• Nenhum resultado encontrado

41º Encontro Anual da Anpocs. SPG 28 - Religião, política e direitos humanos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "41º Encontro Anual da Anpocs. SPG 28 - Religião, política e direitos humanos"

Copied!
21
0
0

Texto

(1)

41º Encontro Anual da Anpocs

SPG 28 - Religião, política e direitos humanos

Entre a carne e a santidade?

Regulação e sexualidade entre participantes de igrejas evangélicas inclusivas

(2)

Apresentação

As igrejas de origem judaico-cristã são, em sua grande parte, reprodutoras de discursos heteronormativos, principalmente no que se refere aos debates públicos e posições institucionais. Um dos aspectos que mais chama atenção no compromisso com a manutençao do contrato heterossexual é a presunção da universalidade da heterossexualidade, sob a máxima da criação de uma humanidade supostamente heterossexual.

Estes dogmas pressupõem que a sexualidade humana pode ser caminho tanto de construção’ (com a reprodução e formação da família) como de ‘destruição’ (expressa na sentença “o salário do pecado é a morte”, amparada na ideia de um sexo essencialmente negativa, pecaminoso e associado à queda). Esta visão da tradição religiosa, com suas devidas variações, é compartilhada por muitas das congregações evangélicas e comunidades católicas. Esse tipo de discurso, é claro, convive com muitas outras representações da sexualidade dependendo do contexto, no caso das correntes evangélicas. Por exemplo, com a concepção da batalha espiritual (o dilema entre as coisas de Deus e as coisas do diabo), compreensões demonizantes de condutas divergentes do que se preconiza no tradicionalismo cristão (sexo extra-conjugal, relações afetivo-sexuais sem compromisso, prostituição, pornografia, relações homoafetivas e outras).

No que diz respeito à homossexualidade congregações evangélicas (com algumas exceções) e as correntes católicas estão de acordo ao afirmar a incompatibilidade entre a prática homoerótica e as Sagradas Escrituras, o que expressa um paradoxo, visto que as referências bíblicas utilizadas para condenar a homossexualidade são anteriores à construção da noção moderna de homossexual, que surge em meio a concepções da sexologia e da medicina no século XIX, retirando tais práticas do domínio da Lei para o da natureza e da medicina (Weeks, 2010).

(3)

sob alcunha de uma “sexualidade cristã”, afim aos ditames religiosos hegemônicos das igrejas evangélicas em geral.

É sobre este aspecto condicionante da sexualidade do fiel que este trabalho propõe deter-se ao problematizar a relação entre religião e homoafetividade, colocando em exame os modos de construção da homossexualidade em algumas igrejas inclusivas, seja no que concerne aos casamentos igualitários, seja no campo mais amplo das oráticas de regulaççao da sexualidade. Partindo dessa perspectiva, pretendemos discutir de quais maneiras tais modelos culturais de homossexualidade são construídos, organizando subjetividades, interações e certos modos de percepção e representação de si.

Nosso trabalho está amparado nos resultados das pesquisas individuais realizadas por seus autores. Uma das frentes, desenvolvida por Natividade, contempla a vivência de um numeroso segmento presente nas igrejas inclusivas, o de gays e lésbicas que atravessam experiências de casamento igualitário e formação de novas famílias, incluindo casos de adoção por casais LGBT. Esse grupo é composto por pessoas de faixas etárias mais elevadas ou pares inter-geracionais. Além de tratar da experiência de pessoas concretas, a pesquisa de Natividade abarca ainda o levantamento de discursos institucionais, teológicos e doutrinários, por meio do mapeamento de literatura religiosa e monitoramente de conteúdos publicizados em sites e páginas oficiais de Internet, mantidas pelas organizações religiosas em questão.

A outra frente de trabalho é desenvolvida por Ratts, analisando mais de perto a experiência de membros da Igreja Apostólica Filhos da Luz – IAFL (Fortaleza – Ceará) no que se refere à compreensão das influências de uma pastoral do sexo na produção de significados sobre as relações afetivo-sexuais anteriores (ou externas) ao dito ‘casamento’.

(4)

1. Família e casamento: a produção da homossexualidade em discursos inclusivos

Marcelo Natividade, docente Universidade Federal do Ceará

Igrejas inclusivas existem no Brasil desde os anos 2000 e conquistam cada vez mais legitimidade no campo religioso brasileiro, apesar de serem ainda representantes de uma corrente minoritária a tradição cristã (Natividade, 2017). Como movimento emergente (Mariz, 2013) elas atravessam um importante processo de institucionalização, ampliando suas congregações no território brasileiro em distintas regiões do país e aumentando sua aparição na mídia e na sociedade brasileira. O discurso inclusivo, sua teologia emergente e falas públicas colaboram para reposicionar as definições de pecado, concebendo as sexualidades LGBT como “benção divina”. Em tais congregações gays, lésbicas e pessoas transgêneros se tornam pastores e pastoras, presbíteros e presbíteras, diáconos e diaconisas, obreiros e obreiras, exercendo a vida eclesial e compatibilizando cristianismo e sexualidades LGBT.

Algumas das congregações inclusivas brasileiras tem sido o solo cultural de processos de construção identitárias que envolvem a experiência de assumir-se gay ou lésbica, mas também de vivências de trânsitos de gênero, com lideranças incentivando e apoiando o “processo transexualizador”. Em algumas igrejas ele identifiquei trajetórias de pessoas que recorrem ao SUS para realizar cirurgias envolvendo a alteração do sexo ‘de nascimento’ e adoção de uma nova identidade de gênero e “nome social”, em meio ao processo cirúrgico de adequação e redesignação sexual. Outras dessas pessoas, ainda que não almejem a cirurgia nem a entrada no SUS para a mudança, atravessam processos identitários semelhantes e adotam identidades de gênero distintas daquelas de assinaladas ao nascimento.

(5)

pluralização dos modelos familiares ao identificar o alto número de participantes cujas trajetórias eram exemplares de famílias recompostas – casamentos heterossexuais com prole, desfeitos, e a formação de um novo núcleo familiar envolvendo parceiro ou parceira de mesmo sexo.1

Essa percepção se confirma na observação que fiz de que os direitos civis dos LGBTs constituem o pão cotidiano do culto e das conversas informais em igrejas inclusivas. É presente na mensagem religiosa a ideia de que é da vontade de Deus a ampliação de direitos igualitários aos LGBTs, evidenciando uma constatação teológica mais pluralista de humanidade: Deus teria criado algumas pessoas heterossexuais e outras homossexuais. Sendo assim, o culto preconiza a ideia de que homossexuais e heterossexuais são iguais e, portanto, devem ter acesso aos mesmos direitos civis. Ampliar os direitos de LGBTs seria assim uma forma de realizar a vontade divina e fazer justiça social.

Partindo dessa análise, eu argumento que se entrelaçam laico e religioso na visão de mundo de participantes de igrejas inclusivas. Uma espécie de ethos igualitarista orienta as práticas pastorais e as formas de regulação presentes no culto, enlaçando-se aos valores e concepções de mundo locais das comunidades morais em questão.

A ênfase do culto concorre para a valorização do “par homossexual”, com grande preocupação com a formulação de modelos de sexualidade que preconizem o casamento, a união estável e também a construção da família. Esses modelos são realçados na literatura inclusiva já existente no Brasil. Tomemos como exemplo dois volumes escritos pelo pastor inclusivo Alexandre Feitosa, O Prêmio do Amor (Feitosa, 2011) e Conhecimento e Graça: Lições bíblicas. Introdução è teologia inclusiva. Bíblia e Homoafetividade (Feitosa, 2014).

A incorporação do ethos igualitarista já chama atenção na importação de categorias do mundo da política e do direito, a saber, as ideias de homoafetividade e homoparentalidade. Contudo, convém destacar que tais ideias recebem o colorido local dos valores e ideias compartilhados no “mundo inclusivo”, cujas concepções religiosas

(6)

bebem na fonte da tradição cristã e nas experiências religiosas pregressas dos atores do campo, boa parte delas de origem pentecostal.

É notável que se constitui uma espécie de espaço de negociação (Birmam, 1996) que conecta demandas dos movimentos sociais e moralidades religiosas, por exemplo, com modelos de conduta que prescrevem a monogamia, casamento igualitário, adoção por casais de mesmo sexo, em uma mistura criativa.

Amparado nas ideias de Mello (2005) compreendo tais discursos como expressivos de um ethos familista que dialoga com os valores e discursos políticos que tiveram lugar na recente luta por reconhecimento e ampliação dos direitos civis dos movimentos LGBT, desde os anos 1995, quando se iniciou o debate sobre a parceria civil na esfera pública. Esse ethos familista, laico, encontra boa acolhida nas igrejas inclusivas porque se compatibiliza aos valores tradicionalmente preconizados nas correntes hegemônicas do cristianismo brasileiro: a defesa da família e de modelos de relações afetivo-sexuais que tornam abjetas todas as formas de interação afetivo-sexual externas ao casamento e ao laço conjugal.

É preemente a valorização do casal gay e lésbico, sob a mensagem inclusiva de que pessoas homossexuais em experiências anteriores de uniões heterossexuais ‘viviam infelizes’, ‘frustradas’. Mas somente em experiências de homoafetividade encontraram a plenitude, a satisfação e a felicidade. A homossexualidade constitui, especialmente, a verdade de si.

Em capítulo intitulado “Vivendo o amor à dois: a homoafetividade à luz da Bíblia”, Feitosa tematiza a criação do mundo por meio de uma reflexão sobre o mito de Adão e Eva. O pastor argumenta que Deus teria criado a humanidade por meio de um casal heterossexual devido à necessidade de “povoar a Terra” – segundo ele, o que só seria possível por meio de relações heteroafetivas, além da formação da família e da geração de descendência. Colocando a reprodução heterossexual em foco, Feitosa desloca a discussão para o contexto atual, no qual supostamente, haveriam “outras possibilidades de constituir família”. E prossegue a reflexão, argumentando que, homossexuais, entregues ao padrão heterossexual relatado em Gênesis estariam fadados ao divórcio, insatisfação afetiva e infidelidade. Sendo assim, era possível compreender que homossexuais, em uniões heterossexuais, contrariavam à vontade de Deus e sua verdadeira ‘natureza’.

(7)

distintos das pessoas heteroafetivas, não sendo essa uma contrariedade aos ditames divinos. Em sua visão, haveria base bíblica para a homoafetividade, uma vez que “o casamento heterossexual não é para todos”. Partindo dessa afirmação, ele oferece um olhar naturalizado para a diversidade sexual, recuperando a passagem bíblica de Mateus, capítulo 19, versículos 10, 11 e 12, na qual compreende que Jesus chamaria atenção que “existiam eunucos nascidos assim do ventre materno”. A alusão à homossexualidade por meio da figura do eunuco serve de justificação religiosa para a compreensão de que nem todas as pessoas foram destinadas por Deus à heterossexualidade, existindo aquelas que foram sim destinadas por Ele à homoafetividade. Tal passagem consistiria em alerta de Jesus sobre como à alguns não ‘convinha casar’: “Se assim é a condição do homem em relação à mulher, não convém casar. Ele porém lhe disse: Nem todos podem receber essa palavra, mas só aqueles a quem foi concedido” (Feitosa, 2014: 53). O argumento se completa em afirmação de tom igualitarista na qual endossa: “O amor não é monopólio deste ou daquele grupo. A experiência de realização de um casal homoafetivo não é diferente daquela experimentada por um casal heteroafetivo: a felicidade, a cumplicidade e a completude relatadas por casais homoafetivos são iguais em nobreza, cuidado e companheirismo”. Em Gênesis se encontrava respaldo bíblico para casais heteroafetivos como para homoafetivos, sendo a ordenança divina correspondente ao mandamento de não viver só. Os homossexuais, assim, não deveriam se sentir fora do “plano divino”. Do mesmo modo, a Bíblia estava repleta de relatos de famílias atípicas, por exemplo, a formada por Marta, Lázaro e Maria, “formada apenas por irmãos” – uma vez que não se tinha notícias de seus pais. Essa “família diferente” atraíra a atenção e afeição de Jesus. Feitosa então admoesta: “Sua família pode não ter o modelo tradicional, mas pode ter o modelo de Cristo. Pode não ter aprovação social, mas pode ter aprovação divina” (Feitosa, 2014: 59). Por fim, sobre a homoparentalidade, o pastor adverte: as relações homoafetivas podiam não gerar filhos apenas biologicamente. Mas “do amor de um casal gay”, disposto à adoção, podia se gerar família, do mesmo modo que de um casal heteroafetivo disposto à adoção. Assim, o tema do pluralismo familiar constitui uma enfase narrativa em igrejas inclusivas em muitos aspectos, seja na literatura religiosa, em documentos publicados, em púlpitos e ministrações e muitas outras formas de interação social.

(8)

para a preocupação com o afeto e o amor. Essa ênfase constituiria assim uma estrutura que conformaria os modelos cultivados no culto religioso, mas certamente não restritos a ele.

As observações feitas até aqui permitem seguir no entendimento mais acurado dos modelos de construção da sexualidade presentes nas congregações e discursos dos grupos inclusivos. A valorização do par gay ou lésbico também é evidenciada quando abrimos o site institucional da Igreja Cristã Contemporânea, uma das denominações inclusivas mais numerosas no país, com sede no Rio de Janeiro. A imagem de abertura do site exibe dois homens gays abraçados, demonstrando inicialmente, o valor do laço naquela visão de mundo.

A Igreja Cristã Contemporânea se consolidou como uma das denominações mais atuantes em favor desse ethos familista e igualitarista, por vários motivos: a participação de casais da igreja em casamentos coletivos realizados por programas governamentais; a aparição midiática em programas de TV e radiofônicos, além de entrevistas em jornais sobre temas como casamento gay e adoção de crianças por casais de mesmo sexo. Também o testemunho público dos pastores presidentes da Igreja em uma novela do horário nobre, em importante emissora televisiva demonstra a expansão destes discursos e legitimidade pública que a mensagem inclusiva vem alcançando.

(9)

incluídos ao povo de Deus e, como estes, teriam sua identidade reconhecida por meio de um novo nome, por direito e justiça” (Feitosa, 2014: 51). A ideia de que o par homossexual acaba por se constituir como “uma só carne”, tal como os casais heteroafetivos, deve implicar em um relacionamento equilibrado e igualitário, com a preservação das individualidades de cada um, espaço de autonomia, preservando-se as escolhas e gostos individuais em detrimento de costumes “de casal”. Feitosa considera um sinal de saúde sexual a preservação da dimensão das individualidades e as negociações em torno desses hábitos e estilos de vida. Outro sinal de uma vida sexual saudável seria a satisfação afetiva e sexual entre o casal, sem ultrapassar os limites da vida a dois monogâmica. Da leitura de alguns volumes da literatura inclusiva é possível apreender uma certa percepção de saúde sexual, assinalando os modos pelos quais a pastoral do sexo instiga à reflexão sobre as práticas sexuais e noções de satisfação do sexo e dos instintos.

Em algumas conversas individuais que tive, as vezes, me deparei com a prescrição da necessidade de seguir as preferências sexuais. Nesse sentido, um casal deve considerar as necessidades sexuais individuais, inclusive do ponto de vista dos ditos papeis sexuais. Por exemplo, um homossexual com preferência por exercer o papel de penetrador, poderia se ver levado à buscar relacionamentos extra-conjugais se não tivesse suas necessidades sexuais atendidas no laço conjugal. Como forma de regular as interações afetivo-sexuais pode se prescrever que os papeis sexuais devem ser considerados na formação do laço. Atender às preferências e gostos sexuais, assim, poderia ser uma forma de evitar as armadilhas do demônio para desvirtuar o casamento e instigar os desejos sexuais dissonantes da monogamia. Considerando a formação do par gay ou lésbico a narrativa que galvaniza os discursos públicos e formas de reconhecimento demandadas em tais grupos, é preciso ainda assinalar como discursos inclusivos compreendem as experiências afetivo-sexuais externas ao casamento e ao laço conjugal. Isso será tratado na seção seguinte, na análise de Ratts.

Ser solteiro e esperar no Senhor: sexo e liminaridade em uma igreja inclusiva Júnior Ratts, doutorando UFC

(10)

apresentam notável redimento analítico. Elas, especialmente, permitem entender tensões que perpassam a constituição dos corpos e do sexo, no que concerne ao reconhecimento social no universo do culto inclusivo.

Quando trata de performance, Turner faz eco às teses de Mauss (2003) e Schechner (1999) ao afirmar que "as unidades de comportamento que contêm meu ‘eu’ não foram por ‘mim’ inventadas (2016, 34). Desta forma, o ato treinado e ensaiado se torna uma releitura mais contemporânea do ato eficaz e tradicional, das técnicas do corpo. Em outras palavras, a performance, ainda que participe daquilo que Turner (1974) denominou de antiestrutura (quando se trata de posições de enunciação corporal coletiva que vão de encontro as normas sociais coercitivas) carrega consigo o “peso” da adaptação e/ou da referência à estrutura, ou seja, ao coletivo.

Neste sentido, a performance se conecta à tradição da estrutura produzindo padrões de comportamento normativos na anti-estrutura. Trazendo isto para o trabalho de campo que tenho realizado, posso pensar que a anti-estrutura representada por uma igreja formada por gays, lésbicas e transexuais, ao tentar afirma-se diante das várias comunidades (religiosas ou não) como uma instituição legítima, em algum nível, exige dos seus fieis um comportamento concernente aos valores e moralidades cultivados hegemonicamente. No caso de uma igreja inclusiva, temos já aí um paradoxo: a junção dos valores e princípios das militâncias ativistas locais em prol do reconhecimento social LGBT com os valores e moralidades cultivados nos ambientes tradicionais nos quais boa parte dos seus atores foi socialidada: os bancos de uma igreja evangélica, sendo a maior parte de seus atores advindos de igrejas pentecostais ou neopentecostais.

Dito isto, uma pista para compreender quais tipos de homossexualidades são produzidas nos referidos grupos é observar como os comportamentos LGBT definidos como “mundanos”, pelos atores das congregações, não são ignorados de todo, mas redimensionados no detalhe a partir de interpretações típicas, de seleções e passagens (Birman, 1996)2. Isto porque, como é recorrente nas passagens (Birman, 1996) os

2

(11)

sujeitos convertidos importam para a vida religiosa atual elementos da realidade passada, construindo então ressignificações nas quais o velho e o novo se misturam, produzindo significados originais.

Na Igreja Apostólica Filhos da Luz, observei que este aspecto se faz através de negociações entre os líderes e os fieis que culminam no que vou chamar aqui de comportamentos homosacroseculares. Assim, festas ao som de funk, axé e pagode evangélicos são promovidos comumente na igreja, pois as lideranças entendem que o jovem LGBT necessita de festividades e sociabilidades para canalizar sua energia (incluindo a sexual). Outro exemplo é a “fechação”, um comportamento típico dos guetos gays e que ocorre em vários momentos do congregar (inclusive durante a pregação eclesiástica) mas em um grau menor de extravagância e excentricidade. Os travestimos também são permitidos em instantes de festa, contanto que os sujeitos não façam uso de gestos libidinosos e dublem somente cantoras gospel em suas performances (Natividade. 2017).

No campo da sexualidade, o mesmo acontece quando o indivíduo regula as expressões de seu desejo ao invés de abandoná-las, impregnando suas práticas sexuais de uma série de significados cristãos, mas evocando extrovertidamente a necessidade cabal por sexo nas reuniões particulares entre fieis. Estes comportamentos regulados são formas do sujeito se por à prova em meio ao coletivo ao mostrar que a suposta desordem da “vida homossexual passada” ganhou um ordenamento graças à auto-regulação, de inspiração divina, mesmo que aspectos da existência anterior à conversão surjam aqui e ali, de forma velada ou não, confessados ou não.

Estas recombinações de comportamento são feitas de criatividade, invenção e reinvenção, típicas da fase liminóide, ficam mais claras quando voltamos à teorização de Turner acerca do fenômeno da liminaridade. Em uma interpretação própria dos processos que envolvem a passagem de status social, inspirado em Van Gennep, Turner apresenta a fase intermediária (“a transição”) como um estado de liminaridade, no qual “os sujeitos estão mortos para o mundo social, mas vivos para o mundo associal (2012,

(12)

p. 222, grifo meu). Este período liminal envolve uma sequência complexa de episódios no espaço-tempo sagrado e pode incluir eventos subversivos e lúdicos (ou jocosos) durante os quais “as pessoas liminares ‘brincam’ com os elementos familiares e os desfamiliarizam. Portanto, as novidades emergem das combinações sem precedentes dos elementos familiares” (2012, p. 222 e 223). A fase liminar representa, pois, a anti-estrutura (TURNER, 1974), ou seja, o sistema latente de alternativas potenciais, as quais novamente irão surgir quando requeridas pelas contingências do sistema normativo. Isto explica, em parte, o fato de sujeitos desejarem aderir a castidade temporária ao entrarem na congregação, porém, vendo-se tempos depois impossibilitados de seguirem adiante com este ideal normativo, passam a deixar de persegui-lo como meta ou reinterpretam as formas de inclusão do sexo em sua realidade a fim de torná-lo “mais puro” e saudável, conforme um dos interlocutores ressaltou. A necessidade da vivência sexual é, por vezes, traduzida através de uma “linguagem secular” que corrobora papéis tradicionais de gênero. Assim, por vezes, os atores associam o apetite sexual ao fato de ‘serem homens’ ou de ‘serem gays’ e que, por isto, é natural que não possam viver sem sexo. Como se vê, convivem nas interpretações dos atores ideais de castidade, de sexo conjugal marital, mas também de satisfação sexual por outros meios, que nem sempre são os aprovados na esfera social em questão.

Voltarei a estas questões mais à frente a partir das vivências que me foram relatadas em campo por alguns dos fiéis com quem desenvolvi uma relação de maior afinidade.

***

(13)

especial na IAFL, mas também as formas como os sujeitos que não estão no centro das normas, mas em condições liminares, são objeto de cuidado pastoral. Para tanto, me voltarei para os discursos e experiências que envolvem as pessoas desengajadas de uniões estáveis naquele momento da vida, aqui designadas sob a rubrica de pessoas “solteiras”. O modo como “solteiros” e “casados” se opõe no discurso dogmático me chama atenção, evidenciando certas formas de cuidado pastoral que pretendo explorar em minha tese de doutorado.

A percepção de tal dicotomia foi fruto das trocas acadêmicas realizadas com Natividade, quando ele instigava que a condição de sujeito solteiro em uma igreja inclusiva era uma condição indesejada. Passei, então, a estranhar ainda mais a manipulação desses rótulos na produção dos sujeitos. Natividade, ao voltar-se para a compreensão do valor do casamento igualitário em discursos inclusivos, insistia que modelos de homossexualidade centrados no par, estavam no centro do culto. Então, as zonas de marginalidade estavam em outras formas de vivência, sendo as pessoas solteiras, fonte de preocupação adicional.

Posso então verificar que, na convivência cotidiana, relatos sobre tal estado chegam a mim de modos plurais, sendo a categoria “solteiro”, então, uma concepção nativa útil para entender a divisão entre pureza e impureza típica das concepções que se fazem presentes naquele contexto acerca do sagrado, conforme explica Mary Douglas.3

Eu quero discutir um pouco mais nesse texto sobre os processos envolvidos nessa experiência liminar ao retomar algumas hipóteses apresentadas na secção inicial deste trabalho: para chegar aos status de reconhecimento social quais os passos institucionais a serem seguidos? A experiência dos sujeitos implicaria uma ressignificação da homossexualidade? Em que sentidos? Como se produz o ideal do homossexual, inclusivo e cristão?

Uma pista para responder estas questões pode ser apontada em conversas nas quais meus interlocutores sugeriram a necessidade de adotarem, após a conversão, um

3Em seu livro “Pureza e Perigo”, Mary Douglas procura compreender a relação entre pureza e ordem

(14)

comportamento diferenciado em relação ao homossexual considerado por eles “do mundo”. Desta forma, por meio de sua conversão, o fiel gay ou lésbica, deveria colocar em exame toda a sua trajetória anterior ao ingresso em uma igreja inclusiva, sendo incentivado a entender que “está no mundo, mas não pertence ao mundo”.

A IAFL é uma congregação pentecostal e por meio de suas ideias correntes da relação entre bem e mal, oferece uma grade de leitura das experiências nos termos da batalha espiritual (Natividade, 2003). Assim, partindo de uma reflexão teológica, os fieis podem ser instigados a ponderar sobre como certas formas de sociabilidades anteriores, em especial o sexo sem compromisso, poderiam indicar um estado anterior de escravidão. A chegada ao culto inclusivo seria assim uma espécie de libertação do jugo no Egito, no qual o “mundo antigo” já não lhe apraz. Por mundo antigo, entenda-se o que se compreende na moralidade religiosa local como uma vida sexual permissiva, experiências anteriores enquadradas na alcunha de uma vida mundana, libertina.

A prescrição de uma vida santificada (Natividade, 2010) a todos os fiéis faz parte do discurso empregado em muitas congregações inclusivas e, por este motivo, também faz parte do ethos cultivado na Filhos da Luz. Então, seguindo a pista de Natividade (2010), defendo aqui que as pessoas não casadas, se encontram no centro da preocupação pastoral do controle, visto que são elas as mais ‘em perigo’, as mais supostamente suscetíveis à voltar aos vícios mundanos de uma vida anterior, supostamente, vivida “na carne”.

(15)

dos desejos do corpo, sendo “a abstinência sexual”, associada à missão profética das figuras ascéticas (Brow, 1990: 44).

Aproximando essas ideias tradicionais aos relatos que ouvi entre participantes da congregação Filhos da Luz, posso argumentar que um ethos de contenção sexual orienta as práticas dos fiéis e é premente nos discursos pastorais.. Em geral, alguns fieis almejam o desenvolvimento espiritual em consonância com um ordenamento do corpo e dos desejos. É válido ressaltar que a congregação se autointitula “apostólica” e que, segundo seus líderes, todos podem profetizar de acordo com a “vontade de Deus”. Assim, a ênfase na contenção carnal advém de duas frentes: da filosofia paulina e das práticas dos membros nas suas igrejas de origem.

Por oposição a uma “vida na carne” está então a busca da santificação que pode implicar tanto na contenção sexual, conforme apresentado, como na experiência de “Esperar no Senhor”, ambos os instantes vislumbrados como estados liminares que devem ter como meta o ideal do casamento cristão, a partir do encontro de uma pessoa enviada por Deus. A prática do de esperar corresponde a outro modelo de renúncia que implica, dentre outras coisas, também na contenção carnal e/ou abstenção do seu desejo em prol da vontade divina. Assim, é recorrente em ministrações a mensagem de que às pessoas não casadas, Deus enviará uma pessoa de Deus. Para tanto pode ser necessário, “Esperar no Senhor”.

Percebo que esta percepção nativa traduz formas de classificação presentes no culto que implicam modelos nativos de diferenciação dos homossexuais tidos como “do mundo”. O ideal de Esperar no Senhor é envolto na preocupação com a contenção dos desejos da carne. Um exemplo pode ser entendido de forma mais clara a partir da descrição de uma das situações liminares instituída pela congregação, a saber, o chamado período da corte.

(16)

realizá-lo é, ao mesmo tempo, uma forma de santificar-se para Deus e também para o parceiro, possivelmente uma pessoa enviada por Ele.

Apesar da orientação pastoral, o tempo do período da corte é determinado pelos fieis envolvidos e, após a sua vivência salutar, segue o namoro. O sexo continua se mostrando como um perigo iminente à purificação também durante o namoro, e seguirá sob esta mesma lógica nas fases subsequentes do relacionamento (noivado e casamento), pois é apresentado constantemente como um dos atos responsáveis por uma possível “queda” do fiel, caso seja praticado fora da lógica moral cristã. A impossibilidade da queda é consolidada por uma vida em conformidade com a filosofia paulina4 e se materializa, sobretudo, através da separação entre o fiel e o mundo secular. Este separar-me de quem fui separando-me do outro que ainda é deve ser efetivado por meio de uma transformação da percepção acerca do corpo e das subjetividades pautada num cuidado pastoral que prepara o individuo para o inevitável casamento. “Eu amo meus amigos solteiros, mas não sei viver a rotina deles!”, disse um dos fieis ao pedir publicamente em noivado seu companheiro em uma de minhas visitas ao culto de domingo. Logo após o pedido de casamento ser feito, um dos líderes da igreja abraçou o fiel com grande entusiasmo e confessou à congregação que desde os primeiros momentos em que conhecera o rapaz lhe dissera que ele não iria ficar só, que Deus lhe enviaria o amado.

Duas questões podem ser rapidamente vislumbradas a partir da descrição deste momento: observa-se a necessidade clara do fiel em não pertencer ao mundo dos solteiros por muito tempo e o estabelecimento do casamento como destino natural do fiel que realmente crê.

A seguir mostrarei como três membros da IAFL vivenciam seu status de pessoa não casada, em corte e ‘namorando’, construindo sentidos de diferenciação pessoal que evocam uma visão de mundo pentecostal. Mas também como as vontades da carne são satisfeitas parcialmente por alguns deles através de uma compreensão sobre o corpo e a sexualidade atravessada pelo ethos religioso.

***

4

(17)

Por conta da delicadeza com a qual se deram as conversas traçadas com os fieis acerca de suas vidas afetivas e sexuais, decidi apresentá-los aqui por nomes de anjos, a saber, Azazel, Samamel e Uriel. A entrevista semiestruturada com meus interlocutores aconteceu durante o retiro de carnaval que ocorreu em 2017. O momento era propício, pois todos estavam abertos a confissões detalhadas sobre suas vidas em virtude do clima de descontração que pairava na grande casa com longos jardins, piscina e um belo e idílico lago. Tudo cooperava para a criação de um ambiente amoroso e foi sobre amor que conversei com nossas personagens.

O primeiro a ser entrevistado foi Azazel, 27 anos, e que estava na xongregação há cinco meses. Á época, ele havia terminado há poucos dias o namoro com outro fiel da igreja, por conta de atitudes supostamente imaturas do parceiro. Azazel afirmou que antes de se converter definitivamente vivia uma realidade de “promiscuidade” caracterizada por idas a boates, uso de aplicativos de relacionamento e relações sexuais casuais com vários parceiros. Neste período, era adepto do culto ao corpo e usava de sua beleza física para atrair homens nos mais diferentes lugares, especialmente nas boates. Também nesta época, masturbava-se muito e via muita pornografia, chegando a fazer sexo com duas ou três pessoas em um mesmo dia. A entrada para a congregação lhe proporcionou uma reviravolta na sua maneira de ver a si mesmo através da reflexão pessoal sobre o seu “corpo”. Para ele, é preciso ter uma vida à base e semelhança de Deus e, por isso, esforça-se em não aderir mais as práticas do passado, consideradas por ele, hoje, mundanas e opressoras. No período da entrevista, Azazel confessou não mais se masturbar, nem cultuar o corpo, e sim manter hábitos corporais sadios. Segundo ele, “a necessidade da carne passa a não ser tão forte à medida que a pessoa se alimenta do Espírito Santo com ações como a leitura da Bíblia”. Sobre o período da corte, ele confidenciou ter se proposto a passar 90 dias apenas ‘conhecendo’ seu ex-namorado, contudo os desejos do corpo “falaram” alto e eles precisaram reduzir o tempo. Um tanto encabulado, confessou: “A gente quer que termine a corte pra fazer sexo porque em teoria não há sexo na corte”.

(18)

namorado. Para explicar melhor esta relação desprovida de relações sexuais, recorreu ao plano espiritual: “Se é uma pessoa de Deus pra minha vida, Deus vai dar uma pessoa na medida para mim e não mandar uma pessoa afoita para uma pessoa que não é”. O curioso é que, no período da entrevista, ele se encontrava em uma fase que ele mesmo denominou de período de desconstrução: sob os conselhos eclesiásticos de alguns líderes, ele e seu parceiro estavam se preparando para introduzir o sexo na relação. De acordo com Samamel, era muito bonita a ideia de casar virgem, mas estava se abrindo a ideia de fazer sexo para que pudesse conhecer melhor o companheiro antes do casamento. Como uma das justificativas para esta nova fase, ele aludiu ao fato de não serem um casal hetero.

Semelhante ao primeiro interlocutor, Samamel também não assiste mais filmes pornôs (pois estes já lhe foram fontes de “aprisionamento”). Diferente de Azazael, masturba-se sem problema (menos em dia de culto). Contudo, “quer reduzir a masturbação para poder não se decepcionar quando chegar às vias de fato”. Sobre o motivo de não se masturbar em dia de celebração ecumênica, explica: “É uma forma de purificação, de separação”. Ainda falando sobre seu corpo, concluiu a entrevista dizendo: “Meu corpo não é algo material, mas sim um bem precioso. É templo e morada do Espírito Santo. Meu esforço hoje é dar ao meu corpo o significado de cristão”.

Menos cheio de convicções e com as asas inquietas chegou-me Uriel, 27 anos e há pouco mais de um ano na igreja. Em vários momentos da entrevista, deixou claro que o encontro com o evangelho lhe trouxe muitas angustias, dentre elas, aquelas referentes ao corpo e ao sexo. Uriel confessou que, durante muito tempo, sofreu conflitos pessoais ao repensar a questão do sexo e do respeito pelo corpo e que já há algum tempo tentava ter um comportamento diferenciado daquele de quando não conhecia a palavra de Deus. Acompanhando a horda, sentia-se incomodado com a pornografia (por ela ter feito parte de sua vida anterior de forma incisiva) e dizia não mais assistir filmes pornôs (segundo ele, a leitura da Palavra o afastou da prática considerada imprópria para o corpo e para o espírito). A masturbação era outra questão que lhe conferia uma tormenta pessoal, mas confessou que a situação estava melhorando, conforme se aproximava mais da vontade de Deus. No final da entrevista, ao relatar sua entrada cheia de conflitos na Igreja Filhos da Luz, disse que o pior momento vivido nos primeiros meses na congregação foi quando ainda mantinha aquelas coisas de gay do mundo.

(19)

Nagamina (2016) sobre os discursos públicos nas igrejas inclusivas. Neste sentido, o sexo de si (o ato propriamente dito e/ou a masturbação solitária ou em dupla) e o sexo do outro (a pornografia) tornam-se polos dos quais é preciso se distanciar ou se aproximar parcimoniosamente a fim de construir uma diferenciação homossexual configurada, sobretudo, pelo admoestamento da carne; este, em última análise, corresponde a uma domesticação da masculinidade regida principalmente pela recusa à compulsão sexual, própria da socialização masculina. Assim, o caminhar mais moderadamente no que concerne ao sexo incita inevitavelmente ao desejo pelo casamento e um reforço da adesão às moralidades religiosas, operando pela qualificação entre experiências da carne e experiências santificadas, saudáveis e puras.

Conclusão

Colocando em exame os modos de construção da homossexualidade em algumas igrejas inclusivas, este trabalho focalizou os modelos propostos em tais movimentos político-religiosos. Identificou como o casamento igualitário, os ideais de (homo) conjugalidade e família (homoparentalidade) estão no centro do culto. Por outro lado, discutiu como outros modelos periféricos são objeto de regulação por meio das pastorais sexuais.

Partindo dessa análise, problematizamos de quais maneiras tais modelos culturais podem colaborar para organizar subjetividades e sociabilidades ao engendrarem formas de classificação que produzem novas hierarquias sexuais a partir dos modelos de homossexual cristão e homossexual “do mundo”.

O cultivo de um ethos familista nesses contextos opera como mecanismo de diferenciação social que coloca no centro do discurso público o casamento, a homoparentalidade e o afeto, produzindo modos específicos de legitimidade e reconhecimento através da incorporação de uma linguagem do direito ao espaço congregacional e institucional. Tais organizações apresentam-se na esfera pública como atores em disputa para fixar sentidos positivos sobre as sexualidades LGBT ao mesmo tempo em que projetam sobre estes sentidos novas zonas de inclusão e exclusão que devem ser exploradas.

(20)

da homossexualidade conjugal ou que ingressam nos projetos parentais. Os estados liminares estão submetidos, assim, aos processos rituais de santificação e suas passagens, de modo a alcançar reconhecimento social e legitimidade na congregação. Também lançamos um foco de luz sobre os nexos entre sociabilidades laicas e religiosas em contexto como uma destas formas de regulação e cuidado pastoral.

Convém destacar como parte dos resultados aqui discutidos, o enlace entre discursos que apelam aos ideais de igualdade e justiça social aos LGBTs, na sociedade brasileira e na tradição cristã, combinados às reflexões sobre uma homossexualidade cristã e cidadã (Natividade, 2010) na produção de significados específicos em contexto. Para além desta mistura, observamos o modo como a pastoral sexual enseja modelos de sexualidade que ensinam o exame de si e o apartamento dos modos de vida anteriores à adesão ao ethos inclusivo. Como alvo desta experiência de transformação estará o que se configura aqui como uma espécie de destino natural: o casamento, a conjugalidade e a família.

Também observamos como o corpo tem um lugar central na construção do indivíduo, seja pelo expurgar de si toda sorte de associações perturbadoras do “mundo da carne”, seja como lócus do sujeito cuja verdade de si está na sexualidade, constituindo identidades LGBT ditas ‘inclusivas’. Não seguir os desejos individuais, mas buscar tornar-se ‘corpo templo’ compreende parte dos processos de subjetivação implicados nas passagens realizadas pelos fiéis entre mundos sociais complexos.

A transformação de si como uma meta a ser alcançada compreende a reexame de toda a trajetória pregressa e a constituição de outros significados para a homossexualidade, onde se combinam os valores da socialização religiosa de origem (evangélica ou católica), os aprendizados morais da carreira afetivo-sexual e o ethos religioso inclusivo, com seus apelos à construção de si como um homossexual santificado (Natividade, 2010). No enlace entre batalha espiritual, o ethos protestante e a luta por reconhecimento social se tecem novos sentidos de si, conforme sugerem as trajetórias de boa parte de nossos interlocutores, amparadas na valorização da contenção sexual e da plenitude de si pela via do casamento e da formação de vida familiar.

(21)

Assim, se muitas vezes não se fala abertamente sobre os movimentos por direitos LGBTs, há por outro lado uma movimentação homossexual que clama por estes direitos, enlaçados aos valores cultivados nas comunidades locais.

É claro que essa comunicação não pretende abarcar a experiência de todos os sujeitos engajados nas congregações inclusivas, mas assinalar algumas das recorrências sociológicas encontradas. Esperamos, assim, colaborar para uma melhor compreensão dos modos de construção de si que conectam religião, valores, cristianismos e homossexualidade.

Referências bibliográficas

BIRMAN, Patrícia. Cultos de possessão e pentecostalismo no Brasil: passagens. Rio de Janeiro, Revista Religião & Sociedade 17/1-2, 1996.

BROWN, Peter. Corpo e Sociedade: o homem, a mulher e a renúncia sexual no início do cristianismo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1990.

DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo: ensaio sobre a noção de poluição e tabu. Rio de Janeiro, Editora 70, 1991.

FEITOSA, Alexandre. Conhecimento e graça: lições bíblicas. Introdução à teologia inclusiva. Bíblia e homoafetividade. Brasília: Editora Oásis, 2014.

______. O prêmio do amor. Uma abordagem cristã do sexo nas relações homoafetivas. Brasília: Ed. do autor, 2011.

MELLO, Luiz. Novas famílias. Conjugalidade homossexual no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: RJ, Garamond, 2005.

MALINOWKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia. São Paulo, Abril Cultural, 1978.

MAUSS, Marcel. “As técnicas do corpo”. In: Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac &Naify, 2003.

NATIVIDADE, Marcelo. Dançar e cantar para Jesus: sexo, gênero e religião em igrejas evangélicas inclusivas. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro: UERJ/ISER, 2017.

_____. Uma homossexualidade santificada? Religião e Sociedade.n.2, vol.30. Rio de Janeiro: UERJ/ISER, 2010.

_____. Carreiras homossexuais no contexto do pentecostalismo. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro: UERJ/ISER, n.1, vol 23. 2003.

SCHECHNER, Rcihard. O que é performance? In: Performance studies: anintroduccion, second edition. New York & London: Routlede, 2006.

TURNER, Victor W. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. Petrópolis, Vozes, 1974.

TURNER, Victor. Liminal ao liminoide: em brincadeira, fluxo e ritual: um ensaio de simbologia comparative. In: Mediações, Londrina, v. 17, n. 2, p. 214-257, Jul/Dez, 2012.

Referências

Documentos relacionados

Como o objetivo principal deste trabalho é analisar sites existentes de IES’s no que concerne à transparência de software, foi necessário adaptar o checkTrans para

b) transferência para o Saldo de Conta Participante, previsto no inciso I do artigo 100, dos valores relativos as contribuições, jóia e taxa de reingresso recolhidos após o cálculo

Uso do preservativo na primeira e na última relação sexual, segundo indicadores de controle e violência do parceiro, entre adolescentes e mulheres jovens entre 15 e 24 anos de

c) Quais os artigos publicados que estudaram conjuntamente a relação entre as práticas de GSCM e as pressões para sua adoção; e entre as práticas de GSCM e

Na associação entre as variáveis verificamos que a posição do distribuidor já não se apresenta como um problema de adaptação funcional, em função da posição de partida,

Dentre as principais conclusões tiradas deste trabalho, destacam-se: a seqüência de mobilidade obtida para os metais pesados estudados: Mn2+>Zn2+>Cd2+>Cu2+>Pb2+>Cr3+; apesar dos

O presente trabalho foi desenvolvido objetivando inventariar um fragmento florestal e indicar espécies arbóreas para a recuperação das áreas de reserva legal e

Inicialmente é descrita uma breve revisão da literatura que trata sobre o comportamento da demanda do produto imobiliário, abrangendo os processos que retratam a