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O golpismo hoje em dia

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Academic year: 2022

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NO 152 ESPECIAL 31/MARÇO/2016

O golpismo na história

páginas 2 a 5

O golpismo hoje em dia

páginas 6 e 7

Como derrotar o golpismo

página 8

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— EDIÇÃO ESPECIAL 31 DE MARÇO DE 2016

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O DNA golpista das

oligarquias brasileiras

EXPEDIENTE

Página 13 é um jornal publicado sob responsabilidade da direção nacional da Articulação de Esquerda, tendência interna do Partido dos Trabalhadores.

Circulação interna ao PT. Matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição da tendência.

ISBN 2448-0150-152

Direção Nacional da AE: Adriano Oliveira/RS, Adriele Manjabosco/RS, Adriana Miranda/DF, Ananda Carvalho/RS, André Vieira/PR, Bárbara Hora/ES, Bruno Elias/DF, Dam- arci Olivi/MS, Daniela Matos/DF, Eduardo Loureiro/GO, Eleandra Raquel Koch/RS, Eliane Bandeira/RN, Elisa Guaraná/DF, Emílio Font/ES, Fernando Feijão/PI, Giovane Zua- nazzi/RS, Gleice Barbosa/MS, Iole Ilíada/SP, Izabel Cristina da Costa/RJ, Ivonete Almeida/SE, Jandyra Uehara Alves/SP, Joel de Almeida/SE, José Gilderlei/RN, Karen Lose/

RS, Leirson Silva/PA, Lício Lobo/SP, Múcio Magalhães/PE, Olavo Brandão/RJ, Patrick Araújo/PE, Rafael Tomyama/CE, Rodrigo Cesar/SP, Rosana Ramos/DF, Silvia Vasques/

RS, Sônia Fardin/SP, Valteci de Castro/MS, Valter Pomar/SP. Comissão de ética nacional: Ana Affonso/RS, Iriny Lopes/ES, Jonatas Moreth/DF, Júlio Quadros/RS Edição: Valter Pomar e Emilio C. M. Font Secretaria Gráfica e Assinaturas: Edma Walker edmawalker@gmail.com

Endereço para correspondência: R. Silveira Martins, 147 conj. 11 - Centro - São Paulo - SP - CEP 01019-000 Acesse: www.pagina13.org.br

O

golpe de Estado que se encontra em plena marcha no Brasil — articulado por setores da mídia, expoentes de partidos políticos neoliberais como PSDB e DEM, e setores do Judiciário, do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF) — enquadra-se no modelo de “guerra de quarta geração”, aplicado pelas forças neoliberais, com maior ou menor êxito, em países como a Venezuela, em 2002: deposição temporá- ria de Hugo Chávez; Honduras, em 2009:

deposição de Manuel Zelaya; Paraguai, em 2012: impeachment de Fernando Lugo; e Bolívia, em 2016: vitória do “não” no refe- rendo, impondo derrota a Evo Morales.

A “guerra de quarta geração” privilegia o uso da mídia, com destaque para os meios digitais e ações de propaganda em larga escala: “uma guerra na era da informática e das comunicações globalizadas”, onde o objetivo não é necessariamente matar, “mas conquistar e controlar cérebros, guerra sem frente nem retaguarda”, onde os alvos são

“as vulnerabilidades psicológicas da popu- lação”, conforme assinala Katu Arkonada (http://ow.ly/ZVKua).

Na visão do Exército norte-americano, esse tipo de guerra inclui “atividades psicológi- cas e guerra psicológica e abarca as ações políticas, militares, econômicas e ideológi- cas planejadas e conduzidas para criar em grupos estrangeiros inimigos, hostis, neutros ou amigos, as emoções, atitudes ou conduta favorável ao logro das políticas e objetivos nacionais” (ou seja: objetivos dos EUA).

Vejamos alguns aspectos do golpe em curso:

1) a desconstrução diária da imagem do Par-

tido dos Trabalhadores, por meio de ataques a Lula, a outras lideranças e ao próprio par- tido, martelados por emissoras de TV e rá- dio, criando a ideia-força de que o PT é uma

“organização criminosa” e de que o país está

“sob controle de uma quadrilha”;

2) o “terrorismo econômico”, igualmente empreendido pela mídia (fazendo alarde, por exemplo, do rebaixamento das “notas”

atribuídas ao Brasil por agências estrangei- ras privadas de classificação de risco finan- ceiro), levando a população a acreditar na existência de uma crise muito mais profun- da que a real, e, o que é mais surpreenden- te, convencendo o próprio governo a tomar

medidas recessivas desnecessárias (ajuste fiscal, alta dos juros);

3) os ataques à Petrobras, apresentada como empresa corrupta, incompetente e que teria, mediante os erros dos governos petistas, perdido seu “valor de mercado”;

4) os pedidos de impeachment de Dilma, baseados em pretextos sem base legal (“pe- daladas fiscais”);

5) agressões verbais e ataques físicos vio- lentos a pessoas que trajem vermelho ou que portem símbolos identificados com a es- querda, e ataques a sedes do PT e da Central Única dos Trabalhadores (CUT);

Pedro Pomar*

NAciONAl

Esta imagem, subtraída por Fernando Morais da página do Claudionor Damasceno, é de 1935. Ou seja, faz oitenta e um anos que a família Marinho joga contra os interesses nacionais.

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6) ostensivas e sistemáticas transgressões à lei por parte de juízes e policiais, justifi cadas por um discurso que naturaliza medidas de exceção.

A chamada “Operação Lava Jato”, empreen- dida pela PF em cooperação com a Justiça Federal de Curitiba e o MPF, condensa di- versos desses aspectos, prestando-se a cri- minalizar o PT e suas principais lideranças

“em tempo real”, graças a um altíssimo grau de articulação e colaboração com o oligopó- lio da mídia, em especial com as emissoras do Grupo Globo. Sua fi nalidade é colar no partido (e por tabela no governo) a pecha de corrupto e de cúmplice das principais em- preiteiras. Diversos e contundentes indícios de corrupção de lideranças tucanas, a co- meçar por Aécio Neves, são simplesmente ignorados.

O que interessa é “pegar” Lula e o PT, se preciso for atropelando a lei e a Constituição Federal. A “condução coercitiva” do ex-pre- sidente ao Aeroporto de Congonhas foi um ensaio geral do golpe de Estado, fracassado graças à reação enérgica da militância e par- lamentares de esquerda. A divulgação ilegal, autorizada pelo juiz Sérgio Moro, de gram- pos telefônicos também ilegais em Dilma e Lula revela que os golpistas estão determi- nados a ir até o fi m, custe o que custar, no seu afã de desmoralizar e derrubar os seus alvos.

Precedentes

Não obstante os meios tecnológicos moder- nos de que vem lançando mão, a “guerra de quarta geração” em curso no Brasil tem antecedentes históricos que ocorreram déca- das atrás e apresentam similaridades com os procedimentos atuais. As elites oligárquicas brasileiras nunca hesitaram em distorcer os fatos, forjar explicações falsas e desse modo iludir e ludibriar a sociedade para alcançar seus próprios objetivos de classe dominante.

O golpismo está no DNA dessas elites e não

é difícil, revendo a história do Brasil do iní- cio do século XX para cá, identifi car suces- sivos golpes, seja contra as classes trabalha- doras, seja contra governantes nacionalistas ou progressistas.

Exemplo do golpismo atual é a proposta — espúria, covarde — de cassar o registro elei- toral do PT, já verbalizada por parlamentares do PSDB. Porém, a ideia de banir do atual espectro partidário nacional aquela que é a sua maior e mais representativa legenda, vi- toriosa nas quatro últimas eleições presiden- ciais, encontra um claro precedente na cas- sação do Partido Comunista do Brasil (cuja sigla era, então, PCB), ocorrida em maio de 1947, durante o violento governo do general Eurico Gaspar Dutra (1946-1951).

Desejada e estimulada por Dutra, a cassação do PCB foi decidida por 3 votos a 2 pelo Tri- bunal Superior Eleitoral (TSE). Em janeiro de 1948 foram cassados os parlamentares federais e estaduais eleitos pelo partido em 1945 e 1947, verdadeiro esbulho eleitoral que resultou na cassação de mais de 600 mil votos populares — equivalente a cerca de 10% do eleitorado que foi às urnas: cerca de 6 milhões de pessoas.

No governo Dutra foram assassinados 55 militantes do PCB, e o general gabava-se:

“Comunista, comigo, é no pau”. No contex- to da Guerra Fria, a classe dominante brasi-

leira não gostou nada de ver crescer a força eleitoral dos comunistas, os quais, depois de elegerem em dezembro de 1945 a quarta maior bancada da Câmara dos Deputados (14 parlamentares) e um dos dois senadores mais votados, Prestes (o outro era Vargas), em janeiro de 1947 fi zeram a segunda maior bancada da Assembleia Legislativa de São Paulo (11 deputados) e elegeram parlamen- tares em diversos Estados.

As alegações utilizadas para cassar o PCB foram meramente ideológicas. O partido te- ria dois estatutos diferentes e teria tentado enganar a Justiça Eleitoral. O partido seria representante de potência estrangeira, a en- tão União das Repúblicas Socialistas Sovié- ticas (URSS). O plano era retirar o PCB do jogo partidário eleitoral, impedir sua parti- cipação no Legislativo e no Executivo, e a verdade era um detalhe que não importava à maioria do TSE. A votação apertada, com um único voto de vantagem, revelou a in- consistência das acusações.

Quase não houve resistência popular à cas- sação do PCB. Depois, quando o Congresso votou a cassação dos mandatos dos parla- mentares comunistas, até mesmo alguns deputados da conservadora União Demo- crática Nacional (UDN) e de outros partidos votaram contra, mas o projeto foi aprovado por maioria. O passo seguinte de Dutra,

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Exemplo do golpismo atual é a proposta — espúria, covarde — de cassar o registro eleitoral do PT, já verbalizada por parlamentares

do PSDB. Porém, a ideia de banir do atual espectro partidário nacional aquela que é a sua maior e mais representativa legenda,

vitoriosa nas quatro últimas eleições presidenciais, encontra um claro precedente na cassação do Partido Comunista do Brasil (cuja sigla era, então, PCB), ocorrida em maio de 1947, durante o violento

governo do general Eurico Gaspar Dutra (1946-1951).

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também aprovado pelo Congresso, foi outra barbaridade institucional e política: a demis- são de funcionários públicos comunistas.

Corrupção, sempre

Manifestação do golpismo das elites bem mais conhecida se deu em 1954, durante o segundo governo Vargas. A linha política nacionalista do governo e medidas de ape- lo popular (como o aumento de 100% do salário mínimo) incomodavam a UDN, o também conservador Partido Social-Demo- crático (PSD) e setores reacionários das For- ças Armadas, sem falar nos Estados Unidos, cujo embaixador dera sinal verde à derruba- da de Vargas no final do Estado Novo (golpe de outubro de 1945).

A campanha contra Vargas era violenta e incansável, valendo-se do apoio de quase todos os jornais diários e emissoras de rádio importantes. Um de seus porta-vozes era o deputado federal Carlos Lacerda (que de- pois se elegeria governador da Guanabara), que em 1950, antes mesmo do pleito que consagraria o ex-ditador por ampla mar- gem, deu o tom da oposição que faria: “O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar pos- se. Empossado, devemos recorrer à revolu- ção para impedi-lo de governar”. (Inevitável uma comparação ao cenário atual, em que se

busca por todos os meios impedir que Lula seja candidato presidencial em 2018.) A corrupção era o mote principal dos ata- ques da UDN a Vargas. Para fazer frente aos jornais que estampavam incontáveis denún- cias contra o governo, o ex-ditador decidiu criar um jornal que defendesse suas políti- cas: surge, assim, Última Hora, financiado pelo governo e dirigido por Samuel Wainer.

Um atentado contra Lacerda, em agosto de 1954, resultou no assassinato do major Rubens Vaz, da Aeronáutica, que dava pro- teção ao deputado federal. Preso e tortura- do no Quartel-General da Aeronáutica, no Aeroporto do Galeão, o chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato, foi dado como autor do crime. A “República do Galeão”, espécie de governo paralelo dos golpistas, decide derrubar o presidente. Avi- sado, Vargas se suicida (“Saio da vida para entrar na história”), e o país vive um tsunami de violentas manifestações populares contra os golpistas e seus jornais (e até contra os periódicos comunistas, que também faziam oposição ao governo). Foi preciso abortar o golpe. Ele viria, porém, dez anos depois.

1961: Brizola

Uma nova tentativa de golpe ocorreu já em 1961. Após a renúncia do presidente Jânio Quadros, os ministros militares trataram

de impedir a posse do vice-presidente João Goulart (Jango), que se encontrava em visita oficial à China. O governador Leonel Bri- zola, do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango, decidiu resistir ao golpe, com apoio do comandante do III Exército, general Ma- chado Lopes, e criou a chamada “Cadeia da Legalidade”, uma rede de emissoras de rá- dio encabeçada pela Rádio Piratini, de Porto Alegre.

“Muita atenção, meus conterrâneos, para esta comunicação”, disse Brizola na histó- rica transmissão de 28 de agosto de 1961 (http://ow.ly/ZWkgO). “Ontem à noite o sr.

Ministro da Guerra, Marechal Odílio Denys, soldado no fim de sua carreira, com mais de 70 anos de idade, e que está adotando deci- sões das mais graves, as mais desatinadas, declarou através do Repórter Esso que não concorda com a posse do sr. João Goulart, que não concorda que o Presidente constitu- cional do Brasil exerça suas funções legais!

Porque, diz ele numa argumentação pueril e inaceitável, isso significa uma opção entre comunismo ou não. Isso é pueril, meus con- terrâneos!”

E prosseguiu o governador gaúcho, com uma metralhadora ao alcance da mão: “Isso é pueril, meus patrícios! Não nos encontra- mos nesse dilema. Que vão essas ou aque- las doutrinas para onde quiserem. Não nos encontramos entre uma submissão à União Soviética ou aos Estados Unidos. Tenho uma posição inequívoca sobre isto. Mas tenho aquilo que falta a muitos anticomu- nistas exaltados deste país, que é a coragem de dizer que os Estados Unidos da América, protegendo seus monopólios e trustes, vão espoliando e explorando esta Nação sofrida e miserabilizada. Penso com independência.

Não penso ao lado dos russos ou dos ame- ricanos. Penso pelo Brasil e pela República.

Queremos um Brasil forte e independente.

Não um Brasil escravo dos militaristas e dos trustes e monopólios norte-americanos”.

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Carros do jornal O Globo

incendiados pela população após o suicídio de Getúlio Vargas

Brizola: Cadeia da Legalidade João Goulart Golpe Militar: tanques no RJ

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Brizola denunciou aos ouvintes que havia ordem de prisão contra Jango, assim que desembarcasse em território nacional. In- formou ainda ter organizado “um serviço de captação de notícias por todo o território na- cional”, uma “rede de radioamadores, num serviço organizado”, que passou a captar

“as mensagens trocadas, mesmo em código e por teletipos, entre o III Exército e o Mi- nistério da Guerra”. E passou a ler algumas dessas mensagens: “Vejam o que diz o ge- neral Orlando Geisel, de ordem do marechal Odílio Denys, ao III Exército: ‘Deve o Co- mandante do III Exército impedir a ação que vem desenvolvendo o Governador Brizola’;

‘deve promover o deslocamento de tropas e outras medidas que tratam de restituir o res- peito ao Exército’; ‘o III Exército deve agir com a máxima urgência e presteza’; ‘faça convergir contra Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar convenien- te’; ‘a Aeronáutica deve realizar o bombar- deio, se for necessário’; ‘está a caminho do Rio Grande uma força-tarefa da Marinha de Guerra’”.

Por fim, o governador avisou que haveria dura resistência no Palácio Piratini, sede do governo gaúcho: “Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Aqui fi- caremos até o fim. Podem atirar. Que deco- lem os jatos! Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sa- crifício do povo! Joguem essas armas contra este povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia, nossos filhos e irmãos farão a independência do nosso povo!”.

A firme atitude de Brizola, a repercussão de suas denúncias, o apoio do III Exército e de populares, tudo isso acabou por barrar a ação golpista. Chegou-se a um acordo, mediante o qual Jango tomaria posse com poderes re- duzidos, instituindo-se o parlamentarismo.

Em janeiro de 1963, no entanto, um plebis- cito aprovou o retorno ao presidencialismo.

Nova derrota dos golpistas.

1964: desgaste

O golpe militar de março-abril de 1964 mos- trou que as oligarquias (e seus apoiadores norte-americanos) haviam aprendido com os insucessos de 1954 e 1961. Haveria mais planejamento e menos improviso. Assim, o golpe foi precedido por uma série de ope- rações que poderiam ser classificadas como típicas de uma “guerra de quarta geração”, ainda que na época não existisse a Internet e

a TV ainda engatinhasse, quando compara- da às redes existentes hoje, sua influência e qualidade técnica.

Antes do assalto armado ao poder, os gol- pistas — grandes empresários, lideranças políticas conservadoras (como Lacerda e Ademar de Barros) e chefes militares — co- locaram em andamento diferentes formas de desestabilização e de desgaste do governo Jango. Entidades como Ibade e IPES tor- naram-se os núcleos aglutinadores dos gol- pistas, capazes de arregimentar e expandir o apoio financeiro e político do empresariado à conspiração e de formular estratégias.

Jango era apresentado como corrupto e “co- munista”, embora o presidente fosse apenas um grande fazendeiro de inclinações pro- gressistas e o PCB continuasse legalmente proscrito. Ele também era acusado de sub- verter a hierarquia nas Forças Armadas, por pretender atender as reivindicações de sol- dados rasos e marinheiros e cabos e sargen- tos.

As “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” procuravam dar uma tintura po- pular à oposição ao governo Jango (e conse- guiram), explorando a faceta católica e con- servadora de grandes parcelas da população, assustadas com a pregação anticomunista.

Como em 1954, a mídia voltou a exercer papel importante, fazendo dura oposição ao governo e logo passando a clamar aberta- mente pelo golpe.

Desse modo, os golpistas conseguiram pre- parar um terreno político mais favorável aos seus planos de derrubar o governo Jango.

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Resistência: passeata dos cem mil contra o golpe militar

*Pedro Pomar é jornalista, editor da Revista Adusp e autor dos livros Massacre na Lapa e A Democracia Intolerante.

Teriam usado, igualmente, meios hetero- doxos: em 2013 surgiu a informação de que o general Amaury Kruel, comandante do II Exército em 1964 e tido como lega- lista, teria sido subornado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) para trair Jango.

Uma vez deposto o presidente pela força das armas (mas com prévio auxílio dos meios de comunicação e de “operações psicológicas”), os generais deixaram claro que tão cedo não haveria eleições diretas para a Presidência da República, o que frustrou destacados líderes políticos civis que apoiaram o golpe e até o protagoni- zaram, como o governador Lacerda, da Guanabara.

Tiveram seus direitos políticos cassados pela Ditadura Militar, para não que não lhe fizessem sombra nem lhe criassem ris- cos: o senador Juscelino Kubitschek (em 1964); Adhemar, governador de São Paulo (em 1966); e o próprio Lacerda (em 1968).

Era o golpe voltando-se contra certos gol- pistas.

Por quase vinte e um anos as Forças Ar- madas exerceriam o poder, a serviço do grande capital. A Ditadura Militar arro- chou salários, acabou com a estabilidade no emprego, cassou parlamentares, juízes e professores universitários, perseguiu a juventude e as nações indígenas e deixou um legado de humilhações e atrocidades que ainda hoje envergonham nosso país.

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O golpismo do século XXi

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iante da crise internacional de 2007- 2008, o governo Lula reagiu com mais Estado, mais investimento público, mais mercado interno, mais integração re- gional, mais produção e menos especula- ção. Graças a isso, o país cresceu e a vida melhorou, na contramão do que estava ocorrendo nos Estados Unidos e na Euro- pa.

Mas a crise continuou se aprofundando.

O primeiro governo Dilma, que teve iní- cio em 2011, não aprofundou as mudan- ças iniciadas no segundo mandato de Lula.

Isto abriu a brecha para que o capitalismo brasileiro voltasse ao seu “modo normal”

de ser, ou seja, tolerância zero com a ele- vação dos salários diretos e indiretos da classe trabalhadora.

Por isto, especialmente desde 2011, os ca- pitalistas exigem cortes nos orçamentos sociais; reclamam dos direitos inscritos na Constituição de 1988; recebem subsídios e isenções, mas não ampliam a produção nem reduzem preços; falam mal dos juros, mas não apoiam iniciativas reais contra os banqueiros e a especulação, pois o que de- sejam mesmo é a destruição da legislação trabalhista.

Desde 2011, a maior parte do grande em- presariado brasileiro não aceita mais a presença do PT no governo federal. Desde então engajaram-se numa contraofensiva ideológica e política, que tem nos setores médios seu destacamento de vanguarda.

Os objetivos estratégicos da contraofen- siva da direita são: realinhar o Brasil aos Estados Unidos, abandonando os BRICS e a integração regional; reduzir expressiva- mente os salários, direitos sociais e traba- lhistas; limitar as liberdades democráticas dos setores populares.

Do ponto de vista ideológico, tiraram do armário o racismo, o machismo, a homo- fobia, o anti-comunismo, o fascismo e todo tipo de preconceitos de classe.

Três características importantes da con- traofensiva da direita são: o pretexto do combate à corrupção, o apelo à mobiliza- ção de massas e o papel protagonista assu- mido por setores da Justiça, do Ministério

Público e da Polícia Federal.

A corrupção é tema recorrente: vide 1954 e 1964. O recurso à ocupação das ruas é mais raro: esteve presente, por exemplo, nos anos 1930 e 1964. Já a judicialização da política e a partidarização da justiça são características do golpismo do século XXI: resultam das quatro derrotas segui- das da direita nas eleições presidenciais:

para enfrentar esta dificuldade, os setores conservadores tiveram que lançar mão de instituições que não estão submetidas a efetivo controle social.

A contraofensiva da direita, iniciada em

2011, foi detida com muito esforço em outubro de 2014, com a derrota de Aécio Neves e a reeleição da presidenta Dilma Rousseff.

A mobilização em grande medida espon- tânea da militância democrática e de es- querda impediu a vitória dos reacionários.

Mas, logo após sua reeleição, Dilma Rous- seff adotou um conjunto de medidas — re- cessivas e que restringiram direitos sociais

— que dividiu seus eleitores, sem ganhar um único apoio entre seus inimigos. Perce- bendo a capitulação do governo, os setores conservadores deflagraram durante todo o ano de 2015 uma intensa campanha pelo impeachment da presidenta.

Em dezembro de 2015, novamente a mo- bilização da militância deteve o ataque da direita. Uma vez mais, contudo, o go- verno Dilma não correspondeu, não ape- nas claudicando em temas como Pré-Sal

(acordo com Serra e Jucá no Senado), Lei 13.243/16 (marco legal de Ciência e Tec- nologia que privatiza o setor) e Lei Anti- Terrorismo, bem como permitindo a total omissão do Ministério da Justiça frente aos desmandos da Operação Lava Jato e à partidarização de fato da PF, mas princi- palmente na política econômica.

Saiu Joaquim Levy, mas com Nelson Barbosa tiveram prosseguimento o ajuste fiscal e os juros altos, acompanhados por uma ameaça de reforma da previdência.

Enquanto o governo insiste em ficar acua- do e a hipotecar seu futuro nas mãos do

“espírito animal” do empresariado, a direi- ta dobrou a aposta e passou a mirar direta- mente no ex-presidente Lula.

Surpreendendo quem, apesar de tudo, ain- da acreditava no “republicanismo” do lado de lá, no dia 4 de março Lula foi conduzi- do coercitivamente para depor. Um quase sequestro, com a finalidade de humilhar o ex-presidente e talvez levá-lo preso para Curitiba, plano que fracassou diante da mobilização da militância.

Ficou claro, para quem ainda tinha dúvida, qual o menu da direita: afastamento da pre- sidenta Dilma Rousseff (seja por impeach- ment, seja por decisão do Tribunal Supe- rior Eleitoral), a interdição do PT (seja por cassação da legenda, seja por uma multa que inviabilize o Partido), a condenação de Lula (resultando em prisão ou em im- pedimento de concorrer às eleições), assim como a criminalização do conjunto das es- querdas e movimentos sociais.

Esta foi a pauta crescentemente explícita das manifestações que a direita organizou ao longo de 2015 e nos dias 13 e 16 de março de 2016.

Em resumo: para tentar deter a direita, o governo faz concessões programáticas, que nos levam a perder apoio social, di- ficultando a mobilização contra o golpe.

Mesmo assim, a militância democrática e de esquerda cumpre seu papel, mobiliza e consegue deter temporariamente o ataque da direita. Ainda assim, o governo faz no- vas concessões... criando um círculo vicio- so que piora cada vez mais a situação.

Do ponto de vista ideológico, tiraram do armário o racismo,

o machismo, a homofobia, o anti-comunismo, o fascismo e todo tipo preconceitos de

classe.

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Assine o jornal Página 13 www.pagina13.org.br

Ficou claro assim que nosso principal pro- blema estava e segue estando no governo:

no que ele fazia, faz e/ou deixa de fazer.

Vale dizer que isto sempre esteve claro para a esquerda petista, motivo pelo qual propusemos no Congresso do Partido, no primeiro semestre de 2015, mudanças de rumo. Mas naquele momento a maioria da direção do Partido subestimou a gravidade da situação.

Importante lembrar: sem povo mobilizado, não há como derrotar golpe; mas apenas o povo mobilizado não é suficiente. É preci- so ação de governo, como ocorreu, aliás, na campanha pela legalidade desencadea- da pelo então governador gaúcho Leonel Brizola.

A constatação de que o governo é nosso flanco frágil contribuiu para a decisão de que, para mudar os rumos do governo, Lula assumisse um ministério. Tratava-se de uma decisão de alto risco e que não era consensual. De nossa parte, fizemos che- gar à direção do Partido e ao próprio ex -presidente Lula nossa opinião.

Como era previsível, no dia 16 de março, quando se anunciou que Lula assumiria a Casa Civil, a direita reagiu violentamente, com grandes manifestações de rua. Em se- guida vieram: liminares de juízes federais de primeira instância suspendendo a pos- se; o vazamento ilegal de escutas telefôni- cas ilegais de conversas da presidenta da República com Lula e de ministros; a ins- talação, na Câmara dos Deputados, de uma

comissão para analisar o pedido de impea- chment contra a presidenta Dilma. Comis- são controlada pela oposição golpista.

Até então havia duas táticas na direita, que se combinavam e retroalimentavam: os que defendiam interromper imediatamen- te o governo Dilma; e os que defendiam desgastar o governo e a esquerda, para ganhar as eleições presidenciais de 2018.

A partir de 16 de março passou a existir apenas uma tática: a interrupção imediata do mandato, com Lula como parte do “pa- cote-alvo”.

Por outro lado, a ida de Lula para o gover- no gerou a expectativa de que haveria não apenas reação, mas também mudança de rumos da parte do governo.

Entretanto, no dia 21 de março o gover- no enviou ao Congresso nacional o PLP 257/2016, que vai na contramão do pro- grama vencedor nas urnas de 2014 e das exigências por uma nova política econô- mica. Pelo contrário, o que está dito no PLP formata o caminho para o corte de investimentos sociais, privatizações e ar- rocho salarial no setor público.

E até o momento em que escrevemos este editorial, apesar da importante decisão do ministro Teori Zavascki de obrigar o juiz golpista Sérgio Moro a remeter ao STF os autos do processo contra Lula (e declarar ilegal a divulgação das escutas telefôni- cas), a situação do ex-presidente continua- va incerta. Perdeu parte do “bônus simbó- lico” que tinha por não ter cargo oficial,

sem ganhar a proteção e os meios deriva- dos da condição de ministro.

Hoje, a política brasileira está sendo “ve- nezuelizada” e a maior parte da oposição aderiu à tese golpista. Como não há moti- vos legais para interromper o mandato, a direita precisa criar — através da mídia, da pressão empresarial e da mobilização de massas — um ambiente de ingovernabili- dade em nome do qual se forme uma maio- ria do Congresso e/ou da Justiça, maioria que se sinta à vontade para atropelar a Constituição. Sem falar, é claro, na hipó- tese que setores conservadores estimulam cada vez mais abertamente: algum tipo de intervenção militar ou pelo menos “amea- ça de”.

Como em outubro de 2014 e dezembro de 2015, no dia 18 de março de 2016 a mili- tância democrática e de esquerda voltou a manifestar-se, cobrindo de vermelho ruas e praças de todo o Brasil.

As manifestações ainda estavam aconte- cendo, Lula ainda estava discursando em favor da tolerância política, e o ministro do STF e um dos mais notórios golpistas, Gilmar Mendes, decidiu suspender a posse do ministro Lula.

Ou seja: predomina na oposição de direita a decisão de levar até o fim sua ofensiva.

No que depender deles, não haverá nego- ciação, nem rendição, nem cumprimento da Convenção de Genebra. A ideia deles de “paz e amor” é noutra vida. Afinal, eles são os golpistas do século XXI.

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Para derrotar o golpismo

Bruno Elias*

Os golpistas enfrentam dificuldades e podem ser derrotados. Eles precisam respeitar mini- mamente os ritos e os prazos previstos em lei, para não deixar tão explícita a trama. Talvez prendam algum graúdo do lado de lá, para tentar esvaziar a acusação de que a Operação Lava Jato forja provas contra o PT. Acusação reforçada pela lista da Odebrecht.

Hoje prevalece entre os golpistas a solução Temer. Mas o parlamentarismo e nova elei- ção continuam sobre a mesa. Há uma luta dura entre as diferentes facções do PMDB e do PSDB. A extrema-direita tem contradições com a direita partidária tradicional. E os gol- pistas tem medo da reação dos setores popu- lares.

Para reverter o golpe, é fundamental que a Frente Brasil Popular e as organizações que a integram (como o PT, o PCdoB, a CUT, o MST, a UNE e a Ubes) façam um trabalho de convencimento direto, nas bases, empresas, escolas e locais de moradia. E o governo pre- cisa mudar a política econômica, implemen- tando a resolução aprovada pelo Diretório

Nacional do PT no dia 26 de fevereiro.

A luta não será fácil, nem breve. Derrotaremos o impeachment se eles não alcançarem os 342 votos. Mas a disputa continuará. Precisaremos equilibrar o resultado em 2016 e vencer nova- mente em 2018, em condições que permitam fazer o que deixamos de fazer desde 2003.

Nossos erros contribuíram para os êxitos da direita. Mas a direita não nos ataca por nos- sos erros, mas por nossas qualidades. E uma dessas qualidades é a disposição de luta da militância democrática e de esquerda. Não há como saber qual será o desfecho da luta.

Mas não haverá tempo fácil nem moleza para o golpismo.

NAciONAl

Foto: Rita Garrido / STIMMMEC

N

os últimos dias, tem sido crescente a mobilização dos setores democráticos contra o golpe: apoios internacionais e de organizações multilaterais, artistas, estu- dantes, juristas e até mesmo de setores do judiciário, ministério público e dos meios de comunicação que ainda resistem.

As grandes manifestações do dia 18 de março foram sucedidas por centenas de atos, reuniões, manifestos e criação de co- mitês em defesa da democracia no país. É preciso ampliar, interiorizar e capilarizar essas iniciativas e convergi-las para mani- festações ainda maiores no próximo dia 31 nos estados e dando força nacional ao ato de Brasília, centro da batalha legal e parla- mentar contra o impeachment.

Em geral, estas manifestações não são de apoio incondicional ou cheque em branco para o governo Dilma ou para o PT.São, assim como no segundo turno de outubro de 2014 e nas manifestações de dezembro de 2015, posicionamentos contra o que re- presenta a oposição de direita e em defesa da legalidade democrática e da soberania

popular no Brasil.

São posicionamentos também marcados por legítimas críticas e reivindicações por mudanças. Frente a isso, o governo tem que sinalizar para esse campo da sociedade que tem lhe sustentado a despeito de tantas capi- tulações na política econômica, incluídas as recentes medidas de ajuste fiscal anunciadas pelo ministro da Fazenda, mas também em outras iniciativas como a lei antiterrorismo e a proposta de reforma da previdência.

Sem compromissos com um programa de natureza democrático-popular, dificilmente as manifestações em defesa da democracia alcançarão massivamente os setores popula- res e a classe trabalhadora, inclusive em sua disposição de resistir com greves e paralisa- ções contra o golpismo. E ao contrário do que alguns acreditam, não será “resolvendo”

primeiro o problema político que resolvere- mos depois o problema econômico. A am- pliação da base popular da resistência demo- crática é diretamente afetada pela defesa dos direitos sociais e por uma política econômica que melhore a vida do povo.

Para evitar uma mudança desse tipo, a direita

busca acelerar o calendário do golpe. Cospe na cara do povo ao conduzir um processo de impeachment contra uma presidenta que não cometeu crime e pelas mãos de um corrupto de carteirinha como Eduardo Cunha. Do- brará a aposta nas ilegalidades da operação Lava Jato, como a que permite que um gram- po telefônico ilegal entre Lula e Dilma seja divulgado enquanto esquemas de corrupção da oposição de direita sejam colocados sob sigilo.

Convergem para o propósito golpista estes setores do aparato judicial e policial do Es- tado, a oposição de direita, o oligopólio da mídia liderado pelas Organizações Globo e os interesses nacionais e internacionais do grande capital. Sobre estes últimos, as pre- senças de Arminio Fraga - representante de Wall Street no Brasil - e do senador das multinacionais do petróleo, José Serra, em almoço com Gilmar Mendes na véspera de sua decisão contrária à posse de Lula como ministro escancaram as digitais gringas no golpe. É essa gente que mais uma vez o povo brasileiro é chamado a derrotar.

*Bruno Elias é secretário nacional de movimentos populares do PT

Mudar a política para resistir e vencer

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