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XIII Congresso Brasileiro de Sociologia. 29 de maio a 1 de junho de 2007, UFPE, Recife (PE) Grupo de Trabalho Ocupações e Profissões

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29 de maio a 1 de junho de 2007, UFPE, Recife (PE)

Grupo de Trabalho “Ocupações e Profissões”

ESTRATIFICAÇÕES DAS PROFISSÕES DO DIREITO NO BRASIL PÓS-88

André Filipe Pereira Reid dos Santos

Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (Fecilcam)

afprsantos@hotmail.com

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ESTRATIFICAÇÕES DAS PROFISSÕES DO DIREITO NO BRASIL PÓS-88

André Filipe Pereira Reid dos Santos As abordagens teóricas que associam profissões a poder descendem da linha weberiana de pesquisa e análise. Para Weber, profissão era “aquela especificação, especialização e combinação dos serviços de uma pessoa que, para esta, constituem o fundamento de uma possibilidade contínua de abastecimento ou aquisição” (WEBER, 1999, p. 91). A definição weberiana de profissão destaca a capacitação (“especialização”), o individualismo metodológico (“uma pessoa”) e a competição (“possibilidade contínua de abastecimento ou aquisição”). A profissão seria o meio do indivíduo capacitado se inserir no mercado para satisfazer suas necessidades materiais (“abastecimento”) ou imateriais (“aquisição”).

Aquisição pode subentender posições sociais, honras, títulos, enfim, poder social.

Os autores da tradição weberiana apresentam o poder como uma categoria unificadora, doadora de sentidos, e diferenciadora, estabelecendo os limites entre os que estão dentro e os que estão fora das disputas e honras prezadas pelos profissionais. As profissões se estabelecem como unidade integradora e excludente ao mesmo tempo, cumprindo a dupla função de fechar os grupos profissionais em si e estabelecer a competição com os outros grupos profissionais. O poder das profissões estaria exatamente na capacidade de doar sentido aos que pertencem ao grupo profissional e estabelecer a dominação de um grupo sobre outros e sobre a sociedade.

Um importante autor de linha weberiana que ajuda a discutir o poder das profissões nas sociedades modernas, embora não seja um autor especificamente de sociologia das profissões, é Norbert Elias1.

PROFISSÕES EM NORBERT ELIAS

A sociedade, para o sociólogo Norbert Elias, é um conjunto de indivíduos interdependentes, mostrando que os indivíduos estão ligados uns aos outros por teias de inter-relações, desempenhando funções diferenciadas. “Cada pessoa singular está realmente presa; está presa por viver em permanente dependência funcional de outras; ela é um elo nas cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais, direta ou indiretamente, são elos nas cadeias que a prendem. Essas cadeias não são visíveis e tangíveis, como grilhões de ferro. São mais elásticas, mais variáveis, mais mutáveis, porém não menos reais, e decerto

1 René Moelker, um sociólogo holandês que estuda profissões militares “descobriu”, no sentido de desvelar ao público acadêmico, textos de Norbert Elias que estavam esquecidos e que tratavam especificamente das profissões. No caso, das profissões navais. O trabalho de Moelker foi apresentado no grupo de discussões “Sociologia das Profissões”, na 6ª Conferência da Associação Européia de Sociologia (ESA), em Murcia, Espanha, 2003, sob o título “Norbert Elias and the genesis of the naval Profession”. Em fevereiro de 2007, Moelker e Stephen Mennel, um dos maiores estudiosos de Elias, editaram e lançaram em livro os artigos de Elias sobre as profissões navais. O livro saiu com o título “The genesis of the naval Profession”, pela UCD Press. Este livro deve contribuir para divulgação da possibilidade de uma análise eliasiana das profissões.

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não menos fortes. E é essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e nada mais, que chamamos sociedade”. (ELIAS, 1994, p. 23)

Com esta idéia de sociedade, Elias foge da possibilidade de pensar uma sociedade de estruturas, sem atores sociais históricos, e, ao mesmo tempo, de pensar uma sociedade unicamente como produto de interesses individuais, como se a sociedade fosse um pano de fundo das escolhas individuais. A sociedade apresentada por Elias é histórica e complexa. A complexidade se manifesta principalmente na distribuição das funções sociais. E função para ele não é a realização de algo para a manutenção de um todo, como é para os funcionalistas, mas uma relação de poder. A divisão de funções gera competição por poder.

Deste modo, a sociedade aparece como um conjunto de indivíduos em luta por poder, o que aumenta a interdependência.

No livro A Sociedade de Corte, Elias exemplifica esta idéia de competição por poder ao mostrar como a maior ou menor distância dos cortesãos para com o rei, caracterizava respectivamente um menor ou maior poder dentro da corte, e como o uso dessa distância servia de instrumento para manutenção das estruturas de poder. Neste aspecto, Elias mostra que a etiqueta surge como um instrumento de identidade social na corte, fazendo com que as pessoas se hierarquizem por critérios de poder. Na sociedade de corte havia uma tensão e um conflito constante por uma aproximação do rei: a competição passa pela aceitação da etiqueta pelos cortesãos e pelo rei, que não está acima dela, uma vez que ele também faz parte da interdependência. Para Elias, “a interdependência e as correntes em torno da nobreza têm um alcance ainda maior: o próprio rei [...] tinha interesse na manutenção da nobreza como camada distinta e separada. Basta a indicação de que ele mesmo se considerava “indivíduo nobre”, “o primeiro entre os nobres”. [...] Permitir a ruína da nobreza significava também, para o rei, permitir a ruína da nobreza de sua própria casa”.

(ELIAS, 2001, p. 132)

Embora o rei não esteja acima da etiqueta, ele tem uma parcela maior de poder. Segundo Elias, “o rei se encontra numa situação única dentro da corte. Qualquer outro indivíduo está submetido a uma pressão vinda de baixo, dos lados e de cima. Apenas o rei não experimenta pressão alguma vinda de cima. Mas a pressão dos que ocupam um nível abaixo do seu certamente não é insignificante”. (ELIAS, 2001, p. 134) Entender o conceito de interdependência em Elias passa pela necessidade de reconhecer que este conceito tenta resolver a dicotomia indivíduo-sociedade e pressupõe as noções de função, poder e competição. Todas elas aumentando a interdependência entre os indivíduos. Este modelo eliasiano permite analisar as profissões pensando os profissionais como indivíduos inseridos numa interdependência, como ele mesmo explica: “Não podemos abandonar o problema da interdependência de Luís XIV, mesmo tratando-se de um soberano tão poderoso, sem acrescentar algumas palavras sobre o significado fundamental dessa investigação. Na

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maneira de pensar cotidianamente, muitas vezes parece que os súditos são dependentes do soberano, mas que a recíproca não é verdadeira. Não é fácil mostrar que a posição social de um soberano, por exemplo, a de um rei, surge das interdependências funcionais de uma sociedade, exatamente no mesmo sentido que a de um engenheiro ou de um médico”.

(ELIAS, 2001, p. 154)

A partir do estudo da etiqueta como instrumento de competição por poder na sociedade de corte, onde Elias descreve a estratificação social daquela sociedade, ele mostra também como as etiquetas vão se modificando historicamente através de um maior controle da conduta (autocontrole). Para ele, a era moderna se caracteriza acima de tudo por uma mudança da conduta e sentimentos humanos que aconteceu sem planejamento com a passagem da sociedade de corte para a sociedade moderna através de um maior controle dos afetos e das pulsões. Segundo a perspectiva dele, “parte das tensões e paixões que antes eram liberadas diretamente na luta de um homem com outro terá agora que ser elaborada no interior do ser humano. O campo de batalha foi transportado para dentro do indivíduo”. (ELIAS, 1993, p. 203) O processo civilizador é este processo histórico de racionalização dos afetos e pulsões que dá origem à modernidade. Importante salientar que o processo civilizador como a passagem de um conceito de Cultura para um conceito de Civilização, é um processo que “aconteceu, de maneira geral, sem planejamento algum, mas nem por isso, sem um tipo especifico de ordem”. (ELIAS, 1993, p. 193) Embora não haja uma razão para o processo civilizador, este processo não é irracional. Há uma ordem nesse processo.

A teoria sociológica de Elias formula uma teoria da modernidade a partir de uma mudança social ocorrida na Europa ao longo de um processo histórico e sem planejamento dos atores sociais. A etiqueta da sociedade de corte foi a expressão de um início de constrangimento rumo à Civilização: a grande concentração de poder acaba favorecendo o surgimento de cerimoniais de socialização responsáveis pela regularidade das condutas. Mas ocorre também o surgimento de novas profissões para suprir as crescentes necessidades dos cortesãos. “O que se vê [...] é uma profusão de criados, uma diferenciação dos serviços prestados”. (ELIAS, 2001, p. 65) As profissões podem ser analisadas também segundo esta lógica, realizando uma competição por poder, incorporando e reproduzindo as regras de competição racionalmente instituídas, mesmo que esta competição não seja realizada conscientemente pelos indivíduos e grupos sociais. As regras sociais de competição profissional, assim como as etiquetas na sociedade de Corte, submetem não só as profissões menos prestigiadas da estrutura social, mas também as profissões dominantes.

Outra maneira de analisar as profissões utilizando a teoria de Elias é pensar as lutas profissionais a partir da figuração estabelecidos-outsiders. Os estabelecidos não seriam apenas os “melhores”, os donos da situação, eles, de alguma maneira, fazem com que os

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outsiders se vejam como inferiores, penetras, excluídos. Elias apela para uma característica de construção psico-cultural do estigma dos excluídos, dos outsiders, que afetaria a auto- estima do grupo e dos indivíduos membros do grupo. A inferiorização de um grupo se dá sempre numa relação de interdependência entre os dois (ou mais) grupos que compõem a luta pelo poder social. O contato de membros do grupo estabelecido com membros dos outsiders desqualificaria os primeiros diante de seus pares, como se eles pudessem ser contaminados pela inferioridade e mediocridade dos segundos. Quando a coesão e o poder do grupo estabelecido são altos, os indivíduos estabelecidos dão valor à opinião dos outros membros de seu próprio grupo, e retiram valor, ou tornam-se indiferentes, às opiniões dos outsiders, inclusive evitando-os.

O que produziria esta relação conflituosa entre estabelecidos e outsiders seria a intolerância para com o diferente, seja ele pobre, rico, branco, negro, amarelo, magro, gordo, jovem, idoso, estrangeiro, homem, mulher, homossexual etc. Com as categorias sociológicas em questão (estabelecidos e outsiders), Elias permite analisar como as desigualdades sociais se estabelecem psicológica e culturalmente nas relações sociais, servindo de suporte para a reprodução das desigualdades materiais. “A estigmatização, como um aspecto da relação entre estabelecidos e outsiders, associa-se, muitas vezes, a um tipo específico de fantasia coletiva criada pelo grupo estabelecido. Ela reflete e, ao mesmo tempo, justifica a aversão – o preconceito – que seus membros sentem perante os que compõem o grupo outsider. [...] o estigma social que seus membros atribuem ao grupo dos outsiders transforma-se, em sua imaginação, num estigma material – é coisificado”. (ELIAS, 2000, p. 35)

Para Elias, o que estaria por trás da relação entre estabelecidos e outsiders seria uma luta pelas chances de poder, que geraria, inconscientemente, embora não irracionalmente, uma identidade social binária do tipo “nós” e “eles”. Isto tem um quê de patológico, segundo sua perspectiva, pois, “um ideal do nós hipertrofiado é sintoma de uma doença coletiva” (ELIAS, 2000, p. 43, 44). E ele mesmo apresenta uma solução para esta patologia social ao lembrar, no posfácio à edição alemã, que a redução da desigualdade nos, ou entre os, grupos humanos estaria diretamente ligada à capacidade de redução do temor recíproco, individual e coletivo, dos estabelecidos e outsiders.

Passemos agora a uma breve exposição da atuação dos juristas na sociedade brasileira no século XX, com ênfase a partir da ditadura militar, para, em seguida, tentarmos relacionar a teoria de Elias a duas profissões jurídicas brasileiras que foram fortalecidas pelo texto constitucional da Carta Cidadã: defensores públicos e promotores de justiça.

JURISTAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA: da ditadura militar à redemocratização

No Brasil, a imagem dos profissionais do direito até o início do século XX era um tanto quanto denegrida. Ao longo daquele século os profissionais do direito no Brasil consolidaram sua posição e seu papel na sociedade brasileira, contribuindo também para a

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consolidação da própria profissão que escolheram. Mas não alteraram muito sua imagem social. Em torno da década de 1930, período em que o Brasil passava por transformações sociais decisivas, os profissionais do direito e alguns intelectuais brasileiros debatiam os rumos da estrutura política brasileira e o papel dos juristas, além dos cargos a serem ocupados por estes, no projeto político brasileiro. Personagem importante neste momento foi Oliveira Vianna.

Dono de posições polêmicas, como a atribuída a ele de defesa da eugenia, Oliveira Vianna, foi importante intelectual nacionalista e que exerceu bastante influência nos governos Vargas. Em 1930, ainda durante a campanha presidencial, reuniu e publicou em livro alguns de seus artigos, que haviam sido originalmente escritos para jornais brasileiros a partir de 1918, defendendo uma reforma na estrutura política brasileira. O livro intitulou-se

“Problemas de política objetiva”.

Na quarta parte do livro, em que trata dos “conselhos técnicos nos governos modernos”, escrito em 1928, ele defende a organização das profissões para atuar em conselhos técnicos a fim de exercer um papel mais efetivo de influência e pressão sobre os políticos, numa clara referência ao corporativismo2. Quando Oliveira Vianna fala de profissões não está dando ainda o enfoque que a sociologia das profissões viria a dar posteriormente, embora a noção de vocação à realização de um serviço voltado para a sociedade já estivesse presente, como nos funcionalistas.

Profissões para ele são grupos profissionais, pensados como grupo de pessoas que se identificam em torno de sua atuação profissional, como grupos que criam identidades no (e para o) exercício do trabalho. A noção de profissão de Oliveira Vianna é muito próxima do senso comum, pensando a profissão como possibilidade de atuação num mercado de trabalho. Assim, profissão e trabalho são praticamente sinônimos3, sendo um locus de desenvolvimento de um saber prático, um saber voltado para o fazer: fazer algo para a qual só o profissional está habilitado. Ele toma o avanço da ciência como ponto axiomático e obedece a uma lógica do progresso inexorável conduzido pelo saber técnico-científico: só o profissional, pessoal técnico capacitado e habilitado, pode dar parecer sobre sua área de atuação. “Uma das grandes causas da falência de muita legislação no Brasil, ou da ineficiência de muita medida administrativa, está justamente em que umas e outras têm sido feitas sem essa consulta prévia às classes interessadas, sem a audiência e o conselho dos

“profissionais”, dos “técnicos”, dos “práticos do negócio””. (OLIVEIRA VIANNA, 1974, p. 116)

2 Felix Contreiras Rodrigues (1933) defende que antes de pensar em representação profissional seria preciso organizar as profissões, porque, segundo ele, o Brasil não tinha classes nem profissões organizadas. E porque, na visão dele, naquela época a representação dos trabalhadores estava sendo bem feita pelos sindicatos católicos.

3 Para não tratar profissão e trabalho como sinônimos completos em Vianna, podemos dizer que ele pensa as profissões como agrupamentos identitários e o trabalho como atividade, ação. Às vezes ele dá a entender que profissão é coletividade e trabalho exercício individual.

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A criação dos conselhos consultivos cumpriria um papel democrático na sociedade brasileira porque, segundo ele, é nas organizações profissionais que se encontrariam “as fontes de informações mais seguras dos interesses coletivos”. (OLIVEIRA VIANNA, 1974, p. 116) Com isso, ele acredita que os grupos profissionais, como atores sociais coletivos, se colocariam em igualdade de condições diante do poder político (estado), discutindo e reivindicando de igual para igual com outros atores sociais coletivos (profissões). Profissões elitistas e pouco prestigiadas se colocariam em pé de igualdade simplesmente porque todas elas seriam importantes para a manutenção da funcionalidade do corpo social.

Fica evidente na quarta parte do livro de Oliveira Vianna a referência ao (ou preocupação com o) espaço de atuação dos profissionais do direito na estrutura política brasileira. Para ele, é preciso distinguir política de técnica. E criar leis seria um ato típico dos técnicos, dos especialistas do assunto, no caso, os juristas. Ele chega a afirmar, em itálico, que “por toda parte a competência técnica vai substituindo a competência parlamentar”. (OLIVEIRA VIANNA, 1974, p. 121) Fica a dúvida sobre qual seria a função do político numa sociedade praticamente governada por técnicos, como ele propõe. Numa longa nota de rodapé ele esboça uma resposta a esta questão, citando Finney, mas que não vai além de uma divagação, não se coadunando com seu espírito pragmático, objetivo: O homem-de-estado vê em conjunto; o técnico vê em detalhe. O técnico conhece o seu setor, sabe o que contém dentro dele; mas, não sabe o que pertence a outros setores, a outras especialidades. O homem-de-governo, o estadista, este, ao contrário, tem pela própria altitude do seu espírito de homem-de-estado, possibilidade de conhecer e aprender as “relações”, como diria Finney, entre todos estes setores, numa visão panorâmica e integral – e decide, então, de acordo não rigorosamente com o parecer do técnico (limitado na sua visão justamente por ser um especialista), mas de acordo com esta visão complexiva e de conjunto. (OLIVEIRA VIANNA, 1974, p. 142)

A análise de Oliveira Vianna está focada sobre a realidade brasileira, fazendo jus ao seu nacionalismo, mas ele garante que este tipo de atuação técnica das profissões está em franca expansão no mundo todo, naquela época, citando até alguns países. O uso dos conselhos técnicos seria um dos aspectos responsáveis por tornar modernos os governos destes países citados por ele. Parece que ele, em alguns momentos, confunde burocratização, num sentido mais weberiano de avanço da técnica e organização da sociedade, com corporativismo, no sentido de corpos intermediários entre o estado neutro e os indivíduos e grupos sociais. Schwartzman (1987) afirma que “no Brasil houve muito de paternalismo, cooptação de lideranças sindicais, formalismo e burocratização do ensino e organização das profissões, mas pouco, efetivamente, de corporativismo”. Talvez isto tenha acontecido em decorrência da confusão que os próprios intelectuais defensores do corporativismo faziam daquele sistema sócio-político. Outra confusão que ele parece fazer é

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entre conselhos técnicos e associações profissionais. Mas não podemos dizer que as expectativas de Oliveira Vianna não tenham se realizado na sociedade brasileira, mesmo que num momento posterior, graças também às suas próprias contribuições, como veremos mais à frente.

Durante a ditadura militar os profissionais do direito desempenharam papel ambíguo na sociedade brasileira e no combate à repressão militar: uma parte ousou desafiar o regime militar, outra parte preferiu seguir a vida e fingir que nada acontecia. Era um período de exceção e os direitos fundamentais eram negados pelos famigerados Atos Institucionais e pela Lei de Segurança Nacional, que instituiu a pena de morte para os traidores do regime vigente. Neste momento era difícil atuar como advogado num estado que nem era democrático, nem de direito. Parte da OAB e alguns importantes advogados brasileiros defenderam os presos políticos ou militaram contra o regime, tendo sido perseguidos e torturados pelos militares ou a mando deles. Alguns desapareceram ou foram assassinados.

Outros conseguiram exílio fora do país.

A OAB, institucionalmente, tentou por várias vezes, pela via político-jurídica, restabelecer o estado democrático de direito, porque o regime militar feria a ordem jurídica democrática e a moral, e interferia diretamente na atuação profissional dos advogados. Em 1980, o episódio da carta-bomba endereçada ao presidente do Conselho Federal da OAB, Eduardo Seabra Fagundes, e que explodiu nas mãos da funcionária Lyda Monteiro da Silva, matando-a na hora, parece ter sido emblemático da pressão que a OAB fazia pela restauração da democracia no país e do quanto esta pressão incomodava alguns setores favoráveis ao regime.

É claro que nem todos os advogados e membros das diretorias da OAB foram militantes contra a ditadura. Houve quem apoiasse veladamente e quem apoiasse abertamente o terror militar. Mas, no campo do direito os advogados talvez tenham sido os mais prejudicados em sua atuação durante aquele período, e os mais perseguidos. Juízes e outros profissionais do campo do direito não tiveram tanta atuação durante o regime militar, ou porque eram nomeados pelo governo, ou porque apoiavam o regime, ou porque eram indiferentes à ordem vigente. Merton (1970, p. 292) diria que aqueles burocratas do direito perderam a consciência de seu papel na sociedade porque se dedicaram demais à realização de tarefas burocráticas. Muitos juristas que faziam parte da estrutura burocrática brasileira talvez tenham se tornado parte da própria estrutura. Talvez tenham perdido de vista a dimensão política de suas tarefas e atuado como técnicos apolíticos, que precisavam cumprir as ordens, sem se dar conta que a estrutura político-jurídica não era mais democrática. Ou talvez tenham se sentido incapaz de fazer diferente, porque foram talhados para servir e não para questionar a ordem vigente ou a origem do poder político que dirige, em última instância, a estrutura burocrática a que ele serve. Se a noção de justiça não

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tivesse passado tão longe daqueles intelectuais burocráticos do direito, eles poderiam invocar a teoria da imprevisão em sua atuação profissional: os pactos devem ser cumpridos, desde que não se alterem as condições (sociais, políticas, econômicas e/ou jurídicas) em que foram pactuados.

Este período autoritário também exerceu influências na imagem do profissional do direito e na formação profissional dos juristas. Durante o regime militar as faculdades de direito e carreiras jurídicas foram praticamente deixadas às moscas: não havia prestígio nenhum em cursar direito e em exercer a profissão jurídica. A intervenção dos militares no mercado de atuação das profissões jurídicas atuou como um fator limitador do campo do direito, desestimulando os estudantes da época de ingressarem nas faculdades de direito e, portanto, nas profissões jurídicas. As faculdades de ciências sociais e jornalismo eram mais prestigiadas que as de direito.

Durante o regime autoritário pós-64, o ensino do direito sofreu um duro golpe com a reforma introduzida pela lei 5540/68, que, segundo José Eduardo Faria, “impôs um sistema educacional completamente dissociado do contexto socioeconômico brasileiro”. (1987, p.

17) Isso porque a lei 5540/68 expandiu o ensino superior privado e esvaziou o ensino público, atrelou o ensino superior à necessidade de atender uma demanda de mercado, dividiu as universidades em departamentos, permitiu as matrículas dos alunos por disciplinas e instituiu os cursos por períodos semestrais, numa tentativa de desorganizar qualquer atividade política antigovernamental, entre outras mudanças implementadas pela lei. Essa mudança no ensino jurídico a partir do regime militar provocou uma expansão desenfreada dos cursos de direito e um aumento da oferta de bacharéis sem que houvesse um aumento da demanda pelos formados em direito, o que de certa forma também desprestigiou as profissões jurídicas. Só a partir da década de 1980 é que as profissões jurídicas começaram a retomar seu prestígio na sociedade brasileira, o que coincide com o declínio do regime militar e com a redemocratização do país.

As passeatas e manifestações públicas pelo fim do regime militar e por eleições diretas marcaram a transição dos governos militares para os governos civis, mas ainda era nos bastidores que as coisas iam sendo resolvidas. Com a convocação da primeira constituinte, após tantos anos de governo autoritário, já no governo de José Sarney, veio também a convocação dos técnicos que ajudariam a confeccionar a nova Constituição: os especialistas na criação de leis, os especialistas do direito, os profissionais do direito. Talvez possamos considerar este período como marco da retirada das profissões jurídicas do ostracismo em que elas se encontravam, e começo da elaboração de um projeto profissional para elevar as profissões jurídicas a um locus de poder na nova sociedade brasileira que surgia. Este poder alcançado pelos profissionais do direito não se misturaria mais com o exercício do poder político-partidário. Não seria mais necessário aos profissionais do direito

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ocupar a presidência da república e outros cargos político-partidários para obter poder social. Bastaria aos profissionais do direito fazer aquilo que eles mais sabem, ou deveriam saber, atuar profissionalmente como especialistas em direito. Despendendo um esforço bem menor, agora os profissionais do direito poderiam alcançar o mesmo poder que antes, ou um poder até maior, na sociedade brasileira.

Em todos os períodos da vida republicana brasileira os profissionais do direito estiveram presentes4. Seja no governo ou na oposição, seja para ser admirado ou repudiado, as profissões jurídicas desempenharam importante papel na sociedade brasileira. Mas após a constituição de 1988, e talvez por causa dela, os profissionais do direito tenderam a se retirar um pouco do cenário político-partidário, o que não quer dizer que eles tenham deixado de fazer política5, e a se dedicar a seu espaço de atuação profissional.

A transformação de uma sociedade sem direitos, como era durante boa parte do regime militar, para uma sociedade com direitos, com todos eles, até com os que não tínhamos familiaridade alguma e que não fizeram parte do nosso processo histórico de conquista de direitos, consagrou um grupo, um grupo que conseguiu elaborar e executar um projeto de dominação social: os profissionais do direito.

O domínio da técnica do direito passaria a ser fator de distinção social, e isso foi construído antes da promulgação da Constituição de 1988, nos bastidores da Assembléia Constituinte, na participação dos técnicos do direito nas comissões para elaboração do projeto constitucional e no lobby feito pelas associações profissionais e entidades de defesa de direitos. Talvez, em alguma medida, neste contexto histórico os ideais de Oliveira Vianna, como vimos antes, tenham sido levados adiante. A tecnificação do direito brasileiro como elaboração de um discurso esotérico, excludente, é parte da estratégia de dominação dos profissionais do direito na sociedade brasileira, que passa também pelo ensino jurídico.

PROFISSÕES JURÍDICAS PÓS-88: Ministério Público x Defensoria Pública

Preocupado em estabelecer instituições democráticas, depois de muitos anos de autoritarismo, e querendo incorporar institutos jurídicos mais avançados na Lei Básica do país, garantias e direitos que já estavam sedimentados em outras sociedades depois de um longo processo histórico, a Assembléia Constituinte de 1988 ampliou o poder da Defensoria Pública ao torna-la um órgão de criação obrigatória aos estados, com vistas a dar

4 Para se ter uma idéia da importância das profissões jurídicas no cenário político brasileiro, até os dias de hoje tivemos cinqüenta governos republicanos, com quarenta homens diferentes ocupando este cargo máximo, dos quais um metalúrgico, um sociólogo, um engenheiro, um médico, três jornalistas, quinze militares de carreira e vinte advogados. Importante salientar que os presidentes Ranieri Mazzilli e José Sarney formaram-se em direito e jornalismo. Interessante que depois da Constituição de 1988 nenhum jurista foi eleito presidente ou assumiu a presidência. Isso talvez, não seja um indício de democratização do acesso ao poder político central, mas uma transferência do prestígio social dos cargos políticos para cargos jurídico-políticos.

5 Foram e são inúmeras as críticas à atuação política do Ministério Público e dos tribunais superiores (STF e STJ) na política brasileira recente, constituindo-se até problemas de identidades profissionais.

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atendimento jurídico gratuito aos pobres e incluí-los na esfera de lutas jurídicas, coisa que historicamente não acontecia no Brasil. A mesma Constituinte, também em virtude da ampla participação de juristas como consultores e lobistas, como já foi dito, incorporou no texto constitucional um aumento do poder do Ministério Público, instituição que também já existia, mas que andava com os poderes mitigados por alterações normativas produzidas durante a ditadura militar. A ampliação do poder do Ministério Público seguiu o princípio da democratização do acesso à justiça, tal como na Defensoria, e do controle dos Poderes do Estado. O aumento da visibilidade pública do Ministério Público, com os promotores e procuradores de justiça exercendo papel político de denúncia de irregularidades e injustiças e dando entrevistas nos canais midiáticos, e toda a discussão que posteriormente se deu sobre se o Ministério Público seria ou não o Quarto Poder da estrutura tripartite clássica de Montesquieu, provam o aumento do poder do MP e seus profissionais na sociedade brasileira pós-88.

Estas duas instituições, porém, passaram a nortear uma disputa, nem sempre consciente, no campo profissional do direito, principalmente tendo em vista as discrepâncias salariais e de condições de trabalho entre a Defensoria Pública e o Ministério Público nos estados, como apontadas nos diagnósticos feitos recentemente pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça. Para dar uma idéia, um membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em início de carreira ganha aproximadamente 212% a mais que um Defensor Público também em início de carreira. Em final de carreira a diferença diminui, um membro do mesmo Ministério Público ganha 95% a mais que um Defensor. Sobre a relação entre a despesa executada pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública no Estado do Rio de Janeiro, em 2004, o índice é de 2,33, segundo dados do próprio Ministério da Justiça. Isso quer dizer que o Ministério Público recebeu mais do que o dobro das verbas recebidas pela Defensoria, que ficou em torno de 112 milhões de reais, no Rio de Janeiro.

Nem precisa dizer que o volume de trabalho de um defensor público é muito maior que de um promotor de justiça e as condições de trabalho, bem pior. O mais intrigante é que defensores e promotores são chamados a realizar trabalhos tecnicamente muito semelhantes, apesar das disparidades salariais. Ambos estão como advogados diante do juiz: o defensor público é o “advogado dos pobres”, daqueles que não tem condições de pagar um advogado particular, e o promotor de justiça, o “advogado da sociedade”, devendo zelar pelos “interesses sociais”.

Seguindo a ótica de Elias para tentar entender as desigualdades de tratamento dadas ao Ministério Público e à Defensoria Pública, podemos colocar a primeira instituição como estabelecida e a segunda como outsider. Os defensores públicos provavelmente recebem menos que os promotores porque estão em contato com os pobres da sociedade. O só contato profissional com os pobres já seria suficiente para gerar uma desigualdade material

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entre promotores e defensores, como se os defensores se tornassem tão “sujos” quantos seus clientes, portanto, desmerecedores de uma remuneração maior. Aliás, esta seria uma forma clássica de análise dos grupos profissionais, que tentam, o tempo todo, enviar aos seus concorrentes diretos os trabalhos que consideram menos nobres. Basta observar as disputas entre o grupo médico e o grupo dos enfermeiros, ou entre dentistas e protéticos.

Também a antropóloga Mary Douglas (1999) trata do desprezo social como categoria que se constrói em torno do que é considerado sujo, como o lixo, por exemplo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises dos dados não foram apresentadas aqui porque a pesquisa de doutorado que deu origem a este texto ainda está em fase de sistematização dos dados, devendo ser este ensaio publicado inteiramente, inclusive com a análise dos dados levantados pela pesquisa, em um futuro próximo. Razão pela qual este texto, que é uma versão preliminar do texto final, não deve servir de base para citação.

Utilizaremos a abordagem eliasiana (estabelecidos e outsiders) como base para realização das análises sobre a remuneração desigual entre Defensoria e Ministério Público, como já dissemos antes. Para execução do texto final, aplicaremos questionários entre os promotores de justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e os defensores públicos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro para examinar a visão de profissionais de ambas as instituições sobre a expansão do direito na sociedade brasileira pós-88 e, em particular, sobre as desigualdades salariais entre elas. Para complementar as análises, talvez seja interessante também perguntar a alguns membros do Ministério Público e da sociedade que imagem ou palavra vem à mente quando citamos a Defensoria Pública para saber se a idéia de “pobreza” é hegemônica. Poderíamos cruzar esses dados com as respostas dadas por pessoas comuns à pergunta “Qual a imagem/idéia vem à mente quando eu falo a palavra pobreza?” Se identificarmos relação direta entre a idéia de pobreza como algo nojento ou sujo, será mesmo possível estabelecer uma análise eliasiana sobre estas instituições jurídicas brasileiras.

REFERÊNCIAS

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ELIAS, N. 1994. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar. v. 1.

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MERTON, R. K. 1970. “Papel do intelectual na burocracia pública”. Sociologia – teoria e estrutura. São Paulo: Editora Mestre Jou.

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SCHWARTZMAN, S. 1987. Atualidade do liberalismo político e do corporativismo. [citado 6

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WEBER, M. 1999. Economia e Sociedade. 4. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília. v. 1.

Referências

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