• Nenhum resultado encontrado

TERMINALIDADE DA VIDA, AUTODETERMINAÇÃO E LIMITES DA INTERVENÇÃO ESTATAL Mariana Carolina Lemes, Daniel Roxo de Paula Chiesse

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "TERMINALIDADE DA VIDA, AUTODETERMINAÇÃO E LIMITES DA INTERVENÇÃO ESTATAL Mariana Carolina Lemes, Daniel Roxo de Paula Chiesse"

Copied!
21
0
0

Texto

(1)

VII ENCONTRO INTERNACIONAL DO

CONPEDI/BRAGA - PORTUGAL

BIODIREITO E DIREITOS DOS ANIMAIS

LUIZ GUSTAVO GONÇALVES RIBEIRO

VALMIR CÉSAR POZZETTI

(2)

Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito Todos os direitos reservados e protegidos.

Nenhuma parte desteanal poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregadossem prévia autorização dos editores.

Diretoria – CONPEDI

Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP

Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS

Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM

Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN

Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP

Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC

Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie

Representante Discente – Doutoranda Vivian de Almeida Gregori Torres – USP

Conselho Fiscal:

Prof. Msc. Caio Augusto Souza Lara – ESDH

Prof. Dr. José Querino Tavares Neto – UFG/PUC PR

Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches – UNINOVE Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva – UFS (suplente)

Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG (suplente) Secretarias:

Relações Institucionais – Ministro José Barroso Filho – IDP

Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho – UPF Educação Jurídica – Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues – IMED/ABEDi Eventos – Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta – FUMEC

Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMG Profa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR

Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA

B615

Biodireito e direito dos animais [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/ UMinho

Coordenadores: Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro; Nuno Manuel Pinto Oliveira; Valmir César Pozzetti– Florianópolis: CONPEDI,2017.

CDU: 34 ________________________________________________________________________________________________

Conselho Nacional de Pesquisa

Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC

Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-463-1

Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: Interconstitucionalidade: Democracia e Cidadania de Direitos na Sociedade Mundial - Atualização e Perspectivas

1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Internacionais. 2. Biodiversidade. 3. Avanços tecnológicos. VII Encontro Internacional do CONPEDI (7. : 2017 : Braga, Portugual).

(3)

VII ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI/BRAGA -

PORTUGAL

BIODIREITO E DIREITOS DOS ANIMAIS

Apresentação

A obra representa a reunião de artigos amplamente discutidos numa agradável tarde de verão, na Universidade do Minho, em Braga, Portugal, por ocasião do VII Encontro Internacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito.

As discussões coordenadas pelos signatários abrangeram temas ecléticos, externados nos textos que fazem parte da obra, e que compuseram a essência do Grupo Temático Biodireito e Direito dos Animais.

A leitura dos artigos, tamanha a envergadura dos temas e a apresentação deles, dará ao leitor a certeza de que os desafios impostos nos assuntos abordados foram enfrentados de forma altaneira, coerente e rica por seus autores.

Vejamos, pois:

No trabalho “a cobrança da taxa de disponibilidade obstétrica e os direitos da paciente”, a autora Maria dos Remédios de Lima Barbosa enfrentou a questão da cobrança da taxa da disponibilidade obstétrica à luz do direito constitucional à saúde e do Código de Ética Médica, não se furtando, ainda, à questão atual da realização de partos com intervenção cirúrgica, mesmo quando o parto, chamado natural, seria condizente ao caso.

No texto “atuação da economia comportamental nas questões reprodutivas: nudges como uma possibilidade para a conscientização do aborto”, a autora Cláudia Ribeiro Pereira Nunes destacou, no âmbito de uma pesquisa empírica realizada com um corpo eclético de entrevistados, a importância da educação reprodutiva para fins de conscientização de todos sobre a questão do aborto, destacando que não basta entoar apenas a órbita da licitude ou ilicitude da prática, mas o verdadeiro conhecimento do tema, independentemente da classe social a que pertença a pessoa.

(4)

destacou, no texto intitulado “uma busca entre a liberdade e a dignidade: gestação por substituição e os aspectos jurídicos no direito brasileiro”, as técnicas homólogas e heterólogas de reprodução humana assistida e aspectos pertinentes do assunto nos ordenamentos brasileiro e português. O tema também foi tratado por Mariana Schafhauser Boçon, no texto intitulado “a regulação das técnicas de reprodução assistida: uma análise comparativa entre Brasil e Portugal”, trabalho esse que trouxe à tona a inexistência da regulamentação da questão no Brasil sob a ótica legislativa ao contrário do que ocorre em Portugal.

A sequência dos trabalhos ficou a cargo de dois textos condizentes ao direito dos animais. A autora Carla de Abreu Medeiros, no texto intitulado “os animais como sujeitos de direito: rompendo com a tradição antropocêntrica do direito civil” e a autora Fernanda Ferreira dos Santos Silva, no texto “xenotransplantes: a ponderação entre o direito fundamental à vida x a necessária proteção da dignidade animal”, destacaram a necessidade do trato dos animais como verdadeiros sujeitos de direitos, principalmente à vida e à dignidade, bem como a inexistência de um arcabouço normativo pleno em prol da tutela animal.

Noutra vertente, Caio Eduardo Costa Cazelatto e Valéria Silva Galdino Cardin, na obra “das restrições à liberdade de expressão frente à violação dos direitos das minorias sexuais pelo discurso de ódio”, entoaram a relatividade de direitos fundamentais, mormente quando exercidos de forma abusiva, em prejuízo das minorias, com flagrante violação à dignidade da pessoa humana e à liberdade de escolha sexual.

Por fim, Valmir César Possetti, no texto “lei de biossegurança e as controvérsias sobre o início da vida”, e Mariana Carolina Lemes, no trabalho intitulado “pacientes terminais e cuidados paliativos: terminalidade da vida, autodeterminação e limites da intervenção estatal” trataram do início e do final da vida, enaltecendo questões práticas condizentes ao trato legal, jurisprudencial e religioso acerca do assunto.

É claro que, em sede de apresentação, não há como tratar dos textos com a profundidade que a leitura deles proporcionará. Trata-se apenas de um singelo convite para que o leitor possa observar a atualidade, a riqueza e a importância dos temas e, assim, motivar-se ainda mais à apreciação e deleite dos mesmos.

Tenham todos uma aprazível leitura, o que por certo ocorrerá!

(5)

Prof. Dr. Nuno Oliveira

Prof. Dr. Valmir César Pozzetti

(6)

PACIENTES TERMINAIS E CUIDADOS PALIATIVOS: TERMINALIDADE DA VIDA, AUTODETERMINAÇÃO E LIMITES DA INTERVENÇÃO ESTATAL

TERMINAL PATIENTS AND PALLIATIVE CARE: TERMINALITY OF LIFE, SELF-DETERMINATION AND LIMITS OF STATE INTERVENTION

Mariana Carolina Lemes Daniel Roxo de Paula Chiesse

Resumo

O presente trabalho tem por tema os cuidados paliativos aos pacientes terminais. Para a delimitação do tema, restringiu-se o âmbito de investigação deste estudo à tentativa de conceituação do paciente terminal a partir da perspectiva bioética, a exposição do seu direito à autodeterminação na escolha das técnicas utilizadas na tentativa de combate à doença e os limites da intervenção estatal no gerenciamento do fim da vida humana, evidenciando-se, nesse contexto, os cuidados paliativos como direito do paciente e dever do Estado.

Palavras-chave: Bioética, Doente terminal, Cuidados paliativos

Abstract/Resumen/Résumé

The present work has for theme the palliative cares for terminal patients. In order to delimit the topic, the research scope of this study was restricted to the attempt to conceptualize the terminally ill patient from a bioethical perspective, the exposition of his right to self-determination in the choice of techniques used in the attempt to combat the disease, and the limits of the state intervention in the management of the end of human life, evidencing, in this context, palliative care as a patient's right and duty of the State.

(7)

INTRODUÇÃO.

O presente trabalho tem por tema os pacientes terminais e seu direito a cuidados paliativos. Para melhor compreensão e investigação e, buscando oferecer contribuição na área da bioética, a investigação foi delimitada ao estudo e considerações sobre a terminalidade da vida e o direito à autodeterminação do paciente na escolha das técnicas utilizadas na tentativa de combate à doença e sua evolução, em especial os cuidados paliativos, em confronto com os limites da intervenção estatal no gerenciamento do fim da vida humana.

O tema é relevante considerando-se que a questão está presente no cotidiano; de fato, milhares de pacientes sofrem com doenças terminais, bem como suas família. Outrossim, faltam pesquisas na área jurídica, no ramo da bioética, sobre o tema.

Diante desse quadro, pretende-se responder ao seguinte problema de pesquisa: o paciente oncológico – especialmente o paciente em estado terminal – tem o direito de exigir que o Estado respeite a sua decisão de submeter-se a cuidados paliativos? Em caso positivo, o Estado deve garantir o acesso ao paliativismo?

Como solução para os problemas propostos e no intuito de contribuir com as discussões instaladas, defende-se que o paciente terminal deve ter assegurado, nesse particular, o direito à autodeterminação, na medida em que a autonomia se constitui em princípio bioético, sendo dever do Estado a concretização desse direito através da assecuração do acesso a tratamentos.

Para a investigação do problema posto foram estabelecidas como hipóteses, de um lado, (i) a inexistência de vedação legal, no ordenamento jurídico brasileiro, aos cuidados paliativos, (ii) a existência de normas (princípios ou regras), no âmbito nacional e internacional, que amparem a autodeterminação do paciente terminal. Como hipótese secundária, verifica-se a obrigatoriedade de disponibilização de cuidados paliativos pelo Estado, em atendimento ao direito à saúde.

A pesquisa tem, pois, por escopo identificar se, e em que medida, os cuidados paliativos devem ser garantidos ao paciente terminal, tudo com lastro nos direitos assegurados pelo Estado Democrático de Direito à luz da Constituição Cidadã.

A solução da proposta é relevante a partir do momento em que pode fornecer subsídios aos pacientes terminais para garantir-lhes o acesso a outros tratamentos que não aqueles da medicina curativa.

Não foram encontrados outros artigos científicos que explorassem a questão a partir da perspectiva jurídica, inexistindo contribuições acadêmicas acerca do direito à autodeterminação do paciente terminais no Brasil.

(8)

O objetivo geral do artigo é contextualizar a autonomia do paciente terminal a partir da perspectiva bioética, traduzindo-o através do direito à autodeterminação, no arcabouço jurídico vigente no Brasil, com digressões eventuais ao direito Português.

Como objetivo específico está a perquirição de documentos que arrimem o direito de autodeterminação.

A abordagem do tema se dará através do método hipotético-dedutivo, que se inicia pela percepção de uma lacuna nos conhecimentos acerca da qual formula hipóteses.

A pesquisa será promovida sob três dimensões da dogmática jurídica: uma analítica, uma empírica e uma normativa.

A dimensão analítica se refere à dissecção sistemático-conceitual do direito vigente sobre a autonomia de pacientes e os princípios bioéticos sobre tratamento do doente e cuidados paliativos. Serão promovidas as análises de conceitos elementares (por exemplo, do conceito de paciente em estágio terminal e de cuidados paliativos), passando por construções jurídicas (como a relação entre o suporte fático dos direitos fundamentais e das liberdades públicas e suas limitações), até o exame da estrutura do sistema jurídico.

A dimensão empírica da dogmática jurídica evidencia-se pela descrição do direito nas leis, aí incluído seu prognóstico na práxis jurisprudencial. Ademais, a efetividade da dignidade da pessoa humana, dos direitos humanos, dos direitos fundamentais e das liberdades públicas são objetos da dimensão empírica na medida em que se mostram como finalidade última do acesso pretendido.

Finalmente, a dimensão normativa lança luzes sobre o que efetivamente pode ser elevado à condição de direito positivo válido, o elucida e promove sua crítica à práxis jurídica, inclusive jurisprudencial, perscrutando qual a decisão correta em um determinado caso concreto.

No intuito de atingir os propósitos da pesquisa, coletando os dados necessários à sua realização, foi utilizada a documentação indireta (abrangendo a pesquisa documental e a

bibliográfica).

A documentação indireta buscou identificar os documentos – vigentes ou não – que poderiam contribuir para a pesquisa e, a bibliografia existente – no Brasil e no exterior – sobre o tema, de modo a permitir a identificação de eventuais lacunas nos conhecimentos postos, bem como a aplicabilidade de normas internacionais aos problemas identificados.

(9)

cuidados paliativos e, em caso positivo, se deve garantir o acesso ao paliativismo. Para tanto, foram analisadas as hipóteses elencadas.

1 PACIENTE TERMINAL.

Inicialmente, importa ao presente trabalho a conceituação de quem pode ser considerado como paciente terminal.

Os marcos jurídicos referentes ao início e ao término da vida humana por si despertam discussões que interessam principalmente à bioética, sendo o tratamento da morte objeto de questionamentos vários que envolvem desde a possibilidade da eutanásia e o suicídio assistido (ambos vedados no ordenamento jurídico nacional brasileiro), até a distanásia, a mistanásia e a ortotanásia, alcançando digressões acerca da autonomia do paciente (e seus limites) no gerenciamento do fim da vida.

A terminalidade da vida não é, portanto, passível de ser estabelecida de forma absoluta, sendo inviável, ao menos do ponto de vista objetivo, o estabelecimento de critérios para a sua conceituação.

Hodiernamente, porém, é possível identificar, no cotidiano, o senso e consenso acerca da proximidade do término da vida. Essa percepção pode ser exarada pelo próprio enfermo, por familiares e pessoas próximas, por profissionais, especialmente da área da saúde, ou por terceiros, quando há certa previsibilidade do evento morte em curto espaço de tempo.

A dificuldade da conceituação da terminalidade, porém, ainda remanesce, inexistindo um critério objetivo e não passível de falibilidade que mensure a extinção da vida.1

Diante da ausência de um conceito fechado que compreenda e preveja o momento exato do término da vida, as discussões acerca de sua verificação costumam estar limitadas à contemplação de condições como o esgotamento dos recursos convencionais de tratamento médico conhecidos pelo estado atual da medicina ou o decréscimo progressivo e possivelmente irreversível dos níveis vitais que sustentam a vida do paciente.

Quanto à conceituação de paciente terminal, GUTIERREZ afirma que,

Estudos na literatura tentam estabelecer índices de prognóstico e de qualidade de vida, procurando definir de forma mais precisa este momento da evolução de uma doença e tendo como preocupação o estabelecimento de novas diretrizes para o seguimento destes pacientes. Entretanto, estes trabalhos descrevem melhor

1 Referências acerca da falibilidade das declarações de óbito não são raras. O diagnóstico de morte cerebral,

inclusive, pode se mostrar incorreto.

(10)

aspectos populacionais e epidemiológicos, perdendo a especificidade quando aplicados em nível individual. Abre-se a perspectiva de discussão deste conceito caso a caso: um paciente é terminal em um contexto particular de possibilidades reais e de posições pessoais, sejam de seu médico, sua família e próprias. Esta colocação implica em reconhecer esta definição, paciente terminal, situada além da biologia, inserida em um processo cultural e subjetivo, ou seja, humano.

PEREIRA FILHO [s.a.], em interessante trabalho, citando a Associação Espanhola de Cuidados Paliativos, define o paciente terminal como fora de possibilidades de cura, verificáveis esta através dos seguintes elementos: 1. Presença de uma doença avançada, progressiva e incurável; 2. Falta de possibilidades razoáveis de respostas a tratamentos específicos; 3. Presença de inúmeros problemas ou sintomas intensos, múltiplos, multifatoriais; 4. Grande impacto emocional no paciente, família e equipe de cuidados, estritamente relacionado com a presença explícita ou não da morte; 5. Prognóstico de vida inferior a 6 meses ou que não possui chance de cura, mesmo com tratamento médico.

Sobre a morte, RICOEUR (2012, p. 39) já afirmou que o desapego perfeito à vida poderia ser explicado pelo desmantelamento irrestrito do imaginário da sobrevivência. Aquele que já não possui qualquer esperança de viver, este já renunciou à vida.

Os pacientes e seus familiares que lutam, esses não se desapegaram; ainda têm esperanças, abraçadas e mantidas às vezes com elevado custo de desgaste físico e emocional, que se traduzem na vontade, no desejo, de que o enfermo continue a existir (idem, p. 42).

O sofrimento dos pacientes terminais advém não apenas da ideia de que todos terão de morrer um dia (idem, p. 11), não se sabe quando, nem como (mors certa, hora incerta), mas da angústia de saber que esse dia pode ser hoje, ou amanhã, ou num dia cada vez mais próximo, em razão da doença; já não é um imaginário, mas uma certeza.

Nesse sentido, ILBOUDO:

O fim da vida, isto é, a aproximação da morte, um tema que nos interessa hoje, levanta enormes problemas, por vezes dramáticos, porque a morte é um processo irreversível. Falar sobre a morte é falar do horror que inspira. Para a pessoa mais ao final da vida, com uma doença grave (vamos voltar a esta noção), a morte já não é um conceito teórico, mas agora um acontecimento pessoal, não uma parte de qualquer futuro indefinido, mas que se tornou eficaz no momento, no sentido de que ele vai se tornar realidade.

(11)

São inúmeras as dificuldades no estabelecimento de quem seja o paciente terminal. Admitir que foram esgotados os recursos convencionais para a obtenção da cura e que o paciente se aproxima cada dia mais do fim da sua vida não significa, porém, que não haja mais nada a fazer.

Do reconhecimento da terminalidade abre-se um leque de condutas que podem ser oferecidas ao paciente e à sua família com vistas ao alívio da dor, a diminuição do desconforto, mas, sobretudo, a possibilidade de situar-se frente ao momento do fim da vida, acompanhados por alguém que possa ouvi-los e sustente seus desejos, respeitando-lhe a dignidade e a autonomia.

Nesse passo, importante reconhecer o paciente como sujeito e não objeto de ações que devem vir ao encontro – e não de encontro – com sua dignidade.

A partir do prognóstico terminal, deve ser estabelecida uma nova perspectiva de trabalho, multidisciplinar, denominada de cuidados paliativos ou ‘paliativismo’.

2 CUIDADOS PALIATIVOS

Com o aumento da expectativa de vida e de sobrevida da população, bem como dos riscos da sociedade atual, aumentaram, também, os números de pacientes acometidos por doenças crônicas. Os avanços da medicina, da tecnologia e da pesquisa não foram suficientes para evitar que milhares de pessoas continuem a ser vitimadas todos os anos por doenças incuráveis, tais como o câncer.

O modelo de medicina tradicional, principalmente em países que ainda necessitam de maiores investimentos e desenvolvimento do direito à saúde, por seu turno, é o curativo, com enfoque no tratamento da doença; o modelo preventivo aparece em países desenvolvidos, mais preocupados com a prevenção das doenças.

O modelo de medicina curativa, por agressivo, não se mostra eficaz ou adequado ao tratamento de pacientes terminais, deixando de atender suas necessidades. De fato, as necessidades – inclusive psicológicas – do paciente cedem terreno à frenesi pela “derrota” da doença, sendo suplantados os interesses do paciente, que passa a ser tratado como um mero objeto. Como traduzido pela Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos,

A não cura era (e frequentemente ainda continua a ser) encarada por muitos profissionais como uma derrota, uma frustração, uma área de não-investimento. A doença terminal e a morte foram ‘hospitalizadas’ e a sociedade em geral aumentou a distância face aos problemas do final de vida.

(12)

Segundo a Associação, os cuidados paliativos definem-se como uma “resposta activa aos

problemas decorrentes da doença prolongada, incurável e progressiva, na tentativa de prevenir

o sofrimento que ela gera e de proporcionar a máxima qualidade de vida possível a estes doentes

e suas famílias”.

Os cuidados paliativos são cuidados de saúde ativos, rigorosos, que combinam ciência e humanismo. São respostas adequadas para os cuidados de saúde de pacientes terminais e objetivo de interesse público na medida em que ainda permanecem desconhecidos, pouco divulgados e mal compreendidos, restando inacessível àqueles que poderiam se beneficiar dessa prática.

Os cuidados paliativos se traduzem em um modelo de tratamento aos problemas do final da vida, modelo este condizente com a ética, a dignidade e o bem estar da pessoa humana.

O movimento moderno dos cuidados paliativos, iniciado em Inglaterra na década de 60, e que posteriormente se foi alargando ao Canadá, Estados Unidos e mais recentemente (no último quarteirão do século XX) à restante Europa, teve o mérito de chamar a atenção para o sofrimento dos doentes incuráveis, para a falta de respostas por parte dos serviços de saúde e para a especificidade dos cuidados que teriam que ser dispensados a esta população.

Enquanto a mortalidade decorrente de doenças crônicas como o câncer aumenta, os serviços qualificados e organizados de cuidados paliativos permanecem ínfimos. Também poderiam se beneficiar dos cuidados paliativos os portadores de SIDA em estágio avançado, os portadores de insuficiências de órgão avançadas, de doenças neurológicas degenerativas e graves etc. (ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE CUIDADOS PALIATIVOS).

Pouco se compreende que os cuidados paliativos não são cuidados menores no sistema de saúde, não se resumem a uma intervenção caritativa bem intencionada, não se destinam a um grupo reduzido de situações e não estão restritos a moribundos (idem). Pela especificidade dos cuidados, os paliativos se diferenciam dos continuados (cuidados aos doentes com perda de funcionalidade ou dependentes).

Ademais, os cuidados paliativos envolvem pouco investimento financeiro, podendo até reduzir os custos em razão da racionalização de meios e recursos.

Desde o seu surgimento, os cuidados paliativos seguem em um crescendo, devendo, num futuro próximo integrar o sistema de saúde. Ocorre, contudo, que a intervenção requer a formação específica dos profissionais envolvidos e treinamentos obrigatórios da parte dos profissionais que os disponibilizam.

(13)

a doenças que acometem os pacientes terminais. Ademais, os cuidados paliativos também vêem sendo adotados como forma de redução de lutos patológicos (idem)

Os cuidados paliativos centram-se na importância da dignidade da pessoa ainda que doente, vulnerável e limitada, primando pela sua dignidade na vivenciação dos momentos finais da vida.

3 AUTODETERMINAÇÃO, SAÚDE E LIMITES DA INTERVENÇÃO ESTATAL.

A Resolução nº 1.805, do Conselho Federal de Medicina, de 9 de novembro de 2006, apregoa que na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Ora, o respeito à vontade do paciente é, como evidenciado, um dos pontos centrais da terapêutica destinada a pacientes em fase terminal.

No cenário internacional, apresenta-se a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina, adotada e aberta à assinatura em Oviedo, em 4 de Abril de 1997, com entrada em vigor na ordem internacional em 1º de Dezembro de 1999, que traz em seu artigo 15 previsão de que, a investigação científica nos domínios da biologia e da medicina é livremente exercida sem prejuízo das disposições da convenção e outras disposições jurídicas que asseguram a proteção do ser humano, afirmando, em seu artigo 16 que, se os riscos em que a pessoa pode incorrer não forem desproporcionais em relação aos potenciais benefícios da investigação, poderá ser levada a efeito a pesquisa naquelas pessoas que se dispuserem.

A Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos foi adotada em outubro de 2005, trazendo o compromisso, para os Estados-membros e a comunidade internacional, de respeitar e aplicar os princípios da bioética condensados em seu texto.

Os princípios enunciados em seu texto norteiam o respeito pela dignidade da pessoa humana, pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, como explicitado em seu prefácio, reconhecendo a interligação existente entre ética e direitos humanos no domínio específico da bioética.

A autonomia do paciente terminal é expressa em três níveis: 1. Direito à verdade; 2. Direito ao diálogo; 3. Direito à decisão.

(14)

O direito à verdade corresponde à afirmação da condição de sujeito – e não de objeto – de cuidados. A afronta ao direito à verdade constitui cerceamento da autonomia do paciente.

O direito ao diálogo implica no respeito e reconhecimento da dignidade ao paciente, assegurando-lhe a análise de suas opções, com a ampla discussão do tratamento.

Já o direito à decisão é representativa do direito de todo ser humano a responder sobre si mesmo, dentro dos limites permitidos. Ninguém – nem mesmo o médico responsável – deve, eticamente, decidir pelo paciente que esteja no gozo de sua autonomia plena. Somente nos casos de redução da autonomia é possível falar-se em decisão por um terceiro.

Verifica-se ainda a existência do “The Patient Self-Determination Act (PSDA)” vigente desde 1991 nos Estados Unidos.

A autodeterminação, corolário do princípio da liberdade, traz a importância de que o indivíduo possa decidir os rumos de sua própria existência, tomando livremente as decisões acerca de si mesmo. Nesse sentido, CABRAL e ZAGANELLI (2015, p. 297) discorrem que “a autodeterminação se constitui expressão da vontade, um direito de escolha, que objetiva privilegiar a liberdade; é o direito a autogovernar-se e assumir todas as consequências decorrentes desse ato”. Maria Celina Bodin de Morais, também citada pelas autoras acima referenciadas, traz uma importante passagem acerca da necessidade do próprio indivíduo poder exercer livremente a escolha sobre seus designíos:

Na área da biomedicina, é o interesse, o ponto de vista do indivíduo, que deve prevalecer quando se trata de sua saúde, física e psíquica, ou de sua participação em qualquer experiência científica. A regra expressa o conceito da não instrumentalização do ser humano, significando que este jamais poderá ser considerado objeto de intervenções e experiências, sempre sujeito de seu destino e de suas próprias escolhas. (MORAES, 2009, p. 98).

Uma vez que o paciente está em seu juízo mental perfeito, em que pese as condições de seu corpo apontarem para a inexistência de cura para sua doença, não se pode negar que esta escolha as técnicas que serão utilizadas na tentativa de combate à sua doença. E mesmo, também não se pode negar que o paciente escolha pela inexistência de tratamentos que apenas prolonguem seu estado de vida, quando esta vida não é vivida de forma digna e plena.

(15)

Tal voto do Ministro Barroso é importante para que se tenha em conta a questão da autodeterminação da pessoa, e a postura em que o Estado deve ter em relação à escolha do cidadão. Em seu voto, o Ministro Barroso ainda se pronunciou:

As pessoas têm, igualmente, o direito de escolher os seus prazeres legítimos. Há quem faça alpinismo, voe de ultraleve, participe de corridas de automóvel, ande de motocicleta ou faça mergulho submarino. Todas essas são atividades que envolvem riscos. Nem por isso são proibidas. O Estado pode, porém, limitar a liberdade individual para proteger direitos de terceiros ou determinados valores sociais. Pois bem: o indivíduo que fuma um cigarro de maconha na sua casa ou em outro ambiente privado não viola direitos de terceiros. Tampouco fere qualquer valor social. Nem mesmo a saúde pública, salvo em um sentido muito vago e remoto. Se este fosse um fundamento para proibição, o consumo de álcool deveria ser banido. E, por boas razões, não se cogita disso.

(...)

O principal bem jurídico lesado pelo consumo de maconha é a própria saúde individual do usuário, e não um bem jurídico alheio. Aplicando a mesma lógica, o Estado não pune a tentativa de suicídio ou a autolesão. [...] não havendo lesão a bem jurídico alheio, a criminalização do consumo de maconha não se afigura legítima.

Em que pese tratar-se do julgamento de uma questão penal, e da tipificação do porte de drogas para uso pessoal, este julgamento traz alguns elementos que devem ser considerados quando da postura do Estado. O Ministro Luís Roberto mostra que as pessoas tem liberdade de escolha das posturas da sua vida, entre as quais a possibilidade de prática de esportes radicais que possam trazer evidente risco de morte, e ainda o uso de substâncias que possam lhe causar risco à sua saúde, como o caso do cigarro de maconha. Entende o constitucionalista carioca que tal escolha poderia lesar exclusivamente a própria saúde do usuário, de forma que não lesiona qualquer bem jurídico alheio.

Assim, reitera-se, uma vez que o paciente em estado terminal tenha participado dos três níveis de autonomia supra indicados (direito à verdade; direito ao diálogo e direito à decisão), o Estado não pode interferir na esfera íntima do indivíduo, determinando o modo de agir para gerenciar sua vida. O prolongamento artificial e contra a vontade do paciente representa ato de violação à dignidade humana, à liberdade e à autonomia e autodeterminação da pessoa.

No âmbito do ordenamento brasileiro, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por sua vez, traz insculpida em seu art. 1º, III, a regra matriz da dignidade da pessoa humana, aplicável aos pacientes terminais. O art. 196 da lei fundamental, por seu turno, dispõe que a saúde é direito de todos e dever do Estado, preconizando o acesso igualitário às ações e serviços. Verifica-se, porém, que cabe ao Poder Público a regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde, no que se incluem as políticas públicas para implantação e desenvolvimento dos cuidados paliativos.

(16)

A saúde foi elevada a direito fundamental2 no Brasil apenas com o texto constitucional

de 1988, seguindo a tendência europeia da Carta italiana, de 1948, e, da Constituição portuguesa, de 1976 (BULOS, 2014, p. 1562).

Dita o comando do art. 196 da Constituição de 1988 que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

No âmbito europeu, a carta dos direitos fundamentais da união europeia dispõe, em seu artigo 3. 1, sobre o direito à integridade, declarando que todas as pessoas têm direito ao respeito de sua integridade física e mental, o que vem sendo chamado de direito à integridade psicofísica.

O mesmo documento internacional, ao tratar da proteção da saúde, prevê, em seu artigo 35, que todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar-se de cuidados médicos, de acordo com as legislações e práticas nacionais, determinando-beneficiar-se que na definição e execução de todas as políticas e ações da União Europeia, será assegurado um elevado nível de proteção da saúde humana.

A Convenção 155 da OIT, em seu art. 3º, “e”, esclarece que,

o termo ‘saúde’, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho

Para BULOS (2014, p. 1562), saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e espiritual do homem, e não apenas a ausência de afecções e doenças, o que leva o autor a afirmar que o ‘estado de higidez’ do indivíduo teria passado a destaque na ordem constitucional.

2Para Alexy (2002, p. 343), “os direitos fundamentais são posições tão importantes que a decisão de protegê-los não pode ser delegada para maiorias parlamentares simples”. Eles constituiriam expressão daquilo que o autor denomina “ideia-chave formal”, um critério para aquilo que deve ser decidido em conformidade com o processo democrático e aquilo que é decidido pela Constituição, mediante a interpretação de seu conteúdo (Id. 2015, p. 166). Com base em tal teoria, pode-se afirmar que, arrolado um direito como fundamental, este passa a denotar tamanha importância que já não cabe apenas às maiorias parlamentares sobre eles decidir. Ainda segundo Alexy (Ibid., p. 167-169), a tese de dupla natureza dos direitos fundamentais não contesta sejam estes direito positivo ao nível constitucional, gizando, porém, que a positividade é apenas uma de suas características. Isso porque, além da positividade os direitos fundamentais possuem também uma dimensão ideal, na medida em que buscam transformar direitos humanos em direito positivo (lembre-se que, segundo Alexy, direitos fundamentais não possam ser conceituados como direitos humanos positivados). A intenção objetiva de positivar direitos humanos reside no fato de serem estes direitos morais, universais, fundamentais, abstratos, omniprevalecentes. O seu caráter moral (um direito existe se for válido) condiciona a validade dos direitos humanos como direitos morais à sua justificabilidade. Assim, para o autor, os direitos humanos, como direitos morais, pertencem à dimensão ideal do direito, a qual desempenha um papel decisivo

(17)

O conceito utilizado por Bulos se aproxima em muito daquele utilizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a partir de 1976, definindo a saúde como um “completo estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”.

Para SEGRE; FERRAZ (1997), a saúde pode ser conceituada como um estado razoável de harmonia entre o sujeito e a sua própria realidade.

Saúde significa o estado de normalidade de funcionamento do organismo

humano. Ter saúde é viver com boa disposição física e mental.

Além da boa disposição do corpo e da mente, a OMS (Organização Mundial da Saúde) inclui na definição de saúde, o bem-estar social entre os indivíduos. A saúde de um indivíduo pode ser determinada pela própria biologia humana, pelo ambiente físico, social e econômico a que está exposto e pelo seu estilo de vida, isto é, pelos hábitos de alimentação e outros comportamentos que podem ser benéficos ou prejudiciais.

In: http://www.significados.com.br/saude/

A natureza jurídica do direito à saúde qualifica-se como dúplice: (i) direito fundamental que assiste a todas as pessoas e, (ii) consequência constitucional indissociável do direito à vida, motivo pelo qual, o Poder Público não pode omitir-se, sob pena de inconstitucionalidade. Nesse sentido, o RE 241.630-2-RS, rel. Min. Celso de Mello, de 3-4-2001 (apud BULOS, 2014, p. 1562):

“O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente a problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República” (STF, RE 241.630-2/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ, 1, de 3-4-2001, p. 49).

Ora, a saúde constitui-se em direito público subjetivo constitucionalmente tutelado, cuja integridade deve ser velada, e, como direito fundamental, aplicável de forma imediata nos termos do art. 5º do texto constitucional, devendo ser, portanto, concretizado sem qualquer embaraço. Tal aspecto evidencia as prestações positivas a que se acha obrigado o Poder Público.

NASCIMENTO (2010, p. 349-350) ressalta ter a Constituição Federal elegido a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República (CF, art. 1º, II), reservando aos entes autônomos da federação a competência para cuidar da saúde (CF, art. 23, II), frisando que as políticas públicas devem ter sempre como apanágio o princípio da solidariedade, tendo os marcos constitucionais fixado a responsabilidade solidária dos entes públicos.

(18)

A natureza da proteção ao direito à saúde pelos entes públicos deve ser considerada como

“qualificadamente irrenunciável”, vez que eventuais normas de cooperação – a serem editadas pela União – não poderiam demitir esta ou os Estados-membros dos encargos constitucionalmente provisionados, evidenciando, assim, as prestações negativas devidas pela Administração.

Não é por outro motivo que eventuais leis estaduais que visem conferir exclusivamente aos Municípios a proteção da saúde são passíveis de controle de constitucionalidade, via ação direta de inconstitucionalidade.

A fixação de competência comum não exige, porém, a atuação simultânea dos níveis federal, estadual e municipal na proteção da saúde, facultando-se à União a edição de espécies normativas que regulem a cooperação. Anote-se, todavia, que nem mesmo as normas assim editadas poderão dispensar o cumprimento dos encargos pela União e pelo Estado-membro, descarregando sobre o Município todo o peso do ônus.

BULOS (2014, p. 1563) assim sintetiza a questão:

Da mesma forma que os direitos sociais em geral (art. 6º), o direito à saúde reclama, para sua efetivação, o cumprimento de prestações positivas e negativas. Pela primeira, os Poderes Públicos devem tomar medidas preventivas ou paliativas no combate e no tratamento de doenças. Pela segunda, incumbe-lhe abster-se, deixando de praticar atos obstaculizadores do cabal exercício desse direito fundamental.

No Brasil, o sistema de saúde é enfocado quase totalmente na medicina curativa, deixando ao largo as medidas preventivas ou paliativas, nada fazendo, ainda, para informar a população quanto aquelas medidas. Não se pode dizer que há obstáculo formal à medicina preventiva e aos cuidados paliativos mas, também, tampouco é possível afirmar que há viabilização plena para a implantação e universalização de tais cuidados.

CONCLUSÕES.

A prática médica, de regra, tem especial foco apenas à cura, de forma que o gerenciamento do processo do fim da vida não é um assunto abordado com a seriedade que deveria. Contudo, a atenção que deve ser dispensada aos pacientes em estado terminal, e mesmo a qualificação desse estágio são componentes que vem ganhando espaço dentro da área médica, necessitando de uma ampla avaliação e análise multidisciplinar.

(19)

vontade da família na manutenção da vida do paciente, e mesmo a luta da equipe médica em garantir sua sobrevida, não podem sobrepor-se à vontade do paciente. A atenção deverá ser sempre voltada ao paciente, de forma que este tenha “assegurada a autonomia (direito de se autogovernar), enquanto capacidade para pensar e emitir juízos sobre o que considera bom” (KFOURI, 2013, p. 308).

No Brasil, verifica-se que, em princípio, os pacientes terminais, na qualidade de particulares, encontram-se autorizados em todas as condutas não-vedadas pelo ordenamento, conclusão que permite afirmar que os mesmos poderiam opinar e optar pelos tratamentos médicos disponíveis, inclusive o paliativismo.

O paliativismo represente a liberdade de escolha do paciente sobre a determinação do que fazer com a sua vida, de forma que essa autodeterminação é a representação máxima da dignidade da pessoa humana, uma vez que materializa-se pelo direito de escolher por não sofrer, por não passar por procedimentos invasivos que prolonguem de modo artificial sua vida. Do mesmo modo, o paliativismo deveria ser incentivado e promovido através de políticas públicas, possibilitado que o sistema de saúde pudesse adotar em cada nosocômio essa forma de compreender o fim da vida aos pacientes terminais, respeitando não apenas o paciente, mas também o difícil momento da vida dos familiares.

Conclui-se, portanto, que o Estado deve respeitar a decisão do paciente terminal em submeter-se a cuidados paliativos e garantir o acesso ao paliativismo, regulamentando, fiscalizando e controlando essas ações e serviços, como previsto no âmbito constitucional.

REFERÊNCIAS.

ALEXY, Robert. A Theory of Constitucional Rights (trad. Julian Rivers). Oxford: Oxford University Press, 2002.

_____. Direitos fundamentais sociais e proporcionalidade. In: ALEXY, Robert; BAEZ, Narciso Leandro Xavier; SILVA, Rogério Luiz Nery da. Dignidade humana, direitos sociais e não-positivismo inclusivo. Forianópolis: Qualis, 2015.

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE CUIDADOS PALIATIVOS. Atención integral e integrada de personas con enfermedades o condiciones crónicas avanzadas y pronóstico de vida

limitado en servicios de salud y sociales. Disponível em:

< http://www.apcp.com.pt/noticias/atencion-integral-e-integrada-de-personas-con-enfermedades- o-condiciones-cronicas-avanzadas-y-pronostico-de-vida-limitado-en-servicios-de-salud-y-sociales.html>. Acesso em: 25 maio 2017.

(20)

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 12 mar. 2016.

______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 635.659. Descriminalização Do Porte De Drogas Para Consumo Próprio. Recorrente: Francisco Benedito De Souza. Recorrido: Ministério Público Do Estado De São Paulo. Relator: Ministro Gilmar Mendes, Brasília, 22 de fevereiro de 2011. http://s.conjur.com.br/dl/leia-anotacoes-ministro-barroso-voto.pdf. Acesso em: mar. 2017.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat; ZAGANELLI, Margareth Vetis. Ortotanásia e o Direito Existencial à Autodeterminação. In Autonomia privada, regulação e estratégia [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/ UFMG/FUMEC/Dom Helder Câmara. Coordenadores: Frederico de Andrade Gabrich, Rogerio Luiz Nery Da Silva – Florianópolis: CONPEDI, 2015. 294-313

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.805, do Conselho Federal de Medicina,

de 9 de novembro de 2006. Disponível em:

<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm>. Acesso em: 26 maio 2017.

EUA. Patient self-determinantion act. Disponível em: < https://www.congress.gov/bill/101st-congress/house-bill/4449>. Acesso em: 26 maio 2017.

EUROPA. Convenção para a proteção dos direitos do homem e da dignidade do ser humano

face às aplicações da biologia e da medicina. Disponível em:

<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/euro/principaisinstrumentos/16.htm>. Acesso em: 26 maio 2017.

GUTIERREZ, Pilar L. O que é o paciente terminal? Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo, v. 47, n.

2, p. 92, Junho 2001 . Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302001000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 19 Mar. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302001000200010.

ILBOULDO, Daniel. Bioethique et phaseterminale de lavie. Disponível em: <http://www.cerbafaso.org/textes/congres/acte_congres99/eutanasia_ilboudo99.pdf>. Acesso em: 20 Mar. 2016.

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. São Paulo: Renovar. 2009.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Convenção nº 155, de 22-6-1981. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/node/504>. Acesso em: 30 out. 2015. Genebra, 1981.

PEREIRA FILHO, Antonio. Terminalidade da vida. Disponível em: <cremesp.org.br/pps/terminalidade_vida_Pereira.pptx>. Acesso em: 19 Mar. 2016.

(21)

UNESCO. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf>. Acesso em: 20 Mar. 2016.

XAVIER GÓMEZ-BATISTE, Marisa; MARTÍNEZ-MUÑOZ, Carles Blay et al. Recomendaciones para la atención integral e integrada de personas con enfermedades o condiciones crónicas avanzadas y pronóstico de vida limitado en Servicios de Salud y

Sociales: NECPALCCOMS-ICO© 3.0. (2016). Disponível em:

<http://ico.gencat.cat/ca/professionals/serveis_i_programes/observatori_qualy/programes/progra ma_necpal/>. Acesso em: 26 maio 2017.

Referências

Documentos relacionados

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that 

Em outro aspecto, a intoxicação exógena por psicofármacos foi abordada como o método mais utilizado nas tentativas de suicídio, sendo responsável por 33,3% do total de

Ponha sua mão esquerda sobre seu joelho esquerdo e sua mão direita na frente da parte mais inferior de seu osso do peito (assim um bocado acima do pulmão).. Concentre no chakra do

Ata de aprovação das contas pelo órgão de administração ou ata de aprovação de contas pela assebléia geral de associados Anexo conforme modelo ESNL nos termos da portaria

JURÍDICA DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO I DIREITO PENAL II DIREITO CONSTITUCIONAL III (TURMA 4) DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO I DIREITO CONSTITUCIONAL III (TURMA

princípio da estrita adstrição da Administração à legalidade, pode instituir sanção restri- tiva de direitos subjetivos; neste caso, a reprimenda imposta ao recorrente pela Agência