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O INGRESSO DA CRIANÇA DE SEIS ANOS NO ENSINO FUNDAMENTAL: uma análise crítica

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O INGRESSO DA CRIANÇA DE SEIS ANOS NO ENSINO FUNDAMENTAL:

uma análise crítica

Sabrina de Abreu Henriques*

Ma. Geralda Fátima de Souza**

RESUMO: Este artigo propõe uma reflexão sobre as implicações ocasionadas pelas leis 11.114 de 2005 e 11.274 de 2006 que alteraram a idade de matrícula das crianças no Ensino Fundamental e a duração do Ensino Fundamental de oito para nove anos. Ainda que a obrigatoriedade do Ensino Fundamental de nove anos tenha ocorrido no ano de 2010, muitas dúvidas ocorrem a respeito dessa mudança. A mudança da legislação fez com que houvesse um ajuste do ensino em torno do aluno do 1° ano, este que, anteriormente à aprovação das leis, fazia parte das diretrizes e práticas da Educação Infantil que comparadas às do Ensino Fundamental possuem divergências. Trata-se de uma pesquisa teórica baseada em argumentações científicas de pesquisadores como Piaget (1983), Rapoport (2009), além de documentos oficiais do MEC, a fim de dar maior credibilidade ao trabalho científico.

Palavras-chave: Ensino Fundamental. Legislação. Diretrizes.

1 INTRODUÇÃO

As leis federais 11.114 de 2005 e 11.274 de 2006 proporcionaram um novo cenário para as crianças de seis anos de idade, visto que antes da aprovação, alunos dessa faixa etária, cursavam a Educação Infantil e agora pertencem ao primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos.

Este artigo tem por objetivo analisar a mudança na legislação relativa à Educação Básica no que se refere ao aluno de seis anos que passa a ser matriculado no Ensino Fundamental, não mais na Educação Infantil. Cada nível de ensino traz consigo práticas singulares e, diante desse fato, é importante entender como tem ocorrido a transição para o Ensino Fundamental: se as práticas estão respeitando o nível de desenvolvimento da criança ou se existe uma ruptura entre o que foi desenvolvido na Educação Infantil e o que será desenvolvido no Ensino Fundamental. Cabe ressaltar que o objetivo desse estudo não é o de tomar uma posição favorável ou contrária à política educacional, mas discutir o assunto, considerando as especificações de cada modalidade de ensino.

É importante enfatizar que essa ampliação do Ensino Fundamental, além de atender às crianças que estão saindo da pré-escola, visa assegurar a iniciação da escolaridade àquelas que ainda não a frequentam – lembrando que a última possibilidade será excluída devido à Lei 12.796, de 4 de abril de 2013 que torna a pré-escola obrigatória a partir de 2016. Portanto, é indispensável a atenção e o cuidado durante a busca por uma metodologia que favoreça e respeite as características desses novos sujeitos da escolaridade formal obrigatória.

É comum se deparar com a dificuldade das pessoas em compreenderem a organização e os tipos de atividades realizadas no primeiro ano do Ensino Fundamental e, até mesmo, em como utilizar a nomenclatura. Fato que aumenta as dúvidas dos pais quanto aos trabalhos realizados pela escola, quando estes acreditam que o primeiro ano cursado pelo filho, aos seis anos de idade, é a mesma primeira série que cursaram aos sete anos. Essa situação estimulou esta pesquisa sobre o ingresso da criança de seis anos no Ensino Fundamental I.

*Graduada em Psicologia pela Universidade Presidente Antônio Carlos de Barbacena. Graduada em Pedagoga pela Faculdade Santa Rita de Conselheiro Lafaiete. Vice-diretora e coordenadora pedagógica da Escola “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, em Conselheiro Lafaiete.

** Graduada em Letras - Língua Portuguesa e Inglês e suas respectivas literaturas – UFOP- Mestre em Linguística - Sintaxe Gerativa – UFMG - Doutoranda em Estudos Linguísticos: - Sociolinguística: estudo da variação e mudança linguística – UFMG.

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A razão da escolha deste tema partiu de experiências profissionais vivenciadas em uma escola particular de Conselheiro Lafaiete que implantou o Ensino Fundamental de nove anos no ano letivo de 200427.

Diante do exposto, torna-se importante analisar as leis que compreendem a obrigatoriedade do Ensino Fundamental de nove anos, caracterizar a criança que é matriculada no primeiro ano no que tange aos seus aspectos cognitivos, bem como discutir fatores que podem contribuir no processo de adaptação.

Com base nestas questões, será possível responder o problema que norteia essa pesquisa: quais as implicações psicopedagógicas da alteração na legislação referente à Educação Básica, em particular o primeiro ano do Ensino Fundamental?

A partir dessa questão, orienta-se a seguinte hipótese: a alteração da legislação fez com que houvesse um movimento de adaptação de ensino que nem sempre acompanha uma reflexão psicopedagógica em torno do aluno do primeiro ano do Ensino Fundamental.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Em conformidade com Aranha (2006) e com o documento “Ensino Fundamental de Nove Anos – Orientações para a Inclusão da Criança de Seis Anos de Idade”(MEC-2007) é possível observar, no decorrer da história da educação brasileira, certa preocupação com a expansão dos anos escolares obrigatórios. Na primeira LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – n° 4024/61, a obrigatoriedade do ensino era de quatro anos; com o Acordo de Punta Del Este e Santiago ficou estabelecido seis anos de ensino formal. Na LDBEN n° 5692/71 é imposto um Ensino Fundamental com a duração de oito anos, em 1996, a LDBEN n° 9394/96 apontou para um Ensino Fundamental de nove anos, incluindo as crianças de seis anos nesse nível de ensino. Esse desejo tornou-se meta da educação brasileira pela Lei n° 10.172 de 9 de janeiro de 2001, aprovando o PNE – Plano Nacional de Educação.

No tempo presente, por meio da Lei n° 11.274 de 6 de fevereiro de 2006, o Ensino Fundamental tem duração obrigatória de nove anos devido à matrícula das crianças de seis anos nesse nível educacional.

O projeto de ampliação do Ensino Fundamental, visando cumprir a meta estabelecida pelo PNE, foi da deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO)28, proposto em 2004. A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei em 24 de novembro de 2005 e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em 6 de fevereiro de 2006. Essa nova lei alterou os artigos 29, 30, 32 e 87 da LDBEN 9394/96 e afirmou a obrigatoriedade da matrícula das crianças de seis anos de idade, consolidando a expansão do Ensino Fundamental.

Em decorrência dessas medidas, a partir de 2010, obrigatoriamente, todas as escolas de Educação Básica deveriam oferecer o Ensino Fundamental com a duração de nove anos, lembrando que o acréscimo não aconteceu no final do Ensino Fundamental, mas no início. Portanto, ampliou-se o tempo dos anos iniciais, de quatro para cinco anos que deve continuar a oferecer as aprendizagens próprias para cada idade, preocupação que norteia essa pesquisa. Segue tabela explicando a correspondência entre a antiga e a nova nomenclatura do Ensino Fundamental.

27 O estado de Minas Gerais antecipou-se à legislação federal e expandiu o Ensino Fundamental para nove anos no ano de 2004. Ver: Decreto 43.506, de 6 de agosto de 2003.

28Projeto (3.675/04), de autoria da deputada. http://www.psdb.org.br/raquel-teixeira-propoe-ensino-fundamental-de- nove-anos/

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FIGURA 1 – Quadro de Transição do Ensino Fundamental de 8 para 9 anos (Adaptada)29.

Como acentuado no documento “Ensino Fundamental – Orientações Gerais” (MEC-2004), a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos foi discutida pela Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) que promoveu, no ano de 2004, sete encontros com profissionais da educação e sistemas de ensino, tendo a intenção de discutir a implantação de mais um ano na Educação Básica, intenção já registrada na LDBEN 9394/96. As reuniões aconteceram nas capitais de Minas Gerais, Santa Catarina, Maranhão, Pernambuco, Acre, Goiás, além da cidade de Campinas - São Paulo. Após as conferências, foi elaborado o citado documento, parâmetro no que se refere à inclusão das crianças de seis anos no primeiro ano do Ensino Fundamental I.

Em conformidade com o documento citado, o objetivo do aumento do período das crianças na escola é o de oferecer a elas mais tempo de vida escolar, mais chances de aprender os conteúdos e, assim, obter uma aprendizagem mais completa. Entretanto, é importante atentar para o fato de que quantidade de tempo não é garantia de qualidade de aprendizado, mas a associação de mais tempo com o aproveitamento deste é considerável para um aprendizado mais proveitoso.

Seguindo as orientações dos documentos, a respeito da ampliação do Ensino Fundamental I, é necessário destacar que não são os conteúdos e atividades da antiga 1ª série do Ensino Fundamental de oito anos os ministrados no primeiro ano atual, o planejamento é executado respeitando o perfil dos alunos de seis anos, ou seja, consideram-se as características da faixa etária e do desenvolvimento psicossocial.

Como observado anteriormente, a proposta educacional para as crianças está diretamente ligada ao seu nível de desenvolvimento, ou seja, a criança precisa ser vista a partir de suas próprias características, tendo suas especificidades consideradas durante a elaboração da proposta pedagógica da escola. Compreender quais são as capacidades das crianças e como elas aprendem torna o desenvolvimento da aprendizagem coerente e passível de maior êxito.

A entrada da criança de seis anos no Ensino Fundamental deve ser vista e vivida com cuidado e cautela, pois se trata de uma transição que pode manifestar-se abraçada pela exaltação e medo do novo, como considerado por Rapoport:

29 Fonte: Arquivos da pesquisadora

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(...) o processo de adaptação deve ser planejado pelas instituições a fim de promover a qualidade no atendimento bem como não causar demasiado estresse para os envolvidos, o que pode deixar marcas a curto e longo prazo e interferir no processo de ensino-aprendizagem (RAPOPORT, 2008, p.269).

Portanto, quando a criança ingressa no Ensino Fundamental não significa que sua infância precisa ser ignorada para que o trabalho da escola seja considerado de qualidade. É necessário desconstruir o conceito de que uma escola de qualidade carece de ser severa e as crianças devem permanecer todo o tempo em sala de aula. A criança possui necessidades etárias específicas, principalmente em relação às atividades lúdicas e socialização. O momento de transição do mundo concreto para um mundo mais abstrato deve ser de forma tênue, considerando que a articulação entre educação infantil e ensino fundamental jamais deverá passar despercebida, evitando, assim, a descontinuidade das atividades pedagógicas, como exposto a seguir pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas:

Mesmo quando a criança passa a frequentar o ensino fundamental, em que se exige dela maior compromisso com a escolarização formal, não se apaga o elemento infantil, o elemento verdadeiramente pré-escolar que existe nela. Ela não deixa de uma hora para outra de ser um sujeito que nessa faixa etária tem necessidade de brincar, fantasiar, criar, enfim, de interagir com o mundo de uma maneira lúdica. (CENP, 2008, p.71).

Para entender melhor, observa-se abaixo, imagens das capas de três livros didáticos lançados no ano de 2013. Os livros contemplam os anos escolares da Educação Infantil, ou seja, Maternal, 1º Período e 2º Período e são apresentados como um caminho em que o aluno percorre até chegar ao 1º ano do Ensino Fundamental de nove anos.

FIGURA 2: O caminho para o Ensino Fundamental30.

Nessa sequência de figuras, é possível perceber que a estrada traçada para a criança atravessar durante a educação infantil é contemplada por atividades lúdicas, de movimento, em contato com a natureza, promovendo o desenvolvimento infantil em suas diferentes dimensões. No entanto, ao final desse trajeto, tem-se a imagem de uma professora vestida com saia longa, salto, óculos, estereótipo que sugere um profissional tradicional. Além disso, a educadora espera pelos alunos na porta de uma sala

“fechada”, ambiente bem diferente do que fora utilizado para representar a Educação Infantil, causando a impressão de que a passagem do nível infantil para o fundamental acontece abruptamente.

30 Ressalte-se que, por questões éticas, foram removidos os nomes de autores, o nome do projeto didático e a editora.

Fonte: Google imagens.

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Considerando os estágios de desenvolvimento cognitivo de Piaget (1983), a criança de seis anos encontra-se na transição do período pré-operatório para o período operatório concreto que caracterizam a necessidade de ainda trabalhar a socialização, a imitação e a fantasia que aparecem como formas de expressão das situações do cotidiano, além da necessidade de manipularem objetos ou terem uma vivência daquilo que está sendo ensinado para que a aprendizagem torne-se significativa, como confirma Book (2004): “[...] característica deste período é que a criança consegue exercer suas habilidades e capacidades a partir de objetos reais, concretos”.

De acordo com o MEC – “Ensino Fundamental de Nove Anos – Orientações Gerais” (2004, p. 18- 21) encontra-se um tópico a respeito das características das crianças de seis anos de idade com o objetivo de responder às questões como: quem é este aluno que chega para o Ensino Fundamental?

Quais são suas necessidades?. A seguir estão expostas algumas características, relatadas no documento, que são mais evidentes nas crianças de seis anos: imaginação, curiosidade, vontade de entender o mundo por meio da brincadeira, etapa essencial para a construção da identidade e autonomia, uso de explicações mágicas para compreender o mundo, necessidade de um ambiente acolhedor e que ofereça segurança. No entanto, é importante ressaltar que a faixa etária não é o aspecto definidor do desenvolvimento da criança, o ambiente, as situações culturais, as experiências vivenciadas fora da escola também complementam.

A última imagem, capa do livro Educação Infantil 3, resumiria toda a discussão dessa pesquisa: trata- se da inquietação com relação ao ingresso das crianças de seis anos no Ensino Fundamental acontecer precocemente, colocando-as no plano formal de ensino e coibindo as atividades lúdicas e o direito de brincar. Contudo, é notório que a proposta do Ministério da Educação é de que essa transição não ocorra radicalmente. A seguir tem-se trecho do MEC – “Ensino Fundamental de Nove Anos – Orientações Gerais” (2004) que demonstra o respeito ao desenvolvimento da criança.

Seu ingresso no Ensino Fundamental obrigatório não pode constituir-se em medida meramente administrativa. O cuidado na sequência do processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças de seis anos de idade implica o conhecimento e a atenção às suas características etárias, sociais e psicológicas. As orientações pedagógicas, por sua vez, estarão atentas a essas características para que as crianças sejam respeitadas como sujeitos do aprendizado. (MEC – Ensino Fundamental de Nove Anos – Orientações Gerais, 2004, p.

17-18).

De acordo com os mesmos princípios, também fica clara a contribuição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil durante a elaboração desse novo ambiente escolar:

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil fornecem elementos importantes para a revisão da Proposta Pedagógica do Ensino Fundamental que incorporará as crianças de seis anos, até então pertencentes ao segmento da Educação Infantil. (MEC – Ensino Fundamental de Nove Anos – Orientações Gerais, 2014, p.15).

Essas propostas didáticas devem contemplar o desenvolvimento infantil em seus aspectos físicos, emocionais, cognitivos, sociais, sendo organizados de maneira prazerosa e lúdica.

Dessa forma, a orientação é de que a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental promova uma diminuição nessa ruptura de um nível de ensino para o outro e contribua para que a infância seja respeitada também no Ensino Fundamental. Fato que aparece no encarte do MEC intitulado “Ensino Fundamental de nove anos: perguntas mais frequentes e respostas da Secretaria de

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Educação Básica” contido no documento “Passo a passo da implementação do ensino fundamental de nove anos”:

(...) No caso do primeiro ano do ensino Fundamental a criança de seis anos, assim como os demais de sete a dez anos de idade, precisam de uma proposta curricular que atenda suas características, potencialidades e necessidades específicas dessa infância. (MEC – Passo a passo da implementação do Ensino Fundamental de nove anos, 2009, p.25).

Para complementar, as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil (2010) reafirma a importância dessa continuidade do trabalho da Educação Infantil na transição para o Ensino Fundamental:

Na transição para o Ensino Fundamental a proposta pedagógica deve prever formas para garantir a continuidade do processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, respeitando as especificidades etárias (...). (MEC – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, 2010, p.30).

No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil encontra-se uma definição para o termo educar que corrobora o que fora discutido sobre o acolhimento desse novo aluno do Ensino Fundamental.

Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis. (MEC – Referencial Curricular para a Educação Infantil,1998, vol.1, p.23)

Com a antecipação do Ensino Fundamental e com base nos documentos divulgados pelo MEC a respeito do Ensino Fundamental de nove anos tem-se como proposta a reestruturação do ensino como sugere o documento “Ensino Fundamental de nove anos – Orientações Gerais (2004)”: “a adoção de um ensino obrigatório de nove anos iniciando aos seis anos de idade pode contribuir para uma mudança na estrutura e na cultura escolar”. Nesse mesmo documento, torna-se explícita a nova proposta para as escolas que, respeitando a legislação, passam a matricular as crianças de seis anos no Ensino Fundamental.

Uma questão essencial é a organização da escola que inclui as crianças de seis anos no Ensino Fundamental. Para recebê-las, ela necessita reorganizar a sua estrutura, as formas de gestão, os ambientes, os espaços, os tempos, os materiais, os conteúdos, as metodologias, os objetivos, o planejamento e a avaliação, de sorte que as crianças se sintam inseridas e acolhidas num ambiente prazeroso e propício à aprendizagem. É necessário assegurar que a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental ocorra da forma mais natural possível, não provocando nas crianças rupturas e impactos negativos no seu processo de escolarização. (MEC – Ensino Fundamental de Nove Anos – Orientações Gerais, 2004, p.22).

É possível perceber no excerto citado que o Ministério da Educação aponta para um diferenciado espaço para o Ensino Fundamental de nove anos que necessita ser pensado e planejado para atender às crianças integralmente e que a conduta pedagógica seja pautada por atividades de estudo e atividades lúdicas expandindo o conhecimento sobre o mundo e associando-o à ciência recomendada pelo currículo escolar. As estratégias pedagógicas devem adequar-se ao nível de desenvolvimento da criança e serem desenvolvidas em situações de aprendizagem que tenham real função para o aluno.

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À vista disso, essa passagem deve acontecer do modo mais natural possível como nota-se no trecho a seguir:

É necessário que o sistema escolar esteja atento às situações envolvidas no ingresso da criança no Ensino Fundamental (...) a fim de manter os laços sociais e afetivos e as condições de aprendizagem que lhe darão segurança e confiança. Continuidade e ampliação – em vez de uma ruptura e negação do contexto socioafetivo e de aprendizagem anterior – garantem à criança de seis anos que ingressa no Ensino Fundamental o ambiente acolhedor para enfrentar os desafios da nova etapa. (MEC – Ensino Fundamental de Nove Anos – Orientações Gerais, 2004, p.20).

Rapoport31, Borba32, Batista33 e Corsino34 publicaram35, em 2009, uma reportagem especial a respeito desse novo aluno que chega ao Ensino Fundamental, ou seja, a criança de seis anos. A proposta considera aquilo que fora discutido anteriormente: o primeiro ano deve ser composto por uma mescla da pré-escola com o Ensino Fundamental, as atividades oferecidas devem fazer sentido para as crianças, e para que elas aprendam com qualidade é preciso se movimentar e interagir com as pessoas, espaços e os objetos da escola. A seguir, tem-se a ilustração do ambiente que deve ser proporcionado para o aluno de seis anos.

FIGURA 3: Espaço para o 1º ano do Ensino Fundamental36.

Nessa figura são destacados: a) cantinho de leitura e momentos de leitura proporcionados pelo professor ou pelos alunos; b) exposição, em sala de aula, de produções feitas pelos alunos; c) roda de conversa; d) canto da brincadeira onde são disponibilizados os seguintes materiais: fantasias, bonecas, panelinhas, carrinhos e jogos; e) hora do recreio: ter um tempo para brincarem; f) uso do parquinho;

g) incentivo à pesquisa e observação da natureza; h) mobiliário adequado para a idade; i) espaço para a expressão das artes visuais tendo materiais como: massinha, pincel, tinta; j) avaliação constante tendo o portfólio como sugestão.

31 Andrea Rapoport, professora do Centro Universitário La Salle;

32 Ângela Borba, professora da Universidade Federal Fluminense;

33 Antônio Augusto Gomes Batista, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais;

34 Patrícia Corsino, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

35 Publicação feita na Revista Nova Escola, edição número 225, setembro de 2009.

36 Fonte: Revista Nova Escola, setembro de 2009.

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De acordo com os princípios do MEC “Ensino Fundamental de Nove Anos – Orientações para a inclusão das crianças de seis anos de idade” a importância desse novo ambiente é novamente destacado.

As crianças possuem modos próprios de compreender e interagir com o mundo. A nós, professores, cabem favorecer a criação de um ambiente escolar onde a infância possa ser vivida em toda a sua plenitude, um espaço e um tempo de encontro entre os seus próprios espaços e tempos de ser criança dentro e fora da escola. (NASCIMENTO, 2007, p.31)

Por consequência, essa transição não acomete apenas as crianças, mas a escola e a família. Como exposto por Rapoport (2009):

Pensar o processo de adaptação é muito importante, pois, além de se configurar em um momento de transição e, talvez, da primeira experiência escolar de muitas crianças, os alunos do primeiro ano têm seis anos de idade. Entretanto, um indicador importante parece ser que a adaptação não é somente deles, mas da família, professores e instituição de ensino. Em especial, as famílias estão tendo dificuldade em compreender o que significa o primeiro ano, seus objetivos de trabalho e, dessa forma, se não lhes for dada atenção especial, estas podem, direta ou indiretamente, ser geradoras de estresse, o que pode vir a influenciar as reações das crianças. (RAPOPORT, 2009, p.34).

Por isso, há a necessidade de promover atividades que envolvam a ludicidade para que o aprendizado aconteça positivamente, dentre elas a utilização do brinquedo, das atividades de artes visuais, do teatro. A importância de o professor conhecer a fase de desenvolvimento que seu aluno está, para que as aulas sejam preparadas respeitando o nível da criança, além de oferecer desafios que a permitam evoluir.

Rapoport (2009) esclarece a importância de considerar que as crianças são diferentes, por isso é esperado que a forma de lidar com a transição seja diferente. Sugere que caso um aluno esteja com dificuldades em lidar com esse novo ambiente do ensino fundamental é importante avaliar a história de vida, suas características, o ambiente familiar em que está inserido, além das características da escola e do educador.

Rapoport (2009) disponibiliza algumas propostas que auxiliam no processo de adaptação:

a) entrevista inicial com os pais: momento propício para a equipe pedagógica da escola conhecer a história de vida da criança, as particularidades da família, além de sanar as possíveis dúvidas a respeito do 1º ano do Ensino Fundamental. A escola deve mostrar-se sempre aberta para esse tipo de encontro com a família;

b) reunião de pais no início do ano: antes do início do ano letivo, ou logo nos primeiros dias de aula, é importante a escola oferecer uma reunião de pais para informá-los melhor a respeito da proposta pedagógica da escola, dos espaços oferecidos, além do planejamento do 1º ano do Ensino Fundamental. Momento importante também para informar como acontece o processo de avaliação das crianças de seis anos, para sanar as possíveis dúvidas sobre esse novo nível educacional com o objetivo de tranquilizá-los para que a ansiedade deles não seja refletida nas crianças, o que dificulta o processo de adaptação;

c) apresentação dos espaços: conceder um momento para visitarem as salas de aula e os espaços da escola destinados ao Ensino Fundamental. Durante a reunião de pais, os professores podem criar dinâmicas para mostrarem aos pais como esses espaços são utilizados com as crianças.

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Além da reunião no início do ano letivo, encaminhar uma circular para os pais com as informações iniciais – proposta pedagógica, processo de alfabetização e letramento – é uma forma utilizada para diminuir a ansiedade diante dessa nova etapa que os filhos passarão. Realizar reuniões individuais entre a professora e a família para conversarem a respeito das particularidades da criança também é importante. Quanto à prática do professor, esse deve avaliar-se continuamente o que proporcionará qualidade à prática docente. A equipe pedagógica da escola auxiliará na análise dessa autoavaliação, evitando que a rotina, o hábito, atrapalhem o aperfeiçoamento da prática do educador.

A respeito dos primeiros dias de aula, Rapoport (2009) propõe atividades menos conteudistas, preferindo tarefas mais livres e que favoreçam as potencialidades dos alunos, os momentos de integração e socialização, tais atividades como: rodinha, sala de jogos, desenho, brincadeiras, musicalidade, expressão corporal, que devem permanecer ao longo do ano letivo proporcionando o desenvolvimento de múltiplas formas de expressão. Nesse primeiro contato, é importante que o professor avalie o conhecimento prévio dos alunos que deve servir como suporte para executar o planejamento. A maneira como o professor vai receber e lidar com a criança de seis anos também é de grande importância, como defende Rapoport (2009):

Todos os professores, independente do ano que atuam, devem demonstrar afetividade, compreensão e flexibilidade com seus alunos, especialmente em momentos de adaptação. A forma de acolhimento da instituição, em especial da professora, são fundamentais para a adaptação. Além disso, esses professores precisam ter conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil e sensibilidade para perceber quando a criança não está bem, buscando, dessa forma, ajudá-la. (RAPOPORT, 2009, p.29).

Por fim, Lawal (2009, p.95), dialoga a respeito da sala de aula que a criança de seis anos deve ocupar, citando como elementos fundamentais: alfabeto, cartazes temáticos, jogos, textos coletivos, desenhos, quadro de sílabas, quadro numérico até 100, calendário. Segundo a autora (2009, p.95), “esses materiais servem como modelo para as crianças na construção das suas hipóteses de leitura e escrita”.

Defende, também, o cantinho de leitura em sala de aula com livros escritos com diferentes letras e que contemplem vários gêneros textuais. A decoração da sala de aula deve ser construída coletivamente, privilegiando os trabalhos feitos pelas crianças em prol das decorações belíssimas feitas pelo professor, visto que a criança precisa sentir-se ativa nesse ambiente de aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir, a partir dos estudos realizados, que as crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em especial, as de seis anos de idade, necessitam de uma condução pedagógica em que o material concreto e as experiências sejam utilizados como recurso pedagógico. O conteúdo estudado deve ser apresentado de forma que a criança entenda a sua aplicabilidade no cotidiano, fazendo com que as atividades lúdicas e as sistematizadas interajam entre si favorecendo o processo de ensino- aprendizagem.

A adição de um ano no Ensino Fundamental veio contribuir com os avanços da educação no país, visto que, aquelas crianças que não frequentavam a educação infantil foram incluídas, mais cedo, no ambiente escolar.

A mudança não aconteceu apenas na terminologia, os alunos de seis anos de idade, faz-se necessária uma proposta didática própria tendo a ludicidade como garantia, e estendendo o acesso a atividades de alfabetização e letramento. O que comprova que apenas acrescentar um ano no Ensino Fundamental não é garantia de qualidade de ensino, a criança de seis anos deve ser recebida em um ambiente adequado, currículo apropriado à fase de desenvolvimento e professores preparados para

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lidar com ela. Oferecer para as crianças de seis anos atividades incompatíveis com a faixa etária seria ir contra a busca pela qualidade.

Como foi elucidado por meio de princípios e diretrizes oficiais do Ministério da Educação, o ingresso no ensino fundamental foi considerado um desafio para a criança que pode vivenciá-lo de forma tranquila e agradável ou caracterizado por desconfiança, temor.

Além disso, foi exposto que o primeiro ano do ensino fundamental de nove anos não se trata da primeira série do ensino fundamental de oito anos, fato que ainda confunde muitas famílias. Para que tal dúvida seja esclarecida, é importante orientar os pais quanto à proposta do 1º ano para que a ansiedade deles seja amenizada e que não exijam dos filhos aquilo que não estão prontos para oferecer, criando, nas crianças, um sentimento de incapacidade. Com a implementação das propostas didáticas do primeiro ano, é essencial considerar as práticas da educação infantil, o que permite reduzir alguns cortes causados por essa transição.

Essas considerações são por ora finais, pois trata-se de um trabalho ainda incipiente, visto que muito tem para ser discutido a respeito dessa transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. No entanto, espera-se que esse estudo auxilie professores e profissionais da educação durante suas reflexões a respeito das atividades e do espaço em que a criança de seis anos venha ocupar. É importante que os profissionais do Ensino Fundamental I percebam que estão lidando com crianças e essas possuem cultura própria. Apesar de serem alunos, antes disso, são crianças, e esses conceitos não devem ser desprendidos.

REFERÊNCIAS

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Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas - CENP. Versão Preliminar para apreciação da rede pública estadual. CENP, 2008.

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Referências

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