seremos capazes de oferecer no presente trabalho. A pesar de ainda pecar pela falta de especificadade - porquanto trata ainda de ficções como fenômeno linguístico universal, e nã o da ocorrê ncia desse fenômeno no D ireito, as chamadas ficções jurídicas -, é o conceito que melhor permite a compreensã o do objeto, de forma clara e sem imprecisões teóricas.

D esnecessária, portanto, qualquer outra consideraçã o sobre o que seja uma ficçã o, procederemos ao conhecimento das ficções j urídicas propriamente. C om efeito, A lfredo A gusuto B ecker oferece uma explicaçã o própria, porém, o faz por meio da diferenciaçã o ao instituto da presunçã o jurídica. V ejamos, portanto, primeiro o que ele considera ser uma presunçã o, para apenas entã o podermos estudar a diferença entre as duas coisas:

“A observaçã o do acontecer dos fatos segundo a ordem natural das coisas permite que se estabeleça uma correlaçã o natural entre a existê ncia do fato conhecido e a probabilidade de existê ncia do fato desconhecido. A correlaçã o natural entre a existê ncia de dois fatos é substituída pela correlaçã o lógica. B asta o conhecimento da existê ncia de outro fato cuja existê ncia efetiva se desconhece, porém tem-se como provável em virtude daquela correlaçã o natural. Presunçã o é o resultado do processo lógico mediante o qual do fato conhecido cuja existê ncia é certa se infere o fato desconhecido cuja existê ncia é provável.”

28

B em, a partir disto, podemos conhecer a diferençã o entre presunçã o e ficçã o, na concepçã o deste autor. O seguinte excerto há de ser esclarecedor sobre isto:

27

C A R V A L HO, C ristiano. F icções j ur ídicas no dir eito tr ibutár io. S ã o Paul o, Noeses, 2008. p. 69. 28

(30)

“E xiste uma diferença radical entre a presunçã o legal e a ficçã o legal. ‘ A presunçã o tem por ponto de partida a verdade de um fato: de um fato conhecido se infere outro desconhecido. A ficçã o, todavia, nasce de uma falsidade’. Na ficçã o, a lei estabelece como verdadeiro um fato que é provavelmente ( ou com toda a certeza) falso. Na presunçã o, a lei estabelece como verdadeiro um fato que é provavelmente verdadeiro. A verdade jurídica imposta pela lei, quando se baseia numa provável ( ou certa) falsidade é ficçã o legal, quando se fundamenta numa provável veracidade é presunçã o legal.

A regra jurídica cria uma presunçã o legal quando, baseando-se no fato acontecido cuja existê ncia é certa, impõe a certeza jurídica da existê ncia do fato desconhecido cuja existê ncia é provável em virtude da correlaçã o natural de exi stê ncia entre estes dois fatos.

A regra jurídica cria uma ficçã o legal quando, baseando-se no fato conhecido cuja exi stê ncia é certa, impõe a certeza jurídica da existê ncia do fato desconhecido cuja existê ncia é improvável (ou falsa) porque falta correlaçã o natural de existê ncia entre os dois fatos.

A distinçã o entre a presunçã o e a ficçã o existe apenas no plano pré-jurídico, enquanto serviam de elemento intelectual ao legislador que estava construindo a regra jurídica. Uma vez criada a regra jurídica, desaparece aquela diferenciaçã o porque tanto a presunçã o, quanto a ficçã o, ao penetrarem no mundo jurídico por intermédio da regra jurídica, ambas entram como verdades ( real idades jurídicas).”

29

E m que pese todo o respeito pelo Mestre autor das linhas sobreditas, há várias deficiê ncias na distinçã o em questã o. S ã o essas definições, sem dúvidas, úteis, em grande medida, porquanto sã o bastante didáticas e nã o pressupõem aprofundamento do leitor em teorias específicas, como é o caso das outras definições que apresentaremos. C ontudo, em razã o das falhas já referidas, sua utilidade será mais como objeto de críticas, de modo a purificá-la dos erros, mostrando a soluçã o superior, do que como concepçã o doutrinária efetivamente adotada.

B em, inicialmente, nã o deveriam ser tratados os dois conceitos, de ficçã o e presunçã o, como decorrentes meramente de suas respectivas probabilidades. Isto, certamente, leva a muita imprecisã o teórica.

Ora, a partir de que grau de probabilidade uma fantasia legal deixa de ser uma ficçã o e passa a se tornar uma presunçã o? A té 49,99% temos uma ficçã o, mas se algo tem 50,1% de chance de ocorrer, torna-se, automaticamente, uma presunçã o? E se algum evento j urídico pressuposto pelo legislador tiver exatamente 50,00% de chance de acontecer? A lém disto, como deve ser aferida essa probabilidade? E xiste alguma pesquisa empírica para saber, no caso do Imposto sobre C irculaçã o de Mercadorias e S erviços (IC MS) cobrado por operaçã o interestadual, em regime de substituiçã o tributária, quantos de cada dos produtos

29

(31)

tributados sã o efetivamente vendidos no estado de destino e por que preço?

30

S e existisse, teria ela que continuar sendo feita corriqueiramente, uma vez que, dada a dinamicidade do fenômeno de mercado, preços e quantidade de vendas de produtos sã o alterados a toda hora?

T odas essas perguntas ilustram, facilmente, que a definiçã o de institutos jurídicos, como sã o presunçã o legal e ficçã o legal, nã o pode ser feita a partir de valorações meramente matemáticas, como é a de probabilidade.

A diferença entre os dois institutos é, na verdade, de propósito ilocucionário nos respectivos atos de fala, como será melhor esclarecido mais adiante com a próxima tentativa de definiçã o.

A demais, há de se mencionar também que, diferentemente do que foi dito, a ficçã o nã o “nasce de uma falsidade”. C omo será apresentado adiante, ficçã o nã o é falso simplesmente por nã o ser, também, um ato de fala com propósito assertivo, que poderia ser classificado em verdadeiro ou falso, conforme sua correspondê ncia aos fatos do mundo real. Na verdade, ficçã o tem um propósito ilocucionário diverso, nã o concebido sequer por J ohn R . Searle em sua célebre teoria, mas apenas por C ristiano R osa de C arvalho recentemente, a funçã o fabuladora.

Isto significa, em suma, que a ficçã o nã o trata da realidade, nã o tenta descrevê -la, de modo que poderia ser classificada como verdadeira, caso correspondesse aos fatos do mundo real, ou falsa, caso falhasse em obter essa identidade. A ficçã o desconsidera a realidade, desvinculando a linguagem da realidade, conforme a definiçã o geral de ficçã o

30

Referências

Documentos relacionados

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

Para analisar as Componentes de Gestão foram utilizadas questões referentes à forma como o visitante considera as condições da ilha no momento da realização do

Oncag, Tuncer & Tosun (2005) Coca-Cola ® Sprite ® Saliva artificial Compósito não é referido no estudo 3 meses 3 vezes por dia durante 5 minutos Avaliar o efeito de

Desta forma, foram criadas as seguintes hipóteses de investigação: H1 – O compromisso organizacional e o engagement são diferentes para as categorias dos militares dos

insights into the effects of small obstacles on riverine habitat and fish community structure of two Iberian streams with different levels of impact from the

A versão reduzida do Questionário de Conhecimentos da Diabetes (Sousa, McIntyre, Martins & Silva. 2015), foi desenvolvido com o objectivo de avaliar o

Taking into account the theoretical framework we have presented as relevant for understanding the organization, expression and social impact of these civic movements, grounded on

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,