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VENDA DE COISA ALHEIA NULIDADE REGISTO PREDIAL

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 03B3714

Relator: ARAÚJO BARROS Sessão: 29 Janeiro 2004

Número: SJ200401290037147 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA.

Decisão: NEGADA A REVISTA.

VENDA DE COISA ALHEIA NULIDADE REGISTO PREDIAL

AQUISIÇÃO PREFERÊNCIA CONSTITUCIONALIDADE

Sumário

1. A nulidade cominada no art. 892 do C.Civil reporta-se apenas às relações inter partes; nas relações com terceiros vale, em termos de eficácia, o prescrito na lei do registo predial, pelo que perante sucessivas aquisições derivadas incompatíveis a regra da prioridade da aquisição é substituída pela da prioridade da inscrição no registo

2. Assim, estando em causa dupla transmissão, por antecessor comum, de uma fracção autónoma e a consequente aquisição derivada dessa fracção, primeiro pelo autor e depois pela ré, perante as disposições dos nºs 1 e 4 do art. 5º do C. Registo Predial, prevalece a aquisição registada pela ré sobre a do autor que, apesar de anterior, não foi levada ao registo.

3. Não ocorre qualquer inconstitucionalidade na interpretação do artigo 5º, nº 1, do Código de Registo Predial, quando se considera que aqueles que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, não vêem esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" e mulher B intentaram, no 16° Juízo Cível de Lisboa, acção declarativa, com processo ordinário, contra "C - Equipamentos de Segurança Rodoviária, Limitada" e "D Investements Limited", pedindo que:

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a) seja declarada nula e sem efeito a compra e venda efectuada no dia 25/11/96 entre a 1ª e a 2ª ré mediante escritura celebrada no 2° Cartório Notarial de Lisboa, por ser venda de bem alheio;

b) seja ordenado o cancelamento do respectivo registo, aliás averbamento registral, junto da competente Conservatória do Registo Predial;

c) as rés sejam condenadas a reconhecer o autor como dono e legítimo proprietário da fracção em causa;

d) a 1ª ré seja condenada a devolver o local devoluto de pessoas e bens ao autor;

e) a 1ª ré seja condenada a indemnizar os autores por todos os danos por este sofridos resultantes da violação continuada do seu direito de propriedade desde o dia 31/01/95 e até que tal violação cesse, em virtude do não uso, fruição e gozo da referida fracção, bem como em todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo os honorários dos seus mandatários legais para

efeitos dos presentes autos.

Alegou, para o efeito, e em síntese:

- que o autor adquiriu à 1ª ré, por compra e venda, mediante escritura

celebrada em 13/09/94, uma fracção autónoma que identificou, tendo cedido gratuitamente àquela ré a utilização da referida fracção até ao dia 31/01/95;

- que a 1ª ré não lhe entregou a fracção e, no dia 25/11/96, vendeu-a à 2 ré, mediante escritura pública de compra e venda, que se encontra averbada na competente Conservatória do Registo Predial.

- que a 1ª ré está a utilizar a fracção desde o dia 31/01/95, sem título válido, impedindo o autor de a usufruir.

Contestou a 1ª ré alegando, em resumo, que:

- carece de eficácia a aquisição dos autores perante a sociedade adquirente

"D, L.da", uma vez que não existiu registo a seu favor, sendo válida e eficaz a aquisição efectuada por esta sociedade;

- a escritura de compra e venda efectuada com o autor é nula e de nenhum efeito, pois o que se pretendeu foi que este emprestasse dinheiro à 1ª ré,

constituindo aquela escritura uma garantia para o pagamento do empréstimo.

(3)

A 2ª ré contestou também, sustentando que é a única e verdadeira titular da fracção em causa, já que, não constando da Conservatória do Registo Predial qualquer indicação da existência de uma anterior venda, a compra e venda outorgada com a 1ª ré foi validamente feita, tendo produzido os seus efeitos.

Os autores replicaram, concluindo como na petição inicial.

Exarado, depois, despacho saneador, seleccionada a matéria de facto

relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu as rés do pedido.

Inconformados apelaram os autores, sem êxito embora, porquanto o Tribunal de Lisboa, em acórdão de 11 de Março de 2003, negou provimento ao recurso confirmando a sentença recorrida.

Desta decisão interpuseram agora os autores recurso de revista, pretendendo a revogação do acórdão recorrido com a prolação de decisão que respeite os pedidos formulados desde o início.

Contra-alegando separadamente, ambas as rés se bateram pela manutenção do julgado.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os recorrentes findaram as respectivas alegações formulando as conclusões seguintes (e é, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil):

1. Quem vende o que não lhe pertence realiza um acto nulo (art° 892° do Código Civil), não adquire um direito, não cria um direito nem transfere um direito que não tem.

2. Não há nenhuma incompatibilidade entre um acto válido e um acto nulo, nem nenhuma prioridade a definir entre um acto válido e um acto nulo.

3. O art° 291° do Código Civil só tem eficácia e aplicação precisamente em casos sujeitos a registo.

4. Ao não entender assim, o acórdão recorrido fez uma errada interpretação, aplicação e determinação das normas aplicáveis, violando o próprio direito constitucional de protecção da propriedade dos autores, ora recorrentes, e o

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direito de apreciação da (in)validade dos respectivos actos de compra e venda, pelo que violou os artigos 62° da Constituição da República Portuguesa e

408°, n° 1, 897°, n° 1, alínea a), 1317°, alínea a), 892°, 291°, 875° e 879°, alínea a), estes do Código Civil, encontrando-se ainda viciado de nulidade, tanto por omissão como por excesso de pronúncia, nos termos previstos nos artigos 660°, n° 2, 668°, n° 1, alínea d), e 731°, todos do Código de Processo Civil.

5. O contrato de compra e venda celebrado em 13 de Setembro de 1994, por ter respeitado a forma legalmente exigível, é plenamente válido, pelo que com tal acto se operou de imediato, a transferência da propriedade do imóvel para os ora recorrentes, nos termos do art. 875° e alínea a) do art. 879° do Código Civil.

6. O registo não é constitutivo, não é obrigatório, não é condição de validade do acto de transmissão de propriedade, e nem sequer é condição de eficácia nestes casos, pelo que desde 13 de Setembro de 1994, dúvidas não restam de que o autor era o proprietário da fracção.

7. O registo não só não é constitutivo como constitui mera presunção da existência de um direito (art° 7° do Código de Registo Predial), presunção essa que é ilidível (art° 350, n° 2 do Código Civil), por o registo se encontrar submetido à lei, não existir nenhum modo de aquisição do direito de

propriedade de prioridade ou de boa fé registral previsto no art. 1316° do Código Civil ou em qualquer outro diploma legal, nem qualquer preceito constitucional que se refira, sequer ao de leve, a um suposto direito de fé registral.

8. O art. 291°, n° 2 do Código Civil afasta a aplicabilidade do art. 5° do Código de Registo Predial no caso concreto.

9. Aplicabilidade essa que sempre estava afastada por força do art. 892° do Código Civil, do art. 13° do Código de Registo Predial e do próprio n° 4 do art°

5 do Código de Registo Predial, pois se o vendedor não tinha legitimidade para vender, nada foi adquirido, a não ser uma "dor de cabeça" - mas nunca um direito.

10. Pelo que o contrato de compra e venda celebrado entre a 1ª e a 2ª rés não pode ser reconhecido como constitutivo de direito de propriedade da 2ª ré, nem como restritivo do direito de propriedade dos autores ora recorrentes, por corresponder a uma venda de bem alheio para a qual a vendedora (1ª ré) carecia de legitimidade, sendo nula nos termos do art. 892° do Código Civil, e

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por a presente acção de anulação dessa mesma venda ter sido interposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio, nos termos do art. 291° do Código Civil.

11. O art. 5° do Código de Registo Predial, ao ser aplicado ao caso dos autos, está ferido de inconstitucionalidade por violar o previsto no art. 62° da

Constituição da República Portuguesa e o art. 18° da mesma Constituição.

12. Acresce que se verifica no caso dos autos uma recusa de aplicação do art.

62° da Constituição da República Portuguesa, directamente aplicável por força do art. 18° da mesma Constituição, em relação ao autor, ex vi dos arts. 875° e 879°, alínea a), do Código Civil.

13. Pelo que no caso concreto estão ainda a ser a ser violados os arts. 202°, n°

s 1 e 2, 203° e 204° da Constituição da República Portuguesa.

Encontra-se, em definitivo, assente pelas instâncias a seguinte matéria fáctica:

i) - o autor adquiriu por compra e venda, mediante escritura de compra e venda celebrada em 13 de Setembro de 1994 no 14º Cartório Notarial de Lisboa, à 1ª ré, "C - Equipamentos de Segurança Rodoviária, L.da", a fracção autónoma designada pela letra "C", a que corresponde a primeira cave, com entrada pelo n° 3-B da Alameda D. Afonso Henriques, constituída por um estabelecimento e o estacionamento com o n° 2 da terceira subcave, ou seja, na quarta cave, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Lisboa na R. Barão de Sabrosa, n°s 163 a 163-D, Alameda D. Afonso

Henriques, n°s 3 a 3-E e porta sem número para o impasse "A", à R. Barão de Sabrosa, descrito na 6ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 00105, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João sob o artigo 1267º;

ii) - nos termos da referida escritura, o autor cedeu gratuitamente à 1ª ré "C"

a utilização da referida fracção até ao dia 31 de Janeiro de 1995, "data em que a fracção deve ser entregue ao segundo outorgante completamente devoluta de pessoas e bens";

iii) - a 1ª ré continua a ter e manter a sua sede social registada no referido local;

iv) - no dia 25 de Novembro de 1996, a 1ª ré vendeu à 2ª ré a referida fracção, mediante escritura celebrada no 2° Cartório Notarial de Lisboa;

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v) - compra e venda essa que se encontra averbada na competente

Conservatória do Registo Predial pela inscrição G-3, de 26 de Novembro de 1996;

vi) - conforme consta da escritura de compra e venda foi estabelecido o preço de 52.000.000$00;

vii) - não consta na referida Conservatória do Registo Predial qualquer indicação de existência de uma anterior venda;

viii) - até ao presente momento a referida sociedade não entregou a referida fracção ao autor;

ix) - apesar das sucessivas interpelações que o autor tem feito desde Janeiro de 1995 aos sócios gerentes da sociedade "C, L.da" e, em especial, ao sócio gerente E;

x) - o referido local continua ocupado com pessoas e bens;

xi) - desde o dia 31 de Janeiro de 1995 que a 1ª ré carece de qualquer título válido para utilização da fracção;

xii) - a 1ª ré impediu o autor de usar, fruir e usufruir da referida fracção desde o dia 31 de Janeiro de 1995;

xiii) - o imóvel, aquando da aquisição para a ré, tinha sido adquirido anos antes na proporção aproximada de 1/3 por E e 2/3 pela "C", com dinheiros destes dois últimos;

xiv) - o sócio E procurou junto de sociedades de mediação imobiliária vender o imóvel;

xv) - todos os contactos foram frustrados;

xvi) - a ré teve conhecimento de que a "F - Associação de Escolas de

Condução" procurava um imóvel para adquirir com condições semelhantes à da referida fracção;

xvii) - houve troca de impressões entre a 1ª ré e a F e o presidente, também sócio da ré, E, escreveu uma carta ao Sr. A;

xviii) - a proposta da F foi recusada pela 1ª ré por se revelar demasiado baixa;

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xix) - surgiu outra alternativa de negócio, da sociedade D, em valores superiores e aceitáveis atentas as circunstâncias do mercado actual, que culminou com a concretização do negócio e a realização da respectiva escritura de compra e venda;

xx) - quando o Sr. A veio a dirigir-se à ré, argumentando que agora já não permitia mais a permanência desta no imóvel, a ré convidou-o a sair remetendo-o para a via judicial;

xxi) - o autor fez algumas deslocações ao local;

xxii) - a ré D é uma sociedade estrangeira que, tendo conhecimento de que se encontrava para venda uma fracção para comércio sita na Alameda D. Afonso Henriques, encetou, com a C, negociações que visavam a aquisição da mesma;

xxiii) - desconhecia essa ré a existência de qualquer transacção anterior;

As questões que importa resolver no âmbito do recurso - delimitadas pelo conteúdo das conclusões dos recorrentes - são essencialmente as seguintes:

I. Determinar se o acórdão recorrido enferma de omissão e excesso de pronúncia, sendo nulo por força do disposto no art. 668º, nº 1, al. d), do C.Proc.Civil.

II. Saber se, face à eficácia real do primeiro contrato de compra e venda (arts.

875º e 879º, al. a, do C.Civil), e perante o disposto nos arts. 892º e 291º do C.Civil, há-de haver-se a segunda venda como nula por traduzir uma venda de coisa alheia e como tal se considerar, não obstante o disposto nos arts. 4º, 5º e 7º do C. Registo Predial.

III. Averiguar se a interpretação das normas referidas efectuada pelo acórdão recorrido violou directamente o preceituado nos arts. 62º, aplicável por força do art. 18º da Constituição, bem como nos arts. 202º, nºs 1 e 2, 203º e 204º do mesmo diploma constitucional.

I.

Sustentam os recorrentes que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, já que se não pronunciou sobre a verdadeira causa de pedir e os pedidos inicialmente formulados na acção, qual seja a validade ou invalidade dos contratos subjacentes, limitando-se - e aqui conhecendo de questão de que não devia conhecer - a considerar válido um negócio jurídico pela simples razão da prioridade registral e da qualidade de terceiros das partes para

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efeitos de registo (questão que não se coloca à luz daqueles pedidos e causa de pedir).

É sabido que a nulidade da sentença consignada no art. 668º, nº 1, al. d), do C.Proc.Civil (ou do acórdão por força do preceituado no art. 716º do mesmo diploma) se encontra directamente ligada ao incumprimento do comando do art. 660º, nº 2, nos termos do qual o juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. (1)

Tal nulidade, aliás, fora já assacada, em idênticos termos, à sentença da 1ª instância, sem que haja merecido acolhimento.

E, efectivamente, não assiste razão aos recorrentes.

O acórdão recorrido expressamente decidiu não ocorrer qualquer nulidade na sentença da 1ª instância porque essa sentença se pronunciou sobre tais

questões, designadamente dizendo, na parte decisória, "... considerando-se que a ré adquiriu validamente o imóvel porque o registou em primeiro lugar, sendo este negócio válido e eficaz", e não é pela circunstância de se ter concluído pela validade e não pela invalidade, como pretendiam os

recorrentes, que se justifica a arguição da nulidade por omissão de pronúncia.

E não deixa de ser verdade, não obstante os recorrentes esgrimirem com a inaplicabilidade de normas registrais em detrimento de preceitos

substantivos, que a questão da validade ou invalidade dos contratos de compra e venda celebrados foi exaustivamente tratada, com interpretação e aplicação das regras de direito que se entendeu adequadas ao caso, embora a decisão haja sido contrária aos interesses dos recorrentes. Daí que, se errada

interpretação e aplicação existe (ou mesmo se foram aplicadas normas inaplicáveis à situação verificada), poderá, quando muito, ocorrer erro de julgamento, susceptível de ser impugnado por via de recurso, mas não constitui nulidade por omissão de pronúncia.

E o mesmo se diga quanto ao invocado excesso de pronúncia, porquanto perante a matéria fáctica apurada, resultante dos factos alegados pelas partes, já o juiz não está sujeito à interpretação e aplicação das regras de direito por elas indicadas, tem os movimentos livres, o que significa, além do mais, que "goza de liberdade para indagar, interpretar e aplicar as normas

(9)

jurídicas, podendo mesmo alterar a qualificação jurídica dos factos feita pelas partes". (2)

Situação que é consequência do princípio constitucional da legalidade do conteúdo da decisão e usa exprimir-se pelo brocardo jura novit curia, "uma vez que decorre do art. 203º da Constituição a sujeição dos tribunais à lei, sem prejuízo do juízo de constitucionalidade que lhes compete fazer. Tem, por isso, o juiz, na decisão final, de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes aos factos previamente considerados provados". (3)

Tendo sido precisamente isso que o acórdão fez: aplicou aos factos provados, interpretando-as, as normas jurídicas que considerou na medida da liberdade que, nos termos do art. 664º do C.Proc.Civil lhe assistia, sem subordinação ao ponto de vista de qualquer dos litigantes.

Não enferma, assim, o acórdão recorrido da nulidade prevista no nº 1, al. d), do art.668° do C.Proc.Civil, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto.

II.

Retomando a matéria de facto com relevo para decidir da segunda questão suscitada, temos que:

- o autor adquiriu por compra e venda, mediante escritura de compra e venda celebrada em 13 de Setembro de 1994 no 14º Cartório Notarial de Lisboa, à 1ª ré, "C - Equipamentos de Segurança Rodoviária, L.da", a fracção autónoma designada pela letra "C" do prédio urbano em regime de propriedade

horizontal, sito em Lisboa na R. Barão de Sabrosa, sendo que na mesma escritura, o autor cedeu gratuitamente à 1ª ré "C" a utilização da referida fracção até ao dia 31 de Janeiro de 1995, data em que a fracção lhe deve ser entregue ao segundo outorgante completamente devoluta de pessoas e bens, razão por que desde o dia 31 de Janeiro de 1995 a 1ª ré carece de qualquer título válido para utilização da fracção;

- no dia 25 de Novembro de 1996, a 1ª ré vendeu à 2ª ré a referida fracção, mediante escritura celebrada no 2° Cartório Notarial de Lisboa, compra e venda essa que se encontra averbada na competente Conservatória do Registo Predial pela inscrição G-3, de 26 de Novembro de 1996;

- não consta na referida Conservatória do Registo Predial qualquer indicação de existência de uma anterior venda;

- a ré D é uma sociedade estrangeira que, tendo conhecimento de que se encontrava para venda uma fracção para comércio sita na Alameda D. Afonso

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Henriques, encetou, com a C, negociações que visavam a aquisição da mesma, desconhecendo essa ré a existência de qualquer transacção anterior.

- o autor registou a presente acção em 7 de Março de 1997.

Temos, por conseguinte, demonstrado que, em 13 de Setembro de 1994 a ré

"C" vendeu ao autor uma fracção autónoma, compra e venda esta e

consequente aquisição que o autor não levou ao registo predial; entretanto, a mesma "C", em 25 de Novembro de 1996 vendeu a referida fracção à ré D, que desconhecia ter havido qualquer transacção anterior, e que registou a

aquisição resultante daquela venda no dia 26 imediato.

O que traduz uma situação em que, quer o autor, quer a 2ª ré, terão adquirido, sucessivamente, da 1ª ré - mesma transmitente - direitos incompatíveis, caso típico em que ocorre a prevalência do direito que primeiro foi levado ao registo (critério da prioridade do registo) e não do direito correspondente ao contrato de alienação mais antigo.

Com efeito, "se é certo que os contratos de alienação ou oneração de coisa determinada, em geral, gozam por via de regra da eficácia directa ou imediata própria dos chamados contratos reais" certo é também que, relativamente às coisas imóveis, um requisito geral importantíssimo condiciona ou limita os efeitos do contrato. Trata-se da inscrição no registo predial, ao qual os actos relativos a bens imóveis de um modo geral se encontram sujeitos.

Assim é que, ao lado do art. 408°, n° 1, do C.Civil, consagrando a eficácia real do comum dos contratos de constituição ou transferência de direitos sobre coisa determinada, importa sempre ter presente, quando de imóveis se trate, o disposto no art. 7°, n° 1, do Código do Registo Predial de 1967

(correspondente ao art. 5º, nº 1, do C. Registo Predial de 1984, diploma em vigor na altura), segundo o qual os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo, bem como o preceituado no art. 2°, al. a), do mesmo diploma, que considera sujeitos a registo os factos jurídicos que importem reconhecimento, aquisição ou divisão do direito de propriedade sobre coisas imóveis (art. 1º do Cód. citado) e ainda a doutrina do art. 9°, n° 1 (actual art. 6º, nº 1), desse Código, por força da qual o direito em primeiro lugar inscrito prevalece sobre os que, por ordem da data do registo, se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens". (4)

Ora, conjugando todas estas disposições legais, dir-se-á, desde logo, que,

"como têm esclarecido a doutrina e a jurisprudência, a nulidade (vício intrínseco) cominada pelo art. 892º do C.Civil, da segunda compra e venda

(11)

(constante da escritura pública de 25/11/96) diz apenas respeito às relações inter partes (5), ou seja, às relações da 1ª com a 2ª ré; nas relações com terceiros vale, em termos de eficácia, o prescrito nas leis do registo predial".

(6) "Estando em causa dupla transmissão da fracção em referência e a consequente aquisição derivada dessa fracção, primeiro pelo autor e depois pela 2ª ré, em presença de aquisições derivadas incompatíveis por força de actuação de antecessor comum, perante as disposições dos nºs 1 e 4 do art. 5º do C. Registo Predial, prevalece a aquisição registada sobre a dos autores que, apesar de anterior, não foi levada ao registo". (7)

É que para a determinação do verdadeiro alcance do registo predial é

fundamental a distinção entre as partes do acto sujeito a registo - perante as quais o acto produz os seus efeitos, ainda que não registado, logo após a sua conclusão (art. 4°, n°1) - e os terceiros, relativamente aos quais o acto (sujeito a registo) é ineficaz enquanto não for registado, visto só produzir efeitos nessa vertente, segundo determinação expressa da lei, após a data do respectivo registo (art. 5°, n°1).

Na verdade, porque a omissão do registo dos actos a tal sujeitos tem por consequência a ineficácia desses actos em relação a terceiros (nº 1 do citado art. 5º), consagra-se, desta forma, uma excepção ao princípio nemo plus juris in alium transferre potest quam ipse habet, de tal modo que a regra da

prioridade da aquisição é substituída pela da prioridade do registo. (8) Deste modo, sendo certo que a compra de 13/09/94 operou a transmissão da propriedade do prédio, fê-lo apenas no círculo apertado das relações entre a vendedora e o primeiro comprador, uma vez que o facto aquisitivo da

propriedade do imóvel (compra e venda) não foi levado ao registo predial (art.4°, n°1). E, por outro lado, a segunda compra e venda (constante da escritura pública de 25/11/96), carecendo a primeira de eficácia em relação à nova adquirente (art. 5°, n°1), tem plena validade nas relações (internas) entre a vendedora e a segunda compradora. Consequentemente, em face do preceituado nos arts. 6°, n°1 e 5°, n° 1, o direito da segunda adquirente, sendo o único levado ao registo entre os dois sucessivamente adquiridos da mesma transmitente, prevalece sobre o do primeiro adquirente.

Com efeito, "todos aceitam como susceptível de pôr em acção esta especial consequência, o da dupla alienação realizada pelo titular inscrito, em que o segundo adquirente precede o primeiro na realização do registo: Se T vende um prédio a A e depois o vende a P, só o primeiro acto é válido e A é o

verdadeiro proprietário; mas se o pseudo-adquirente P registar a venda (inválida por carência de legitimidade de T) antes de A, passa a ser P quem, desde o momento do registo, deve ser considerado titular". (9)

(12)

Que o mesmo é dizer que "se um prédio for vendido duas vezes, tendo sido registada prioritariamente a segunda transmissão, esta prevalece sobre a primeira, estando o adquirente de boa fé; em tais condições, ele confiou na aparência e nas presunções do registo predial, situação que, relativamente ao primeiro adquirente, se sobrepõe ao seu direito de propriedade que o

respectivo acto de alienação tornou efectivo; em nome da estabilidade, uma aquisição a non domino e, portanto, ineficaz, prevalece sobre a anterior, essa sim eficaz e verdadeira". (10)

Poder-se-á, portanto, dizer que "nos contratos de alienação ou de oneração de coisa determinada, a constituição ou a transferência do direito real opera-se por meio de contrato, salvo (além de outros casos previstos na lei) quando se trate de coisas imóveis ou de móveis sujeitos a registo. Neste caso, a

constituição ou a transferência do direito real dá-se ainda por mero efeito do contrato entre as partes ou seus herdeiros; todavia, em face de terceiros, a constituição ou transferência do direito real apenas se verifica a partir da data do registo (art.5°, n°1)." (11)

O que significa que o contrato produz os seus efeitos inter partes e erga omnes, por mero efeito da convenção, excepto em relação ao terceiro que tenha preenchido anteriormente o ónus de registar, em relação ao qual o acto não registado é ineficaz, porquanto no conflito entre os dois adquirentes do mesmo transmitente, inscrito no registo predial, o direito que prevalece sobre o imóvel é o daquele que primeiro levou a aquisição a registo, não o daquele que primeiro adquiriu, mas negligenciou o registo da transmissão.

Ademais, admitindo que o negócio de 13/09/94 teve por efeito operar a transmissão do direito de propriedade da fracção em causa para a esfera jurídica do autor, nos termos do art. 408°, nº 1, do C.Civil, e que, nessa

medida, a venda operada em 25/11/96 foi uma venda de coisa alheia, face ao art. 892° do mesmo diploma, uma coisa é certa: a aquisição feita pelo autor, porque não registada, é inoponível à 2ª ré; e a desta, pelo contrário, porque registada, é oponível àquele. Tal o que decorre do disposto nos arts. 2°, n° 1, al. b), e 5°, n° 1, do C. Registo Predial. Na verdade, a prioridade do registo levado a cabo pela 2ª ré (segunda adquirente) garante-lhe a prevalência do seu direito sobre o do autor (primeiro adquirente), assim se cumprindo a função atributiva que num caso destes o registo predial desempenha. (12) Não violou, assim, o acórdão recorrido as disposições legais invocadas pelos recorrentes, nem quaisquer outras, designadamente, a norma do art. 291°, do C.Civil, que nem tinha de ser chamada à colação, atenta a argumentação atrás expendida.

(13)

Improcede, deste modo, também nesta parte, o recuso interposto.

III.

Defendem, ainda, os recorrentes que a interpretação e aplicação aos autos do disposto no art. 5º do C. Registo Predial e a não aplicação, em vez dele, do art.

291º do C.Civil está ferida de inconstitucionalidade por violar o previsto nos arts. 62º e 18º da Constituição, bem como o preceituado nos arts. 202º, nºs 1 e 2, 203º e 204º do mesmo Diploma Fundamental.

Tem vindo, desde há largo tempo, o Tribunal Constitucional a entender que a inconstitucionalidade pode verificar-se nas normas concretamente aplicadas, mas não nas decisões proferidas. Assim, não há decisões inconstitucionais, antes e tão só decisões que podem ser revogadas por haverem aplicado uma norma inconstitucional (ou recusado, com fundamento em

inconstitucionalidade, a aplicação de um preceito que o não é).

É, assim, óbvio que os últimos preceitos citados - que referem a forma como os Tribunais administram a justiça em nome do povo - são, in casu, inatendíveis, porquanto o tribunal ao decidir não deixou de, da melhor maneira que sabia (e pensamos que bem) assegurar a defesa dos direitos e legítimos interesses legalmente protegidos dos litigantes, dirimindo o conflito privado suscitado, em estrita obediência à lei.

Mas será que lhes assiste razão quando ao demais?

Antes de tudo, e pela razão já acima enunciada, não pode considerar-se inconstitucional (com a ressalva acima feita) uma decisão apenas porque decidiu aplicar ao litígio submetido a juízo determinadas normas em detrimento de outras, posto que nenhuma delas enferme de

inconstitucionalidade (aí deverá recusar a respectiva aplicação - art. 204º da Constituição).

Nesta medida, como já se referiu, a decisão que entendeu que o art. 291° do C.Civil não tem aplicabilidade nos autos, uma vez que o mesmo se refere a casos de terceiros que adquirem de quem não tinha legitimidade para alienar por motivo de vício substantivo ou de registo que inquina a situação jurídica do alienante, não padece de qualquer inconstitucionalidade (melhor,

ilegalidade).

Poderia, quando muito, entender-se que o nº 1 do art. 5º do C. Registo Predial (não está manifestamente em causa o nº 4 daquele art. 5º, já que o conceito de

(14)

terceiro, amplo ou restrito, não vem ao caso, não tendo existido qualquer aplicação retroactiva de lei restritiva de direitos liberdades ou garantias) ao estabelecer a ineficácia dos factos sujeitos a registo, quando não registados, relativamente a terceiros, conferindo prioridade na titularidade do direito aos terceiros que apresentarem registo anterior, é materialmente inconstitucional por violação da norma do art. 62º da Constituição.

Só que, evidentemente, tal inconstitucionalidade não ocorre.

Como já o próprio Tribunal Constitucional entendeu (13), em conformidade com o disposto no art. 62º da Constituição, nada "obsta a que o direito de propriedade venha a sofrer restrições mais ou menos profundas, quer por virtude da concretização de limites imanentes quer por ter de se coordenar com outros imperativos constitucionais ou sempre que entre em colisão com outros direitos fundamentais. Neste aspecto, o titular do direito de

propriedade apenas goza de forma absoluta da garantia constitucional de não ser arbitrariamente privado dela e, se o vier a ser, sem que para tal tenha contribuído, do direito de ser indemnizado".

E do que se trata, neste caso, é da prevalência que a lei ordinária confere, por efeito do registo predial, à aquisição registada em contraposição à aquisição anterior não registada. Nesta prevalência se traduziria, para além da normal eficácia declarativa do registo predial, a sua relevância aquisitiva.

Assim, o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança que decorrem do princípio do Estado de Direito democrático constante no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa credenciam a prevalência

registral que pode favorecer um adquirente a non domino, na medida em que o princípio da publicidade que atribui essa prevalência determina a extinção do direito incompatível.

Daí que não ocorra qualquer inconstitucionalidade na interpretação do artigo 5º, nº 1, do Código de Registo Predial, quando se considera que aqueles que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, não vêem esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.

Termos em que se decide:

a) - julgar improcedente o recurso de revista interposto pelos autores A e mulher B;

b) - confirmar inteiramente o acórdão recorrido;

c) - condenar os recorrentes nas custas da revista.

(15)

Lisboa, 29 de Janeiro de 2004 Araújo Barros

Oliveira Barros Salvador da Costa ---

(1) Rodrigues Bastos, in "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, Lisboa, 1972, pag. 247.

(2) António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, in "O Novo Processo Civil", Porto, 1997, pag. 310.

(3) José Lebre de Freitas, António Montalvão Machado e Rui Pinto, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, Coimbra, 2001, pag. 658.

(4) Antunes Vareja, in RLJ, Ano 118°, pags. 286 e 287 (em anotação ao Ac. STJ de 04/02/82).

(5) Ac. STJ de 13/02/79, in BMJ nº 284, pag. 176 (relator Acácio de Carvalho), (6) Ac. STJ de 06/06/2002, no Proc. 1598/02 da 7ª secção (relator Oliveira Barros)

(7) Cfr. o mencionado Ac. STJ de 06/06/2002 (em que se citam, entre outros, o Ac. STJ de 08/02/94, in CJSTJ Ano II, 1, pag. 95 - relator Fernando Fabião);

Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª edição, Coimbra, 1998, pags. 307 e 312; Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", 7ª edição, Coimbra, 1998, pag. 243; Heinrich Hoster, in "A Parte Geral do Código Civil Português", Coimbra, 1992, pag. 604).

(8) Mota Pinto, in "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª edição, Coimbra, 1992, pags. 366 e 367.

(9) José de Oliveira Ascensão, in "Direitos Reais", Lisboa, 1974, pags. 397 e 398.

(10) Ac. STJ de 27/05/99, no Proc. 21/97 da 1ª secção (relator Torres Paulo).

(11) Antunes Varela, in RLJ Ano 118º, pags. 315 e 316.

(12) Ac. STJ de 23/09/2003, no Proc. 1835/03 da 6ª secção (relator Nuno Cameira).

(13) Ac. nº 215/2000, de 05/04/2000, no Proc. 171/99 da 1ª Secção (relator Vítor Nunes de Almeida) - certo que quanto à interpretação ampla do conceito de terceiros consagrado no Ac. Uniformizador nº 15/97, de 20 de Maio (in DR IS-A, de 04/06/1997).

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