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Ações básicas de saúde mental no Programa de Saúde da Família: a construção de uma proposta

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DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA

FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DE PERNAMBUCO UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO

AÇÕES BÁSICAS DE SAÚDE MENTAL NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: A CONSTRUÇÃO DE UMA PROPOSTA

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Autora: Lêda Maria Alves Goveia Orientador: Moab Acioly

Recife, 1997

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AÇÕES BÁSICAS DE SAÚDE MENTAL NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: A CONSTRUÇÃO DE UMA PROPOSTA

Projeto de pesquisa qualitativa a ser apresentado ao final da residência como requisito parcial à obtenção do título de Especialista no Curso de Pós-Graduação latu senso a nível de Residência em Medicina Preventiva e Social do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva/CPqAM/FIOCRUZ/MS/UPE/FESP, sob a orientação do Prof. Moab Acioly.

Recife - 1997

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AÇÕES BÁSICAS DE SAÚDE NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: A CONSTRUÇÃO DE UMA PROPOSTA

Monografia aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista no Curso de Pós-Graduação latu sensu a nível de Residência em Medicina Preventiva e Social do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Ensino Superior de Pernambuco/Universidade de Pernambuco, pela Comissão formada pelos professores:

Orientador:

Prof. Moab Acioly -

Examinadores:

Recife - 1997

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SUMÁRIO

1. Introdução ... 06

2. Objetivos ... 11

2.1 . Objetivo Geral. ... 11

2.2. Objetivos Específicos ... 11

3. Alguns Elementos Teóricos ... 12

3.1. Antecedentes históricos da desinstitucionalização ... 13

3.2. A desinstitucionalização ... 18

3.3. Atenção básica em saúde mental.. ... 22

3.4. As Representações Sociais ... 29

4. Percurso Metodológico ... 32

4.1. Proposta de roteiro para entrevistas ... 35

4.2. Grupos Focais ... 36

5. Cronograma ... 37

6. Fontes bibliográficas ... 38

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1. INTRODUÇÃO

Este é um projeto de pesquisa participante que versa sobre ações básicas de saúde, especificamente sobre a elaboração de uma proposta de ações básicas em saúde mental, dentro do Programa de Saúde da Família (PSF), no município de Camaragibe, situado na Região Metropolitana do Recife.

O interesse pelo objeto deu-se no decorrer da prática da Residência em Saúde Coletiva junto à Coordenação de Saúde Mental do município, onde tivemos oportunidade de atuar na elaboração da Proposta de Saúde Mental, que significou atuar tanto no planejamento quanto na organização e implantação de serviços destinados a usuários com transtornos psíquicos, em diferentes níveis, da atenção básica à atenção especializada.

O percurso transcorrido até o momento nos possibilitou colaborar, especialmente, a nível de planejamento, já que a implantação, propriamente dita, dos serviços coincidiu com o final da fase de prática de campo da Residência, quando deixávamos a Secretaria de Saúde. No entanto, algumas etapas de implementação foram por nós vivenciadas, contribuindo para a elaboração desse projeto. Nos referimos, principalmente, às atividades de divulgação da proposta de atuação da Coordenação de Saúde Mental, junto aos serviços de atenção básica, no caso as Unidades de Saúde da Família (USFs).

O primeiro contato com as equipes de atenção básica do município, as equipes das USFs, deu-se por conta da realização das oficinas de saúde mental, oportunidades em que a equipe da Coordenação de Saúde Mental da Secretaria de Saúde, da qual fazíamos parte, levou uma proposta de trabalho para ser discutida e proporcionou momentos de reflexões acerca do tema "loucura". Foram levantadas situações do cotidiano que os grupos identificaram como situadas na esfera da saúde mental. Aí podemos localizar o início dessa pesquisa.

A princípio, percebemos uma idéia preconcebida das equipes em relação ao tema, quando colocaram que não se sentiam preparadas para atenderem usuários com problemas psíquicos. Segundo estas, são indivíduos que carecem de atenção especializada, de preferência, por psicólogo ou psiquiatra, fugindo à realidade do PSF que é composto por equipe generalista, formada por médico,

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encarregados de prestarem assistência básica, ou primária, como atenção materno- infantil, imunizações, clínica médica, educação em saúde, dentre outras.

No entanto, tal idéia, ao longo das oficinas, se mostrou contraditória, pois ao definirem suas concepções de loucura, as equipes, sem exceção, foram além do conceito biomédico de doença menta/1 , reconhecendo como fatores relacionados à saúde mental não apenas os modelos clássicos de enlouquecimento

e

"hospícialízação"2, mas situações cotidianas como desemprego, conflitos familiares, violência, desigualdades sociais, diferenças culturais, pobreza, sexualidade, dentre outras, enfim, situações de vida de todos os usuários, inclusive das próprias equipes.

Identificando que tais situações são a realidade cotidiana de uma USF, os grupos reconheceram que, de uma forma ou de outra atuam nesse cotidiano, uma vez que se encontram por 40 horas semanais na comunidade, não só na unidade de saúde, mas nas casas dos usuários (no momento das consultas e visitas domiciliares), partilhando com estes seu dia a dia, suas dificuldades, suas alegrias, seu viver, momentos em que, queiram ou não, são impulsionados a se envolverem com a vida destes, em níveis bem mais profundos que o estritamente biológico.

Diante da constatação, veio a pergunta: se as equipes do PSF dizem a príorí que não atuam em saúde mental, o que estão chamando de saúde mental? O que significa para estas a intervenção que vai além do atendimento às necessidades médico-biológicas, da qual reconhecem que não podem fugir no cotidano do PSF?

0 que significa para as equipes, Atenção Básica em Saúde Mental?

Consideramos que a resposta a esta questão por parte dos componentes das USFs significa o rumo que a intervenção nesse nível - básico- iria tomar, ou seja, as concepções dessas pessoas, os técnicos, influem e influirão nos seus

I

modos de agir no cotidiano. E assim nasceu e. justifica-se esse projeto, que se coloca hoje num momento crucial vivido pelo município de Camaragibe, qual seja, de construção de uma proposta de atenção em saúde mental, possibilitando ainda oportunidade de levar para as equipes de saude municipais, a discussão atual que se refere à desconstrução dos paradigmas clássicos dessa área, proposta pelo

1 estamos considerando doença mental o conceito da psiquiatria clássica, pautado no paradigma médico, segundo o qual os transtornos psfquicos são formas de adoecimento a nfvel da psique, que devem ser tratados, como são as demais doenças, de forma especializada, de preferência medicamentosa, por profissionais especializados.

2 Termo nosso. Uma analogia ao termo hospitalizar, chamando atenção para o fato de que quando se trata de transtornos psfquicos, hospitalizar significa internar em hospfcios, em manicômios, ou seja, hospicializar.

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Movimento de Reforma Psiquiátrica. É uma realidade colocada hoje, a nível nacional, através de diversas experiências, justificadas pelos fracassos terapêuticos e pela cronificação de pacientes psiquiátricos que as práticas conservadoras possibilitaram.

A realização desse projeto de pesquisa se coloca também pertinente a nível municipal, pelo seu momento político, quando assume a Prefeitura um partido com ideário popular-democrático, vislumbrando-se a possibilidade de realizações de ações horizontais. No seu interior, pode ocorrer um planejamento das ações que leve em conta a participação dos segmentos interessados, convergindo com o projeto ora proposto, que se coloca enquanto uma pesquisa do tipo participante, que significará construir o saber com, e não para esses segmentos.

O objetivo proposto para o PSF pela Coordenação de Saúde Mental é i I

"realizar ações de saúde mental de forma integrada às demais ações de saúde, objetivando a superação dos preconceitos e das discriminações que envolvem a loucura' (CAMARAGIBE, 1996), ou seja, uma atuação que podemos localizar na esfera do simbólico e do subjetivo, uma vez que superar preconceitos e discriminações significa imprimir uma mudança de comportamento, uma mudança cultural.

Partindo db pressuposto de que as Unidades de Saúde da Família se constituem em espaços privilegiados de contato das equipes de saúde com o cotidiano da população usuária dos serviços e que este cotidiano é revelador da realidade não só objetiva, mas também subjetiva dessa população; uma vez que no dia a dia os técqicos entram em contato com os desejos e anseios dos usuários e com suas falas, podemos vislumbrar para o PSF, uma intervenção que atinja essas esferas íntimas, ou seja, uma atuação que se encontre a nível do simbólico vivido pelos indivíduos, em sua relação com o mundo.

Os técnicos do PSF, ·ao conhecerem essa realidade íntima dos usuários podem redefinir suas ações de modo a adequá-las à realidade local, e assim obter melhores respostas; podem entrar em contato com a pessoa e não com a doença que chega à unidade de saúde, numa clara mudança de paradigma, tanto no que se refere aos transtornos psíquicos como às demais questões de saúde. Trata-se do

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que poderíamos ousadamente chamar de atenção holística culturalmente adequada.3

Em nossa concepção, e com base na literatura visitada, a atenção básica em saúde mental, de acordo com os princípios da desinstitucionalização (a grosso modo significa um rompimento com todo o paradigma psiquiátrico clássico, tema que aprofundaremos no próximo item desse trabalho) proposto pelo Movimento de Reforma Psiquiátrica, só terá sentido se colocada sob essas bases, e a realidade do PSF pode e deve ser pensada enquanto um dos locus privilegiados dessa mudança paradigmática.

Entendemos que uma proposta de trabalho deva ser construída de forma horizontal, abrangendo todas as esferas interessadas, e que montar uma proposta de intervenção a nível das ações básicas, significa, no caso de Camaragibe, envolver as equipes do PSF e os usuários, que são os atores presentes na ponta dos serviços.

Este projeto pretende voltar-se para os primeiros, não desconhecendo a importância de se trabalhar com os usuários, mas colocando hoje o trabalho com as duas esferas, conjuntamente, enquanto um limite, não de ordem conceitual, paradigmática, mas na ordem prática da realização dessa pesquisa, pelo tempo disponível, recursos, condições concretas de trabalho, dentre outras. No entanto é importante ressaltar a necessidade de um segundo momento de trabalho, que pode ser paralelo, e desenvolvido por outras pesquisas, com os usuários, em relação a essa temática, que irá complementar o trabalho ora proposto.

Para abordar o nosso tema optamos por percorrer teoricamente algumas categorias conceituais como a Atenção Básica em Saúde. Entendemos que a proposta de Camaragibe se coloca hoje priorizando os serviços básicos enquanto estratégia de extensão de cobertura à população, via Programa de Saúde da Família, e que se compõem de unidades simples, com ações situadas prioritariamente no nível primário de atenção. Consideramos uma discussão importante uma vez que a hierarquização dos modelos assistenciais em níveis primários, secundários e terciários, quando se trata de saúde mental, possui vieses

3 Termo nosso, nos referindo, ainda que de forma difusa, ao que consideramos ser o resultado de uma atuação integral inspirado em um paradigma que conceba o individuo enqtJanto pessoa, inserida em várias dimensões de uma totalidade: cultural, pessoal, familiar,produtiva,etc.

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que hoje são amplamente questionados no processo de construção de um modelo substitutivo de atenção que hoje vive a psiquiatria.

Outra discussão teórica que norteará o trabalho serão os princípios da Reforma Psiquiátrica , uma vez que o município de Camaragibe, onde acontecerá a pesquisa, através de sua Coordenação de Saúde Mental, se propõe a implantar seus serviços pautados sob a ótica da Reforma. Utilizaremos aqui o conceito de Reforma Psiquiátrica encontrado em Amarante (AMARANTE, 1995:91) segundo o qual é "o processo histórico de formulação crítica e prática que tem como objetivos e estratégias o questionamento

e a

elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma psiquiátrico" .

Um outro conceito-chave, representação social, se faz necessário à medida em que o material a ser trabalhado será, basicamente, as concepções e práticas dos técnicos das USFs sobre saúde mental. Trabalharemos com o conceito em MOSCOVICI, apud SÁ (1993:23), que as define como "uma modalidade específica de conhecimento que tem por função

a

elaboração de comportamentos e

a

comunicação entre indivíduos no quadro da vida cotidiana".

A importância desse conceito se deve ao fato de consideramos que essas representações influem e até determinam o modo de agir dos técnicos das USFs, e que almejar uma mudança paradigmática como é a desinstitucionalização, para além do papel, ou do discurso, tem-se que necessariamente passar pela dimensão das representações.

Propomos uma metodologia de trabalho do tipo participante, em que todo o estudo se dará de forma conjunta entre pesquisador-pesquisados, entendendo ambas as partes enquanto sujeitos do processo de pesquisa. O produto final dessa interação se constituirá de reflexões e da elaboração, pelas equipes das USFs, de um conjunto de indicativos para o Programa de Saúde da Família, no que se refere à atenção à saúde mental, entendida num contexto mais amplo que a exclusiva atenção à pacientes com transtornos psíquicos.

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2. OBJETIVOS

2.1. OBJETIVO GERAL

Contribuir para a estruturação de uma proposta de atenção à Saúde Mental no município de Camaragibe, a nível das Unidades de Saúde da Família, tomando como referência o cotidiano dessas unidades, onde circulam as representações sociais de suas equipes de saúde referentes ao tema.

2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Estudar as representações sociais dos técnicos das Unidades de Saúde da Família sobre o tema Saúde Mental no cotidiano institucional, correlacionando concepções e práticas;

Contribuir para o planejamento e organização dos serviços básicos de saúde no município na medida em que os resultados da pesquisa possam se constituir em estratégias para o Programa de Saúde da Família na atenção à Saúde Mental da população de Camaragibe;

Desenvolver uma pesquisa participativa, possibilitando o envolvimento ativo das equipes de execução do PSF, na medida em que se leve em conta suas experiências objetivas e subjetivas e lhes possibilitem atuar em todos os momentos do processo de construção da proposta de atuação em Saúde Mental no programa.

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3. ALGUNS ELEMENTOS TEÓRICOS

Partiremos do pressuposto de que as representações sociais dos membros das equipes das USFs acerca da saúde mental e consequentemente das formas de intervenção sobre esta são influenciadas pela própria história da psiquiatria, embasadas ainda hoje pela concepção biomédica de doença, consonante com a visão cartesiana que dicotomiza corpo/mente, privilegia a sintomatologia e o diagnóstico, atuando sobre estes de forma isolada do contexto de vida dos indivíduos.

Pautada sob essa concepção, também predomina na organização dos serviços de atenção básica, uma concepção dicotomizada dos cuidados com a saúde, em que cabe a estes atuarem em moldes preventivistas, privilegiando ações diretamente relacionadas com a evitação de sintomas ou doenças.

Consideramos que conhecer e discutir essas concepções, que são historicamente situadas, nos possibilitará recuperar, juntamente com os atores envolvidos no processo de criação de uma nova proposta, a origem dessas representações que influem hoje nos serviços, na perspectiva de transformá-las.

Essa fundamentação téorica objetiva uma retrospectiva histórica da psiquiatria e consequentemente da atenção básica em saúde voltada para a saúde mental, enquanto matéria- prima de trabalho com os grupos de discussão no decorrer da pesquisa.

Optamos por um breve histórico sobre as transformações que vêm ocorrendo no modo de conceber e praticar a atenção psiquiátrica com o objetivo de situarmos de onde parte e em que se baseia a proposta de Saúde Mental do município de Camaragibe, que, se coloca hoje enquanto tentativa de realização de uma prática voltada para os princípios do atual Movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira. Buscaremos mostrar um pouco as raízes e o conteúdo desse movimento, que influencia diretamente não só a experiência de Camaragibe, mas de outros municípios brasileiros que buscam romper com o esquema tradicional de atendimento psiquiátrico, de cunho manicomial.

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3.1. Antecedentes Históricos da Oesinstitucionalização

Seguiremos a trajetória encontrada em AMARANTE (1995), percorrendo desde os antecedentes históricos da Reforma Psiquiátrica, passando pelos sucessivos momentos de crise e transformações, até os dias de hoje.

Inicialmente, inspirado nas leituras da História da Loucura, de Michel Foucalt (1978 ) e Manicômios, prisões e conventos, de Erwing Goffman (1974), Amarante situa o surgimento da Instituição Psiquiátrica e da Psiquiatria, partindo da Idade Média, onde a loucura, sinônimo de desrazão, convivia cotidianamente nas cidades, sem a caracterização de doença. Adquire, porém, no século XIX, estatuto de doença mental (conceito, etiologia, sintomatologia e prognóstico), a partir da constituição da medicina mental enquanto campo de saber teórico-prático, quando

"há

a

produção de uma percepção dirigida pelo olhar científico sobre

o

fenômeno loucura e sua transformação em objeto de conhecimento: a doença mental. "(AMARANTE, 1995:24).

O "internamento", ou recolhimento, seguindo essa rota de mudanças de paradigma, da desrazão à doença mental, passa da prática de guarda e "proteção"

da Idade Clássic1, não só destinada aos loucos, mas a todas as categorias de

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marginais, doente$ e excluidos, portanto sem caráter medicalizante, à segregação e enclausuramento \destinado aos alienados. Eles são objeto da prática médico-!

psiquiátrica a partir do momento em que se estabelece as bases da psiquiatria '

enquanto saber organicamente articulado ao contexto da época moderna. A i

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desrazão, agora alienação, torna-se objeto de estudo de um ramo da medicina, que lhe imprime uma

~osografia,

e um projeto de intervenção baseado no tratamento moral, uma vez que se associa à doença mental um agregado que a distingue das

I

demais doenças: ~ periculosidade, que justificaria uma outra forma de atuação

I

diante desses indivíduos: a tutela (AMARANTE,op.cit).

Até o evento do Positivismo, no século XIX, à psiquiatria cabia a tarefa de enclausurar, classificar e nomear as doenças mentais, sem no entanto perseguir seus nexos causais. No entanto, a biologia positivista, baseada no binômio causa- efeito, levou a ciência a trabalhar sob o modelo de causalidade, fazendo da medicina mental uma prescrutadora da gênese das doenças mentais. Do internamento para observação e classificação das doenças passa-se ao

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internamento para observação e conhecimento destas, objetos evidentemente, de um saber em particular, o saber médico, sob o teto da instituição hospitalar (AMARANTE,idem).

Não é nosso objeto um estudo sobre a história da psiquiatria, mas queremos mostrar com isto como ocorreu a gênese de uma cultura que ainda hoje embasa as práticas psiquiátricas, a qual a reforma psiquiátrica atual procura dissolver: a cultura manicomial.

Até o pós-guerra, a atenção psiquiátrica, de caráter medicalizante e hospitalocêntrico, gestada no período acima mencionado permanece sem grandes questionamentos. No entanto, a partir da déc. de 40, o aumento de demanda por internações e um grande número de pacientes cronificados no interior dos muros dos hospícios, passa a ser desencadeador de reformas que põem em questão a instituição asilar e/ou o monopólio do saber médico nessa área.

Destacam-se como representantes desses movimentos reformistas: a psicoterapia institucional e a psiquiatria de setor francesas; as comunidades terapêuticas na Inglaterra e a psiquiatria preventiva nos EUA Todas reviram de alguma forma as práticas tradicionais e propuseram reformas, embora não tenham conseguido fugir ao modelo dominante, hospitalocêntrico. Tal ruptura só vem a ocorrer com a experiência italiana, que consegue ultrapassar os objetivos reformistas, colocando uma proposta inteiramente substitutiva ao modelo dominante de caráter manicomial.

Embora as experiências reformistas não tenham se constituído enquanto propostas que revertessem o paradigma dominante, importa deixar patente a influência que tiveram sobre a extensão dos serviços para fora dos muros dos hospitais, ou ainda, sobre o questionamento da perspectiva puramente individual (com a introdução do trabalho com grupos). Importa chamar atenção para um certo alargamento da visão sobre a doença mental, sobre a "quebra" do hermetismo do saber médico que o desenrolar dessas experiências permitiu.

Mesmo o momento atual, a desinstitucionalização, não se dando a partir, especificamente, dessas experiências, elas significaram, malgrado seus equívocos, uma mudança de rota, e estão presentes ainda hoje, não só enquanto práticas, mas enquanto fontes inspiradoras de concepções, introjetadas tanto no imaginário dos

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---\

profissionais de saúde quanto dos usuários dos serviços. É fundamental então explicitar, embora resumidamente, algumas características desses movimentos:]

Segundo AMARANTE (1995:29) "o termo comunidade terapêutica passa a caracterizar um processo de reformas institucionais, predominantemente restritas

ao

hospital psiquiátrico e marcadas pela adoção de medidas administrativas democráticas, participativas

e

coletivas, objetivando

a

transformação da dinâmica institucional asilar'~ responsável pelo agravamento das doenças mentais.

Preconiza a terapêutica de grupos, via grupos de discussão, grupos operativos, grupos de atividades, onde participam internos, técnicos, familiares e comunidade. O tratamento estava baseado na modificação das relações no interior da instituição asilar, que passava a atuar de uma forma mais democratizante possível, com objetivos de reabilitação dos pacientes e humanização dos hospitais psiquiátricos.

Ainda questionando o espaço asilar, as reformas inspiradas nas idéias de François Tosquelles, francês, sob o nome de Psicoterapia Institucional (1952), previam a necessidade de se resgatar o potencial terapêutico do hospital psiquiátrico a partir do tratamento das próprias instituições asilares, consideradas doentias e portanto causadoras/agravadoras das doenças. As críticas a esse movimento referem-se principalmente ao fato dele enfatizar a instituição psiquiátrica, enquanto lugar legítimo de tratamento das doenças, sem questionar portanto a função social de exclusão da psiquiatria. Sua proposta de reformas visa tratar principalmente a estrutura hospitalar doentia, para que a mesma possa ter condições de cuidar habilmente dos indivíduos doentes que recebe.

Diferente dos dois movimentos acima descritos, a Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria Preventiva ultrapassam os muros do hospital quando declaram-no incapaz de responder sozinho às necessidades dos pacientes, colocando as intervenções para o meio externo, ou seja, a comunidade.

A Psiquiatria de Setor, originada na França do pós-guerra, predominando principalmente nos anos sessenta, tem como princípio "a visão de que a função do hospital psiquiátrico se resume

ao

auxílio no tratamento, restringindo

a

internação

a

uma etapa, destinando o principal momento para

a

própria comunidade"

(AMARANTE, 1995:36). Pressupõe uma atuação territorial, sob responsabilidade de uma equipe multiprofissional, em todos os níveis de atenção, sem no entanto perder

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o vínculo com a hospitalização e sua consequente cultura, ou seja, embora dirija seu raio de ação para um território (o setor), continua tendo como referência o hospital psiquiátrico.

Por fim, na década de setenta e oitenta, surge e se desenvolve nos EUA a Psiquiatria Preventiva, embasada teoricamente no modelo da História Natural das Doenças4 de Leavell & Clark (1976), e tendo como principal teórico, na psiquiatria, Gerald Caplan {CAPLAN, 1980), que postula uma adequação do modelo acima para as doenças mentais.

Propõe uma intervenção precoce (nível primário e secundário), que funcionaria como uma barreira para o desenvolvimento das doenças, e a consequente necessidade de internação psiquiátrica, pondo-se gradativamente um fim aos hospitais psiquiátricos, pela falta de demandas já que o circuito que leva os pacientes até estes seriam interpelados em sua fase inicial.

Essa intervenção, segundo Caplan, deveria ocorrer na fase pré-patogênica, embora não se conheça a causalidade das doenças mentais, ou seja, sua história natural, eis uma das maiores críticas a este modelo. O autor, ainda, supõe algumas situações de risco de adoecimento (por exemplo, os ritos de passagem, as situações de perda, conflitos familiares, desadaptação social, problemas orgânicos,dentre outros).

O preventivismo, objetivando não apenas a cura, mas a profilaxia das doenças mentais, inaugura um novo termo e um novo objeto: a saúde mental, conceito trazido do âmbito da saúde pública, aliado à concepção de promoção de saúde em oposição à simples cura de doenças (AMARANTE, 1995).

LANCETTI (LANCETTJ, 1989) critica a adoção dos ideais preventivistas que, a partir da psiquiatria preventiva, tem se colocado como a vanguarda dos programas de saúde mental. Parte da análise aos princípios postulados por Caplan, que ao propor a adoção de programas de saúde mental em níveis hierárquicos de atenção (primário, secundário e terciário) considera a doença enquanto desvio e desadaptação, de acordo com a psiquiatria tradicional.

4 Este modelo, pai da prática médica preventiva, parte do principio de que as doenças, possuem uma história natural em seu desenvolvimento, composta de fases que vão da pré-patogênese à patogênese. A fase inicial, pré-patogênica, não se apresenta

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O autor supracitado chama a atenção para a infinidade de ações que se realizam sob o nome de prevenção, desde a "busca de suspeitos" à ações comunitárias despolitizantes e tutela do Estado para com os sujeitos carentes.

Conclui, apoiado nas idéias de Franco Rotelli (ROTELLI, 1980), que é a própria prevenção, da maneira como vem sendo desenvolvida, que deve ser objeto de prevenção, juntamente com a instituição manicomial.5

O autor chama a atenção para o fato de que é o objeto de intervenção que determinará ou não a procedência de práticas baseadas na profilaxia, e que no caso dos transtornos mentais, por não terem sua etiologia pré-determinada, as ações calcadas na prevenção tem servido como mais uma forma de controle social que promoção de saúde.

A conclusão de LANCETTI, assim como Rotelli (ROTELLI,1990) desloca a prevenção para um outro nível, qual seja, para outras práticas de saúde, para o campo jurídico, para o manicômio, para a cronicidade e para a própria prevenção, nos moldes em que vem sendo desenvolvida.

Outros autores também fazem crítica à psiquiatria preventiva caplaniana, chamando atenção para sua inconsistência teórica e sua iatrogenia. ALMEIDA . (1983) considera que este tipo de prevenção enfatiza sintomas isolados do contexto sócio-político em que aparecem, além de trazer efeitos iatrogênicos inevitáveis:

formação de estereótipo, veiculando uma lista de comportamentos que a medicina considera sintomas de. doença mental, "marcando-se" os doentes ou possíveis doentes; posssibilidade de se encaixar o "suspeito" como doente mental, levando à rotulação pública, à diagnose, e ao consequente ingresso dessa pessoa "desviante"

na "carreira" de doente mental, sem falar que essa carreira tem características cronificantes.

O autor supracitado conclui demonstrando que o corpo teórico da medicina preventiva não se aplica à psiquiatria, uma vez que não existem evidências da história natural das doenças quando nos referimos aos transtornos psíquicos ou às doenças mentais, vez que não existem instrumentos para sua detecção, nem tampouco os métodos de tratamento precoce existentes são eficazes.

5 No entanto, chama a atenção para o fato de que "haveria que distinguir a prevenção num programa de saúde do trabalhador. Os programas de saúde do trabalhador são francamente preventivos e implicam, quando atingem seus objetivos de elevação dos valores vitais, conquistas politicas dos traballhadores e também prevenção da doença mental. Condições de trabalho menos adoecedoras e a recuperação da saúde por parte dos trabalhadores propiciam imediata elevação da saúde mental" (LANCETTI, 1989).

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As experiências reformistas acima mencionadas ainda encontram-se presente na realidade atual, muitas vezes sob a denominação de novas, porém com as mesmas características que as transformam quase sempre em experiências que conseguem mudanças em relação à humanização do tratamento hospitalar e à implantação de serviços comunitários, conservando porém a postura de tutela que o paradigma tradicional (manicomial) enseja na relação com os usuários.

Partindo dessa crítica, se desenvolve a experiência italiana de desisntitucionalização, que significará um questionamento da essência dessa cultura manicomial, propondo uma substituição do modo de entender e lidar com os trantornos psíquicos, o que suscitará a necessidade de transformações além do aparato institucional, jurídico, em um mar não antes navegado: a cultura, as representações.

Tentaremos mostrar, através da exposição dé seus princípios fundamentais, em que consiste esse processo de desinstitucionalização, como se originou, e por que é hoje fonte inspiradora não só para as experiências brasileiras, mas a nível mundial. O que há de novo nessa experiência.

3.2. A Desinstitucionalização

Conservando das experiências anteriores (Comunidades Terapêuticas e Psiquiatria de Setor) apenas os princípios democráticos das relações entre os atores institucionais e a idéia de territorialidade (BARROS, 1994) a Psiquiatria Democrática ltaliàna, na figura de Franco Basaglia inicialmente, propõe a desconstrução do paradigma racionalista problema-solução (ROTELLI, 1990) que imprime à psiquiatria, como à medicina, a atuação baseada na dualidade diagnóstico-prognóstico, reduzindo o objeto da psiquiatria à doença mental e seu objetivo à cura desta, tendo como base o modelo causal das doenças e a oposição normal-patológico.

Evidenciando-se a inconsistência desse paradigma em relação à psiquiatria, uma vez que o objeto doença mental não se adequa ao modelo causal, e muito menos ao objetivo cura, expressa na realidade de cronificação e da exclusão imposta pelos manicômios aos indivíduos portadores de sofrimentos psíquicos,

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propõe-se uma mudança que visa essencialmente deslocar esse objeto histórico da psiquiatria.

Postula-se a retirada da doença enquanto objeto da psiquiatria, ocupando o seu lugar o doente, ou seja, "colocar em parênteses a doença e se preocupar com o doente" (BASAGLIA, 1990)", ou como comentou BARROS (1994:55) "sair do modelo médico-psicológico de recuperação da pessoa, e remoção da doença, para a necessidade de emancipação de uma condição de vida"

Segundo Rotelli, (ROTELLI, 1990:29) se propõe "uma intervenção prática que remonte a cadeia das determinações normativas, das definições científicas, das estruturas institucionais, através das quais a doença mental - isto é, o problema - assumiu aquelas formas de existência e de expressão" (. .. ) "a desinstitucionalização é um trabalho prático de transformação que,

a

começar pelo manicômio, desmonta a solução institucional existente para desmontar (e remontar) o problema"

Com a mudança do objeto da psiquiatria, da doença mental para a

"existência-sofrimento" dos pacientes e sua relação com a realidade que o cerca, põe-se em prática toda uma desmontagem do aparato institucional, cultural, construído em torno do objeto-doença, quais sejam, "o conjunto de aparatos científicos, legislativos, administrativos, de códigos de referência cultural e de relações de poder" (ROTELLI, 1990), substituindo-se o objetivo-cura, pelo objetivo emancipação terapêutica, que significa a reconstrução das pessoas como atores sociais.

Para Rotelli, citado por Barros, "o problema principal para os atores da desisnstitucionalização não é remover sintomas, mas criar muitas possibilidades de vida dentro de um modelo cultural que não seja mais de custódia ou tutela, mas de participação na construção de projetos que aumentam as possibilidades e probabilidades de vida" (BARROS, 1994,55), o que significa buscar para os indivíduos que vivenciam momentos existenciais de sofrimento a maior inserção social possível, transformando as relações de poder existentes.

De acordo com a literatura6 podemos enumerar algumas características que embasam a proposta italiana e que significam mudanças paradigmáticas, não enquanto alternativas, mas como substitutivas aos modelos tradicionais e/ou reformados, quais sejam:

6 ROTELLI (1990), DELGADO (1991), BARROS (1994), AMARANTE (1994e 1996), BASAGLIA (1965).

(20)

• a vida grupal como necessidade de todos, se referindo à inserção dos indivíduos na comunidade e desta nas questões referentes à loucura, como estratégia de redefinição da relação sociedade-loucura, visando a quebra da cultura tradicional, que vê como sinônimos periculosidade e loucura;

• descaracterização do espaço asilar enquanto locus, e do isolamento enquanto necessidade para o tratamento, passando a encará-los enquanto espaço político de exclusão social;

• concepção da doença enquanto fato específico, que requer uma intervenção técnica, e como fato social, que requer uma intervenção política;

• efetivação da cidadania, que diz respeito não só aos indivíduos portadores de transtornos psíquicos, mas a todos os sujeitos de exclusão social;

• independência econômica e subjetiva dos indivíduos, através do estabelecimento de ações que visem o crescimento de suas autonomias nas trocas sociais e nas relações institucionais, pondo fim ao esquema de de tutela e assistencialismo predominante na relação tradicional;

• construção e implantação de serviços substitutivos ao manicômio, pautados no novo paradigma, proporcionando atendimento integral, baseado no novo entendimento de saúde, que, mais que o sentido médico, diz respeito à qualidade de vida e à reprodução do bem-estar psicossocial e cultural, onde a clientela não seja classificada por diagnósticos, tipos, comportamentos ou classes;

• atendimento com base territorial, proporcionando atenção integral, não hierarquizada por níveis de atenção;

• assunção, por parte das equipes e dos serviços, do conceito de "tomada de responsabilidade", que significa, segundo DELL'ACQUA (1991 :62;63), f{a disposição em apreender as diversas formas e momentos da existência que sofre (... ) assumir a demanda com todo o alcance social conectado ao estado de

sofrimento'~

Podemos concluir, diante da incursão histórica realizada, que a atenção à saúde mental organizada sob as diferentes formas citadas, reflete e refletiu sempre as concepções predominantes em determinada realidade, e que embora tenham sofrido influência direta da estrutura social e política de cada momento, se mantiveram principalmente ancoradas nas representações dos membros envolvidos

(21)

\

Foram as concepções predominantes em determinado momento que referendaram ou não a necessidade de se tratar dessa ou daquela forma a velha questão do trato aos transtornos psíquicos. E o corte epistemológico advindo da experiência italiana, representa hoje um divisor de águas entre um antigo (as vezes reformado) e um novo modo de lidar com esses transtornos.

Como parte desse todo, a atenção básica em saúde mental acompanhou e acompanha o curso dessa história, sendo organizada de acordo com as

I

representações dominantes.

Historiando o caso brasileiro, AMARANTE (1995) identifica a exixtências de trajetórias no movimento psiquiátrico, que vão influenciar a organização dos serviços e o modo de se entender os transtornos psíquicos.

• trajetória higienista: do séc. XIX ao início do séc.XX, caracterizada por uma atenção disciplinadora, onde a psiquiatria atua como um poder auxiliar na organização das instituições e do espaço asilar, próprias do modelo da medicina social; como um instrumento técnico-científico de poder;

• trajetória de saúde mental: situada no pós-guerra, na déc. de 60, quando as idéias profiláticas anteriores, embora não abandonadas, dão lugar à noção de promoção da saúde mental, embasadas pela concepção multicausal das doenças, passando a ser o objetivo da psiquiatria, além da terapêutica, a prevenção das doenças mentais, e seu objeto a saúde mental. A fonte de inspiração são o preventivismo, as comunidades terapêuticas e a política de setor francesa;

• trajetória alternativa: seria o primeiro momento do atual Movimento de Reforma Psiquiátrica, coincidente com o fim do período autoritário e início do processo de abertura política no país (final dos anos 70), numa conjuntura de questionámentos e de demandas por organizações de cunho democrático. Surge o

Movim~nto

dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) enquanto principal ator do pjocesso de mudança na saúde mental;

• trajetória sanitarista: nos anos 80, auge do Movimento de Reforma Sanitária, que juntamente com o movimento psiquiátrico passa a ser incorporado pelo Estado, ocupando cargos na reorganização do sistema de saúde. Nesse momento se faz presente a influência das diretrizes da OPAS, sendo encaminhados a nível de novas práticas, planos de medicina comunitária, preventiva ou de atenção

(22)

pnmana, baseadas nos princ1p1os de Universalização, Regionalização, Hierarquização, Participação Comunitária, Integralidade e Equidade.

• trajetória da desinstitucionalização: quando o movimento psiquiátrico afasta-se do sanitarismo, adotando a desinstitucionalização enquanto desconstruçãolconstrução no cotidiano de uma nova forma de lidar com so sofrimentos psíquicos, transcendendo os modelos médicos, buscando não atuar com a doença, mas com as pessoas em sua existência-sofrimento. Propondo reformas de leis, novos serviços baseados na nova lógica, e a extinção progressiva dos manicômios.

A atenção básica, no que se refere à saúde mental, acompanha as

!

cdmcepções da medicina e da saúde como um todo uma vez que, embora se tenham

m~dado

as trajetórias, o discurso médico psiquiátrico sempre foi dominante. Mesmo

di~nte de propostas comunitárias.

Embora o período atual, de desinstitucionalização, esteja colocado hoje como ruptura aos modelos anteriores, é importante atentar para o fato de que as novas práticas colocadas até o momento, em sua maioria, não conseguem ir além dos discurso, conservando as características de períodos higienistas, preventivistas ou sanitaristas.

Mais uma vez cabe ressaltar que as mudanças atuais parecem não conseguirem ainda alcançar a dimensão subjetiva dos sujeitos envolvidos, em sua maioria, quer sejam profissiohais de saúde, usuários, familiares, população.

3.3. A Atenção Básica em Saúde Mental

Além da contextualização histórica acima, propomos uma visita aos conceitos que perpassam esse nível de atenção, entendendo que passa por aí, pela constituição histórica dessas práticas, o que hoje alimenta as representações das equipes de saúde, dos gestores, e da comunidade, conformando-se no que podemos chamar cultura da atenção primária.

A atenção primária enquanto medida de intervenção se define e ganha força principalmente nos anos 70, culminando com a Conferência Internacional Sobre Cuidados Primários, em 1978, em Alma-Ata, que a concebeu como:

(23)

" a acessibilidade de todos os indivíduos

e

famílias de uma comunidade a serviços essenciais de saúde prestados por meios que lhes sejam aceitáveis, através de sua participação integral

e

a custo que a comunidade

e

o país possam absorver. Como tal, são parte integrante tanto do sistema nacional de saúde, do qual constitui o núcleo, como do desenvolvimento sócio-econômico geral da comunidade."

Representam "o primeiro nível de contato de indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, aproximando-se ao máximo possível os serviços de saúde dos lugares onde o povo vive e trabalha" (ALMA-ATA, 1978).

Seguindo a rota histórica traçada em nosso estudo podemos situar claramente esse entendimento na trajetória de saúde mental, bem como na trajetória sanitarista, ambas enraizadas nos ideais preventivistas, que postulam ações educativas, promocionais e assistenciais, com participação popular, realizadas por equipe multiprofissional, de preferência a baixo custo.

Fazem parte desse tipo de atenção os tratamentos de doenças e lesões comuns, cuidados de saúde materno-infantil, imunizações, fornecimento de medicamentos básicos, distribuição de alimentos a grupos vulneráveis, educação para a saúde, prevenção e controle de doenças localmente endêmicas, promoção de saúde mental e apoio às atividades de saneamento ambiental (ALMA-ATA, 1978).

O conceito de Alma-Ata, suportando as críticas subseequentes, dá suporte até os dias de hoje à organização da atenção básica, compreendida enquanto o primeiro nível de atenção, que carece de apoio de estruturas mais complexas para garantir atendimento dos casos que

o

requeiram, através da regionalização e hierarquização dos serviços.

No contexto da atenção psiquiátrica, nível básico, baseado nesse entendimento, se localizou (ou se localiza?), quando muito, na interferência precoce sobre os fatores de risco de adoecimento mental, como a atenção à criança, a atenção aos momentos de crise (ritos de passagem: adolescência,menopausa,etc, situações de perdas, dentre outras), encarando-os como possíveis desencadeadores de adoecimento psíquico. (qualquer semelhança com a história natural das doenças e com

o

modelo Caplaniano, não é mera coincidência ... ).

Podemos afirmar que a existência no Brasil de uma cultura de atenção primária enquanto atenção básica, faz com que os discursos e as práticas existentes não consigam ultrapassar os limites do prevencionismo.

(24)

A atual proposta de desinstitucionalização, ao propor atividades que o superam, indo em busca de transformações culturais, ou seja, que atinjam a subjetividade, encontra nas representações dominantes, de caráter manicomial e medicalizante, uma barreira, que muitas vezes não é explicitada.

Os atores, embora assumam o discurso desinstitucionalizante, atuam orientados ainda pela cultura anterior.

Percebemos nos Programas de Saúde da Família- PSFs, uma possibilidade de mudança no que se refere a esta problemática, mais pelas características próprias da proposta de medicina familiar que pelos objetivos explícitos dos atores envolvidos no programa.

O cotidiano de uma Unidade de Saúde da Família leva os profissionais a atuarem numa perspectiva psicossocial, assumida em apenas em seus discursos, sob a alegação que é a pressão da realidade que traz essa dimensão para a Unidade de Saúde, tanto nos momentos de consulta na própria unidade, quanto nos momentos de visitas domiciliares que a equipe realiza rotineiramente.

Diante da riqueza desses momentos é que vislumbramos a atenção básica em saúde mental, que pra nós, passa muito mais por ações emancipadoras nesse cotidiano junto a essa população, que por detecção e acompanhamento de casos psi.

Englobaria não somente as famílias com experiência psiquiátrica, mas toda a comunidade, pois estamos nos referindo a ações que são demandas de todos, pois entendemos que no momento que se estabelece a relação população-equipe de saúde, esta deve ser concebida enquanto uma relação que conceba o usuário de forma integral, com necessidades físicas, psicológicas, sociais, inserido numa cultura determinada, numa organização social determinada.

SARRACENO (1993:29) faz uma distinção entre atenção à saúde mental e atenção psiquiátrica, concebendo a segundo como uma parte da primeira. Para ele o Sistema Geral de Atenção para a Saúde Mental, baseado em uma concepção psicossocial do trabalho, compõe-se de subsistemas intercomunicantes:

(25)

SISTEMA GERAL DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL

SISTEMA DE ATENÇÃO ATENÇÃO PRIMÁRIA ATENÇÃO COMUNITÁRIA

PSIQUIÁTRICA (NivEL SECUNDÁRIO)

detecção da demanda simples; manejo detecção da demanda; manejo dos diagnóstico; manejo dos casos graves; dos casos simples ( depressão leve, casos encaminhados pela atenção encaminhamentos para o nlvel primário reação de ansiedade) autolimitantes, primária e pelos serviços de psiquiatria;

e comuntitário; formação e supervisão epilepsia, alcoolismo, doenças encaminhamentos dos casos que não do pessoal da atenção primária ou psicossomáticas, idosos; supervisão podem ser acompanhados nesse nrvel;

comunitária; coleta de dados; do pessoal comunitário e educação; trabalho nas famllias e na comunidade;

acompanhamento nos hospitais gerais e coleta de dados essenciais; referência apoio e socialização.

trabalho para reduzir a utilização do dos casos que não podem ser manicômio como tratamento acompanhados nesse nlvel Fonte: SARACENO (op.c1t.)

Uma tentativa de superação do esquema tripartite da Psiquiatria Preventivista (atenção primária/prevenção, atenção secundária/cura e atenção terciária/reabilitação) é a proposta supracitada de atenção integral em Saúde Mental. Nesse sentido existem três espaços intercomunicantes de assistência: um , comunitário, desenvolvido pelos agentes de saúde, outro, generalista, mas com atenção em Saúde Mental (como a proposta das equipes técnicas das USFs) e por fim, aquela especializada, e que seria a atenção psiquiátrica.

Uma outra proposta, no bojo da desinstitucionalização, sugere uma assunção, pela mesma equipe, de todos os níveis da atenção, propondo que a divisão se dê, tendo como referência o território e não os "níveis de complexidade da doença", que classificam as vidas das pessoas a partir de seus diagnósticos.

Adotaremos como pressuposto de trabalho a idéia (ou constatação?) de que a subdivisão por níveis de complexidade da doença, fundamentada numa classificação por diagnóstico, influenciada pelo modelo preventivista (atenção primária, secundária e terciária) ainda predomina hoje em grande parte dos modelos assistenciais. Mesmo os serviços, ditos pautados pelo novo paradigma - o da desinstitucionalização ... no nosso caso, especialmente os de Camaragibe7,

ainda não conseguem fugir dessa influência, que se encontra encravada não apenas ao nível teórico da organização dos serviços, mas interiorizada na dimensão

7 Estamos nos referindo ao caso de Camaragibe por se tratar de nosso campo de pesquisa, porém esta é uma realidade que parece está presente na maioria das experiências brasileiras, qual seja, os novos serviços em saúde mental sendo organizados sob a lógica do diagnóstico.

Camaragibe avança quando situa o âmbito de ação das USFs tendo como base o território, o que poderá, a longo prazo, ser a referência das ações de saúde mental, em vez dos diagnósticos psiquiátricos.

(26)

subjetiva e prática dos membros das equipes de saúde, o que vai além das concepções dos planejadores em Saúde Pública.

Essa interiorização faz com que só se consiga pensar ações básicas enquanto medidas de prevenção e promoção de saúde, ancoradas no entendimento médico, ficando difícil se conectar com o objetivo maior da desinstitucionalização psiquiátrica: a emancipação terapêutica dos cidadãos.

Vejamos como exemplo o fluxograma da proposta de atenção à saúde mental de Camaragibe:8

8 O NAPS, Núcleo de Atenção Psicossocial destina-se ao atendimento dos portadores de psicóticos agudos, neuróticos graves, egressos de internações, referidos de Centros de Saúde, emergências psiquiátricas, hospitais ou ambulatórios de psiquiatria;

O CEMEC, Centro de Especialidades Médicas destina-se a atender especialmente a demanda ambulatorial em psiquiatria, além de realizar pronto-atendimento;

Os CENTROS DE SAÚDE, realizam atendimento ambulatorial em psiquiatria e psicologia, destinado à clientela em geral, adultos, jovens, crianças, adolescentes e idosos, com dificuldades emocionais,psicossomáticas,etc,ou em momentos de crise;

As USFs, realizarão, além do acompanhamento aos casos mais simples, detecção da demanda para outras instâncias, além de realizar trabalhos de educação em saúde; sua clientela são todas as famflias cadastradas em cada área de abrangência.

(27)

...,,

r-,,

r--,,

(28)

~.

Nos parece que ainda nesse fluxograma predomina uma visão tripartite, orientada por diagnósticos, pois o usuário deverá ser "encaixado" nesta ou naquela instância, caso esteja mais ou menos grave, passando algum tempo em um determinado serviço, que ao lhe dar alta, o encaminhará para uma outra equipe, que o atenderá também naquele momento, e o dispensará para outro serviço ou para casa, perdendo-se em sucessivas passagens o vínculo de acolhida e de tomada de responsabilidade que a desinstitucionalização sugere.

Uma primeira visão sobre este modelo leva a pensar que mudam os . serviços, mas que a lógica permanece, centrada no diagnóstico. E que a atenção básica corre o risco de ficar como em épocas anteriores, confusa, não sabendo o que lhe cabe, já que as competências que, historicamente, lhe foram destinadas são específicas, voltadas para a atenção primária em saúde, onde não há lugar para ações de saúde mental.

Confusão agora agravada pelo novo discurso da Proposta de Saúde Mental do município , que apregoa um novo objetivo para esta instância "atuar na .mudança cultural, na eliminação dos preconceitos que envolvem . a loucura"(CAMARAGIBE:1996), imputando-lhe uma responsàbilidade que a nosso ver deve estar presente em todo o sistema, não só no nível básicO.

Nesse sentido, perc~bemos como atenção para a saúdé mental, não tpenas a prestação de serviços médicos, saneamento,etc, porém algo que vai mais éjllém, que passa pela modificação no modo de apreender e lidar com os sujeitos

I

que demandam os serviços dé saúde. Não somente os casos psiquiátricos, mas

I

t~mbém, uma atuação que tenha como objetivos, atender uma demanda interna

'! I

desses sujeitos, o que poderá leva a uma mudança de concepções, práticas, s,entimentos, valores, ou seja, uma mudança a nível cultural, que deverá ser objeto

t~nto

das ações básicas quanto das demais dimensões do sistema.

I

1 . Significa trazer as diretrizes de desconstrução/reconstruçãolconstrução para

OI

cotidiano, não dos sofrimentos psíquicos, mas da vida dos sujeitos carenciados, o que vai requerer, certamente, um movimento interno dos membros

d~s

equipes de saúde, pois senão, como trabalhar sob um novo paradigma se não

I 1.

os temos internalizados? Como ensejar novas relações se estamos orientados por velhas concepções?9

(29)

\

Em síntese, é sobre essa atuação mais holística, menos bi ou tripartida que conseguimos perceber uma atuação básica para a saúde mental, na medida em que aos indivíduos que demandem à instituição de saúde, seja ela qual demanda for, psi ou não, sejam resgatados sua cidadania, na medida que com estes se construam novas relações, baseadas no acolhimento da pessoa que sofre, situada em seu contexto social, político, individual, psicológico, enfim, situado na sua história.

3.4. As Representações Sociais

Conforme já foi salientado, utilizaremos como material de análise e de construção de proposta, a ser trabalhada, na fase de campo dessa pesquisa, as representações sacias dos técnicos das USF's a cerca da saúde mental. Estamos baseados no entendimento de que essas representações são influenciadas e influenciam o modo de se pensar e conduzir as práticas de saúde e que almejar uma mudança nas atuais práticas significará antes de tudo almejar uma mudança nessas representações.

O conceito de Representação Social, diferenciando-se do conceito sociológico de Representação Coletiva, origina-se de um processo de renovação temática, teórica e metodológica da Psicologia Social na Europa, a partir da crítica à natureza individual da Psicologia Social Americana e Inglesa, que não se mostrava capaz de dar conta das relações informais, cotidianas, da vida humana, em um nível mais social e coletivo (SÁ , 1993).

Para o autor supracitado, o maior representante desse movimento e criador do termo foi SERGE. MOSCOVICI, que objetiva em forma do conceito de Representação Social a observação de que na vida cotidiana há um processo de criação de saber, de teorias do senso comum, que orientam o comportamento dos indivíduos e que se expressam também através da linguagem.

MOSCOVICI apud SÀ (1993) fala da coexistência na sociedade de duas classes distintas de universos de pensamento:

• Universos Reificados: o universo da ciência oficial, do pensamento erudito, da objetividade, do rigor lógico e metodológico, da teoria abstrata, da compartimentalização em especialidades e da estratificação hierárquica;

(30)

• Universos Consensuais: o universo da interação social cotidiana, da teoria do senso comum, da lógica natural, onde a verificação se dá por métodos menos objetivos; o universo da conversação. É neste universo que se originam as Representações Sociais.

DENISE JODELET (1989) apud SÁ (1993), uma das principais continuadoras do trabalho de MOSCOVICI, resume o conceito de Representações Sociais dizendo que são "uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum

a

um conjunto social" .

É através das Representações Sociais que os indivíduos se apropriam da realidade, interpretando-a, percebendo-a segundo as suas referências sociais, culturais, psicológicas. É o modo do indivíduo se familiarizar com a realidade, e com ela se relacionar, o que se expressará em formas de comportamento, discursos, posturas, opniões, dentre outros.

A origem das representações para MOSCOVICI apud SÁ (1993), comporta os processos de objetivação e ancoragem.

Por objetivação, o autor denominou a função de duplicação de um sentido por uma figura, ou seja, de dar materialidade a um objeto abstrato, a um conceito.

Por ancoragem, compreende-se a função de duplicar uma figura (objeto) por um sentido, ou seja, interpretá-la, torná-la familiar. "consiste na integração cognitiva do objeto representado, sejam idéias, acontecimentos, pessoas, relações,etc-

a

um sistema de pensamento social preexistente e nas transformações implicadas"

(JODELET,1984) apud SÁ (1993).

Pretendemos com estes conceitos discutir com os técnicos das USFs como se deu e como se dá a formação de suas representações sociais no que se refere às ações básicas de saúde, e à saúde mental. Em quê e como o discurso hoje assumido pelos técnicos em relação a estes temas foi forjado pela história da Saúde Pública, da Psiquiatria e das experiências pessoais de cada um.

Pretendemos também facilitar, no momento dos trabalhos com os grupos, a possibilidade de apreensão das novas propostas para a saúde mental, baseadas nos princípios da Reforma Psiquiátrica e nos princípios da desinstitucionalização, indo além da reificação desses conteúdos e tentando torná-los consensuais, na

(31)

. 0.

_..._,_

~,

-,

"-..

'

'

\

medida em que as discussões atinjam várias dimensões da vida desses técnicos:

social, psíquica, pessoal, dentre outras .

31

(32)

_...--,

\

4. PERCURSO METODOLÓGICO

Estamos entendendo metodologia apoiados no conceito de MINAYO (1996,22), segundo a qual "a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam

a

apreensão da realidade e também o potencial criativo do pesquisador", significando que os aspectos metodológicos estão intrinsecamente ligados às abstrações teóricas produzidas, ao estudo da natureza do objeto pesquisado, bem como aos objetivos propostos pelo pesquisador.

Nos propusemos a contribuir para a elaboração de uma proposta de atuação em saúde mental a riível das ações básicas de saúde do PSF, o que, dada a complexidade do tema, significará um trabalho de criação (que estamos propondo coletiva), onde se necessitará momentos de discussões junto aos sujeitos envolvidos nas ações do PSF - as equipes de saúde - para, a partir de suas experiências cotidianas, de seus discursos e do corpo teórico discutido, se gestar uma proposta de atuação, que seja originada desse grupo, e não das elaborações teóricas de um pesquisador.

Diante de tal intenção optamos por realizar uma pesquisa participante, baseados no conceito encontrado em BRANDÃO (1984), segundo o qual pesquisa participante é um processo de criação conjunta do saber, realizado tanto pelo pesquisador tradicional (estudioso) quanto pelos outros atores envolvidos (população pesquisada), que deixa de ser objeto e passa a ser sujeito do processo juntamente com o primeiro.

Entendemos que esse processo de criação conjunta a que estamos nos propondo, embora não envolva os usuários das USFs, e sim apenas as equipes nesse primeiro momento, significará um salto qualitativo quando possibilitará ao

"pessoal de execução" (as equipes do PSF) oportunidade de participarem mais ativamente do planejamento das suas ações.

Segundo BRANDÃO (1984) não existe um modelo único de Pesquisa Participante, pois trata-se, na verdade, de adaptar em cada caso o processo às condições particulares de cada situação concreta, não existindo então modelo a ser

(33)

Pressupõe-se, de acordo com o autor, que qualquer pesquisa deverá passar por um momento de "montagem institucional e metodológica", ou seja, preparação do campo a ser trabalhado e definição do objeto; um momento de "estudo preliminar da situação a ser trabalhada", no caso, visitas exploratórias, que significarão um estudo aprofundado sobre o programa ao qual será campo de trabalho e da proposta de trabalho a ser pesquisada; e um momento de programação e aplicação de um plano de ação, que no nosso caso deverá fazer parte da pesquisa, a ser elaborado juntamente com os membros das USFs, entendidos enquanto sujeitos cognoscentes do processo de pésquisa.

Em resumo, a ação a ser desenvolvida por esta pesquisa será a elaboração de estratégias de atuação para o PSF em Camaragibe, no que diz respeito à saúde mental.

A natureza de nosso objeto, as representações sociais dos membros das USFs sobre ações básicas em saúde mental, implica obrigatoriamente uma abordagem qualitativa, e implica também na priorização de um elemento: a fala.

Para MINAYO {1996:109) a fala pode ser ({reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles) e

ao

mesmo tempo ter

a

magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições históricas, sócio- econômicas e culturais específicas". É concordando com esta afirmação que optamos por trabalhar basicamente com dois instrumentos de coleta e manuseio de dados, em que a palavra, o diálogo, são predominantes: a entrevista e as discussões em grupos (grupos focais).

Segundo MINAYO (op.cit), as entrevistas podem ser de vários tipos, que, segundo ela {{se resumem em estruturadas e não-estruturadas, entre as quais há várias modalidades que se diferenciam em maior ou menor grau pelo fato de serem mais ou menos dirigidas"

Nas entrevistas estruturadas o pesquisador aplica (direta ou indiretamente) questionários com roteiros fechados e pré-definidos; no tipo não-estruturada, a relação se dá através da interação direta pesquisador-atores sociais, onde não se segue um roteiro pré-definido, sendo este determinado pelo desenvolver de uma conversa. Incluem-se aí a história de vida e os grupos focais (MINAYO,idem).

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