• Nenhum resultado encontrado

ANÁLISE DA PRIMEIRA FASE DA OBRA DO CINEASTA ESPANHOL

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "ANÁLISE DA PRIMEIRA FASE DA OBRA DO CINEASTA ESPANHOL"

Copied!
121
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ROSANA SILVA PORTELA

A MICROPOLÍTICA DO DESEJO NO CINEMA DE

PEDRO ALMODÓVAR

ANÁLISE DA PRIMEIRA FASE DA OBRA DO CINEASTA ESPANHOL

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

(2)

ROSANA SILVA PORTELA

A MICROPOLÍTICA DO DESEJO NO CINEMA DE

PEDRO ALMODÓVAR

ANÁLISE DA PRIMEIRA FASE DA OBRA DO CINEASTA ESPANHOL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob a orientação do Prof. Doutor Rogério da Costa.

(3)
(4)

eletrônicos.

Assinatura_________________________________________________

Data: 12/12/2011

e-mail. rosana.portela@uol.com.br

P843

Portela, Rosana Silva.

A micropolítica do desejo no cinema de Pedro Almodóvar: análise da primeira fase da obra do cineasta espanhol / Rosana Silva Portela. - São Paulo: s.n., 2011.

121 p.; il. color; 30 cm.

Referências: 103-110

Orientador: Prof. Dr. Rogério da Costa. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós- Graduação em Comunicação e Semiótica, 2011.

1. Almodóvar, Pedro -- 1951- -- Crítica e interpretação. 2. Almodóvar, Pedro -- 1951- -- Contribuições em micropolítica. 3. Cinema espanhol. I. Costa, Rogério da. II. Título

CDD 791.430946

 

(5)

 

      Banca Examinadora

               ____________________________________________ 

Prof. Dr. Rogério da Costa – PUC-SP

 

____________________________________________  Prof. Dr. Amálio Pinheiro – PUC-SP

  ____________________________________________  Prof. Dr. João Eduardo Hidalgo - UNESP

 

(6)

Na voz de uma mulher sagrada  

Vaca profana, põe teus cornos  

Pra fora e acima da manada    

Êê dona das divinas tetas  

Derrama o leite bom na minha cara  

E o leite mau na cara dos caretas    

Segue a Movida Madrileña  

Também te mata Barcelona  

Napoli, Pino, Pi, Pau, punks   Picassos movem‐se por Londres  

Bahia onipresentemente  

Rio e belíssimo horizonte    

Quero que pinte um amor Bethânia  

Steve Wonder, andaluz  

Como o que tive em Tel Aviv  

Perto do mar, longe da cruz  

Mas em composição cubista  

Meu mundo Thelonius Monk’s blues    

Sou tímido e espalhafatoso  

Torre traçada por Gaudi  

São Paulo é como o mundo todo  

No mundo um grande amor perdi  

Caretas de Paris, New York  

Sem mágoas estamos aí    

Mas eu também sei ser careta  

De perto ninguém é normal  

Às vezes segue em linha reta   A vida, que é meu bem, meu mal   No mais as ramblas do planeta  

Orchata de chufa si us plau    

Êê deusa de assombrosas tetas  

Gota de leite bom na minha cara  

Chuva do mesmo bom sobre os caretas   

(VACA PROFANA ‐ CAETANO VELOSO) 

 

(7)

                                 

   

Dedico este trabalho ao meu pai, minha mãe, meu irmão, à 

(8)

Agradeço a Deus, pois só Ele e eu sabemos tudo o que tive de passar, mudar e acreditar para chegar até aqui. Valeu a pena e a cada dia continuo acreditando que é possível concretizar muitos sonhos!

À Luz Divina e ao meu querido Pai João que sempre me acalmam!

Ao meu orientador Rogério da Costa pela orientação e pelas inspiradoras aulas.

Ao João Eduardo Hidalgo pelos cursos sobre Almodóvar e pela atenção, carinho e competência dedicados a essa pesquisa.

Aos professores Amálio Pinheiro e Arlindo Machado pelas valiosas contribuições na qualificação e por acreditarem na concretização dessa pesquisa.

Aos professores do Programa de Comunicação e Semiótica, Ana Cláudia Mei, Lúcia Santaella e Norval Baitello, pelas brilhantes aulas.

À Cida Bueno, secretaria do Programa de Comunicação e Semiótica, obrigada por tudo!

À bibliotecária Carmen Prates Valls pela amizade, por me ensinar tanto todos os dias e principalmente, por contribuir de forma direta com essa pesquisa, com seus valiosos e sábios comentários.

À bibliotecária Marlene Aparecida de Souza Cardoso. Obrigada pela amizade, pela ajuda de todos os dias e pelas sugestões e contribuições a esse trabalho. Muito obrigada!

À bibliotecária Ana Maria Rapassi, pela amizade e força que sempre me deu!

À bibliotecária Lúcia Pereira por sempre me incentivar!

Ao bibliotecário Maurício Alves Rodrigues pelas conversas almodovarianas.

Ao bibliotecário Roberto Gava por me ouvir falar de Almodóvar todos os dias na hora do almoço. Obrigada pela paciência!

Agradeço a todos os meus amigos da Biblioteca Nadir Gouvêa Kfouri, minha segunda família!

À minha amiga, anjo da guarda e principal intercessora deste trabalho Luciana de Cássia Vasconcelos, obrigada por tudo, sempre!

À Rosangela Ponce por nuestras charlas! Gracias

Ao Blas González Belmonte por la ayuda y por las sugerencias! Gracias

(9)

À Pary e Leonardo pela edição dos filmes!

À Synthia, Helen, Sylvio, Luciana Maria, Giuliana, Camila e Rose, obrigada pela amizade e pelo incentivo!

Ao Delzimar Pereira (em itálico, negrito e letras maiúsculas)

Aos amigos que fiz ao longo desse curso: Pedro, Silvia, Cecília, Giovani, Adalberto, Gustavo e Ideílson. Obrigada!

Ao meu amigo Fernando que certamente, onde estiver, tenho certeza de que está vibrando com esse trabalho.

Agradeço ao meu pai, que já salvou minha vida, à minha mãe pelo carinho e sabedoria com que sempre apontou meu lápis, ao meu irmão a quem admiro tanto, à Patinha que sempre me deu força e ao Lucas e à Érica a quem amo tanto! Obrigada.

Agradeço à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo que me proporcionou a realização deste sonho! Obrigada!

(10)

análise da primeira fase da obra do cineasta espanhol. 2011. 121 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011. 

RESUMO

O objetivo dessa pesquisa é observar de que maneira o cineasta espanhol Pedro Almodóvar utiliza, em suas primeiras produções, estruturas micropolíticas no plano da forma e do conteúdo, como uma diferente maneira de leitura da realidade, no sentido de romper com a herança deixada pelo general Francisco Franco que tinha como base a tríade Família-Estado-Igreja. Para analisar a hipótese estabelecida se de fato Almodóvar é apolítico, ou se as estruturas micropolíticas utilizadas em seus filmes nos dizem o contrário, pretendemos desenvolver uma leitura de alguns de seus trabalhos nos quais se destacam a maneira como ele entende não apenas a política e a moral dominantes de seu tempo, mas também como consegue nos mostrar a atividade frenética dos inúmeros sentimentos subterrâneos da subjetividade do povo espanhol e, por que não, de toda a nossa cultura. A análise da hipótese nos leva ao estudo do conceito de micropolítica, assim como a leitura que o cineasta processa dos movimentos afetivos dessa cultura que constitui sua micropolítica, ou seja, a maneira como Almodóvar consegue “ler” esses movimentos afetivos, que promovem incessantemente o questionamento dos valores pré-determinados e, por isso, muitas vezes, reprimidos. Podemos observar essa dinâmica principalmente em seus primeiros filmes, como Laberinto de Pasiones (1982) e Qué He hecho yo para merecer esto (1984). Para subsidiar as análises dos filmes, utilizaremos os conceitos de produção de subjetividade e de micropolítica, elucidados por Gilles Deleuze, Félix Guatarri e Suely Rolnik. A metodologia empregada na pesquisa foi elaborada com o levantamento de bibliografia sobre o cineasta. Dentre os autores, estão María Antonia García de León, Teresa Maldonado, Frederic Strauss, Jordi Puigdomenech e outros, além de obras que se referem aos conceitos utilizados e obras que entrecruzam as leituras propostas.

(11)

Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011. 

ABSTRACT

This research’s objective is to observe in what ways the Spanish moviemaker Pedro Almodóvar uses – in his early productions – micropolitics’ structures on the expression and content plans as a different form for reading reality – in the sense of breaking up with the legacy left by the general Francisco Franco that had as a basis the triad Family-State-Church. In order to analyze the established hypothesis of Almodóvar being – as a matter of fact apolitical, or if the micropolitical structures used in his movies tell us the opposite – we intend to develop a reading of some of his works in which is outlined the manner as he understands not only politics and ethics that ruled his time, but also how he can show us the frenetic activity of countless underground feelings of the Spanish people’s subjectivity and – why not – from our entire culture. The hypothesis’ analysis leads us to the study of micropolitics concept as well as the reading that the moviemaker conducts about the affective movements of this culture that builds his micropolitics – that is – the way that Almodóvar makes himself able to “read” these affective movements that unceasingly promote the questioning of actual values – and therefore – oppressed ones. We can observe this dynamic mainly in his first movies like Laberinto de Pasiones (1982) and Qué He hecho yo para merecer esto (1984). In oder to subsidize the movie’s analysis we will use the concepts of subjectivity production and micropolitics elucidated by Gilles Deleuze, Félix Guatarri and Suely Rolnik. The methodology applied to the research was elaborated through the bibliographic study about the moviemaker – among them - María Antonia García de León, Teresa Maldonado, Frederic Strauss, Jordi Puigdomenech and others, besides other works that refer to the concepts used and works that intercross the proposed readings.

(12)

em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011. 

RESUMEN

El objetivo de esta investigación es observar de qué modo el director de cine español Pedro Almodóvar utiliza, en sus primeras producciones, estructuras micropolíticas en el plano de la expresión y del contenido, como una manera diferente de lectura de la realidad, al romper con la herencia dejada por el general Francisco Franco que tenía como base la tríada Familia-Estado-Iglesia. Para analizar la hipótesis de que si de hecho Almodóvar es apolítico, o si las estructuras micropolíticas utilizadas en sus películas nos dicen lo contrario, pretendemos desarrollar una lectura de algunos de sus trabajos en los cuales se destacan el modo como él entiende no solo la política y la moral dominantes de su tiempo, sino también como logra mostrarnos la actividad frenética de los innumerables sentimientos subterráneos de la subjetividad del pueblo español y, por qué no decirlo, de toda nuestra cultura. El análisis de la hipótesis nos conduce al estudio del concepto de micropolítica, así como las lecturas que el cineasta procesa de los movimientos afectivos de esa cultura que constituye su micropolítica, o sea, el modo como Almodóvar consigue “leer” esos movimientos afectivos que promueven incesantemente el cuestionamiento de los valores predeterminados y por eso, muchas veces, reprimidos. Podemos observar esa dinámica principalmente en sus primeras películas, como Laberinto de Pasiones (1982) y ¿Qué he hecho yo para merecer esto? (1984). Para subsidiar los análisis de las películas, utilizaremos los conceptos de producción de subjetividad y de micropolítica elucidados por Gilles Deleuze, Félix Guatarri y Suely Rolnik. La metodología empleada en la investigación fue elaborada con el levantamiento de la bibliografía sobre el cineasta, entre otros en los trabajos de María Antonia García de León, Teresa Maldonado, Frederic Strauss, Jordi Puigdomenech y otros, además de obras que se refieren a los conceptos utilizados y de otras que entrecruzan las lecturas propuestas.

(13)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS... 14

CAPITULO I - CINEMA ESPANHOL... 18

1 O ESTADO DA ARTE... 18

2 O CINEMA NO REGIME DE FRANCISCO FRANCO... 25

3 TRANSIÇÃO ESPANHOLA... 36

4 PEDRO ALMODÓVAR – BREVE BIOGRAFIA... 45

CAPITULO II - CONTEXTO E INTERCESSORES... 53

1 MOVIDA MADRILEÑA... 53

2 OS INTERCESSORES DE ALMODÓVAR... 61

3 O CINEMA COMO INTERCESSOR DIRETO... 67

CAPITULO III – MICROPOLÍTICA... 75

1 A MICROPOLÍTICA EM ALMODÓVAR... 75

2 A REVOLUÇÃO DO DESEJO: ANÁLISE DE FILMES... 83

2.1 PEPI, LUCI, BOM E OTRAS CHICAS DEL MONTÓN……….………… 83

2.2 LABERINTO DE PASIONES……… 87

2.3 ENTRE TINIEBLAS……… 91

2.4 QUE HE HECHO YO PARA MERECER ESO……….……… 95

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 101

REFERÊNCIAS... 103

FILMOGRAFIA... 111

ANEXO 1 FILMOGRAFIA DE PEDRO ALMODÓVAR... 115

ANEXO 2 CARTAZES DOS FILMES... 117

(14)

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O cinema é um meio audiovisual de comunicação de massa que tem como uma de

suas finalidades a discussão, reflexão e representação da existência humana em determinada

época e espaço. De acordo com Jean-Luc Godard é a verdade 24 quadros por segundo. Já para

Deleuze in Vasconcelos (2006, 49) “a verdade do cinema não está na história de seus filmes,

mas na riqueza criativa de seus criadores, inventores de signos e imagens”. O fato é que o

cinema nos proporciona muitas experiências, desde a diversão, emoção até o conhecimento de

sociedades e culturas. Ao procurar entender e conhecer um pouco mais sobre a Espanha

pensamos que o cinema seria a forma que mais contemplaria esse desejo e o diretor

cinematográfico escolhido para essa empresa foi Pedro Almodóvar Caballero, com seu

cinema colorido, exagerado, esperpêntico e barroco. Muitos estudos evidenciam a fase mais

madura do cineasta, principalmente a partir do filme Mulheres à beira de um ataque de

nervos. A partir dessa produção o cineasta já havia alcançado certo prestígio, talvez porque

houvesse aprimorado mais a sua técnica ou porque, com a indicação de prêmios, a crítica

local começasse a prestar um pouco mais de atenção ao seu cinema. Decidimos então,

investigar o que ele produziu no começo de sua carreira por se tratar de um período que

coincidia com o fim do franquismo, protagonizado pelo general Francisco Franco por quase

quarenta anos. Os primeiros filmes do diretor foram alvos de crítica e ele foi chamado de

apolítico porque aparentemente em nenhum deles combatia o regime do ditador. Para verificar

a hipótese levantada de que ele não era apolítico, analisamos as quatro primeiras produções do

cineasta: Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón (1980); Laberinto de Pasiones (1982);

Entre tinieblas (1983) e ¿Qué he hecho yo para merecer esto? (1984).

O cineasta é objeto de vários estudos em várias partes do mundo. Depois de uma

(15)

micropolítica empregada pelo cineasta considerando que esse campo foi pouco explorado

pelos seus estudiosos. Dessa forma, pensamos como poderíamos dar continuidade aos estudos

sobre o cineasta lançando um olhar sobre sua obra no sentido de desvendar como o cineasta

entende não apenas a política, a moral e a cultura dominantes de seu tempo, mas como

consegue nos mostrar a atividade pulsante dos sentimentos subterrâneos da subjetividade do

povo espanhol, constituindo assim a sua micropolítica.

Nesse sentido, nos parece que o que se entende por política, alude somente às

estruturas macropolíticas, nesse caso, a leitura da realidade através do viés político do regime

ditatorial de Francisco Franco, herdado pelos espanhóis durante a transição democrática.

Durante esse último período, a passagem do regime ditatorial para a transição

democrática, o que se via, primordialmente no cinema, era o reflexo social e político dos anos

em que Franco esteve no poder. A política e o sexo era um dos elementos mais abordados

durante o período da transição. Alguns cineastas como Pedro Almodóvar também

desconsideravam as estruturas macropolíticas, como o cineasta Mariano Ozores com o filme

El apolítico (1977), entretanto o que diferenciava Almodóvar dos outros cineastas era a

incessante forma de questionamentos da realidade, que exigiu coragem, criatividade e

principalmente sensibilidade durante as suas primeiras produções. Muitas vezes nos

esquecemos que a micropolitica reativa, como forma de conservação de valores está instituída

até hoje em nossas ações cotidianas, como exemplo disso podemos citar as questões homo

fóbicas, a questão dos imigrantes, a questão do racismo e outras que estão desvinculadas de

sistemas organizados macro politicamente, mas que estão cada vez mais presentes em muitas

sociedades. Parece-nos aqui, que fatores de longa data estão impressos em nossos corpos e

mentes de maneira a atuar como se estivéssemos vivendo de fato regimes macropolíticos que

(16)

Com essa pesquisa, pretendemos observar de que maneira o cineasta Pedro Almodóvar

se desvencilha da macropolítica reacionária, nesse caso, o fascismo promovido por Francisco

Franco e utiliza em seus filmes estruturas micropoliticas ativas (ou do desejo) no plano da

forma e do conteúdo no sentido de um rompimento com a forma vigente de se fazer cinema

que na época da transição democrática, basicamente, era a recorrência a temas que aludiam ao

fascismo, ainda que contestando o regime.

Uma linha do cinema espanhol da época era o reflexo da situação política e social

vivida na época da transição democrática com fortes alusões ao regime de Franco. Havia

também outro segmento, de menor expressão, que tentava se afastar da continuidade de

representação do que ocorreu durante o fascismo. O pano de fundo para as primeiras

produções do cineasta foi a Movida Madrileña, um movimento contracultural e de renovação

das artes, que revelou uma nova geração de artistas e que foi representado por vários

segmentos artísticos: música, literatura, teatro, moda, fotografia, artes plásticas, quadrinhos,

cinema e outros. O maior expoente cinematográfico deste movimento foi o cineasta Pedro

Almodóvar que através de uma linguagem irreverente, criou outros padrões estéticos no

cinema espanhol, ou seja, reinventou a maneira de fazer cinema e percebeu a realidade

espanhola de forma diferente.

Esse movimento significou o renascimento da cultura espanhola dentro de uma

sociedade que até então era marcada por escassas manifestações artísticas e por uma

linguagem cinematográfica metaforizada, embora nesse segmento, muito bem representado

por cineastas como Luís Buñuel e Carlos Saura.

Apesar da inauguração de uma nova estética, agora muito mais livre, muitos críticos

do afirmam que Pedro Almodóvar é um cineasta apolítico e que em seus filmes nada é dito ou

(17)

O regime autoritário imposto por Franco durante os anos de poder queria esconder a

cultura e os valores artísticos do país e queria que saltasse aos olhos valores morais, familiares

e religiosos. Mesmo com a morte do general nos parece que um segmento da sociedade queria

resguardar alguns valores morais da época prejulgando todo o movimento da Movida

Madrileña e acusando o mesmo de vazio e sem conteúdo algum. Contraditoriamente, outro

segmento da sociedade que não estava de acordo com o regime franquista também acusava a

Movida Madrileña e principalmente no que nos diz respeito a essa pesquisa, acusava o cinema

de Pedro Almodóvar, de um cinema apolítico, vazio de conteúdo e alheio à quase quarenta

anos de ditadura.

A principal hipótese dessa pesquisa é analisar se, de fato, o cineasta Pedro Almodóvar

é apolítico, como insiste um segmento da crítica cinematográfica espanhola ou se a

observação micropolítica ativa e reativa retratada em seus filmes revela o contrário. A

dissertação está organizada em três capítulos. O primeiro compõe as pesquisas compiladas

sobre o diretor e refere-se ao cinema praticado na época do franquismo e da Transição

Espanhola. Além de uma pequena biografia sobre o diretor. O segundo capítulo menciona o

contexto em que o cineasta despontou intitulado Movida Madrileña e os intercessores

cinematográficos utilizados pelo diretor como forma de rompimento do discurso identitário. O

terceiro capítulo discorre sobre o conceito de micropolítica e analisa as obras propostas para

(18)

CAPITULO I - CINEMA ESPANHOL

1 O ESTADO DA ARTE

Muitos são os estudos realizados sobre o cineasta espanhol Pedro Almodóvar em todo

o mundo. São inúmeros os livros publicados pela crítica especializada espanhola, francesa,

americana, italiana, dentre outras. Alguns desses livros, contrários ao cinema de Almodóvar,

principalmente os publicados por um segmento da crítica local no começo de sua carreira,

afirmam que ele é um cineasta apolítico, ou seja, não teve comprometimento depois de a

Espanha enfrentar quase quarenta anos de ditadura. Conforme afirma o professor da

Universidade de Barcelona e membro da Academia de las Artes y la Ciencia Cinematográica

de España – Goya, José Maria Caparrós1:

Para ele não interessa o político. Mas é até melhor que não fale de política porque não sabe. Os outros cineastas consagrados fizeram política. Almodóvar nunca entrou nesse tema. Sempre esteve no seu mundo e no intimismo. A esquerda não o perdoa por não ter tomado posição frente ao sistema ditatorial de Franco e dizer que sua vingança a Franco é não falar de política, é uma falta de compromisso, como Pilatos. Para os comprometidos isso soa como covardia, uma desculpa. (SANTANA, 2007, p. 280).

Entretanto, nem toda a crítica espanhola condena o cineasta e afirma esse apolitismo.

Seminários, artigos em revistas especializadas, entrevistas, artigos de jornais, teses de

doutorado, dissertações de mestrado são frequentemente escritos sobre o diretor e, se a crítica

é a favor ou contra, o fato é que ele não passa despercebido do cenário cinematográfico

mundial.

      

1 CAPARRÓS, José Maria. Depoimento sobre Pedro Almodóvar concedido ao entrevistador Gilmar Santana em

(19)

Nuria Vidal, jornalista, integrante do Festival de Cinema de San Sebastián (um dos

mais importantes festivais de cinema da Espanha) e colaboradora da Revista Cinematográfica

Fotograma, foi uma das primeiras pessoas a escrever sobre Almodóvar. Um dos primeiros

livros dedicados a ele foi El cine de Pedro Almodóvar, publicado em Madri em 1988 pelo

Instituto de la Cinematografía y Artes Audiovisuales, livro este que compôs um dos volumes

da coleção de cineastas contemporâneos da Espanha. Em entrevista a Gilmar Santana, a

jornalista declarou os principais motivos que a levou a estudar Almodóvar:

Interessei-me em escrever sobre Almodóvar primeiro porque me divertia muito seu cinema e segundo porque a crítica na Espanha sobre ele era muito negativa. No resto do mundo quase não o conheciam, talvez só Entre Tinieblas y Qué he hecho yo para merecer esto. Falava da realidade espanhola de uma maneira muito engraçada. Não era um diretor muito considerado. A crítica ortodoxa não tinha e não tem demasiado carinho por ele em razão de suas abordagens. Pedro fala da cotidianidade e nela está a droga, a homossexualidade, isso faz parte da cultura espanhola de maneira mais explícita ou oculta e Pedro falava na transição, quando tudo estava em ritmo de liberdade. (SANTANA, 2007, p. 283)

Outra importante obra foi Pedro Almodóvar : la otra España cañi, publicação de 1989

de autoria de María Antonia García de León e Teresa Maldonado. O livro foi escrito em duas

partes: na primeira foi realizada uma análise sociológica e na segunda, uma crítica

cinematográfica. Esse livro aborda as produções do diretor, principalmente através das críticas

publicadas sobre ele, seja nos meios impressos ou eletrônicos. Por meio de uma seleção de

publicações, traça um perfil do cineasta desde a sua infância até as suas últimas produções,

compreendias até o ano de 1989, época em que o livro foi escrito.

O Primeiro Congresso Internacional sobre Almodóvar foi realizado de 26 a 29 de

novembro de 2003, em Cuenca – Espanha, e foi dividido em quatro painéis. Nesse congresso,

especialistas em cinema e teoria da comunicação discutiram a influência que o cineasta teve

principalmente na estética cinematográfica. Francisco Zurian, professor de Comunicação

(20)

audiovisuais e no cinema de Almodóvar, presidiu o evento. Frederic Strauss, na época redator

chefe da revista Cahiers du Cinema, dirigiu o painel El Universo Cinematográfico de Pedro

Almodóvar; o professor da Universidade Autónoma de Barcelona, Roman Gubern, foi o

responsável pelo painel Historia y cine : Almodóvar y el cine español; Paul Smith, professor

da Universidade de Cambridge, coordenou o painel Ética y estética del cine en la obra de

Pedro Almodóvar e Marsha Kinder, professora da Universidade Southern da California,

dirigiu o painel Sociedad, cultura y género en Pedro Almodóvar. O diretor do Congresso

afirmou em entrevista concedida ao jornal El País de 14.03.2003 que:

Se han hecho muchas tesis sobre Almodóvar y muchas más se van a leer. Interesa desde Nueva York a Cambridge pasando por Florencia. Es curioso que un cine que parece tan localista sea tan universal. Este primer congreso es una puesta al día. Es como un travelín con la cámara desde su primera película hasta ahora. Algo muy general para luego, dentro de uno o dos anos, concretar más.

De acordo com Jean-Claude Seguin (SANTANA, 2007 p. 270), a participação

espanhola nesse congresso foi pequena: houve a presença de um único espanhol. Participaram

italianos, franceses e representantes de outros países. Depois do evento, as atas foram

publicados num total de 530 páginas e nelas estão todas as discussões, palestras e estudos

apresentados.

Almodóvar foi nomeado doutor honoris causa pela Universidade de Castilha-La

Mancha em 2000, instituição esta, sede do Congresso juntamente com a produtora El Deseo

do próprio diretor.

No Brasil, foram realizados estudos sobre desenvolvidos em dissertações de mestrado

e teses de doutorado em importantes universidades brasileiras, além de artigos, resenhas e

entrevistas também em conceituadas revistas especializadas em cinema, comunicação e

(21)

Uma das primeiras dissertações brasileiras sobre o cinema do espanhol foi “O

espetáculo do grotesco nos filmes de Pedro Almodóvar”, defendida em 1997 por Gabriela

Borges da Silva Martins, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, no

curso de Comunicação e Semiótica. Esse estudo pretendeu observar a obra do cineasta sob

dois aspectos: o uso da metalinguagem e a intersemioticidade de outras linguagens na

cinematografia do diretor.

Os elementos abordados nos estudos sobre Almodóvar são de ordem estética,

filosófica, psicológica, sociológica, política, entre outros e, dada a riqueza de suas obras,

oferecem inúmeros elementos para diversas análises.

Não é tarefa fácil catalogar todos os estudos referentes a este importante cineasta da

cultura espanhola e do cinema em geral. No entanto, acreditamos que seja essencial citar esses

primeiros trabalhos para afirmar a importância de um cineasta que continua a produzir filmes,

talvez mantendo o conteúdo, mas sempre inovando na forma de produzi-los. Seu último filme,

La piel que habito (2011), deverá estrear no Brasil em novembro do corrente ano.

Um dos capítulos da tese de doutorado de Gilmar Santana (2007), defendida na USP,

Departamento de Sociologia, nos despertou a atenção sobre o que a crítica espanhola pensava

a respeito desse cineasta que inquieta e agrada a pessoas de todo o mundo, principalmente aos

franceses, e como poderíamos dar continuidade aos estudos sobre ele. Dessa maneira, nos

propusemos a lançar um olhar sobre a micropolítica realizada pelo diretor como outra forma

de leitura da realidade na sociedade pós-franquista – onde a presença de diferentes formas de

vida se fazia necessária – tanto no eixo do conteúdo como da forma.

Compilando o material para o desenvolvimento do estudo em questão, percebemos

que vários aspectos são estudados em sua obra. A imagem do feminino, a temática da

(22)

construção estética através das cores, dos elementos culturais, as outras mídias presentes em

seus filmes, enfim, muitos elementos importantes e carentes de análises, mas que de certa

maneira, não evidenciam a construção de sua subjetividade para a produção de seu cinema,

além de não desenvolverem uma leitura de como o cineasta rompeu com a tradição

cinematográfica vigente, desenvolvida na época do ditador espanhol Francisco Franco, onde,

mesmo na transição espanhola, o que ainda imperava era o cinema de cunho político,

considerado um cinema culturalmente aceito.

A maior parte dos estudos dedicados ao cineasta faz referências posteriores ao início

de suas produções. Pensamos que isso ocorra porque essas produções eram filmadas com

baixo orçamento e não tinham uma linguagem cinematográfica desenvolvida. Do nosso ponto

de vista, também contribui o fato de que essas obras escancaravam uma sociedade que muitas

vezes parecia não ter importância e, como tal, não era digna de ser mostrada nas telas. Eram

as minorias que se pronunciavam nos filmes. Além disso, os códigos utilizados em seu

cinema, não estavam ligados a uma predominância cultural. Para muitos especialistas no

assunto, o diretor tinha a obrigação de citar estruturas de ordem macropolítica, mencionar o

Estado, falar do regime ditatorial de Franco, criticando o mesmo. Para uma parte da

sociedade, não é possível falar de política, sem citar as macroestruturas e nesse caso, a

ditadura franquista. As primeiras produções do cineasta eram marcadas pela comédia e pelo

riso, entretanto mostravam que algo sério ocorria na sociedade. Como se relacionar com uma

nova sociedade, onde as minorias foram sufocadas durante tanto tempo pelo regime fascista?

O filme ¿Qué he hecho yo para merecer eso? (Qué he hecho...) (1984) é um bom exemplo de

que algo sério pode ser mostrado através do humor. Os problemas econômicos do

pós-franquismo e o fascismo encarnado no chefe de família são alguns elementos que o cineasta

aborda neste filme. Embora, nessa obra, ele utilizasse a estética do neorrealismo, o humor

(23)

Foucault, em um artigo apresentado nos Cadernos de Subjetividade e referindo-se ao livro Anti-Édipo de Deleuze, como uma introdução à vida não fascista, concorda que:

[...] só há humor e jogo ali onde entrando algo de essencial se passa, algo que é da maior seriedade: o banimento de todas as formas de fascismo, desde aquelas, colossais, que nos envolvem e nos esmagam, até as formas miúdas que fazem a amarga tirania de nossas vidas cotidianas. (FOUCAULT, 1996, p. 200)

Pepi, Luci, Boom y otras chicas del montón (Pepi…) (1980), sua primeira produção, e

Laberinto de Pasiones (1982), seu próximo longa-metragem, foram concebidos dentro de um

período que surgiu após a morte de Franco, e consequentemente, dentro da transição

espanhola. Essas produções foram criadas, mais precisamente dentro de um movimento

denominado Movida Madrileña, movimento este em que a liberdade de expressão estava

presente não só na arte cinematográfica, como em todos os outros segmentos artísticos.

O período da transição, como observaremos no primeiro capítulo, era marcado por

filmes de conteúdo político e de conteúdo erótico, também conhecido como El destape. Os

primeiros predominavam como algo realmente importante para esse período, conforme

observações de alguns críticos.

Maria Antonia García de León (SANTANA, 2007 p. 275), divide a produção

cinematográfica do cineasta em fases, ela o classifica em quatro Almodóvares e compreende a

primeira fase desde Pepi... (1980) até o filme Qué he hecho… (1984).

De todas as formas, pensamos que essa primeira fase seja um material importante para

a análise de nosso objeto de estudo – a micropolítica nos filmes de Almodóvar, porque a

prática cinematográfica vigente até então era totalmente diferente da época de Franco.

Convém recordar que antes de Pedro Almodóvar, cineastas como Vicente Aranda, com o

filme Cambio de Sexo (1977) e Eloy de la Iglesia, com o filme El diputado (1978), já

(24)

sociedade que saiam de um regime fascista de quase quarenta anos tinham a tácita obrigação

de fazer arte sempre com menção à oposição ao franquismo (curiosamente, alguns faziam

menção a favor). Neste contexto, eram poucos os cineastas que escapavam dessa linearidade

cinematográfica. Souza e Beldarráin, no artigo intitulado El discurso sobre el cine de

Almodóvar en la España de los años ochenta, enfatizam que:

La estética cinematográfica de Almodóvar inicial podría ser definida como un esfuerzo de innovación a partir del enfoque de universos subjetivos minoritarios, tales como personajes extravagantes, mujeres en emancipación, homosexuales asumidos, inmigrantes rurales inadaptados. Dichos personajes fueron presentados como protagonistas de historias en las cuales el deseo y sus incontrolables consecuencias chocaban con universos mayoritarios. (SOUZA; BELDARRÁIN, 2006, p. 209)

Nesse sentido, essas primeiras produções eram vistas como atípicas para o período.

Movimentos culturais como a Movida Madrileña, que contextualizavam essas primeiras

produções, escapavam a um pensamento binário de reprodução. Para Deleuze e Guatarri:

[...] os profundos movimentos que agitam uma sociedade se apresentam, assim, ainda que seja necessariamente, “representados” como um afrontamento de segmentos molares. [...] do ponto de vista da micropolítica, uma sociedade se define por linhas de fuga, que são moleculares. Sempre vaza ou foge alguma coisa, que escapa às organizações binárias, ao aparelho de ressonância, à máquina de sobrecodificação. Aquilo que se atribui a uma evolução dos costumes. (DELEUZE; GUATARRI, 1996, p. 94)

Dando continuidade aos estudos sobre o cineasta, pretendemos evidenciar de que

maneira ele utiliza, em seus primeiros filmes, estruturas micropolíticas, no plano da forma e

do conteúdo, como uma diferente forma de leitura da realidade no sentido de romper com a

herança deixada por Franco. No próximo capítulo, buscaremos ilustrar de que maneira se

produzia cinema na era franquista para, posteriormente, evidenciar as diferenças realizadas

(25)

2 O CINEMA NO REGIME DE FRANCISCO FRANCO

O cineasta espanhol Pedro Almodóvar Caballero produziu ao longo de sua carreira

mais de vinte filmes, dentre eles os curtas-metragens realizados com sua câmera super-8,

principalmente nas cidades de Madri e Barcelona. Nesta pesquisa, não consideraremos esses

curtas e tampouco o seu primeiro longa Folle...Folle...Fólleme... Tim (1977-1978), que não

estreou no Brasil.

Almodóvar chegou a Madri no ano de 1968, época em que o ditador Francisco Franco

exercia o poder na Espanha. O regime de Franco foi instalado em 1939 e neste ano, com o fim

da Guerra Civil Espanhola, o general passou a ser chefe de Estado e se autoproclamou

Caudilho de Espanha. As bases do regime franquista estavam alicerçadas na tríade

Família-Estado-Igreja e toda a regência do país estava sob a batuta do ditador. Com as artes,

principalmente a arte cinematográfica, não poderia ser diferente. O general, durante quase

quarenta anos de poder, controlou tudo dentro do país e, percebendo que o cinema exercia

uma forte influencia na propagação do pensamento, criou uma série de leis para que este não

escapasse ao seu controle. Em novembro de 1939, promulgou uma lei de censura que

declarava: “Dado que el cinematógrafo ejerce una innegable y enorme influencia sobre la

difusión del pensamiento y sobre la educación de las masas, es indispensable que el Estado

vigile siempre que haya algún riesgo que pueda apartarle de su misión”. A missão a que

Franco se referia era propagar o regime de base nacionalista estabelecido por ele e controlar

tudo dentro dessa arte.

Além dessa lei, foi fundado em 1947, o Instituto de Investigaciones y Experiencias

Cinematográficas. A Igreja e o Exército eram os órgãos encarregados da censura e com a

(26)

produção cinematográfica desde o roteiro, passando pelos títulos, cartazes promocionais, até a

produção final do filme.

No dia 23 de abril de 1941, uma nova lei entrava em vigor, e esta obrigava que todo

filme estrangeiro que entrasse no país fosse dublado. Órgãos de censura tinham carta branca

para manipulá-lo em todos os sentidos: interferiam no título, nos diálogos e, inclusive, na

argumentação do mesmo. Puigdomenech (2007, p. 13), lembra que “um caso célebre foi o

caso de Mogambo (1953) de John Ford”. Esse filme, que tinha como história central o

adultério, quase se transformou em incesto por causa das dublagens.

De dezembro de 1942 até o ano de 1976 o gênero documentário passou a ser

exclusividade do Estado, pois Franco havia percebido a importância desse tipo de cinema para

difundir ideologias. Por isso o controle desse gênero era de suma importância para a sua

política ditatorial e o NO-DO (Noticiarios e Documentarios de España), criado nesse mesmo

ano e amparado pela lei de exclusividade dos documentários do Estado, era o principal

veículo de política do regime até a era da televisão. Em estudo sobre cinema espanhol,

Hidalgo afirma que:

O NO-DO foi apresentado em 4 de janeiro de 1943 e teria uma longa vida desaparecendo somente em 1981. Era um instrumento do Estado para divulgar sua ideologia, fazer apologia dos heróis por ele criado e louvar as obras e empreendimentos do grande caudilho Francisco Franco. Filmando-se com todas as trucagens disponíveis, os raquíticos espanhóis eram transformados em exemplo de força e vitalidade, bem ao gosto da ideologia das raças puras: Franco criou a imagem do corajoso guerreiro espanhol, tão ariano quanto os exemplos teutônicos. (HIDALGO, 2007, p.20)

Depois que o general percebeu o “perigo” do cinema, tentou de várias maneiras

controlar totalmente o que se referia à sétima arte, inclusive, subsidiando até 40% dos valores

para a produção dos filmes, desde que os mesmos estivessem estritamente em consonância

(27)

O filme Raza (1941), dirigido por José Luiz Sáenz Heredia, franquista comprometido

que tinha como argumentista Jaime de Andrade, pseudônimo do próprio general Franco,

sintetiza o ideal de comportamento espanhol através da perspectiva do general e é um bom

exemplo da percepção que Franco tinha do cinema como instrumento para atingir às massas.

Essa produção narra a história de três irmãos e suas instabilidades durante a Guerra Civil

Espanhola. O filme, além do título “Raza”, que já sintetiza o caráter identitário do regime,

queria mostrar os “sacrifícios que alguns fazem, e que todos deveriam fazer”, sufocando suas

vontades e de seus desejos, para alcançarem um “bem maior” nesse caso o comprometimento

com o Estado, a Igreja e a Família. Franco, ese hombre (1964), foi um documentário

produzido pelo mesmo diretor de Raza com o intuito de comemorar os 20 anos do fim da

Guerra Civil Espanhola; o gênero documentário foi escolhido porque os realizadores já havia

percebido o seu poder para difundir ideologias (fenômeno notado anteriormente ao regime de

Franco, já na Guerra Civil). O cinema passou de mero entretenimento para um instrumento de

propaganda política e foram os republicanos que primeiro ressaltaram esse domínio, chegando

a produzir 220 documentários até o final de 1939. Durante este período, os nacionalistas

rodaram apenas 32.

O filme Marcelino, pan y vino (1954), de Ladislao Vajda, embora tendo êxito de

público e crítica, também é um importante marco na filmografia espanhola do período do

ditador Franco. Narra a história de um bebê que é deixado na porta de um convento e é criado

pelos frades, tornando-se o protagonista de um milagre ocorrido no vilarejo onde foi criado.

Dentro do regime franquista, havia um culto aos filmes religiosos para afirmar os ideais da

igreja que exercia forte influência no país.

Apesar de um segmento do cinema espanhol, nessa época, sustentar o regime de

Franco – não simplesmente por ordens ditatoriais, mas também porque alguns simpatizavam

(28)

filmes eram produzidos, como forma de contestação da situação vigente no país. Além da

paródia e da metáfora, outra estética era utilizada como uma forma de mostrar o que acontecia

na época: o esperpento. O propagador dessa estética foi Ramón del Valle, mas sua origem está

nas pinturas de Francisco de Goya:

[...] o esperpento superaria a proposta de vanguarda ultraísta e significaria o resgate de uma tradição cujas origens remontam a uma parte da obra do pintor espanhol Francisco de Goya y Lucientes: mais precisamente àquela que evidencia preocupações com a denuncia social, como a série de gravuras intituladas ‘Caprichos’, realizada pelo pintor entre os anos de 1792 e 1808. Goya cria um mundo absurdo, cheio de reveses e contradições que acabam revelando as hipocrisias da sociedade de sua época. Os protagonistas de Goya são caricaturas que desnudam uma realidade que, no dia-a-dia, a sociedade oculta e preferimos não enxergar. (SILVA, 1999, p. 28)

Dessa forma, tendo-se como ponto de partida a série de gravuras do pintor espanhol

Goya, apoiada no esperpento como forma de deformação da realidade para fazer com que

personagens de uma sociedade pudessem circular livremente, podemos perceber uma relação

desta com o cinema de Pedro Almodóvar, onde muitas personagens que não tinham voz na

época de Franco puderam ser enxergadas. Personagens como homossexuais, adictos, gente da

área rural com suas difíceis adaptações, enfim, personagens que podiam expressar seu desejo

contido por muito tempo.

Foram muitos os filmes realizados na época de Franco que, com estéticas apropriadas,

representaram o cinema de oposição ao regime de Franco. Dois diretores se destacaram nesse

panorama: Luis Garcia Berlanga e Juan Antonio Bardem. Filmes como Bienvenido Mr.

Marshall (1952), Muerte de un ciclista (1955), Calle Mayor (1956) e El Verdugo (1963),

demonstram a eficaz utilização de estéticas que driblariam a censura de Franco, colocando nas

telas a realidade da política, da economia, dos modos de vida espanhol estilhaçados por tantos

anos de poder de um ditador. Somente a título de ilustração o filme Bienvenido Mr. Marshall

aludia ao recebimento de dinheiro dos Estados Unidos com o Plano Marshall americano, que

(29)

chegou a receber. Para Almodóvar, “Bienvenido Mr. Marshall es una comedia, pero ninguna

película de esa época se atrevia a decir las cosas que allí se decían y del modo en que se

decían. Creo que cualquier género es bueno para contar una historia. (GARCÍA DE LEÓN;

MALDONADO, 1989, p. 150).

Os filmes citados acima servem como ilustração, dentre muitos outros produzidos, do

regime que o general tentava impor através de seu controle. Além da criação das leis de

censura, obrigou a dublagem de todos os filmes estrangeiros, exilou cineastas e tentou impedir

a manifestação cultural de um povo, façanha esta praticamente impossível de ser alcançada,

por mais houvesse o domínio de uma ditadura.

Nesse sentido, alguns representantes da sétima arte tentavam burlar esse regime e

timidamente, era possível observar alguns movimentos a fim de se tentar escapar das duras

leis impostas pelo franquismo. No final dos anos cinquenta, com o fim do isolamento político

na Espanha, houve em Madri uma pequena abertura cultural, ocasião em que ocorreu a

Primeira Semana do Cinema Italiano. Esses filmes italianos apresentados no festival foram

fonte de inspiração para cineastas espanhóis e uma das produções importantes foi Surcos

(1951), de José Antonio Nieves Conde, que abordava o problema do êxodo do campo para a

cidade, especificamente narrando a história de uma família andaluza que tinha de sair da área

rural em direção para escapar da miséria. Como esse filme foi considerado um atentado contra

o governo de Franco, antes que começasse de fato a abertura cultural, esta já havia chegado ao

fim.

De 14 a 29 de maio de 1955, aconteciam as “Conversas de Salamanca”, organizadas

pelo Cine Clube da Cidade Universitária. Juan Antonio Bardem e Basilio Martin Patino, dois

personagens comunistas desse evento, escreveram um texto de teor expressivo para a época:

(30)

essencial missão de testemunho, o cinema espanhol continua cultivando tópicos conhecidos (PUIGDOMENECH, 2007, p. 15)

Bardem ousou ir mais fundo e proclamou nas “Conversas de Salamanca” outro texto:

“O cinema espanhol atual é politicamente ineficaz, socialmente falso, intelectualmente

ínfimo, esteticamente nulo e industrialmente raquítico”. (PUIGDOMENECH, 2007, p. 15)

Esse evento entrou para a história como a primeira reflexão realizada sobre o cinema

espanhol pelos próprios profissionais do meio cinematográfico.

Nos anos sessenta, com Franco ainda no poder, começava uma nova tentativa de abertura cultural na Espanha. Carlos Saura e Pere Portabella, importantes cineastas espanhóis, conseguiram constituir um clima favorável para o retorno de Luís Buñuel, que havia sido exilado.

Hidalgo, ao escrever sobre o cineasta, observa que:

Luis Buñuel (1900-1983) é uma figura emblemática. Buñuel que viveu na Residencia Estudantil de Madrid, junto com Federico Garcia Lorca e Salvador Dalí, aderiu ao movimento surrealista de André Breton e realizou, em 1928, na França, seus primeiros filmes: Un chien andalou, em colaboração com Dalí, e em 1930, L’age D’or. Na Espanha rodou em 1932, Las hurdes, tierras sin pan, com recursos próprios, tendo montado o filme na mesa da cozinha de sua casa. Com a subida de Franco ao poder, Buñuel exilou-se no México e posteriormente na França, da obra mexicana destaca-se El Angel exterminador, de 1962, Abismos de pasión, de 1963, e Ensayo de um crimen, de 1955. Da fase francesa, pode-se destacar Belle de Jour, de 1966. Le journal d’une femme de chambre, 1963, Le charme discret de la Bourgeosie de 1972 e Cet obscur objet du désir, de 1977. […] (HIDALGO, 2007, p. 7)

(31)

alimenta todos os mendigos da região. Porém, os mesmos não se comportam da maneira que ela esperava. Nesse filme há uma das cenas mais famosas do cinema: a Santa Ceia dos mendigos, uma paródia da pintura de Leonardo da Vinci.

Com o escândalo de Viridiana, o meio de produção cinematográfico espanhol tinha claro o que significava aventurar-se em qualquer meio de abertura no que dizia respeito à liberdade de expressão, e depois desse fato, Garcia Escudero foi nomeado diretor da cinematografia espanhola e assumiu a responsabilidade de modernizar, dentro do possível, as suas precárias estruturas cinematográficas. Paradoxalmente, foi criado o Código de Censura que, de certa maneira, estabelecia o que era e o que não era permitido. Anteriormente às Conversas de Salamanca, todo o meio cinematográfico não sabia a que tipo de censura responder. Nesse sentido, a censura estava padronizada.

A Escola Oficial de Cinema de Madri foi fechada em 1962, época em que foi

inaugurado o movimento denominado Novo Cinema Espanhol. La tia Tula, adaptação do

romance de Miguel de Unamuno, dirigido por Miguel Picazo, conseguiu, como recorda Jordi

Puigdomenech (2007), “levar às telas um dos relatos com maior carga erótica da história da

literatura, sem mostrar nem sequer uma pequena parte da anatomia feminina proibida naquela

época”

Todos os eventos citados acima tiveram lugar principalmente na capital do país,

Madri, mas em Barcelona também ocorreu um Movimento conhecido como Escola de

Barcelona e alguns de seus expoentes, como Pere Portabella e Carlos Durán, também

pertenciam a um movimento denominado gauche divine, definido por Jordi como:

“movimento contracultural nascido no seio da burguesia catalã que tinha seu habitual lugar de

reunião na sala de festas Bocaccio de La Ciudad Condal”

Frequentavam esse movimento, além de cineastas, vários segmentos da sociedade

como, escritores, filósofos, artistas, futebolistas e seguidores do movimento underground

(32)

No começo da década de 70, o regime de Franco dava sinais de que enfraqueceria e o

grupo terrorista ETA, mais precisamente em 20 de dezembro de 1973, aparentemente deu fim

à vida do almirante Carrero Blanco, presidente do Governo e homem de confiança do general.

Esses anos foram marcados por descontentamentos de todas as ordens: política, social,

artística e econômica. Entretanto, no que concerne ao cinema, alguns produtores, com o

consentimento dos órgãos competentes, podiam produzir até duas versões de um mesmo

filme, uma para exportação, sem censura, e outra para consumo interno. Franco, nesse

sentido, queria a modernização da Espanha somente para o restante da Europa, o que não

ocorria dentro do país. Com a produção de duas versões de filmes, o general vendia a imagem

de um país que não existia.

Mesmo que a censura fosse algo predominante na Espanha, curiosamente muitos

habitantes da região da Catalunha e Pais Vasco realizavam verdadeiros êxodos em direção às

localidades de fronteira da França para assistirem a filmes, principalmente de caráter erótico,

como As mil e uma noites (1974), de Pier Paolo Pasolini e O império dos sentidos (1976), de

Nagisa Oshima, impensáveis de serem vistos na Espanha. Dessa maneira, obteve-se recordes

de público em cidades francesas que faziam fronteira com o norte do país. Foi filmado,

inclusive, um filme que satirizava todo esse acontecimento: Lo verde empieza en los Pirineos

(1973), de Vicente Escrivá, que retratava o que os espanhóis não podiam ver em seu país.

Essa é mais uma prova de que não se pode controlar a expressão de um povo.

Inseridos em um regime fascista, produtores cinematográficos e população não foram

impedidos totalmente de criar e assistir a outros tipos de produções que não as impostas pelo

regime do ditador.

O recurso metafórico, a paródia e o esperpento como, praticamente, únicas formas de

(33)

em produções como Cria cuervos (1975) e o exílio de cineastas como Luis Buñuel, que

produziu cinema em outros países, começavam a dar indícios de que esses não seriam os

únicos recursos que um cineasta teria para desenvolver seu trabalho.

Outro cineasta importante na época do regime franquista foi o espanhol Victor Erice,

cineasta que produziu uma quantidade relativamente pequena de filmes, mas que soube como

ninguém utilizar-se de uma estética que driblasse o regime ditatorial de Franco. Em 1973,

realizou o filme El espíritu de la colmena. O longa-metragem se passa na Espanha, no ano de

1940 e se refere ao final da Guerra Civil Espanhola. Uma possível leitura desse filme é a

paródia da personagem Frankenstein com o general Franco, já que os espanhóis da cidade em

que a obra foi filmada iriam assistir à projeção do filme Frankenstein de James Whale. No

artigo escrito sobre a importância de Victor Erice, o jornalista Zanin destaca que:

A referência ao franquismo é importante, pois sem ser obra política de maneira explícita, O espírito da colméia faz sutil referência às condições da Espanha logo após a Guerra Civil (1936-1939). Tudo se passa num povoado de Castela, em 1940, isto é, na fase de consolidação do governo fascista que derrotara os republicanos e iria reinar durante quase 40 anos sobre a Espanha. Há um acontecimento importante que movimenta a cidadezinha logo nas primeiras cenas – a chegada de um cinema itinerante, que trará grande atração aos moradores: a projeção de Frankenstein, o clássico do terror de James Whale, filme de 1931. O espírito da colméia é um tratado sobre o medo, a casa grande é uma colméia, a Espanha toda é uma colméia, disciplinada, hierarquizada, com papéis bem definidos de forma rígida. (ZANIN, 2010)

Posteriormente, o cineasta dirigiu El Sur (1983) e El sol del membrillo (1992). Almodóvar no

Press-book do filme La flor de mi secreto, relata:

(34)

Desde a Guerra Civil Espanhola e, talvez, mesmo antes, o cinema, que é um meio de

comunicação das massas, contrariou o sentido que possuía inicialmente, o de entretenimento,

e na Espanha foi utilizado para persuadir e para contestar. Evidente que, dentro de um regime

como o fascismo, essas práticas cinematográficas não poderiam ser difundidas se não

estivessem em conformidade com as normas impostas pelo poder. Nessa perspectiva,

criadores como Luis Buñuel, Carlos Saura e Victor Erice souberam brilhantemente como

mostrar a outra face do regime de Franco, com estéticas que exigiam o máximo de suas

inventividades.

Com a herança desse cinema, marcado fortemente pela censura e por leis que

acirravam a produção artística e demarcavam um cinema extremamente político, seria

presumível que qualquer leitura diferente da realidade fizesse menção à política. Parece-nos

que a emergência de outras formas de vida (e não da dicotomia política versus não política,

principalmente na esfera da macropolítica) talvez não fosse importante para alguns críticos de

cinema e para um segmento da sociedade espanhola.

Dessa forma, o cineasta Pedro Almodóvar rompe com as práticas vigentes de se fazer

cinema até então. Rompe, inclusive, com as estéticas reinantes na época. A sua condição de

autodidata, principalmente pela falta de recursos e também pelo fechamento da Escola de

Cinema de Madri, fez com que em seus primeiros filmes não dominasse bem a arte da

filmagem. Em seus primeiros longas, cabeças eram cortadas, os diálogos eram dublados na

hora e não existia uma preocupação real com a estética. Passados alguns anos, o próprio

Almodóvar diz que o seu despreparo, depois de um tempo, para a crítica, virou estilo. O

cineasta, desde o tempo das produções do super-8, estava preocupado em contar uma história,

entretanto, pode-se contar uma história rompendo com laços de causa e consequência, ou seja,

evidenciando a emergência de outras práticas de vida e tipos de cinema e dessa forma,

(35)

Com esse tópico do primeiro capítulo, pretendemos demonstrar de que maneira o

cinema era contemplado na época de Franco, de um lado, pelos produtores do poder e de

outro, pelos que, magnificamente, através de suas estéticas, conseguiram driblar esse poder.

As considerações sobre o cinema e sua abertura e as leis criadas por Franco, também nos

parece importante, na medida em que reafirmam a dicotomia de duas práticas.

No próximo tópico do capítulo, pretendemos traçar algumas considerações a respeito

da transição democrática espanhola considerada por muitos estudiosos como uma transição

“perfeita” e exemplo para outros países. É nesse contexto que, depois da morte de Franco,

Pedro Almodóvar está inserido e começa a realizar suas primeiras produções contemplando

outra leitura da realidade, privilegiando o desejo. Consideramos importante também, traçar

alguns comentários sobre a biografia do cineasta, na medida em que sua origem humilde e sua

falta de recursos para o estudo da arte cinematográfica, de certa forma, fizeram com que

muitos críticos não dessem o devido valor à sua produção. Porque outra vez não estava

inserido nos cânones preestabelecidos para realizações cinematográficas e nem no que se

costuma nomear como cultura.

(36)

3 TRANSIÇÃO ESPANHOLA

Com a morte do general Francisco Franco em 1975, houve na Espanha um período

conhecido como Transição espanhola e em 15 de junho de 1977 aconteceram as primeiras

eleições democráticas. O ditador espanhol já havia estabelecido como seu sucessor Juan

Carlos e este foi proclamado rei, logo após a sua morte. O rei, parecendo querer seguir os

ensinamentos do ditador, nomeou Arias de Navarro para ocupar o cargo de primeiro ministro

do governo, cargo este já ocupado por ele na ditadura de Franco desde 1973. As bases desse

primeiro ministro, sob as ordens do rei Juan Carlos eram “a exclusão radical do comunismo, a

afirmação da unidade nacional e o reconhecimento da monarquia” (SILVA, 1999, p. 61),

evidenciando, nesse sentido, uma continuidade do regime de Franco, apesar da abertura e da

democracia. Arias de Navarro foi substituído por Adolfo Suarez, que na época de sua

nomeação ocupava o cargo de Diretor Geral de Televisão e, que, mais tarde participaria de

vários tipos de censura com relação às obras cinematográficas. Entretanto, outras forças

políticas se agitavam, não se conformando com essas nomeações e tipos de políticas que

tinham como pano de fundo o resquício do regime de Franco, e vários partidos de oposição

foram criados, dentre eles, o Partido Socialista Obrero Español (PSOE), que buscava

confrontar a política vigente da época.

O cinema, então, “era um reflexo da situação de efervescência política e social que se

vivia naqueles tempos” (PUIGDOMENECH, 2007, p. 21). Com a chegada da transição

democrática, onde a liberdade de expressão podia ser exercida pelo menos de forma mais

livre, ainda existia resistência de grupos com relação à experimentação dessa nova liberdade.

Algumas das leituras da realidade da prática vigente pareciam de certa maneira estar em

consonância com o que foi produzido cinematograficamente na época de Franco, pelo menos

no que diz respeito a um cinema político e de contestação. Foi realizado um documentário

(37)

Esse documentário era intitulado Raza, el espíritu de Franco (1977), realizado por Gonzalo

Herralde e com fragmentos do primeiro longa. Com esse filme e outros de mesmo cunho,

parecia haver uma nostalgia com relação à política da época do fascismo. Entretanto, como

representação de outro segmento, havia obras que postulavam filmes de cunho não político.

Um exemplo desse tipo de produção é o filme El apolítico (1977), de Mariano Ozores, que

trata de um chefe administrativo de uma empresa, homem alheio à política, que nunca pensou

em expressar a sua opinião, e que na ocasião vivia um momento de decisão, por causa das

circunstâncias.

Na época da transição, existiam os filmes que, de certo modo, demonstravam querer a

continuidade do regime. Filmes como Y al tercer año resucitó (1979) e De camisa vieja a

chaqueta nueva (1982), ambos de Rafael Gil, tinham seu espaço nas telas de cinema. Havia,

também, outra corrente que tentava recuperar o tempo perdido, depois de muito cerceamento

artístico. Para esse segmento, o sexo e a política que denunciava as atrocidades franquistas

eram temas recorrentes de abordagem. O filme Asignatura pendiente (1977) de Jose Luis

Garci “era o filme que melhor refletia o sentimento daqueles cidadãos que naquele período

histórico apresentavam certa ansiedade em recuperar o tempo perdido”

(PUIGDOMOENECH, 2007, p. 22). No filme La escopeta nacional (1977), de Luis G.

Berlanga, o cineasta estabelece uma metáfora referindo-se a um segmento da sociedade que

tentava viver à margem dos acontecimentos da época. Termina o filme com esta frase: “Y ni

fueron felices, ni comieron perdices porque allí donde haya ministros un final feliz es

imposible”. Siete dias de enero (1978), uma produção de Juan Antonio Bardem, conta a

história da matança em um escritório na calle Atocha de sete advogados trabalhistas, um

estudante de direito e um escriturário, ocorrida no dia 24 de janeiro de 1977.

(38)

principalmente com relação à nudez no cinema, desde que houvesse uma prévia exigência do

roteiro, deu origem a um novo subgênero, el destape. O filme Furia española (1974), de

Francesc Betriu, teve vinte cortes, para poder estrear. Entretanto, o filme La trastienda

(1975), dirigido por Jorge Grau, entrou para a história por mostrar a primeira cena de nudez

do cinema espanhol. No que se referia a filmes de conteúdo político, a censura ainda era

muito mais acirrada. As novas medidas de supressão da censura, depois da morte do general

Franco, não garantiam a estreia dos filmes, ou seja, eles eram produzidos, mas não havia

nenhuma garantia de que estreassem, o que abalava muito aos produtores que investiam

dinheiro em novos filmes. O filme La ciutat cremada (1976), de Antoni Ribas, que fazia

menção à trágica semana de atentados, repressão e violência vivida em 1909 em Barcelona,

passou por essa censura. A produção retrata a intervenção dos anarquistas e socialistas que

eram contrários ao embarque de reservistas espanhóis para o Marrocos para defender

empresas espanholas atacadas por tribos.

Em abril de 1977 foi legalizado o Partido Comunista, e nesse mesmo dia foi

autorizada a estreia do filme Viridiana (1961), de Luis Buñuel. O Noticiário Cinematográfico

Espanhol (NO-DO), criado em 1942, foi extinto nesse período e houve com a Lei de

Associação Sindical, mais um declínio da censura, alterando as fixas estruturas do cinema

espanhol.

Depois da morte de Franco, o fim da censura cinematográfica ocorreu de uma maneira

gradativa. A Junta de Censura e Apreciação de Películas desaparecia de forma oficial em

1977, através de um decreto. Com essa medida, filmes estrangeiros que não podiam ser

estreados na época do ditador como O encouraçado Potenquim (1925), de Eisenstein, O rito

(1969), de Bergman e O grande ditador (1940), de Charles Chaplin puderam ser estreados no

(39)

Esse período, marcado pela invasão de filmes estrangeiros, inibiu a produção cinematográfica

espanhola, salvo os filmes de cunho erótico.

O fim “oficial” da censura parecia não ser tão oficial assim. No Ministério da Cultura,

o responsável pela cinematografia era trocado frequentemente. Em 1978, foi criada uma nova

classificação para os filmes de “conteúdo erótico e violento”: sob o domínio de Garcia

Moreno, e com a iniciativa de não “ferir a sensibilidade do espectador”, entrava em vigor a

letra “S” (pornô soft). O filme Emmanuelle (1973), de Just Jaeckin, foi rotulado com essa

classificação. Vários filmes espanhóis receberam essa letra, dentre eles, Bilbao (1978), de

Bigas Luna. No que diz respeito ao cinema político, algumas produções impensáveis de serem

realizadas nessa época, começaram a ser vistas nas telas de cinema espanholas, como El

proceso de Burgos (1979), de Imanol Uribe, que retratava o grupo terrorista ETA. Todavia,

não foi simples a realização das estreias: os dissidentes do franquismo boicotavam o dinheiro

reservado para as produções nacionais, além de promover atentados nas salas de cinema. Os

dois tipos de cinema, o erótico e o político, prevaleciam na Espanha na época da transição

espanhola, entretanto, começou a surgir outro tipo de cinema: a “comedia madrileña”. Muitos

críticos afirmam que foi essa a inspiração de Pedro Almodóvar. As primeiras produções

advindas desse subgênero foram Tigres de papel (1977), de Fernando Colomo e Colorín

Colorado (1976), de José Luis García Sánchez. Essas obras eram marcadas por “referências

cinéfilas e certo toque intelectual” (PUIGDOMENECH, 2007, p. 30). Era um cinema

divertido e produzido com baixo orçamento. Outro filme dessa época foi Ópera prima (1980),

de Fernando Trueba, uma comédia que mostrava uma geração que queria viver em liberdade.

Com a massiva invasão de filmes estrangeiros na Espanha, “as cotas de exibição”

também foram motivo de renovação e em 1980, com a implantação de um novo decreto, a

(40)

principalmente no mercado espanhol, vigora até os dias atuais. Pedro Almodóvar, em

entrevista a um programa brasileiro intitulado Roda Viva (1995), mostra-se contrariado com

este domínio, alegando que a prática inibe as produções nacionais.

Em 1977, ocorreram as primeiras “elecciones generales”, depois destas serem

aprovadas pela Constituição. Esse fato chamou particularmente a nossa atenção porque o

primeiro filme de Pedro Almodóvar Pepi... foi inspirado na fotonovela escrita para a revista

El víbora sob o título de erecciones generales. Nesse sentido, há um jogo de palavras que

denota uma alusão às eleições espanholas.

Os socialistas elegeram Tierno Galván e Narcís Serra prefeitos das principais cidades

da Espanha: Madri e Barcelona. Com essa vitória, os espanhóis tinham esperanças de uma

renovação política mais profunda no país, não vista ainda desde a morte de Franco. No que

diz respeito ao cinema, essas reformas também não demonstravam muita evolução e uma vez

mais com Luis Escobar de la Serra, nomeado diretor geral de cinematografia, tentando elevar

a produção cinematográfica promoveu um concurso para que se produzissem adaptações

cinematográficas de grandes obras espanholas literárias com o intuito de que essas produções

fossem estreadas na televisão. Uma boa parte do orçamento da RTVE era destinada para essas

produções com o objetivo de melhorar as relações entre cinema e televisão.

Outra classificação foi criada para diferenciar os filmes considerados de conteúdo

pornográfico: a estes era atribuída a letra “X”. Além dessa classificação, Adolfo Suarez

também criou um último decreto onde as produções de “especial qualidade” passaram a ser

nomeadas produções de “alto nível”, sendo estas desenvolvidas com um orçamento sempre

muito alto.

Em 1980, foi proibida a estreia do filme El crimen de Cuenca, de Pilar Miró, que

(41)

a ira de algumas cabeças mais conservadoras da Espanha, apesar de o fato mostrado ter

acontecido cerca de sessenta e cinco anos. A censura, dessa maneira, foi posta em xeque e,

nesse sentido, podia-se constatar que havia um segmento político que se encontrava

diretamente ligado ao regime de Franco. Com relação aos filmes de conteúdo pornográfico,

estes recebiam as suas classificações e eram estreados, ao passo que os filmes de conteúdo

político, principalmente os que retratavam as barbáries ocorridas no regime do ditador,

sofriam violentas formas de censura. O cinema, nesse sentido, teve papel fundamental ao

detectar as forças que imperavam no momento. Franco havia morrido, a democracia estava

aparentemente estabelecida e, consequentemente o cinema poderia ter liberdade de expressão.

Entretanto, isso não ocorria.

No dia 23 de fevereiro de 1981, depois da demissão de Adolfo Suarez, houve uma

tentativa de golpe de Estado que reafirmava o descontentamento de forças políticas de direita.

O golpe foi mal sucedido e contraditoriamente reafirmou a opção democrática. Depois da

morte de Franco em 1975 e, através de filmes censurados retratando, principalmente, a severa

realidade franquista, podemos inferir que o processo de democratização não foi algo fácil de

ser estabelecido. Já havia se passado seis anos da morte do general e ainda assim ocorreu a

tentativa de golpe de estado. Forças políticas conservadoras e um segmento da sociedade

ainda estavam de acordo com o regime ditatorial e queria que ele perdurasse. Superado o

incidente do golpe, o filme El crimen de Cuenca foi estreado em 14 de agosto de 1980.

Em julho de 1981, foi aprovada a lei de divórcio e esta deu origem a varias

representações nas telas, como os filmes El divorcio que viene (1980), de Pedro Masó, El

primer divorcio (1981) e Qué gozada de divorcio (1981), ambos de Mariano Ozores.

O filme Las verdes praderas (1979), de José Luis Garci, fazia uma ferrenha crítica a

Referências

Documentos relacionados

Estudos populacionais sobre a utilização de medicamentos são escassos no Brasil, por isso a Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso

Buscando contribuir para a composição do estado da arte da pesquisa contábil no Brasil, a investigação lançou mão de técnicas de análise bibliométrica para traçar o perfil

No entan- to, na análise comparativa das respostas obtidas para cada questão do protocolo QVV entre os sujeitos do GP e do GNP que perceberam a mu- dança vocal, foi encontrada

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

O metano (CH 4 ) é produzido por microrganismos que vivem no sistema digestivo dos animais ruminantes. Os gases produzidos por seres humanos e outros animais

Foram dois grandes períodos que constituí- ram a Idade Média, quais sejam, a alta idade média, que permaneceu nos séculos V a IX, em que foi mar- cada pelos Direito Romano e

A proporçáo de indivíduos que declaram considerar a hipótese de vir a trabalhar no estrangeiro no futuro é maior entle os jovens e jovens adultos do que

Como já destacado anteriormente, o campus Viamão (campus da última fase de expansão da instituição), possui o mesmo número de grupos de pesquisa que alguns dos campi