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FORMAÇÃO DA PROVA NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: ASPECTOS INVESTIGATIVOS E PROCESSUAIS

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

PAULO HENRIQUE CARNEIRO FONTENELE

FORMAÇÃO DA PROVA NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA: ASPECTOS INVESTIGATIVOS E

PROCESSUAIS

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PAULO HENRIQUE CARNEIRO FONTENELE

FORMAÇÃO DA PROVA NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA: ASPECTOS INVESTIGATIVOS E

PROCESSUAIS

Monografia apresentada como exigência parcial para a obtenção de grau de bacharel em Direito, pela Universidade Federal do Ceará, sob a orientação do professor Wiliam Paiva Marques Júnior.

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A minha amada Dayana, sempre a meu lado

Aos meus pais Fontenele e Odaléa, exemplos de trabalho e honestidade

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Wiliam Paiva Marques Júnior, paradigma de competência e simplicidade. Ao professor Francisco de Araújo Macêdo Filho, esplêndido mestre de inestimável contribuição ao meio acadêmico.

Ao examinador Eulério Soares Cavalcante Júnior pela contribuição como avaliador. Ao amigo Pedro Malveira, pela ajuda na orientação metodológica

Aos colegas de faculdade, de quem guardarei eternas recordações de divertimento e aprendizado.

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RESUMO

A corrupção na administração pública é uma das maiores chagas de nosso País e traz conseqüências catastróficas em todas as esferas da sociedade: econômica, social, política, etc. A improbidade administrativa, sob diversas formas, promove o desvirtuamento dos fins do Estado, enfaticamente ao desrespeitar os princípios da administração pública, afrontando os princípios constitucionais e legais da ordem jurídica do Estado de Direito. Desde a edição da intitulada Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429/92), vêm se constatando alguns avanços no que tange à apuração e repressão dos atos de improbidade em desfavor do erário, entretanto, ainda impera a impunidade dos agentes responsáveis por tais condutas. Este trabalho visa auxiliar aos operadores do direito, em especial o Ministério Público, a construir um conjunto probatório consistente em ações judiciais decorrentes de atos de improbidade administrativa, capaz de conferir eficácia aos instrumentos legais que amparam estas ações, logrando êxito na imputação, condenação e punição dos responsáveis por tais atos de improbidade contra a administração pública, sem contundo olvidar dos aspectos garantistas que permeiam nossa ordem constitucional.

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ABSTRACT

The corruption in the public administration is one of the worse diseases of our Country and brings catastrophic consequences in all the spheres of the society: economic, social, politics, etc. The administrative improbity, under diverse forms, depreciates the ends of the State, emphatically when disrespecting the principles of the public administration, confronting the legal and constitutional principles of the jurisprudence of the Rule of law. Since the edition of the Law of Administrative Improbity (Law nº. 8.429/92), come if evidencing some advances in what it refers to the verification and repression of the acts of improbity against the state treasury, however, still impunity of the responsible agents for such behaviors reigns. This work aims at to assist to the operators of the right, in special the Ministerial Agency, to construct a consistent and robust probatory set in decurrently actions of improbity, able to confer effectiveness to the legal instruments that support these actions, cheating success in the imputation, conviction and punishment of the responsible ones in the judicial scope of the authors of practical of improbity against the public administration, without disrespect the legal aspects in our constitutional order.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 10

1 DO CONTROLE DA ADMINISTRACÃO PÚBLICA ... 15

1.1 Breve histórico da limitação dos poderes estatais ... 15

1.2 Modalidades de controle da Administração Pública: Controle administrativo, legislativo e judicial ... 16

2 DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA... 22

2.1 Considerações iniciais... 22

2.2 Dos princípios regentes da probidade... 23

2.2.1 Princípio da Legalidade... 24

2.2.2 Princípio da Moralidade... 26

2.2.3 Princípio da Proporcionalidade... 27

2.3 Dos atos de improbidade... 28

2.3.1 Dos atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito... 29

2.3.2 Dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário... 30

2.3.3 dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública... 31

2.4 Iter sugerido à configuração dos atos de improbidade... 32

2.5 Das sanções e sua cumulatividade... 33

(8)

3.1 Sistema normativo em defesa do patrimônio público... 35

3.1.1 Normas constitucionais e diplomas legais infraconstitucionais... 35

3.1.2 Cooperação jurídica no plano internacional... 37

3.2 Momento investigativo pré-processual... 38

3.2.1 Introdução... 38

3.2.2 Controle interno da improbidade administrativa: Autotutela, controladorias e controle popular... 39

3.2.3 Inquérito civil...42

3.2.3.1 Noções básicas e instauração de inquérito civil...42

3.2.3.2 Publicidade x Sigilo das investigações...43

3.2.3.3 Principio do Contraditório e Valor Probatório...45

3.2.3.4 Encerramento do Inquérito Civil...47

3.2.4 O alcance dos poderes investigatórios...47

3.2.4.1 Considerações iniciais... 47

3.2.4.2 Sigilo das comunicações telefônicas... 50

3.2.4.3 Sigilo de dados e fiscal... 52

3.2.4.4 Sigilo patrimonial...55

3.2.4.5 Privacidade do investigado... 58

3.2.5 Outros instrumentos na formação da prova... 59

3.2.5.1 Relatórios das Comissões Parlamentares de Inquérito... 59

3.2.5.2Auxilio dos Tribunais de Contas... 60

3.3 MOMENTO PROCESSUAL... 66

3.3.1Introdução... ... 66

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3.3.2.1 Conceito e classificação da prova processual... 67

3.3.2.2 Princípios fundamentais da teoria da prova... 68

3.3.2.3 Sistemas de Avaliação da Prova... 70

3.3.3 Concepção de prova ilícita e a sua relativização em face do princípio da proporcionalidade... 71

3.3.4 Ônus da prova... 74

3.3.5 Procedimento nas ações de improbidade administrativa...75

3.3.6 Confissão...77

3.3.7 Prova emprestada...78

3.3.8 Sigilo processual... 81

CONCLUSÃO... 86

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INTRODUÇÃO

“O primeiro ato de corrupção pode ser imputado à serpente seduzindo Adão com a

oferta da maçã, na troca simbólica do paraíso pelos prazeres ainda inéditos da carne”.

Caio Tácito in “Moralidade Administrativa”

O dicionário Aurélio define a palavra “corrupção” como ato ou efeito de corromper;

decomposição, putrefação. Por sua vez, o verbo corromper tem o sentido de tornar podre; estragar, decompor. E ainda, o adjetivo corruptor tem o significado de aquele que corrompe: significando igualmente alterador de textos, falsificador, subornador.

Não seria leviano afirmar que nunca havia chegado ao conhecimento do povo brasileiro tantos casos simultâneos de escândalos de corrupção na administração pública, os quais tiveram seus detalhes minuciosamente revelados pelos meios de comunicação, causando tamanha revolta e sentimento de indignação nos lares dos brasileiros. Vieram à tona uma interminável seqüência de operações da Polícia Federal (Operação Sanguessugas, Operação Navalha, Xeque-mate, Operação Furacão, etc.), desbaratando quadrilhas que dilapidaram o erário em montante na casa dos bilhões de reais.

Os mesmos telejornais que noticiam os detalhes dos esquemas que saqueiam os cofres estatais, incontinenti, informam o caos que impera nos serviços públicos de saúde, segurança, educação, etc. São cidadãos que padecem nas intermináveis filas dos postos de saúde, nos corredores de hospitais públicos; crianças recém-nascidas que morrem por falta de UTIs neonatais; além da escalada da violência e da criminalidade nas grandes e até nas pequenas cidades, em virtude da ausência de políticas públicas eficazes que solucionem tais infortúnios.

Impera, desta maneira, um inaceitável paradoxo em nosso País: enquanto inúmeros escândalos de corrupção saqueiam o patrimônio nacional e enriquecem de forma ilícita algumas

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oferece as mínimas condições em seus serviços de saúde, segurança, educação, embora, ano após ano, o fisco bata recordes de arrecadação.

A corrupção acompanha os bastidores do poder no Brasil desde os primórdios de nossa história e segundo estimativas de fontes oficiais, o Brasil perde por ano mais de 16 bilhões de reais com a corrupção. Em verdade, os valores em muito superam essas cifras, agravando o abismo das desigualdades sociais e estimulando práticas criminosas em todos os escalões da sociedade, em face do mau exemplo que vem da alta cúpula dos governos e da certeza da impunidade.

No ano de 1992, eis que surge no ordenamento jurídico pátrio importante ferramenta no combate aos atos de enriquecimento ilícito e de improbidade em detrimento do erário, a intitulada Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429/92).

Este diploma legal, nos termos de sua ementa, dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Tem seu fundamento constitucional no artigo 37 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), correlacionando-se umbilicalmente com o caput deste dispositivo, em defesa dos princípios da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), e é referida expressamente no § 4º do mencionado artigo 37 de nossa Lex Mater.

Passados 15 anos de sua vigência, constata-se elevado número de ações de improbidade administrativa e processos na seara criminal, referentes a crimes contra a administração pública e desvio de recursos públicos, entretanto, poucos são os casos existentes nos tribunais nacionais de condenação dos responsáveis envolvidos.

As justificativas para essa irrefutável constatação são as mais variadas, mas alguns pontos são consenso entre os teóricos e os operadores do direito. Nos grandes ilícitos em detrimento da máquina estatal, os autores utilizam esquemas complexos com a participação de grandes empresas, servidores públicos e, muitas vezes, membros dos três Poderes, como elo para a concretização dessas ações, sem os quais, os criminosos não lograriam êxito em suas empreitadas.

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freqüentes e com quantias mais elevadas. As quadrilhas cada vez mais se especializam e fazem uso dos mais variados artifícios para lograr êxito em suas empreitadas, dificultando em muito a construção de um conjunto probatório suficiente à condenação dos responsáveis. Destarte, é comum a utilização de “laranjas”, “empresas fantasmas”, “notas fiscais frias”, contas bancárias

em “paraísos fiscais”, evasão de divisas e lavagem de dinheiro, como parte do iter apto a burlar a

fiscalização e evitar a punição dos criminosos.

A conclusão lógica é que a existência de grande variedade de instrumentos legislativos e o incremento no número de investigações e ações de improbidade administrativa instauradas não reduziu a impunidade dos responsáveis por tais atos. Na esfera judicial, permeada pelas garantias constitucionais no âmbito material e processual, destacadamente pelos princípios do contraditório e da ampla defesa, a falta de elementos probatórios suficientes à responsabilização dos culpados

tem perpetuado a histórica tradição de que “rico não vai para a cadeia”. Consagra-se, desta

maneira, a impunidade dos criminosos de “colarinho branco”.

Decorre destes fatos a pertinência do presente trabalho, o qual almeja enumerar, discutir, descrever as provas a serem utilizadas especificamente em relação às ações de improbidade administrativa, de modo a trilhar o iter mais indicado à responsabilização dos responsáveis por condutas improbas frente à administração pública. Este trabalho visa auxiliar aos operadores do direito, em especial o Órgão Ministerial, a construir um conjunto probatório consistente e robusto em ações decorrentes de atos de improbidade, capaz de conferir eficácia aos instrumentos legais que amparam estas ações, logrando êxito na condenação e punição dos responsáveis, sem contundo desdenhar dos aspectos garantistas que permeiam nossa ordem constitucional.

Ex positis, tendo em vista a grande atualidade do tema e da constatação, na doutrina, jurisprudência e na prática forense, da dificuldade de construção de um suporte probatório eficaz, capaz de responsabilizar no âmbito judicial os autores de práticas de improbidade contra a administração pública; torna-se da maior relevância o presente estudo.

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Em um segundo momento, teceremos breves considerações acerca da improbidade administrativa, destacadamente sobre iter sugerido à configuração dos atos de improbidade.

O terceiro capítulo é o mais detalhado e extenso, por ser o tema principal e objeto maior deste trabalho. No tocante aos instrumentos legislativos, além da Lei de Improbidade Administrativa, abordaremos os aspectos relevantes de outros diplomas legais correlacionados aos objetivos do trabalho, destacando-se a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), as leis concernentes ao sigilo fiscal e bancário, além dos tratados de cooperação no plano internacional, fornecendo o devido amparo legal necessário à apuração e punição de tais condutas.

Complementando as ferramentas no controle da administração pública, serão abordados o auxílio das CPIs, dos Tribunais de Contas, da Receita Federal, e de outros órgãos governamentais. Importante analisar que todos esses instrumentos para a apuração de eventuais atos de improbidade administrativa são utilizados pelo Ministério Público em sede de ação civil pública, a qual, via de regra, é precedida pelo inquérito civil, procedimento da maior relevância na construção de elementos suficientes e eficazes à instauração do procedimento judicial.

Além dos instrumentos alhures referidos, serão dissertados aspectos relativos aos limites dos poderes investigatórios, especificamente em relação à improbidade administrativa, exempli gratia, resguardo do direito à privacidade, sigilo bancário e patrimonial, comunicações telefônicas e acesso a outros dados sigilosos.

Por fim, há de se explanar o valor probatório, na seara processual, dos elementos dantes abordados. Assim, em face da enorme variedade de provas que o legitimado ativo da ação pode utilizar, é salutar a discussão acerca do grau de convencimento que cada um destes elementos pode ter em relação ao juízo de valor do magistrado, diante de seu livre convencimento motivado. A metodologia do presente trabalho consistiu, a priori, na leitura de obras de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal e, por hodierna que é a temática essencial dela, os jornais, revistas, periódicos jurídicos e artigos de opinião publicados em imprensa escrita e eletrônica.

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meditar do campo jurídico aqui aplanado. Dados procedentes da jurisprudência e dos ensinamentos de autores especializados na Hermenêutica Constitucional apareceram para apoiar vaticínios, inevitáveis num estudo de título tão moderno.

As limitações inerentes a esta modalidade de trabalho científico não permitem abordá-lo mais detalhadamente, mas almejamos esquematizar um singelo manual ao legitimado ativo dessas ações, que auxilie e sirva como um norte para a formação de um conjunto probatório consistente aos que têm o mister de defender a ordem legal e os interesses nacionais no combate à corrupção, diante das enormes dificuldades encontradas para sua concretização.

Será de grande valor, destacadamente aos membros do Ministério Público aos quais incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, em especial a defesa do patrimônio público como um interesse difuso.

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1 DO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1.1 Breve histórico da limitação dos poderes estatais

Dalmo de Abreu Dallari1conceitua Estado como “a ordem jurídica soberana que tem por

fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. Percebe-se que, ao mesmo

tempo em que o ilustre autor evidencia a noção de poder, implícita na soberania, também insere o fim, o objetivo maior, deste ente: promover o bem comum de seus súditos indistintamente.

Desde a gênese do Estado Moderno, inúmeros autores discorreram sobre a forma de limitar-se e controlar tamanho poder, muitas vezes concentrado nas mãos de um único governante. Com o objetivo de desconcentrar o poder oriundo do ente soberano estatal e assegurar a liberdade dos indivíduos, foi sistematizada, no século XVIII, a teoria da separação dos poderes, a qual teve em Montesquieu seu expoente maior.

Discorrendo sobre o assunto, em sua obra o Espírito das Leis2, o referido jus filósofo afirma que, quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o Poder Legislativo está reunido ao Poder Executivo, não há liberdade, pois que se pode esperar que esse monarca ou esse senado façam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. O poder soberano, embora uno e indivisível, deve ter suas funções diversificadas e separadas em órgãos (Poderes) próprios, sendo necessário que um Poder detivesse o outro e que todos atuassem harmonicamente.

Só no final do século XIX, quando a mencionada teoria já havia passado de doutrina a dogma, acrescentou-se que, além de artifício capaz de evitar a formação de governos absolutos, a separação dos poderes também seria meio eficaz para aumentar a eficiência do Estado, pela distribuição de suas atribuições a órgãos especializados.

O sistema de separação de poderes, consagrado nas Constituições de grande parte dos países, foi associado à idéia de Estado Democrático. Teve origem, assim, o denominado “Sistema

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dos Freios e Contrapesos”, ou "Checks and Balances", o qual visa proscrever o arbítrio e a tirania, já que a consecução destes estaria condicionada ao improvável conluio entre autoridades independentes e que apresentam um certo grau de interpenetração em suas atividades, importando em controle mútuo ("Le pouvoir arrête le pouvoir") que visa preservar a harmonia norteadora da coexistência das diferentes funções estatais.

Inspirado no legado de Montesquieu, o nosso texto constitucional estabelece que os Poderes (rectius: funções) da União são independentes e harmônicos entre si (art. 2º da Constituição Federal de 1988). Independência e harmonia não são premissas conceituais que se excluem; pelo contrário, integram-se e complementam-se.

Alexandre de Moraes, dissertando sobre o tema, destaca a importância dada por nossa Lex Mater ao Ministério Público como instituição inovadora à clássica divisão tripartite de poder:

O Direito Constitucional contemporâneo, apesar de permanecer na tradicional linha de idéia de Tripartição de Poderes, já entende que esta fórmula, se interpretada com rigidez, tornou-se inadequada para um Estado que assumiu a missão de fornecer a todo seu povo o bem-estar, devendo, pois, separar as funções estatais, dentro de um mecanismo de

controles recíprocos, denominado ‘freios e contrapesos’ (checks and balances). Assim, a Constituição Federal de 1988 atribuiu as funções estatais de soberania aos três tradicionais poderes de Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário, e à Instituição do Ministério Público, que entre várias outras importantes funções, deve zelar pelo equilíbrio entre os Poderes, fiscalizando-os, e pelo respeito aos direitos fundamentais”. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª Edição, São Paulo: Atlas, 2004, pag. 386).

Feita essa breve resenha histórica acerca dos mecanismos de limitação e controle dos poderes estatais, chegamos aos dias atuais, onde se constatam diversas modalidades de controle da administração pública, seja realizado internamente, por seus próprios órgãos fiscalizadores, seja por instituições alienígenas, a exemplo dos Poderes Legislativo e Judiciário, e do Ministério Público, ou, até mesmo, por órgãos não-governamentais, como corolário do Estado Democrático.

1.2 Modalidades de controle da administração pública: Controle administrativo,

legislativo e judicial

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De um lado, temos o controle político, aquele que tem por base a necessidade de equilíbrio entre os Poderes estruturais da República- o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Nesse controle, cujo delineamento se encontra na Constituição, pontifica o sistema de freios e contrapesos, nele se estabelecendo normas que inibem o crescimento de qualquer um deles em detrimento de outro e que permitem a compensação de eventuais pontos de debilidade de um para não deixá-lo sucumbir à força de outro. São realmente freios e contrapesos dos Poderes políticos 3.

Acerca do CONTROLE POLÍTICO exercido entre seus Poderes, temos inúmeros e emblemáticos exemplos. O Legislativo controla o Executivo através de rejeição ao veto do chefe deste Poder (art. 66, § 4º CF/88). O Executivo controla o Legislativo através do veto aos projetos oriundos deste Poder e, com relação ao Judiciário, nomeia os integrantes dos mais altos Tribunais do País (art. 101, §6º CF/88). O Judiciário controla o Executivo e o Legislativo pelo controle de legalidade e constitucionalidade dos seus atos e, por sua vez, é fiscalizado pelo Legislativo financeira e orçamentariamente (art. 70 da CF/88).

Já com relação ao CONTROLE ADMINISTRATIVO, alicerçado nos princípios da legalidade e do interesse público, direcionam-se as atenções às funções administrativas realizadas por quaisquer dos Poderes. Diferente do controle político que visa estabilizar, harmonizar os Poderes políticos, neste o objetivo é fiscalizar e revisar a atividade administrativa por mecanismos jurídicos ou administrativos, seja qual for a esfera de Poder.

Como exemplos, podemos citar a fiscalização financeira das pessoas da Administração direta e indireta; a verificação da legalidade dos atos administrativos, da conveniência e oportunidade dos atos administrativos, etc.

Dentro do gênero CONTROLE ADMINISTRATIVO, podemos enumerar três diferentes espécies de controle, quanto à natureza do controlador: legislativo, administrativo ou judicial.

O controle administrativo (espécie do CONTROLE ADMINISTRATIVO, lato senso) é

oriundo da própria administração pública, também denominado de autotutela. Traduz-se no poder dos órgãos que a compõem de fiscalizar e rever os próprios atos, como no caso da revogação dos atos administrativos.

Este controle pode ser deflagrado de ofício, a partir do conhecimento do órgão competente; a partir de requisição do Ministério Público (art. 22 da Lei 8.429/92), ou por

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intermédio de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (artigo 5º, XXXIV, CF/88) e, ainda, através da interposição de recursos administrativos. Com relação ao supramencionado direito de petição, este pode ser encaminhado, inclusive, diretamente ao Tribunal de Contas competente, nos termos do artigo 74, §2º da CF/88 ou à autoridade administrativa competente, nos termos do artigo 14 da Lei de Improbidade Administrativa, sendo obrigatória a sua apuração, desde que preenchidos os requisitos mínimos legais 4.

Emerson Garcia5 destaca que, detectados atos de improbidade e, após tramitado processo administrativo, é conferido à Administração o poder de sancionar o ímprobo, nos termos do estatuto regente de sua categoria funcional (este decorrente do poder disciplinar do Poder Público), independente das sanções previstas na Lei 8.429/92 (estas aplicadas somente pelo Poder Judiciário), não havendo entre estas punições comutação ou abatimento (artigo 12 Lei 8.429/92).

Empós instaurado o procedimento administrativo, deve ser realizada a devida instrução, garantidos o contraditório e a ampla defesa ao investigado. Se este for considerado culpado por ato de improbidade, a comissão processante deverá representar ao Ministério Público ou à Procuradoria do órgão para que estes ingressem perante o Judiciário com Ação de Improbidade Administrativa e com pedido de seqüestro dos bens do agente ou de terceiros envolvidos (artigo 16, Lei 8.429/92) e/ou pleitear a investigação, exame e bloqueio de bens mantidos pelo indiciado no exterior (artigo 16, §2º, Lei 8.429/92).

O controle legislativo como espécie do Controle Administrativo (gênero) é executado

pelo Poder Legislativo e fundamenta-se na própria função fiscalizatória inerente a este Poder, prevista na Carta Magna de 1988, em seu artigo 49, X.

Emerson Garcia destaca a abrangência da obrigação de prestar contas ao Poder Legislativo:

As contas deverão ser prestadas por qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais ao ente da Federação responda, ou que em nome destes assuma

4 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pg.753.

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obrigações de natureza pecuniária, sendo o dever de prestar contas verdadeiro princípio fundamental da administração pública 6.

Exemplo disso é o controle financeiro exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas, com fundamento constitucional no art. 70 da CF/88:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Arrimado na jurisprudência consolidada no STF, José dos Santos Carvalho Filho7, argumenta que os Tribunais de Contas são órgãos auxiliares do Poder Legislativo, mas funcionalmente autônomos (não subordinados), com função essencialmente técnica e com competências definidas no artigo 71 da CF/88. Destaca, ainda, o autor que, embora este mandamento constitucional se refira expressamente ao Tribunal de Contas da União, pelo princípio da simetria, as competências aí definidas são aplicáveis a todos os demais Tribunais de Contas da Federação, os quais não podem inserir novas funções não mencionadas na Constituição.

Dentre as funções inerentes a estes tribunais, algumas se relacionam diretamente ao tema deste trabalho. Em atividade consultiva, emitir parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo chefe do Executivo, as quais serão afinal julgadas pelo Poder Legislativo (arts. 71, I; 49, IX e 31, §2º, da CF/88). Em atividade de julgamento, apreciar as contas dos gestores públicos, que não o chefe do Pode Executivo, podendo aprová-las ou rejeitá-las (art.71, II CF/88).

Em atividade sancionatória, aplicar multas aos agentes que tiveram suas contas rejeitadas, bem como a obrigação de reparar os danos causados ao erário (art. 71, VIII CF/88). A sua atividade fiscalizatória, além de avaliar a legalidade formal dos atos administrativos, abrangerá, com igual importância e com fundamento constitucional (art. 70 CF/88), a legitimidade e economicidade desses atos, ou seja, será valorado a sua eficiência, obrigando o administrador a buscar o melhor resultado com o menor custo ao erário. Este mister é de fundamental

6 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pg. 143-144.

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importância, face à engenhosidade dos ímprobos em conferir aspecto de legalidade formal aos atos, como artifício apto a burlar a correta e legal aplicação dos recursos públicos.

Acrescente-se, como salutar competência dos Tribunais de Contas, a previsão do artigo 71, X e §1º da CF/88, consistente na realização de um controle prévio sobre o procedimento licitatório, com poderes para examinar editais e sustar certames em desacerto com a lei.

Quaisquer vícios que extrapolem meras irregularidades formais devem ser comunicados por estes tribunais aos órgãos legitimados ativos das Ações de Improbidade Administrativa.

Como uma terceira espécie do gênero CONTROLE ADMINISTRATIVO, o controle

judicial é o poder de fiscalização dos órgãos do Poder Judiciário, o qual decidirá acerca da

legalidade e constitucionalidade dos atos da Administração em geral, desde que por meio de ações judiciais, restaurando a situação de legitimidade, em caso de ofensa ao ordenamento jurídico.

São conhecidos, em nível mundial, dois modelos básicos de controle jurisdicional dos atos administrativos. O primeiro, o Sistema do Contencioso Administrativo (Sistema da Dualidade da Jurisdição ou Sistema Francês) se caracteriza por existir, concomitantemente com o Poder Judiciário, uma Justiça Administrativa especialmente instituída a este fim e que, exaurida essa via, as decisões não são passíveis de reapreciação pelo Poder Judiciário.

Já no Sistema da Jurisdição Única, adotado no Brasil, o contencioso administrativo está sujeito à apreciação do Poder Judiciário. Portanto, em razão da previsão do artigo 5º, XXXV da CF/88, nenhuma decisão de qualquer outro Poder que ofenda ou ameace ofender direito pode ser excluída de apreciação do Poder Judiciário.

É pacífico entre os doutrinadores do Direito Administrativo, destacando-se José dos Santos Carvalho Filho8 e Hely Lopes Meireles9, que o controle judicial dos atos administrativos é exclusivamente de legalidade, ou seja, o confronto judicial deve ocorrer quando o ato contrariar a Lei ou a Constituição Federal. É vedado aos tribunais a apreciação voltada exclusivamente ao

8 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 14 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pg.753.

9 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção,

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mérito administrativo, visto que os critérios de conveniência e oportunidade são aspectos privativos dos administradores públicos.

A despeito dessa divisão tripartite, vem se destacando o trabalho do Ministério Público, o qual, nos termos doa artigo 129, II da CF/88; vem realizando efetivo controle da atividade administrativa, por vezes, até dispensando a apreciação judicial, destacadamente por intermédio dos termos de ajustamento de conduta.

Essas modalidades de controle administrativo podem (rectius: devem) se complementar na fiscalização e discussão dos atos administrativos. Na formação da prova em ações de improbidade administrativa, tema deste trabalho, esta complementaridade, simbiose e troca de informações entre os sujeitos controladores é de vital importância para o sucesso na construção de um suporte probatório apto a responsabilizar de forma convincente os responsáveis por tais condutas ilícitas.

Assim, à guisa de exemplo, em uma ação judicial de improbidade administrativa, o sujeito ativo do processo pode se utilizar de relatórios dos Tribunais de Contas ou de processos administrativos, na formação da prova capaz de condenar o eventual sujeito passivo.

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2 DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

2.1 Considerações iniciais

Feitas as breves considerações do capítulo anterior acerca do controle da administração pública, é de fundamental importância para alcançarmos os fins a que nos propomos neste trabalho, tecermos algumas reflexões acerca da tipificação das condutas administrativamente improbas. A formação das provas nas ações de improbidade exige vasto conhecimento da tipificação destes atos, os quais, não raras vezes, configuram-se em esquemas complexos, detalhadamente articulados com o fim de burlar a fiscalização das autoridades responsáveis por sua punição.

Na tentativa de expurgar esta inaceitável e histórica prática dos bastidores do poder estatal, foi editada a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), como legítimo instrumento capaz de tipificar estas condutas e punir os agentes públicos responsáveis que lesionavam, de alguma forma, os princípios e o bom funcionamento da “máquina pública”.

É senso comum que a corrupção na administração pública é um dos maiores males de nosso País e traz conseqüências catastróficas em todas as esferas da sociedade: econômica, social, política, etc. A improbidade administrativa, sob diversas formas, promove o desvirtuamento dos fins do Estado, enfaticamente ao desrespeitar os princípios da administração pública, afrontando os princípios constitucionais e legais da ordem jurídica do Estado de Direito.

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Em virtude dessa constatação, justificamos a menção ao Parquet, na maioria das digressões realizadas nesta obra, a qual será de grande valia, principalmente, aos membros do Órgão Ministerial.

2.2

Dos princípios regentes da probidade

No afã de identificar e punir efetivamente as condutas as ímprobas, os artigos - art. 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade tipificaram tais ilícitos em atos que importam em enriquecimento ilícito, que causam prejuízos ao erário ou que atentam contra os princípios norteadores da administração pública.

Nessa toada, afigura-se sempre oportuna a tentativa de sistematização dos princípios que delineiam o obrar do agente probo. Inevitavelmente, a conduta improba maculará estes princípios e a sua profunda compreensão torna-se indispensável para uma perspicaz imputação de condutas merecedoras de reprimendas.

Portanto, a identificação dos atos de improbidade passa obrigatoriamente pela violação dos princípios que devem nortear a atividade dos agentes públicos. Esta observação visa contornar as dificuldades oriundas das previsões dos artigos 9º a 11 da Lei de Improbidade, onde se verifica uma enorme gama de atos considerados ilícitos, o que pode gerar distorções e decisões desproporcionais na tipificação destas condutas, como observa o Professor Emerson Garcia:

Nesta linha, deverá o aplicador do direito inicialmente verificar se houve violação aos princípios norteadores da atividade estatal. Tal interpretação apresenta-se em perfeita harmonia com a teleologia da norma e a sistemática legal, isto porque os atos de improbidade devem ser punidos independentemente da efetiva ocorrência de dano ao erário (art. 21, I, da Lei 8.429/92). A violação aos princípios constitui hipótese autônoma de improbidade (art. 11); o dano ao erário (art. 10) só configura a improbidade quando o agente viole os princípios norteadores de sua atividade; e o enriquecimento ilícito, por sua vez, é a mais vil das formas de improbidade, sendo nítida a violação ao princípio da moralidade 10.

O arguto legislador constituinte preocupou-se em estatuir de forma específica, afora os princípios gerais vaticinados pela Carta de 1988, aqueles que deveriam ser necessariamente observados pelos agentes públicos, seja qual for o Poder em questão. Assim dispõe o art. 37,

caput, da CF/88:

(24)

A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e, também, ao seguinte [...]

Sem olvidar do extenso rol de princípios, expressos ou implícitos, que norteiam a atividade do agente público, alguns se encontram umbilicalmente relacionados à temática da improbidade, destacando-se, os princípios da legalidade e da moralidade. O primeiro condensa os comandos normativos que traçam as diretrizes da atuação estatal; o segundo aglutina as características do bom administrador, do agente probo cuja atividade encontra-se sempre direcionada à consecução do interesse comum. Da conjunção dos dois extrai-se o alicerce da probidade, a qual deflui da harmonia entre a atuação estatal e os princípios que a regem.

Pedro Roberto Decomain11 ressalta outros quatro princípios que se mostram complementares à legalidade e à moralidade dentro da seara da improbidade. O princípio da impessoalidade (art. 37, caput e § 1º, da CF/88), onde deve se entender que o autor dos atos é o órgão ou entidade, e não a pessoa do agente, sendo imperativo que os atos atinjam a todos que se encontrem na mesma situação fática ou jurídica, caracterizando a imparcialidade do agente. O princípio da publicidade (art. 37, caput, da CF/88) – com exceção das hipóteses expressas em lei, todos os atos do Poder Público devem ser levados ao conhecimento externo, permitindo sua fiscalização pelo povo e pelos demais legitimados. O princípio da eficiência (art. 37, caput, da CF/88) – o Poder Público deve buscar o bem comum utilizando-se de meios idôneos e adequados à consecução de tais objetivos, assegurando um padrão de qualidade em seus atos. O princípio da supremacia do interesse público, princípio não-expresso, segundo o qual toda a atividade estatal deve atingir uma finalidade pública, ou seja, o interesse público deve se sobrepor ao individual.

Voltemos aos dois princípios que merecem maior destaque em nosso estudo.

2.2.1 Princípio da Legalidade

Fazendo um breve retrospecto à época das monarquias absolutistas, o que se tinha era a autoridade real, a qual determinava, a seu bel prazer, o padrão de conduta a ser seguido. Esta forma de exercício do poder conduzia à supremacia do interesse do soberano em detrimento dos interesses individuais dos membros da coletividade.

(25)

Com o passar dos tempos, o flagrante descompasso existente entre o papel desempenhado pelo detentor do poder e os anseios da coletividade a si subjugada sofreu significativas modificações. Estas tiveram como marcos significativos a Magna Carta inglesa de 1215, o

Petition of Rights de 1628 e o Bill of Rights de 1689, a Constituição norte-americana de 1787, atingindo o ápice com a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Tais diplomas consagraram a existência dos denominados direitos fundamentais, estabelecendo princípios de limitação e de separação dos poderes, o que culminou em erigir o princípio da legalidade como garantia dos direitos do homem, protegendo-o contra o absolutismo dos governantes 12.

É fundamento do Direito Administrativo que o princípio da legalidade prevalece em nossa ordem jurídica de forma ainda mais incisiva com relação ao Estado. O princípio da autonomia da vontade é inaplicável aos atos dos agentes públicos e a liberdade da administração pública é tão somente a que a lei lhe concede.

Enquanto no direito privado é permitida aos particulares a prática de todos os atos que não lhes sejam por lei vedados, no direito público somente serão válidos os atos praticados em conformidade com a tipologia legal, com fundamento na existência de norma autorizadora.

Portanto, todos os atos do Poder Público devem buscar seu fundamento de validade em norma superior. Os atos administrativos devem ser praticados com estrita observância dos pressupostos legais; a atividade legislativa somente produzirá comandos normativos válidos em havendo harmonia com a Constituição da República; e a atividade jurisdicional, não obstante o livre convencimento do julgador, deve manter-se adstrita às normas constitucionais e infraconstitucionais.

A inobservância do princípio da legalidade acarreta a nulidade do ato. Desta forma, a ilegalidade do ato apresenta-se como relevante indício da consubstanciação da improbidade, já que o agente desrespeitou o principal substrato legitimador de sua existência e norteador da atividade estatal.

(26)

2.2.2 Princípio da Moralidade

O conceito de moral é norteado por critérios de ordem sociológica que variam conforme os costumes e os padrões de conduta delimitadores do alicerce ético de determinado grupamento. Portanto, a moral apresenta conteúdo compatível com o tempo, o local e os anseios da sociedade. A despeito dessa variação no conceito do que seja moral ou imoral, a paulatina harmonização dos interesses de determinado grupo social inevitavelmente leva à formulação de conceitos abstratos, os quais condensam, de forma sintética, a experiência auferida com a convivência social, terminando por estabelecer concepções dotadas de certa estabilidade e com ampla aceitação entre todos.

Para Miguel Reale13, entende-se por moral o conjunto de valores comuns entre os membros da coletividade em determinada época; ou, sob um enfoque mais restritivo, os valores que informam o atuar do indivíduo, estabelecendo os deveres deste para consigo.

A importância da moralidade administrativa se revela na solução de situações que, embora adstritas ao campo da legalidade, revelam-se inaceitáveis e incondizentes com a finalidade e objetivos da administração pública, estabelecendo uma relação de adequação entre seu obrar e a consecução do interesse público. Enquanto a moral comum direciona o homem em sua conduta externa, a moral administrativa o faz em sua conduta interna, de acordo com os princípios que regem a atividade administrativa.

Emerson Garcia também se manifesta acerca da moralidade administrativa:

Constata-se que os atos ilegais sempre importarão em violação à moralidade administrativa; no entanto, a recíproca não é verdadeira. Justifica-se, já que um ato poderá encontrar-se intrinsecamente em conformidade com a lei, mas apresentar-se informado por caracteres externos em dissonância com a moralidade administrativa, vale dizer, com os ditames de justiça, honestidade, lealdade e boa-fé que devem reger a atividade estatal. Ao valorar os elementos delineadores da moralidade administrativa, é defeso ao agente público direcionar seu obrar por critérios de ordem ideológica ou de estrita subjetividade; ao interpretar e aplicar a norma, deve o agente considerar os valores norteadores do sistema jurídico, ainda que os mesmos se apresentem dissonantes de sua visão pessoal. Hodiernamente, o princípio tem previsão expressa no art. 37,

caput, da CR/88, sendo requisito de legitimidade da atuação do agente e de validade do ato administrativo; logo, sua inobservância pode acarretar a anulação do ato por meio de

(27)

ação popular (art. 5º, LXXIII, da CR/88) ou de ação civil pública (arts. 129, III, da CR/88 e 25, III, "b", da Lei 8.625/93) 14.

Em síntese, os atos administrativos devem apresentar plena adequação ao sistema normativo que os disciplina e ter sua finalidade sempre voltada à consecução do interesse público. Para que o ato praticado em consonância com a lei esteja em conformidade com a moralidade administrativa, é imprescindível que haja uma relação harmônica entre a situação fática, a intenção do agente e o ato praticado, sendo analisadas, no contexto deste, a motivação declinada e a finalidade almejada. A intenção, assim, é indício aferidor da moralidade do ato, sendo também verificada a partir da compatibilidade entre a competência prevista na norma e a finalidade pretendida com a prática do ato.

Podemos citar como exemplos de infringência da moralidade administrativa, a participação de juiz integrante de Tribunal em eleição destinada a compor lista tríplice para preenchimento de vaga de juiz togado quando um dos candidatos é filho do mesmo; ou a alienação de lotes de terrenos pertencentes à municipalidade, contíguos a outros de propriedade do Prefeito, e posteriormente por ele adquiridos pelo valor da avaliação, acarretando a valorização da área contínua quando agregada à primitiva.

2.2.3 Princípio da Proporcionalidade

Como desfecho desta breve abordagem acerca dos princípios mais intrincados ao tema da improbidade administrativa, é salutar tecer algumas observações sobre o principio da proporcionalidade.

Embora não tenha previsão expressa na Constituição, este princípio deflui do sistema e visa evitar restrições desnecessárias ou abusivas aos direitos constitucionais, buscando a solução menos onerosa para os direitos e liberdades que defluem do ordenamento jurídico. Em linhas gerais, o princípio da proporcionalidade será observado com a verificação da necessidade, da imprescindibilidade de edição da norma; da adequação entre o meio utilizado e o fim colimado e da proporcionalidade em sentido estrito, o que será verificado a partir da proporção entre o objeto perseguido e o ônus imposto ao atingido.

(28)

Em relação aos atos de improbidade, o princípio da proporcionalidade visa a estabelecer um critério de adequação entre o ilícito e os efeitos que a aplicação da Lei 8.429/92 pode acarretar. A prática de atos que importem em insignificante lesão aos deveres do cargo, ou à consecução dos fins visados, é inapta a imputar ato de improbidade. Isto porque a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 ao agente acarretaria lesão maior do que aquela que o mesmo causara ao ente estatal, culminando em violar a relação de segurança que deve existir entre o Estado e os cidadãos.

Semelhante ao instituto da tipicidade do Direito Penal, a improbidade formal deve estar associada à improbidade material, a qual não restará configurada quando a distorção comportamental do agente importar em lesão ou enriquecimento de insignificante ou de nenhum valor; assim como quando a inobservância dos princípios administrativos importar em erro de direito escusável ou não assumir contornos aptos a comprometer a consecução do bem comum 15.

Constatado que a aplicação da Lei 8.429/92 apresenta nítida desproporção com o ato praticado, restará a incidência das sanções de ordem administrativa, estas verdadeiramente compatíveis com a reprovabilidade da conduta.

2.3 Dos atos de improbidade

Pazzaglini Filho define os atos de improbidade administrativa como sendo:

A corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da administração pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (estado de direito, democrático e republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da administração pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos 16.

Os atos de improbidade, nos termos do art. 37 da Constituição Federal de 1988, podem ser praticados por agentes públicos de maneira geral, temporários ou efetivos, sendo ora aquele que exerce atividade pública como agente administrativo (servidor público stricto sensu), ora aquele que atua como agente político (servidor público lato sensu), que está no desempenho de um mandato eletivo

15 OSÓRIO, F. M. Teoria daimprobidade administrativa má gestão pública, corrupção, ineficiência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pg.

16 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade

(29)

A descrição destas condutas está vaticinada nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92 e ocorre quando o sujeito investido na função pública obtenha enriquecimento ilícito; cause prejuízo ao erário por ação ou omissão, dolosa ou culposa ou pratique condutas comissivas ou omissivas que atentem contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições públicas.

Embora as situações previstas na Lei 8.429/92 comportem grande número de situações que se enquadrem nos atos de improbidade, as condutas lá descritas não exaurem as possibilidades de sua configuração e nem poderia, diante da diversidade de situações do mundo fático. Assim concordaMaria Ordelânia Torquato Leite, autora de dissertação de mestrado acerca do tema:

O que a norma faz é estabelecer alguns parâmetros casuísticos para auxiliar na identificação da improbidade de um ato jurídico. Para tal finalidade, limita-se a descrever comportamentos em seus artigos 9, 10 e 11, os quais não de confundem entre si, e que podem ser concretizados por uma infinidade de atos e omissões administrativas 17.

Há situações em que a conduta realizada será tipificada com infringência a normas de outros dispositivos legais, exempli gratia, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00).

2.3.1 Dos atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito

O dispositivo legal previsto no artigo 9º da Lei n° 8.429/1992 vaticina como enriquecimento ilícito os atos que importem auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do cargo, mandato, função, emprego ou atividade.

Marino Pazzaglini Filho enuncia acerca do tema:

Nenhuma das modalidades deste artigo 9º admite a forma culposa; todas são dolosas. É que todas as espécies de atuação suscetíveis de gerar enriquecimento ilícito pressupõem a consciência da antijuridicidade do resultado pretendido. Nenhum agente desconhece a proibição de se enriquecer às expensas do exercício da atividade pública ou de permitir que, por ilegalidade de sua conduta, outro o faça. Não há, pois, enriquecimento ilícito imprudente ou negligente 18.

17 LEITE, Maria Ordelânia Torquato. O controle da improbidade administrativa através da Lei de

Responsabilidade Fiscal. Fortaleza/Ce: Universidade Federal do Ceará - Dissertação de Mestrado, 2002, pg. 18 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade

(30)

Destaque-se que as hipóteses constantes nos incisos são meramente exemplificativas,

visto que o próprio caput é elucidativo ao mencionar o termo “notadamente”.

Juarez de Freitas19 aponta que não se deve aplicar, neste dispositivo, uma inversão do ônus da prova em desfavor do agente público. Na verdade, segundo este autor, essa desproporção é apenas um indício, pois não se pode conceber uma responsabilidade objetiva do agente público. Em sentido contrario é a opinião de Emerson Garcia:

Merece destaque, dado seu notável alcance, pois inverte o ônus da prova, sempre difícil para o autor da ação em casos como o descrito pela norma. Nessa hipótese, quando desproporcional, o enriquecimento ilícito é presumido, cabendo ao agente público a prova de que ele foi lícito, apontando a origem dos recursos necessários à aquisição 20.

Alguns exemplos emblemáticos de situações previstas neste dispositivo são os contratos superfaturados firmados com empreiteiras e, participação em lucros com empresas terceirizadas para a execução de serviços, o recebimento de propinas e vantagens em detrimento do patrimônio público, a utilização de máquinas e instrumentos públicos em benefício próprio, adquirir, para si ou para outrem, no exercício do mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, dentre outros.

2.3.2 Dos Atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário

Neste dispositivo consuma-se a conduta ímproba por lesão ao erário, por ação ou omissão, dolosa ou culposa, ainda que o agente não receba direta ou indiretamente qualquer vantagem (artigo 10, Lei n° 8.429/1992).

A título de exemplo, citamos as doações oriundas do patrimônio público a fim de alcançar promoção ou vantagem pessoal, a utilização de coisa pública para fins de campanha política, ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento, além de outros.

2.3.3 Dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da

administração pública

19 FREITAS, Juarez. Do princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação. Revista de direito administrativo, n. 204, p. 65-84, abr./jun. 1996.

(31)

Também constitui improbidade a ação ou omissão que atentar contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. (artigo 11, Lei n° 8.429/1992), verbi gratia, executar ato proibido em lei, deixar de executar ou retardar ato de ofício necessário para que se alcance determinado resultado, fraudar concurso público etc.

Diante dos tipos legais enumerados pelo legislador infraconstitucional, indubitavelmente, as previsões do artigo 11 da Lei 8.429/1992 são as que trazem maiores discussões, ensejando as mais variadas interpretações, senão vejamos:

Art. 11: Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições [...]

O referido dispositivo enseja diversas interpretações, pois em seu caput define, genericamente, os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública, e isto exige que se observe, para a caracterização do ato improbo, a existência de ação ou omissão dolosa do agente público, e que esta ação ou omissão importe em perigo de dano ao patrimônio público, a fim de que um mero ato punível por sanção disciplinar na esfera interna da Administração não venha a ser considerado como crime de improbidade.

Fábio Medina Osório ressalta que não é qualquer violação aos princípios da administração que implicará a punição do agente por improbidade administrativa:

Não existe, porém, má-fé objetiva. É equívoco crer que erro legal do agente, sem desonestidade, deva ser enquadrável como improbidade administrativa. Força que se configure, dada a gravidade das sanções, a irretocável intenção desonesta do agente [má-fé]. Naturalmente, idêntico raciocínio pode operar-se em relação aos demais princípios (não apenas da legalidade), o que empresta tom inteligível ao disposto no art. 4º desta lei, convindo notar que, a não prosperar tal entendimento, o disposto soaria, na melhor das hipóteses, inócuo. Isso porque a lei pune o administrador desonesto, e não o inábil 21.

2.4

I

ter sugerido à configuração dos atos de improbidade

(32)

A despeito de situações onde, de pronto, se constata a conduta ímproba, a identificação de eventuais atos de improbidade passa em muitas situações por um complexo processo de cognição até a certeza de sua consumação. Sem olvidar da importância e dos avanços da Lei de Improbidade Administrativa, a enumeração dos atos de improbidade levada a efeito neste diploma gera muitas celeumas na doutrina e na jurisprudência, quiçá no aplicador do direito.

Visando contornar os inconvenientes constatados em inúmeras situações onde a caracterização da atitude ímproba gera muitas dúvidas, Emerson Garcia, em sua esplêndida obra acerca da improbidade administrativa, traça um caminho a ser seguido para configuração dos atos de improbidade a partir da violação dos princípios que devem nortear a atividade dos agentes públicos.

Nesta linha, deverá o aplicador do direito inicialmente verificar se houve violação aos princípios norteadores da atividade estatal. Tal interpretação apresenta-se em perfeita harmonia com a teleologia da norma e a sistemática legal, isto porque os atos de improbidade devem ser punidos independentemente da efetiva ocorrência de dano ao erário (art. 21, I, da Lei 8.429/92). Ressalte-se que o dano ao erário (art. 10) só configura a improbidade quando o agente viole os princípios norteadores de sua atividade, assim como no caso do enriquecimento ilícito, sendo nítida a violação ao princípio da moralidade.

Em um segundo momento, deve-se atentar para o elemento volitivo do agente. Havendo vontade livre e consciente de praticar o ato que viole os princípios regentes da atividade estatal, dir-se-á que o ato é doloso; o mesmo ocorrendo quando o agente, prevendo a possibilidade de violá-los, assuma tal risco com a prática do ato. O ato será culposo quando o agente não empregar a atenção ou diligência exigida na hipótese, deixando de prever os resultados que adviriam de sua conduta por atuar com negligência, imprudência ou imperícia.

Diante o teor da Lei 8.429/92, constata-se que apenas os atos que acarretem lesão ao erário público (art.10) admitem a forma culposa, pois somente aqui se constata a previsão de punição para tal elemento volitivo. Nas hipóteses de enriquecimento ilícito (art. 9º) e violação aos princípios administrativos (art. 11), o ato deve ser doloso. Seguindo essa metodologia, enuncia o supramencionado autor:

(33)

Em havendo unicamente inobservância aos princípios regentes da atividade estatal, o ato será enquadrado no art. 11 da Lei 8.429/92. Na hipótese de o ato infringir os princípios e acarretar o enriquecimento ilícito do agente, aplicar-se-á o art. 9º. Importando o ato em violação aos princípios e dano ao erário, consubstanciada estará a figura do art. 10. Por último, deve ser utilizado o princípio da proporcionalidade, o qual permitirá verificar se a lesividade do ato, analisada sob uma perspectiva intrínseca e extrínseca, justifica a aplicação da Lei nº 8.429/92. Com isto, tem-se uma verdadeira válvula de escape para a não subsunção dos atos dotados de insignificante potencialidade lesiva à tipologia da Lei nº 8.429/92 22.

Nos termos deste iter recomendado, torna-se mais simples a análise casuística das situações configuradoras da improbidade administrativa previstas na Lei 8.429/92, já que os ilícitos perpetrados pelos agentes públicos são analisados sob uma perspectiva principiológica. Ressalta-se a teleologia da Lei de Improbidade Administrativa, buscando-se coibir as atitudes que transgridam os princípios da administração pública, destacadamente a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, caminhando no sentido de cumprir sua finalidade que é o bem comum.

2.5 Das sanções e sua cumulatividade

O parágrafo 4º do artigo 37 da CF/88 define algumas sanções a serem aplicadas a atos de improbidade, as quais são pormenorizadas no artigo 12 da Lei de Improbidade. Havendo pluralidade de atos, múltiplas serão as sanções a serem aplicadas.

Para melhor compreensão da possibilidade de cumulação de sanções, é prudente observar que não apresentam maiores dificuldades as punições de perda da função pública, ressarcimento do dano e perda de bens de origem ilícita. Tal afirmativa é justificável, pois, em havendo perda da função pública, impossível será que o agente a perca outra vez, salvo se houver posterior aquisição de nova função e outros ilícitos sejam perpetrados.

Entretanto, tratando-se de suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com o Poder Público, maiores celeumas surgirão. A suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público são sanções que apresentam delimitação temporal, tornando-se efetiva a primeira, a teor do art. 20 da Lei 8.429/92, com o trânsito em julgado da sentença condenatória; e a segunda, a contrario sensu do referido preceptivo, com a prolação da sentença monocrática. Considerando a delimitação temporal e

(34)

inexistindo nesta seara norma semelhante àquelas previstas nos arts. 69, 70 e 71 do Código Penal, não há que se falar em soma das sanções aplicadas em diferentes processos; pois, considerando as nefastas conseqüências que daí advirão, podendo culminar com a suspensão dos direitos políticos do cidadão por várias dezenas de anos, e somente norma específica poderia amparar tal entendimento, não a analogia:

[...] por ser mais benéfico ao agente, deve-se adotar o denominado sistema da absorção, segundo o qual a sanção mais grave absorve as demais da mesma espécie. Assim, a possibilidade de aplicação de tais sanções em diferentes processos deve-se correlacionar o entendimento de que as mesmas poderão se sobrepor e acarretar a efetividade de somente uma delas; pois, à mingua de lei específica, será inadmissível sua soma. Igual entendimento será aplicado em sendo os diferentes atos de improbidade apurados no mesmo processo, o que, em termos práticos, culminará com a aplicação de uma única sanção de cada espécie, utilizando-se o órgão jurisdicional da maior determinação relativa (limites mínimo e máximo) prevista no art. 12 23.

Com relação às sanções de multa, serão as mesmas passíveis de aplicação cumulativa, consoante as delimitações estabelecidas para cada um dos feixes de sanções. Tal cumulatividade apresentar-se-á de forma clara sempre que os ilícitos forem perquiridos em processos distintos. Em sendo os ilícitos apurados em um único processo, ter-se-á, ao final, uma única soma pecuniária, a qual será necessariamente exasperada por comportar as diferentes multas que integram os feixes de sanções a que estava sujeito o agente.

(35)

3

DA

FORMAÇÃO

DA

PROVA

NA

IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA

3.1 Sistema normativo em defesa do patrimônio público

3.1.1-Normas constitucionais e diplomas legais infraconstitucionais

A defesa do patrimônio público possui amplo sistema normativo em nosso ordenamento jurídico, seja em sede constitucional ou no âmbito infraconstitucional. No patamar constitucional podemos destacar:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Art. 14, § 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Art. 37, § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Na seara criminal, o título XI do Código Penal enumera tipos legais relativos a crimes contra a Administração Pública dos artigos 312 a 359-H.

No âmbito administrativo, destacaríamos as Leis 8.112/90, 8.666/93 e 9.784/99, as quais dispõem respectivamente sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis, licitações e processo administrativo. Há de se considerar ainda o estatuto específico de cada categoria de servidores.

(36)

Sem desconsiderar a importância de todos esses diplomas legais, a Lei 8429/92 é tida como verdadeiro marco na defesa do patrimônio público, visto a sua especialidade no combate aos atos de improbidade e à riqueza dos dispositivos concernentes a este assunto. Em seus artigos tratam-se desde os sujeitos dos atos de improbidade, medidas cautelares destinadas a dar efetividade ao processo judicial, a pormenorização dos atos de improbidade, das sanções e, ainda que de forma tímida, dos procedimentos administrativos e judiciais.

A caracterização da defesa do patrimônio público como um interesse difuso, tese advogada por autores como Paulo Bonavides24, faz com que, ao lado da Lei 8.429/92, todo o sistema normativo voltado à normatização dos interesses difusos regule a improbidade, incidindo, portanto, a Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85), Lei de Ação Popular (Lei 4717/65) e o CDC (Lei 8078/90), além da aplicação subsidiária do CPC e do CPP, como no caso do inquérito civil25.

Os interesses difusos são definidos no CDC em seu artigo 81:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; (grifos nossos)

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Agnominados por Mauro Capelletti como “interesses em busca de um autor”, inicialmente

os interesses difusos foram voltados aos interesses do meio ambiente e dos consumidores, avançando, posteriormente, em direção à tutela da infância e da juventude, dos portadores de deficiência e em defesa do patrimônio público.

24 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.

25 PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade

(37)

São denominados por Paulo Bonavides de “Direitos Fundamentais de Terceira

Dimensão”, e caracterizam-se pela indeterminação dos titulares e da inexistência entre eles de relações jurídicas e pela indivisibilidade do bem jurídico.

Portanto, podemos concluir que, sem olvidar do vasto rol de diplomas legais relacionados à seara da improbidade administrativa, destacam-se na defesa do patrimônio público os mandamentos da Lei 7.347/85, por se tratar de um interesse difuso, e a Lei 8.429/92, por tratar especificamente do tema da improbidade administrativa, esta tendo sanções muito mais severas em relação a outros diplomas legais, como a Lei de Ação Popular (lei 4.717/65).

Subsidiariamente, em muito contribuem os dispositivos da mencionada Lei de Ação Popular, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a Lei de Responsabilidade Fiscal (lei 101/00), o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal.

3.1.2 Cooperação jurídica no plano internacional

A existência de quadrilhas especializadas na dilapidação do patrimônio público, conjuntamente com a globalização, faz com que a corrupção na administração pública extrapole as fronteiras nacionais. A evasão de divisas e a lavagem de dinheiro são parte do iter delituoso de muitas organizações criminosas, com o fim destacadamente de acobertar os ilícitos e dificultar o ressarcimento do erário.

Portanto, a cooperação jurídica no plano internacional figura a cada dia como ferramenta indispensável ao combate aos atos de improbidade administrativa, não se limitando ao simples uso de cartas rogatórias, destacando-se a celebração de tratados e convenções internacionais e a atuação de órgãos como a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), e do Departamento de Recuperação de Ativos, este órgão nacional com esmerada atuação no campo internacional.

Referências

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