JULI A DEL MONTE BRANDÃO
WOLFGANG AMADEUS MOZART: UMA REFLEXÃO PSI COLÓGI CA SOBRE ARTE E CRI ATI VI DADE
Pont ifícia Universidade Cat ólica
São Paulo
JULI A DEL MONTE BRANDÃO
WOLFGANG AMADEUS MOZART:
UMA REFLEXÃO PSI COLÓGI CA SOBRE ARTE E CRI ATI VDADE
Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para graduação no curso de Psicologia, sob a orientação da Profª. Drª. Ana Laura Schliemann.
Pont ifícia Universidade Cat ólica
São Paulo
Agr a de cim e n t os
Aos m eus pais, agradeço pelo invest im ent o, am or e confiança deposit ados em m im ao longo de t odos est es anos. Tam bém agradeço pelo const ant e incent ivo aos est udos e à busca pelo m eu próprio cam inho.
Ao Pedro, m eu irm ão m ais velho, que despertou em m im o interesse por Mozart , agradeço por enriquecer nossa relação ao com part ilhar com igo m úsicas e out ras m anifest ações criat ivas que passaram a fazer part e de nossas vidas.
À m inha orient adora Ana Laura, agradeço pelo incent ivo, disponibilidade e confiança volt ados a m im e ao m eu t rabalho. Tam bém por t er m e acolhido nos m om ent os de angúst ia e incert eza e, principalm ent e, por t er em barcado com igo nos m om entos de êxt ase.
Pelos professores do núcleo de Psicologia Analít ica, principalm ent e à Heloísa Galan, agradeço pelos valiosos ensinam ent os passados nest e quint o ano. Se não fossem m eus professores, eu não m e apropriaria dest a t eoria que se t ornou a form a pela qual eu leio o m undo.
Agradeço aos m eus am igos de faculdade, por est arem sem pre próxim os e por dividirem com igo as angúst ias que não foram poucas. Especialm ent e ao Vit or, agradeço pelo m undo com part ilhado e pela nossa am izade, que é perm eada principalm ent e pela sinceridade, criat ividade e espont aneidade.
Às pessoas que encont rei por aí que se int eressaram pelo m eu t em a. Agradeço pelo encont ro, por com part ilharem com igo idéias, sent im ent os e pont os de vista diferent es. Há pessoas que em poucos m inut os de conversa parecem nos com preender com o se nos conhecêssem os há anos.
Finalm ent e, agradeço a t odos aqueles que de algum a form a cont ribuíram para a realização dest e t rabalho.
Julia Del Mont e Brandão: Wolfgang Am adeus Mozart : um a reflexão psicológica sobre art e e criat ividade, 2008.
Orientadora: Profª . Drª . Ana Laura Schliem ann Palavras chave: Mozart , art e, Psicologia Analít ica.
Re sum o
Est e t rabalho t eve com o obj et ivo fazer um a reflexão, à luz da Psicologia Analít ica, sobre a vida e a personalidade do m úsico Wolfgang Am adeus Mozart , no que diz respeit o ao m odo com o ele lidou com sua criat ividade e genialidade. A pesquisa é qualit at iva e docum ent al. Tem com o obj et o de est udo o livro biográfico Mozart por t r ás da m áscar a, escrito em 2005 pelo m usicólogo e
j ornalist a Lincoln Maizt egui Casas. A escolha deste livro se deu pelo fat o de ser considerado aut ênt ico, no sent ido de t entar relat ar a realidade, a vida e a personalidade de Mozart com o ele realm ent e foi, sem est ereot ipá- lo.
Foi realizado um levant am ent o t eórico dos conceit os da Psicologia Analít ica e ocasionalm ent e de considerações feitas por out ras abordagens psicológicas sobre art e, m úsica, psique, criat ividade e genialidade.
Sum ário
I ntrodução 1
1. Fundam ent ação t eórica: Psicologia Analít ica e art e 5
2. Obj et ivo e m et odologia 23
3. Apresent ação dos dados 26
4. Análise dos dados 34
5. Considerações finais 49
I n t r odu çã o
Diant e da propost a de realizar um t rabalho de conclusão de curso, enxerguei a possibilidade de debruçar- m e sobre a vida de alguém , reflet ir sobre algum a pessoa à luz da t eoria que correspondeu ao m eu m odo de ler o m undo, a Psicologia Analít ica.
A art e sem pre fez part e da m inha vida, port ant o, essa pessoa sobre a qual eu reflet iria, seria necessariam ente um art ist a. Logo surgiu a idéia de fazer sobre Mozart , por cont a da curiosidade que t enho em relação a ele, pelo m ist ério que considero rondar em t orno de sua figura e, principalm ent e, por seu envolvim ent o e ent rega t ot al à m úsica.
A im agem que eu t inha de Mozart , no m om ent o da escolha do m eu t em a, era aquela ret rat ada pelo diret or de cinem a Milos Form an no film e “ Am adeus” , produzido em 1984, que ret rat a principalm ent e a relação de Mozart com o m úsico Antônio Salieri. Apesar do m eu fascínio pelo film e, sem pre t ive consciência de que ele m ostra de form a fant asiosa e rom anceada a vida de Mozart .
Considerando que eu aplicaria um a t eoria na qual eu acredit o, pensei que deveria analisar o que fosse m ais próxim o da realidade e não um a sit uação fict ícia e fant asiosa. Tam bém pelo fat o deste t rabalho t rat ar- se de um est udo acadêm ico, considerei um at o de responsabilidade a t ent at iva de m ost rar Mozart com o ele realm ent e foi, resist indo ao m ovim ent o de est ereot ipá- lo a qualquer figura que sej a.
Com o obj et o de est udo, escolhi o livro biográfico Mozart por t rás da
Est e foi considerado um docum ent o que visa ret rat ar a vida e a personalidade do m úsico baseado em fat os reais e, na m edida histórica, de m aneira aut ênt ica.
Durant e t oda a m inha infância est udei em um colégio Waldorf, que adot a a pedagogia fundada pelo filósofo alem ão Rudolf Steiner. Apesar de m erecer esclarecim ent os e um a at enção especial, não seria possível, nest e m om ent o, discorrer sobre as especificidades dest a pedagogia. Apenas ressalt o que ela dá m uita im portância às at ividades art íst icas em geral, com o principal m odo da criança sent ir e conhecer o m undo.
Se não fosse pelos nove anos em que est udei no Colégio Waldorf Micael, do j ardim at é a sét im a série, eu seria hoj e um a pessoa m uit o diferent e da que sou, em relação às m inhas at it udes e pensam ent os, à visão de m undo que eu t enho e ao m odo com o m e envolvo com as quest ões pelas quais eu m e interesso.
Fazia part e da program ação curricular do colégio, os alunos m ont arem na sétim a série um a peça de teatro. Meu irm ão m ais velho, na época com quat orze anos, encenou com sua classe “ A Flaut a Mágica” . Foi nessa época que se deu m eu prim eiro cont at o com a obra de Mozart .
Eu acom panhei o processo de m ont agem da peça, assim com o assist i às quat ro apresent ações finais. Com dez anos de idade, não ent endia m uit a coisa da peça, m as sent ia- m e m uit o t ocada por aquilo t udo. As m úsicas de Mozart m e fascinavam , assim com o a rainha da noite com seu punhal e o papagueno com sua gaiola.
ent ão volt ei a assist i- lo várias vezes e não m e canso dele, pois cada vez eu percebo coisas diferent es, leio com as lent es que eu t enho no m om ent o.
Durant e o processo, procurei m uit o m at erial, li m uit a coisa e busquei várias inform ações sobre Mozart . Conform e fui pensando e produzindo, ent rei em cont at o com m inha criat ividade e um m undo se abriu. Considerando que a art e t em a possibilidade de elevar a alm a, vej o que a criação de conhecim ent o t am bém elevou m eu espírit o.
Ent reguei- m e corpo e alm a a est e t rabalho, m e envolvi m uit o com a figura de Mozart e procurei m uit o m at erial sobre sua vida. Durant e o processo, t ive cont at o com ele não apenas de form a literal, m as por m eio do bem m ais precioso que ele nos deixou, sua m úsica. Encont rei um livro que t em suas cart as escrit as durant e sua vida adulta. Percebi que por m ais que eu leia m uit a coisa sobre ele, ainda o considero um a figura enigm át ica.
Muit as vezes ele era cont radit ório. Por exem plo, em suas cart as enviadas a seu pai, ele assinava com o o filho et ernam ent e obedient e. Porém , no cont eúdo das cartas, fica claro que ele desobedecia t udo o que o pai lhe pedia, argum ent ando de form a m uito curiosa e at é engraçada suas at it udes e pensam ent os. Ent ão, por m ais que eu m e aproxim e de t udo que j á produziram sobre ele, nunca vou fechar um conceit o, nunca essa m inha curiosidade vai deixar de exist ir.
Me envolvi m uit o com o t rabalho e sem dúvida ele m e volt ou para quest ões m uit o pessoais, quest ões que eu precisava ent rar em cont at o e que est avam adorm ecidas nesses cinco anos de psicologia em que eu m e afast ei da arte. Nele, j untei algum as paixões, com o Psicologia Analít ica, arte, m úsica e criat ividade.
int erno que est á encobert o, e não só reproduzir o que j á é conhecido. Quando apenas reproduzim os conceit os e hábit os crist alizados, não nos quest ionando do que est am os fazendo, acredit o que correm os o risco de nos afast arm os do real sent ido de nossas ações e pensam ent os, ou sej a, de nós m esm os.
Psicologia An a lít ica e Ar t e
A Psicologia Analít ica foi fundada por Carl Gustav Jung ( 1875 – 1961) no início do século XX. Jung foi um dos m ais proem inent es discípulos de Freud, exercendo a Psicanálise de 1909 a 1913, ano em que rom peu com Freud e fundou a Psicologia Analít ica.
Após a m ort e de Jung, em 1961, a Psicologia Analít ica cont inuou a receber cont ribuições dos neo – Junguianos.
Para ent enderm os o sent ido da art e e da criat ividade na visão da Psicologia Analít ica, é necessário volt arm os a algum as considerações e definições básicas que em basam est a t eoria.
O Self é um dos conceit os m ais fundam ent ais da Teoria Junguiana. Tam bém cham ado de Si- m esm o, é a t ot alidade psíquica – que abrange aspectos conscient es e inconscient es – e ao m esm o t em po o arquét ipo do cent ro da psique, que confere orient ação e sent ido aos cont eúdos arquet ípicos.
Em seu livro A Busca do Sím bolo ( 1998) , Whitm ont define o Self da
seguint e m aneira:
O Self unifica t odos os elem ent os do ser em suas dim ensões pessoais e t ranspessoais, conscient es e inconscient es, ele é a font e cent ral de energia da vida e significa pot encialidade, pois t em em si t odas as possibilidades do vir a ser do hom em .
Nise da Silveira, em seu livro Jung: Vida e Obr a ( 2006) , definiu a
consciência com o um a pequena ilha que em erge de um vast o oceano. Segundo ela, est e oceano represent a o inconscient e, que pode ser didat icam ent e dividido em cam adas.
A cam ada m ais profunda do inconscient e, cham ada de inconscient e colet ivo represent a um a base psíquica com um a t odos os indivíduos e guarda os arquét ipos, ou sej a, im agens prim ordiais que foram acum uladas pela hum anidade desde os t em pos m ais rem ot os. Dest e m odo, o inconscient e colet ivo não faz part e da experiência pessoal do indivíduo, m as sim das experiências suprapessoais da hum anidade. Ele guarda possibilidades e pot encialidades hum anas, sendo assim um a base para a criat ividade.
A cam ada m ais superficial corresponde ao inconscient e pessoal. Nele, encontram - se resquícios de nossa traj etória de vida, m em órias, percepções e idéias que foram esquecidas e/ ou reprim idas pela consciência. O que est á inconscient e exerce grande influência sobre o psiquism o e é dot ado de grande carga afet iva, apesar de não encont rar- se em um est ado plenam ent e conscient e.
Desse m ar inconscient e e indiferenciado, em ana a consciência, que t em com o cent ro regulador o Ego. Cham am os consciência t udo aquilo que opera, é com preendido e assim ilado por nós, de acordo com nossos sent idos, pensam ent os, sent im ent os e int uições.
a condição necessária para que qualquer cont eúdo da psique t orne- se conscient e, sej a est e cont eúdo um sent im ent o, um pensam ent o, um a percepção ou um a fant asia.
O desenvolvim ent o da aut onom ia do Ego pressupõe um a liberação e independência dos inst int os, do inconscient e. O Ego olha para o out ro, para fora e procura adapt ar- se ao m eio am bient e. I nicialm ent e, a criança busca responder às expect at ivas dos pais e de sua fam ília e, posteriorm ent e, o indivíduo adapt a- se à realidade, à cult ura em que est á inserido e às regras sociais vigentes nessa cultura.
Jung cham ou de processo de individuação o cam inho que t odo ser hum ano percorre ao longo de sua vida em direção ao desenvolvim ent o de seu ser em sua t ot alidade. É o processo no qual o indivíduo t orna- se aquilo que ele realm ent e é, de um m odo profundo e conscient e, at ravés da int egração de opost os, ist o é, da int egração ent re aspect os conscient es e inconscient es da sua personalidade.
Para haver a int egração ent re opost os, é preciso que haj a um equilíbrio ent re seu m undo int erno e ext erno. No processo de individuação, o hom em volta- se m ais à sua subj et ividade e m undo int erno, porém , sem isolar- se do m undo ext erno, pois o out ro t am bém é im plicado no processo.
Out ra idéia fundam ent al que est á na base da t eoria Junguiana é a noção de arquét ipo. Os arquét ipos const it uem o inconscient e colet ivo, sendo eles possibilidades herdadas de im aginar m at rizes arcaicas, cont eúdos universais a t odos os seres hum anos. Silveira, em seu livro Jung: Vida e Obra ( 2006),
afirm a que eles funcionam com o nódulos concent radores de energia psíquica e que quando essa energia se at ualiza, form a- se a im agem arquet ípica.
padrões de com port am ent o especificam ent e hum anos, os arquét ipos nos levam a assum ir det erm inadas posturas psicológicas frent e às diversas sit uações vividas pela hum anidade desde os t em pos m ais rem ot os, com o nascim ent o, m ort e, m at ernidade e pat ernidade.
Nise da Silveira ( 2006) diz:
“ A noção de arquét ipo, postulando a exist ância de um a base psíquica com um at odos os seres hum anos, perm it e com preender porque em lugares e épocas dist ant es aparecem t em as idênt icos nos cont os de fadas, nos m it os, nos dogm as e rit os das religiões, nas art es, na filosofia, nas produções do inconscient e de um m odo geral – sej a em sonhos de pessoas norm ais, sej a em delírios de loucos” . ( p.69) .
Para a Psicologia Analít ica, as criações art íst icas est ão relacionadas principalm ent e a quest ões arquet ípicas e em segundo plano, a quest ões pessoais do indivíduo. Ao analisar um a obra de art e, Jung não se det inha em pesquisar com o ela se ent relaçava à vida pessoal do art ista. Mais im portant e, segundo ele, era pergunt ar- se pelo sent ido da obra, considerar o m ot ivo arquet ípico sobre o qual ela se est rut ura, pois a obra nasce do inconscient e e revela à consciência, por m eio de seus sím bolos, t em as arquet ípicos que são inerent es a t odos os seres hum anos.
Os arquét ipos se m anifest am por m eio de sím bolos. Segundo Jung, os sím bolos sem pre apont am para além de seu significado im ediat o e óbvio. Em suas palavras,
O sím bolo, ant es de ser um a realidade ext erna e obj et iva, é um a realidade int erna do indivíduo. Ele t em a função de sínt ese e conexão ent re cont eúdos conscient es e inconscient es. É por m eio dele que o inconscient e pessoal e arquet ípico se m anifest am na consciência.
O t erm o “ criar” é definido no dicionário com o “ dar exist ência” , “ im aginar, inventar, produzir” . No livro Ter um t alent o, t er um sint om a
( 1990) , a psicanalist a Denise Morel faz um a revisão do que se t em est udado sobre criat ividade pela Psicologia nos últ im os anos. Ent re várias cont ribuições acerca do t em a, ela expõe a posição de Didier Anzieu com a seguint e cit ação:
“ A criat ividade se define com o um conj unt o de predisposições do carát er e do espírit o, que se podem cult ivar e que se encont ram senão em t odos... ao m enos em m uit os. A criação é a invenção e a com posição da obra, art íst ica ou cient ífica, que responde a dois critérios: t razer o novo ( ist o é: produzir algum a coisa que j am ais foi feita) e t er o valor cedo ou t arde reconhecido por um público” ( p.25) .
Morel considera t am bém o aut or Beaudot , que est abeleceu um a diferença ent re duas form as de pensam ent o. Beaudot , segundo a aut ora, ident ifica o prim eiro t ipo com o “ pensam ent o convergent e” , que seria próprio de pessoas int eligent es, que t endem a convergir para significados est ereot ipados. O segundo t ipo t rat a- se de um “ pensam ent o divergent e” e é próprio de indivíduos criat ivos, que “ t endem a se afast ar das significações est ereot ipadas, a dem onst rar um a im aginação original” ( Beaudot , apud Morel, 1990, p.24) .
Morel ( 1990) , salient a, em seu est udo, a im portância do am bient e fam iliar, que pode t ornar- se para cada um de seus m em bros, um “ espaço pot encial” que propicia o desenvolvim ento de at ividades criadoras. Segundo a aut ora, para que est e espaço exist a com o t al, é necessário que a circulação fant ást ica não sej a bloqueada no int erior da fam ília.
A m esm a aut ora sublinha a im port ância que t odos os criadores concedem ao exílio, sej a ele geográfico ou apenas sim bólico. O art ist a, segundo ela, separa- se do conhecido, rom pe ligações, afast a- se do “ real” , deixa suas t erras para encont rar um out ro espaço que ele povoa com sua im aginação, com o que ent regando- se a um a t erra eleit a por ele. O exílio é psicológico e supõe que o art ist a suport a dist ingui- se dos out ros e viver de algum a form a um a solidão de pensam ent os e sent im ent os. Esse afast am ent o supõe um a certa disposição do suj eit o viver volt ado aos cont eúdos que surgem em sua própria psique.
A Psicologia Analít ica at ribui à criação art íst ica a possibilidade de com unicação ent re aspect os inconscient es e conscient es da psique, na m edida em que o at o de criar é conceber o novo, é t razer para a consciência, por m eio dos sím bolos, algo que era ant es desconhecido, inconscient e. Segundo Silveira ( 2006) :
No m ist ério do at o criador, o art ista m ergulha at é as funduras im ensas do inconscient e. Ele dá form a e t raduz na linguagem de seu t em po as int uições prim ordiais e, assim fazendo, t orna acessíveis a t odos as font es profundas da vida. ( p.143) .
Segundo Silveira, a sim ples em ergência de im agens arquet ípicas não resultam em obras de art e. A aut ora explica que os cont eúdos arquet ípicos surgem cot idianam ent e nos sonhos e fant asias, a diferença é que nas obras de art e, essas experiências int ernas são “ elaboradas, ou m elhor, t ransm ut adas em form as que possuam cert as qualidades, dit as art íst icas” ( Silveira, 2006, p.148- 149) .
O segredo da ação da art e, para Jung, consist e na at ivação inconscient e de arquét ipos e na elaboração dos m esm os. O art ist a t raduz para um a linguagem at ual im agens prim ordiais dos seres hum anos e deste m odo ele possibilit a que as pessoas t enham acesso às font es m ais profundas da vida.
A Psicologia Analít ica lida com polaridades em t odas as condições da vida. Para t oda sit uação conscient e, considera- se que exist e um a out ra polaridade à qual não est am os at ent os, ou sej a, que est á inconscient e. Por isso, ent re um par de opost os, ent re a consciência e o inconscient e, est abelece- se um a relação com pensadora e dinâm ica que faz com que o hom em ent re em cont at o com sua t ot alidade, e não apenas com um a polaridade.
As m anifest ações do inconscient e colet ivo possuem um carát er com pensat ório em relação à sit uação conscient e, no sent ido de t razer para a at ualidade para quest ões que são cont rárias às que vêm sendo consideradas pela consciência.
Os sím bolos que surgem do inconscient e procuram desafiar o ego, t razendo para a at ualidade quest ões que não t êm recebido devida at enção pela consciência. Os art istas às vezes escandalizam com suas m ensagens, e é com preensível que sej am recebidos diversas vezes com est ranham ent o e resist ência pelas culturas. Na hist ória da hum anidade encont ram os vários art istas que exem plificam isso, com o o pint or Van Gogh, e t ant os out ros que não usufruíram do reconhecim ent o de sua obra ainda em vida.
Em relação à criação art íst ica, Jung dist ingue dois m odos nos quais ela pode se dar. No prim eiro processo, cham ado de processo psicológico, Jung diz que:
“ O aut or subm et e seu m at erial a ser t rabalhado a um t rat am ent o com propósito definido, t irando ou adicionando, enfat izando um efeit o, at enuando out ro, dando um t oque colorido aqui, out ro acolá, considerando cuidadosam ent e os efeit os e observando const ant em ent e as leis do belo e do est ilo” ( Jung, 1985, p. 61) .
No segundo processo, cham ado “ visionário” , as obras de art e vêem à luz pront as e com plet as, com o se o aut or fosse apenas um instrum ent o da art e. Em seu livro O espírit o na ciência e na religião ( 1985) , Jung descreve da
seguint e m aneira a relação ent re a obra e o art ist a:
lado, com o um a segunda pessoa que t ivesse ent rado na esfera de um querer est ranho. ( Jung, 1985, p.61- 62) .
Com o podem os ver, no prim eiro caso, o processo de criação est á m ais subm et ido à consciência do que no segundo, em que o aut or deixa- se inundar por sím bolos e cont eúdos inconscient es. Apesar disso, Jung afirm a que em am bos os casos, o art ist a t em a ilusão conscient e de est ar criando com liberdade absolut a, quando na verdade ele est á nadando em um a “ corrent e invisível” , pois o fort e im pulso criat ivo que brot a do inconscient e pode t ant o influenciar com o dirigir a consciência.
Para exem plificar que a obra pode dom inar o criador, Jung lem bra que em diversos art ist as, seu ím pet o criat ivo era t ão grande que se apoderava dele, m esm o à cust a de sua saúde e at é de sua felicidade. Em suas palavras:
A obra inédita na alm a do art ist a é um a força da nat ureza que se im põe, ou com t irânica violência ou com aquela ast úcia sut il da finalidade nat ural, sem se incom odar com o bem - est ar pessoal do ser hum ano que é o veículo da criat ividade. ( Jung, 1985, p.63) .
A m ú s i c a e st á p r e s e n t e n a h i s t ó r i a d a h u m a n i d a d e h á t a n t o t e m p o q u e é v i st a m u i t a s v e z e s co m o a l g o i n e r e n t e à e s p é ci e , a l g o q u e t e m v i d a p r ó p r i a e q u e s u r g i u j u n t o c o n o sc o . É d i f íc i l a t a r e f a d e d a t a r e l o c a l i z a r a o r i g e m d a m ú s i c a n a s cu l t u r a s . Bl i k s t e i n ( 2 0 0 5 ) , e x p õ e e ss a d i f i cu l d a d e a o a f i r m a r q u e d u r a n t e m u i t o t e m p o , e l a f o i t r a n s m i t i d a d e g e r a ç ã o a g e r a ç ã o a p e n a s p e l a t r a d i ç ã o o r a l . A a u t o r a e s t i p u l a q u e q u a n d o o h o m e m p a ss o u a t e r u m a v i d a s e d e n t á r i a , i s t o é , c u l t i v a r s u a p r ó p r i a a g r i c u l t u r a , d o m e s t i ca r a n i m a i s e c o n s t i t u i r s u a p r ó p r i a m o r a d a , ( a p r o x i m a d a m e n t e 1 0 . 0 0 0 a n o s a . C. ) e l e p a ss o u a t e r m a i s t e m p o e c o n d i ç õ e s p a r a se d e d i ca r a a t i v i d a d e s a r t íst i c a s e d e l a z e r .
D e s d e o s t e m p o s p r é - h i s t ó r i c o s , a m ú s i c a m o st r o u s e r f e n ô m e n o u n i v e r sa l , n a m e d i d a e m q u e p o d e m o s e n co n t r a r r e g i st r o s d e s u a e x i s t ê n c i a e m t o d o s o s p o v o s e e m t o d a s a s é p o c a s. Se g u n d o Bl i k s t e i n ( 2 0 0 5 ) , a s c i v i l i z a ç õ e s m a i s a n t i g a s q u e d e i x a r a m r e g i s t r o s m u s i c a i s f o r a m o s Ass ír i o s e Su m é r i o s , q u e p o s s u ía m u m m é t o d o p r ó p r i o d e l e i t u r a m u s i c a l b a s e a d o e m l e t r a s . Ou t r o s p o v o s s e d e s t a ca r a m p e l o a v a n ç o a r t ís t i c o , c o m o o s h a b i t a n t e s d o a n t i g o I r a q u e , Eg i t o , Ch i n a e Pa q u i s t ã o .
b e b ê t a m b é m p o d e ca p t a r s o n s e x t e r n o s, c o m o r u íd o s , v o z e s e m ú s i c a s.
Os a s p e ct o s b i o l ó g i c o s d o s s e r e s h u m a n o s s ã o i n f l u e n c i a d o s p e l a m ú si c a e p e l o s s o n s e m g e r a l . Em e s t u d o s s e p a r a d o s , Ta m e e Ju i l i u s Po r t n o y ( a p u d Be t t u z z i , 1 9 9 3 ) , a p o n t a m q u e a m ú si c a i n f l u i n a d i g e s t ã o , n a r e s p i r a ç ã o , n a s s e c r e ç õ e s i n t e r n a s e n a ci r c u l a ç ã o , e n t r e o u t r a s f u n ç õ e s co r p o r a i s . D a Co s t a ( 2 0 0 0 ) c i t a q u e u m a m ú s i c a a c e l e r a d a p o d e c a u s a r o a u m e n t o d a s f r e q ü ê n c i a s c a r d ía c a e r e s p i r a t ó r i a a ss i m c o m o o a u m e n t o d a a t i v i d a d e m u sc u l a r , e n q u a n t o q u e m ú s i c a s c o m b a i x a f r e q ü ê n c i a e a n d a m e n t o l e n t o p o d e m t e r u m e f e i t o r e l a x a n t e . A a u t o r a f a z e st a a f i r m a çã o b a s e a d a e m e s t u d o s r e a l i z a d o s p o r H i c k s , 1 9 9 5 ; Ol s o n , 1 9 9 8 ; Li v i n g st o n , 1 9 7 9 ; Ka m i n sk i & H a l l , 1 9 9 6 ; K l e i n & W i n k e l st e i n , 1 9 9 6 .
A l i n g u a g e m s o n o r a t e m u m a i m p o r t â n ci a n a r e l a ç ã o d o i n d i v íd u o co m s e u m u n d o , v i s t o q u e é u m m e i o d e c o m u n i c a ç ã o d e s e n v o l v i d o a i n d a n a v i d a i n t r a - u t e r i n a . I ss o f a z c o m q u e e l a n o s s e j a m u i t o f a m i l i a r , l i g a d a a a s p e c t o s c o r p o r a i s e a n t e r i o r à l i n g u a g e m v e r b a l . A l i n g u a g e m s o n o r a m o s t r a s e r c a p a z d e e x p r e ss a r a s p e c t o s d o s se r e s h u m a n o s d e f o r m a m a i s i n s t i n t i v a e e s p o n t â n e a , t e n d o u m a l i g a ç ã o m a i s ín t i m a c o m o c o r p o . I s t o f a c i l i t a u m a c o m u n i c a ç ã o d e c o n t e ú d o s a b st r a t o s, m e n o s p r e c i s o s e m n ó s, r e f e r e n t e s a i n s t i n t o s, e m o ç õ e s, i m p r e s s õ e s e s e n t i m e n t o s . El a t e m a c a p a c i d a d e d e a c e ss a r m a i s d i r e t a m e n t e o i n t e r i o r d a p e ss o a d e u m a f o r m a v i sc e r a l .
a a r t e é u m a t é c n i c a s o c i a l d o s e n t i m e n t o , u m i n s t r u m e n t o d a s o c i e d a d e a t r a v é s d o q u a l i n c o r p o r a a o c i c l o d a v i d a s o c i a l o s a s p e c t o s m a i s ín t i m o s e p e ss o a i s d o n o ss o se r . Se r i a m a i s c o r r e t o d i z e r q u e o s e n t i m e n t o n ã o s e t o r n a so c i a l m a s, a o co n t r á r i o , t o r n a - s e p e s s o a l , q u a n d o c a d a u m d e n ó s v i v e n c i a u m a o b r a d e a r t e , c o n v e r t e - s e e m p e ss o a l s e m co m i s t o d e i x a r d e c o n t i n u a r s o c i a l . ( Vi g o t s k i , 2 0 0 1 , p . 3 1 5 ) .
O s e r h u m a n o t e m u m a n e c e ss i d a d e i n s a c i á v e l d e c o m u n i c a ç ã o , d e t r a n s m i t i r a o s o u t r o s i n d i v íd u o s q u e m e l e é , s u a v i s ã o d e m u n d o , s e u s p e n sa m e n t o s, s e n t i m e n t o s e e m o ç õ e s . Co m u n i ca ç ã o e st á r e l a c i o n a d a a s o c i e d a d e , a ss i m c o m o e st á r e l a c i o n a d a a a r t e . Se g u n d o Vi g o t s k i ( 2 0 0 1 ) :
A a r t e é o s o c i a l e m n ó s, e , s e o se u e f e i t o s e p r o c e ss a e m u m i n d i v íd u o i s o l a d o , i s t o n ã o s i g n i f i c a , d e m a n e i r a n e n h u m a , q u e a s s u a s r a íz e s e e ss ê n c i a s e j a m i n d i v i d u a i s . ( . . . ) Po r i s t o , q u a n d o a r t e r e a l i z a a c a t a r se e a r r a st a p a r a e s se f o g o p u r i f i c a d o r a s c o m o ç õ e s m a i s ín t i m a s e m a i s v i t a l m e n t e i m p o r t a n t e s d e u m a a l m a i n d i v i d u a l , o s e u e f e i t o é u m e f e i t o s o c i a l ( Vi g o t s k i , 2 0 0 1 , p . 3 1 5 ) .
Pa r a f u n c i o n a r c o m o u m a t é c n i ca so c i a l , o r e c o n h e c i m e n t o d a a r t e p r e ssu p õ e m a i s d e u m a p e sso a . A t r a n sm i s s ã o o c o r r e r e a l m e n t e q u a n d o o o u t r o c a p t a a m e n s a g e m d e q u e m c o m u n i c a . El a o c o r r e q u a n d o o o u t r o s e n t e - se t o c a d o e c o n t a g i a d o p e l a o b r a , s e n d o c a p a z d e i m a g i n a r o q u e o a r t i s t a t e n t o u e x p r e ss a r . So b r e i s t o , To l st o i , ( a p u d Vi g o t s k i 2 0 0 1 ) d i z q u e :
o u t r o s h o m e n s q u e s e b a s e i a a a t i v i d a d e d a a r t e . Os s e n t i m e n t o s, d o s m a i s v a r i a d o s , m u i t o f o r t e s e m u i t o f r a co s , m u i t o s i g n i f i c a t i v o s e m u i t o i n s i g n i f i c a n t e s, m u i t o m a u s e m u i t o b o n s s ó c o n s t i t u e m o o b j e t o d a a r t e s e c o n t a g i a m o l e i t o r , o o u v i n t e , o e s p e ct a d o r ( p . 3 0 3 ) .
A m ú s i ca t e m o p o d e r d e p r o m o v e r o f l u x o d e e n e r g i a e m q u e m e n t r a e m c o n t a t o c o m e l a , se j a p o r m e i o d a cr i a çã o o u a p e n a s co m o o u v i n t e . Po r m e i o d a m ú si ca , u m i n d i v íd u o p o d e e x p r e ss a r e d e sca r r e g a r s u a s e n e r g i a s e i s s o r e s u l t a e m u m a s e n s a ç ã o d e p e r t e n c i m e n t o a o m u n d o e à c u l t u r a .
A Psicologia Analít ica considera que o processo criat ivo é um a essência viva im plant ada na alm a do art ista, e a ist o ela denom ina com plexo aut ônom o.
Um com plexo aut ônom o funciona em nós com o um a out ra pessoa, com vont ades, int enções e sent im ent os próprios. Ele leva um a vida independent e dent ro da psique, de acordo com sua força, podendo at é t om ar a seu serviço o próprio Ego. Para seu desenvolvim ent o e at uação, o com plexo usa energia ret irada da psique, assim podendo causar um a dim inuição gradat iva das at ividades do com ando conscient e, culm inando em um desenvolvim ent o regressivo das funções do Ego. Janet ( apud Jung 1985) , descreve que nesses casos é possível que haj a um a im posição do inst int ivo sobre o ét ico, do infant il sobre o adult o e da inadapt ação sobre a adapt ação.
Edinger, em seu livro Ego e Ar quét ipo ( 1995) , ident ifica que o processo
de desenvolvim ent o psicológico consist e na diferenciação progressiva ent re Ego e Self. Ao longo de t oda a vida é esperado que ocorra est a diferenciação, porém , Ego e arquét ipo nunca se separam t ot alm ent e. Eles m ant ém - se unidos pelo eixo Ego- Self, que possibilit a ao Ego experim ent ar um a reunião recorrent e com o Si- Mesm o, para que sej a m ant ida a int egridade da personalidade t ot al.
Segundo Edinger ( 1995) , no início da vida psíquica, nada m ais exist e além do Si- Mesm o. O Ego, nest a et apa, exist e apenas com o pot encialidade, pois ele ainda encont ra- se m ergulhado, ou sej a, indiferenciado da t ot alidade psíquica, do Self. Newm ann, segundo Edinger ( 1995) , descreve est e est ado de indiferenciação com o a uroboros ( a serpent e que m orde a própria cauda) , pois o Ego, t ot alm ent e ident ificado ao Si- Mesm o, percebe- se com o divindade.
Em suas palavras:
“ Esse é o est ado original de unidade e perfeição inconscient es, responsável pela nost algia que t odos sent im os com relação às nossa próprias origens, t ant o pessoal quant o hist oricam ent e” ( p.27) .
Edinger ( 1995) define que há duas t endências arquet ípicas básicas e opost as ent re si, que governam o desenvolvim ent o da consciência. A prim eira t endência, segundo ele, é o aut o- m orfism o, onde a pessoa adapt a- se aos próprios pot encias, às suas possibilidades e aos seus conteúdos int ernos. A segunda t endência, que é post erior ao aut o- m orfism o, é a adapt ação ao m eio am bient e ext erno, que pressupõe o desenvolvim ent o de papeis socialm ent e aceit os.
voltada t ot alm ente para dentro de si m esm a. O Ego ainda encontra- se próxim o do inconscient e e procura adapt ar- se exclusivam ent e ao seu Self, ou sej a, às suas pot encialidades e qualidades int ernas.
Nest e m om ent o de inflação do Ego, o suj eito encontra- se volt ado para si m esm o, ele reconhece- se com o o cent ro do m undo. Quase não há reconhecim ent o do out ro, pois a est rut uração do Ego ainda é m ais im portant e.
No decorrer do desenvolvim ent o de aut onom ia do Ego, ocorre o reconhecim ent o de que ele não é idênt ico à t ot alidade psíquica, que não é o cent ro do m undo. Assim , ele desenvolve- se reconhecendo o out ro, procurando at ender às expect at ivas dos fam iliares e do m undo em geral. Para ser socialm ent e adequado, o Ego seleciona aspect os da psique que são m ais adapt ados para int egrar a consciência e ignora out ros que j ulgue de m enor valor, sem pre procurando adaptar- se ao m eio ext erno, as leis e à cultura.
O Ego é o suj eit o da ident idade pessoal, que se prolonga no t em po e no espaço e que é capaz de reflet ir sobre si m esm o. Ele est á ligado às ações do indivíduo relacionadas a planej am ent o, escolhas e t om ada de decisões.
Quando o desenvolvim ento do Ego é prej udicado, o indivíduo pode apresent ar, caract eríst icas sim ilares às prim eiras fases de desenvolvim ent o de diferenciação.
Edinger ( 1995) discorre sobre a fase inicial do desenvolvim ento da consciência, a que ele cham a de “ I nflação e t ot alidade original” . Ele usa o t erm o “ inflação” para descrever a at it ude que acom panha a ident ificação do Ego ao Si- Mesm o.
“ Quando olham os ret rospect ivam ent e nossa origem psicológica, vem os que ela t em um a dupla conot ação: em prim eiro lugar, ela é vist a com o condição paradisíaca, unidade, um est ado de unicidade com relação à nat ureza e aos deuses infinit am ent e desej ável; m as, em segundo lugar, com base nos nossos padrões hum anos conscient es, que est ão relacionados à realidade do t em po e do espaço, t rat a- se de um est ado de inflação, um a condição de irresponsabilidade, de luxúria incorrigível, de arrogância e de desej o rude” . ( p. 32) .
O desafio para a consciência é, ent ão, desenvolver um a noção realist a e responsável de sua relação com o m undo, ao m esm o t em po em que m ant ém seu vínculo vivo com a psique arquet ípica, com suas pot encialidades e energia vit al. Para isso, é necessário que se m ant enha o fluxo de energia no eixo Ego-Self, para garant ir a int egridade de nossa personalidade.
O est ado de t ot alidade divina pode persist ir além da infância, caracterizando um desenvolvim ent o prej udicado do Ego, que cont inua m esm o na idade adulta, ident ificado com a t ot alidade psíquica, com a divindade. Nestes casos, onde o suj eit o sent e- se o cent ro do universo, é evident e que ele est á bem adapt ado a si- m esm o, às suas pot encialidades, porém , pouco adapt ado à realidade ext erna.
Marie Louise von Franz ( 2005) reconhece essa m esm a condição com o um a ident ificação com o arquét ipo do Puer aet ernus, que segundo ela, represent a o deus da j uvent ude divina e significa “ j uvent ude et erna” .
Segundo a aut ora, o hom em que se ident ifica com o arquét ipo do puer aet ernus perm anece m uit o t em po com algum as caract eríst icas t ípicas que são
norm ais em adolescent es.
“ Em alguns casos, há um t ipo de individualism o associal: sendo alguém especial, ele não t em necessidade de adapt ar- se, pois as pessoas é que t êm que se adapt ar a um gênio com o ele” ( Marie Louise von Franz, 2005, p.14) .
A qualidade posit iva de t ais j ovens é um a espirit ualidade de carát er, j ust am ent e por causa de seu cont at o próxim o com o inconscient e colet ivo. Von Franz afirm a que os pueri aet erni geralm ent e são m uit o agradáveis para
conversar; usualm ent e t êm assunt os int eressant es e não gost am de sit uações convencionais.
Em relação ao t rabalho, a aut ora afirm a que os pueri só conseguem
t rabalhar quando ficam fascinados ou em est ado de grande ent usiasm o. Quando encont ram - se em m eio a est a excit ação, são capazes de t rabalhar vint e e quat ro horas por dia, m as se o t rabalho for ent ediant e est a quest ão t orna- se um problem a.
Quando o desenvolvim ento do Ego é prej udicado, esse fenôm eno se exprim e freqüent em ent e com o puerilidade ou com o um egoísm o ingênuo, na m edida em que o art ista pode viver fiel à sua criat ividade e voltado excessivam ente para si, esquecendo- se assim de voltar- se para os outros, em det rim ent o de um a adapt ação social.
Jung afirm a que a vida do art ist a é cheia de conflit os, pois dent ro dele lutam duas forças. Por um lado, o hom em com um tem suas exigências de felicidade, sat isfação e segurança. Por out ro, a paixão criadora, o com plexo aut ônom o at ua de form a violent a e cheia de energia, pondo por t erra os desej os pessoais. O im pulso criat ivo arrebat a grande part e da energia vit al, deixando pouca energia para o rest ant e das funções psíquicas.
O art ista t raz para si e para a consciência da hum anidade obras do inconscient e colet ivo, ele ident ifica - se com a tot alidade divina e faz- se instrum ent o da criação art íst ica. Ele pode viver fiel à sua criat ividade e voltado excessivam ente para si, e isto pode im plicar em um desenvolvim ento regressivo do Ego. Considerando que o Ego desenvolve- se ao longo da vida com o int uito de at ribuir um a ident idade ao suj eito e em prol da adapt ação ao m eio ext erno, podem os pensar que essas funções ficam debilit adas, quando um art ist a dedica desproporcionalm ent e m aior at enção aos seus aspect os inconscient es.
O desenvolvim ent o regressivo do Ego pode causar m uit o sofrim ent o para o art ist a e dificuldades para lidar com sit uações sociais que não sej am m ediadas por sua art e, em que ele não sej a considerado pela sua genialidade.
Obj e t ivo e M e t odologia
Tenho com o obj et ivo, nest e t rabalho, reflet ir sobre a vida e a personalidade do m úsico Wolfgag Am adeus Mozart , na concepção de Casas ( 2006) , at ravés da Psicologia Analít ica de Gust av Carl Jung.
O m ét odo da pesquisa é qualitat ivo ( Mazot t i e Judit h 2002) , pois buscou reflet ir sobre a part icularidade da vida do m úsico Wolfgang Am adeus Mozart , no que diz respeit o ao seu processo criat ivo, à luz da Psicologia Analít ica. É t am bém docum ent al ( Pádua 2003) , pois t em com o obj et o de est udo o livro biográfico Mozart por t rás da m áscara ( 2006) , escrito por Lincoln Maiztegui
Casas.
Segundo Pádua ( 2003) , a pesquisa docum ent al é aquela realizada a part ir de um docum ent o cient ificam ent e aut ênt ico, que por sua vez é um a base de conhecim ent o regist rado m at erialm ent e e suscet ível de ser ut ilizado para pesquisa. Do lat im docum ent um, é aquilo que ensina ou serve de exem plo ou
prova.
Dest a m aneira, procurei um m at erial que regist rasse de form a considerada aut ênt ica ( não fraudada) a vida e a personalidade de Mozart , para que eu m e aproxim asse do que ele realm ent e foi. Procurei descart ar obras que est ereot ipassem o m úsico ou que t ransform assem sua vida em um a grande vit ória ou em um enorm e fracasso.
Segundo o aut or, um a das razões que o levou a escrever a biografia foi a possibilidade de reunir em um livro de leitura para o público em geral, t odas as cont ribuições feit as em t em pos recent es que se encont ravam espalhadas em obras especializadas sobre Mozart . O livro assum e a responsabilidade de cont ar a realidade. Para isso, faz- se fartam ent e docum ent ado, unindo t rechos de cart as e depoim ent os, t raz cont ribuições inéditas e ainda apresent a diferent es versões sobre os fat os que m arcaram a vida do art ista, para que o leitor pondere as inform ações e escolha sua int erpret ação para est es fat os.
Casas escreveu o livro biográfico na Espanha, porém , foi em sua t erra nat al, no Uruguai, que t eve seu prim eiro cont at o com a m úsica de Mozart . O aut or resgat a de suas prim eiras lem branças infant is a t arde quent e e cheia de luz em que ouviu em um rádio ant igo de m adeira “ um a m úsica de beleza lit eralm ent e inefável, cheia de luz, com o o prim eiro raio da aurora e, ao m esm o t em po, plena de infinit a t rist eza” ( Casas, 2006, p.9) . Ele lem bra- se at é hoj e do que disse para si m esm o, nest a t arde. Ainda em suas palavras, “ Est a é a coisa m ais m aravilhosa que m e acont eceu em t oda m inha vida. Nunca, nunca m e esquecerei que ist o m e acont eceu” . ( Casas, 2006, p.09)
Desde criança, Casas colocou- se apaixonadam ent e a est udar a vida e a obra de seu ídolo. O aut or m ost ra sua forte im pressão de que o livro com eçou a ser gerado quando ele percebeu que nem t udo havia sido feliz na vida de Mozart , que m orreu em m eio à pobreza e à incom preensão. Segundo Casas, seu senso nat ural de j ustiça sublevou- se e ele prom et eu a si m esm o que um dia faria algo para ressarcir seu ídolo de t ant a dor.
Apr e se n t a çã o dos da dos
Opt ei por sistem at izar a vida de Mozart segundo a linha cronológica do desenvolvim ent o hum ano, assim com o fez Casas, pois acredit o que favorece ao leitor o claream ento da const rução e elaboração de sua vida e
personalidade, bem com o de seu processo criat ivo.
I n fâ n cia
Wolfgang Mozart nasceu em 27 de j aneiro de 1756, na cidade de Salzburgo, na Áustria. Foi o últ im o dos set e filhos do casal Leopold Mozart e Anna Maria Pet rl Mozart . Naquela época era m uit o com um a m ort alidade infant il, e dos set e filhos do casal, só sobreviveram Wolfgang e sua irm ã cinco anos m ais velha, a Nannerl. Ao ser bat izado, recebeu o nom e de Johannes Chrysost om us Wolfgangus Theophilus Mozart , porém , ao longo de sua vida,
m udou diversas vezes o m odo de ser cham ado pelos out ros.
Leopold vinha de um a fam ília de art esãos hum ildes, porém , bem conceit uados na região onde viviam , e rom peu com a t radição profissional da fam ília ao t ornar- se m úsico. Nest a época, a m úsica não era considerada um aspecto nobre, porém , era um veículo de prom oção social, ser m úsico de capela ou de corte era aspiração de m uitos j ovens de origem hum ilde. Ao longo de sua vida, chegou a servir cinco príncipes- arcebispos com sua m úsica.
livro biográfico, assim com o não fica m uito clara a relação ent re ela e seu filho. Muito m ais evident e é a relação ent re Mozart e seu pai, j á que os dois conviveram m ais t em po j unt os e de m aneira int ensa.
Ao not ar que Nannerl era bem dot ada para m úsica, Leopold com eçou a lhe dar aulas de cravo. Enquant o isso, Mozart , com t rês anos de idade, assist ia as lições de sua irm ã, que m ostrava t er m usicalidade inat a e aprendia com facilidade e rapidez as lições passadas por seu pai. Ao final da aula, ele próprio subia ao piano para t ocar algum as not as e dava risadas de sat isfação ao conseguir t irar sons m elódicos do inst rum ent o.
Leopold, ao not ar a predisposição do filho, com eçou a lhe ensinar m úsica t am bém . Logo nos prim eiros m eses de est udo, Mozart alcançou o nível de sua irm ã m ais velha. Casas faz referência à progressiva adm iração de Leopold por seu filho, cit ando registros do pai feitos no caderno de Nannerl:
“ Est e m inuet o e est e t ercet o foram aprendidos por Wolfgang em m eia hora, em 26 de j aneiro de 1761, um dia ant es de seu quint o aniversário, às nove e m eia da noit e” ( Leopold Mozart , apud Casas, 2006, p. 21) .
Aos seis anos, Mozart escreveu um m inuet o para cravo e t irou lágrim as de seu pai, quando est e reconheceu com o t odas as not as t inham colocação exat a. A part ir daí, Leopold com preendeu que seu filho não era só um m enino precoce, ele era um m ilagre, e que precisava ser m ost rado ao m undo.
Casas afirm a que alguns relat os da infância de Mozart est ão cheios de casos assom brosos e apresent am um ar de lenda. Dent re eles, cit a o relat o de Johann Andréas Schacht ner, um dos m úsicos que com punham o t rio em que seu pai t ocava.
o deixassem t ocar com igo; ent ão, seu pai disse: “ bem , est á cert o. Toque com o senhor Schacht ner, m as t ão baixinho que eu não ouça, do cont rário, t erá que ir em bora im ediat am ent e” . Assim se fez, e wolfgang t ocou com igo. Muit o rapidam ent e percebi, com est upor, que eu est ava sobrando. Suavem ent e, deixei m eu violino e olhei para o pai dele, que chorava de adm iração. Wolfgang t ocou assim os seis t ercet os” ( Johann Andréas Schacht ner, apud Casas, 2006, p.23) .
Baseando- se em relat os de quem o conheceu, Casas descreve Mozart com o um m enino encant ador, obediente, int eligent e e de incrível doçura. Nannerl, apud Casas, disse sobre seu irm ão:
“ Am ava- m e t ant o que m e pergunt ava dez vezes ao dia se eu o am ava. E quando, em t om de brincadeira, eu lhe dizia que não, seus olhos se enchiam de lágrim a” ( p.22) .
Nat uralm ent e ext rovert ido e querendo cham ar at enção, Casas descreve que t odas as noit es, ant es de ir para a cam a, o pequeno Mozart costum ava ficar em pé em um a cadeira e cant ava um a cena da ópera que ele m esm o havia invent ado e que soava com o se fosse italiano: “ Oragnia figat a la m arina gem ina fa” .
Música era a m aior paixão de Mozart , porém , não era seu único int eresse. Apesar de nunca t er freqüent ado a escola, era curioso por t udo, m ost rava evident es inclinações para a m at em át ica e para o desenho.
Muitos viam o hábit o da fam ília com o um at o de m endicância. Eles não t inham cont rat os e ficavam suj eit os ao int eresse que as apresent ações despert assem na nobreza. Nannerl, ao longo do t em po, foi ficando cada vez m ais em segundo plano, at é parar de acom panhar Leopold e Wolfgang nas viagens.
Mozart era um a criança divert ida, curiosa, viva, esperta e engraçada. Era im possível para ele conceber um a vida sem m úsica, na m edida em que est a foi a prot agonist a em sua vida, desde o início. Todas as suas relações eram int erm ediadas pela m úsica, o m odo com o ele se apresent ava para os out ros era t ocando, assim com o o m odo com o se expressava. Ele não t inha am igos de sua idade, não era um a criança que brincava, e sim um m enino-prodígio alvo da adm iração da nobreza e dos am ant es da m úsica.
Adole scê n cia
De 1769 a 1772, pai e filho viaj aram pela I t ália. Mozart j á est ava com quat orze anos e passava por um período de afirm ação pessoal; são dessa época suas prim eiras cartas a próprio punho, suas prim eiras avent uras am orosas e t am bém as prim eiras diferenças sérias com o pai dom inador. Nessa época, ele crescia com o com posit or e se recusava a cont inuar sendo um fenôm eno de feira. Na I t ália, envolveu- se com a m úsica local, regeu concert os e fez diversas apresent ações, obt endo grande êxit o.
A pedidos de Leopold, Mozart foi aceit o com o Konzert m eister ( m est re de concert o) na capela de Salzburgo, pelo recém coroado arcebispo Hyeronim us Colloredo, que t rat ava os m úsicos da capela com o criados em um a condição servil. Mozart com pôs um a serenat a para sua coroação, que se t rat ava de um t ext o alegórico que fazia ent ender que as virt udes do prot agonista fossem vist as com o as do hom enageado.
Esse event o m arcou o início de um a relação conflit uosa ent re o gênio que não aceit ava ser inferiorizado e o arcebispo de carát er áspero que ficou conhecido na história com o o m aior t iranizador de Mozart . Porém , apesar das desavenças, at é o ano de 1781, o m úsico cont inuou exercendo a cont ragost o o cargo de m est re de capela. Em Salzburgo, Mozart sent ia- se preso; ele t inha a cidade com o provinciana, que não reconhecia suas criações, onde t udo lhe parecia m esquinho e insuport ável.
Vida Adu lt a
Em 1782, Mozart , com ent ão com 26 anos, resolveu ir m orar sozinho em Viena e est abeleceu- se com o m úsico independent e na cidade que era considerada a capit al da m úsica. Leopold recrim inava seu com port am ent o e desej ava cont inuar dirigindo a vida do filho, porém , Mozart não m ais o obedecia, ele j á era um adult o e agia segundo suas próprias vont ades. A princípio m orou na casa de um a viúva que t inha t rês filhas, e logo depois, em 1782, casou- se com Const anze Weber, a filha caçula, t am bém cont ra a vont ade do pai.
Na vida adulta, Mozart alcançou o auge de sua at ividade com o com positor. Com punha em rit m o febril, dava aulas, organizava audições e concert os privados, sendo pioneiro nessa t ent at iva aut ônom a de com ercialização de sua obra. Pouco a pouco foi encont rando um lugar na sociedade m usical Vienense e logo t ransform ou- se no m úsico do m om ent o, t inha prest ígio de t odas as classes sociais e ganhava m uit o dinheiro. Mas apesar disso, o casal não t inha um a vida est ável, devido à m á adm inist ração de suas finanças. Eles levavam um a vida de esbanj am ent o, gastavam m ais do que recebiam e m udavam diversas vezes de m oradia ( chegaram a m udar nove vezes em apenas um ano) .
Const anze engravidou pela prim eira vez em 1783 e deu à luz seu filho Raim und. O casal m ost rou não t er m uit o cuidado com o filho, ao viaj ar a Salzburgo e deixá- lo com um a babá. O recém nascido logo faleceu em decorrência de um a “ desint eria” . At é o final da vida, Mozart e Const anze viriam a t er ainda m ais t rês filhos, dos quais, apenas dois sobreviveriam .
int enção polít ica. Mesm o sendo liberada para apresent ação, ela revela um a host ilidade em relação à nobreza im perial, que t ant o havia enalt ecido o m úsico at é o m om ent o. A obra não t eve m uito sucesso, foi represent ada apenas nove vezes em Viena, onde recebeu poucos e ret icent es elogios.
Após “ As Bodas de Fígaro” , iniciou- se a decadência de Mozart com o com positor aclam ado em Viena. Sua popularidade com eçou a cair, j unt o com o público Vienense e isso agravou sua condição financeira. Nessa época ent rou para a m açonaria, pedia freqüent em ent e dinheiro em prest ado para seus am igos e se enchia de dívidas. Porém , Mozart não foi im pedido de cont inuar com pondo obras- prim as.
Em 1787, apresent ou sua m ont agem de “ Don Giovanni” na cidade de Praga e obt eve t ant o sucesso que foi convidado a perm anecer na cidade, porém , não aceit ou o convite. Em Viena, Mozart finalm ent e conseguiu seu obj et ivo de um em prego est ável, ao ser nom eado “ com posit or de câm ara real e im perial” pelo im perador José I I . Porém , Mozart não sent iu- se sat isfeit o com sua rem uneração, que represent ava a m et ade do que recebia seu ant ecessor no cargo. Apesar de ganhar um a boa quant ia, est abelecia um agravo com parat ivo que não escapou ao sensível orgulho do com posit or. “ É m uit o para o que eu faço e pouco para o que eu poderia fazer” ( Mozart apud Casas, p.232) .
fase que havia ficado para t rás, onde ele era querido e adm irado por t odos, pelo fat o de ser aquela criança adm irável que habilm ent e m ostrava t oda sua genialidade.
Em 1790, Mozart com pôs “ Cosi fan Tut t i” , que lhe rendeu m uito pouco. Wolfgang pedia auxílio aos seus am igos e queixava- se de dores de cabeça, m al est ar, cansaço e depressão aním ica. O dout or Pet er J. Davies, segundo Casas, afirm ou que desde os prim eiros anos da m at uridade de Mozart , surgiu um a alt eração crônica de seu carát er que est ava associada a m udanças repent inas em seu hum or, nas quais alt ernavam - se a hipom ania e a depressão. Os art ist as com esse t ipo de alt eração no hum or, segundo o m édico, são capazes de desenvolver um a incrível at ividade durant e os est ados hipom aníacos, onde a aut o- est im a cresce vert iginosam ent e e a necessidade de descanso é dim inuída.
No início de 1791, ano que Mozart não veria acabar, ele ent rou em um período de febre criat iva que só t erm inaria com sua m ort e. Com pôs suas duas últ im as óperas: “ A Clem ência de Tit o” e “ A Flaut a Mágica” , que foi encom endada por um am igo m açom e que revelava os ideais m açons e grande part e de seus cerim oniais e cabalas. A ópera, sobre a qual Mozart t rabalhou com grande em penho, foi apresent ada em um t eat ro popular na periferia de Viena.
An á lise dos da dos
Se ent enderm os por genialidade um a ext raordinária facilidade e precocidade para desenvolver algum a at ividade ou t alento, Mozart pode ser considerado um dos m aiores gênios da hist ória da m úsica.
Desde criança revelou- se com o um m enino prodígio, dot ado de excepcional criat ividade e t alento m usical. Teve aulas de cravo com o pai a part ir dos t rês anos de idade e aos seis, com pôs int egralm ent e seu prim eiro m inuet o para piano, que segundo Casas ( 2006) t inha not as exat am ent e colocadas.
Seu pai, Leopold, ao ensinar m úsica ao pequeno Wolfgang, assist ia im pressionado à facilidade com que o filho aprendia e t ocava com perfeit a nit idez. Não escondia sua progressiva adm iração pelo filho, que em poucos m eses de est udo j á podia execut ar as m esm as obras que sua irm ã, cinco anos m ais velha.
Pela biografia escrit a por Casas, é possível reconhecer que a relação ent re os dois est im ulou int ensam ent e a at ividade criat iva e m usical do m enino prodígio. Os fat os de Leopold não esconder sua progressiva adm iração pelo filho, de derram ar lágrim as de em oção ao reconhecer seu t alento, de dar aulas ao pequeno e levá- lo em apresent ações pela Europa, parecem t er est im ulado Mozart a ent regar- se int ensam ent e ao seu dom criat ivo.
Mas além disto, observo a enorm e cont ribuição de sua fam ília, principalm ent e de seu pai, para que ele desenvolvesse seu t alent o. Denise Morel ( 1990) salient a a im port ância do am bient e fam iliar para o desenvolvim ent o da criat ividade de seus m em bros:
“ Essa dim ensão de part ilha, de ressonância fant asítsica, é, sem dúvida, um suport e que, longe de m arginalizar o criador, o aj uda a encont rar, em seu m eio fam iliar, um cont inent e eficaz” ( Morel, 1990, p.176) .
A Psicologia Analít ica considera que a criança, no início de seu desenvolvim ent o, procura com port ar- se de m aneira a at ender às expectat ivas dos pais, confirm ando assim o m ovim ent o de idealização dos pais em relação a ela.
Leopold dedicava t odo seu t em po e at enção à educação e às apresent ações m usicais dos filhos. De carát er inflexível e aut orit ário, com binava um profundo am or a um a severidade educacional próxim a da brut alidade, com o fica claro na seguint e passagem de um a cart a enviada a um am igo, no ano de 1766:
“ Sabeis que est ão acost um ados ao t rabalho. Se pegassem o cost um e de t er algum as horas de ócio, sob qualquer pret ext o, t oda m inha obra desm oronaria. O cost um e é com o um corpet e de ferro” ( Leopold apud Casas, 2006, p.61) .
Vários fat ores da infância de Mozart cont ribuíram para que ele assum isse um com prom isso com sua criat ividade. Segundo a Psicologia Analít ica, a criação art íst ica possibilit a a com unicação ent re aspect os conscient es e inconscient es da personalidade, na m edida em que o at o de criar é conceber o novo, am pliar a consciência. Mozart m ost rava- se est ar freqüent em ent e suscet ível às m anifestações do inconscient e colet ivo e t inha enorm e facilidade para t ransform ar esses cont eúdos em criações art íst icas.
Ao discorrer sobre criat ividade, Morel ( 1990) cit a o filósofo Gabriel Marcel em um a frase de sua obra lit erária “ O m ist ério do ser” ( 1955) ,que diz assim :
“ Toda vida hum ana est á cent rada em algum a coisa que varia enorm em ent e: é t alvéz um ser am ado, de m aneira que, se ele desaparecer, a vida se reduz a um a sim ples caricatura dela m esm a; ou t alvez um a ocupação predilet a, a caça para uns, o j ogo para out ros; para out ros ainda, um a busca ou um a criação” . ( p.19) .
A vida de Mozart est ava cent rada na m úsica, t odas as suas relações com o m undo eram int erm ediadas por ela. Todos os seus encont ros eram m usicais, assim com o as viagens, os am igos e t odas as suas at ividades. Ele nunca foi à escola e t eve raros am igos de sua idade com quem pudesse brincar.
Em um relat o de sua irm ã, podem os perceber o com port am ent o de Mozart ainda criança: “ durant e um a execução m usical, irrit ava- se diant e do m enor ruído. Enquant o durasse a m úsica, t udo no m undo era m úsica para ele. Só quando cessava t ornávam os a ver o m enino” ( Nannerl, apud Casas, 2006, p.22) .
i n st i n t i v a e e s p o n t â n e a , t e n d o u m a l i g a ç ã o m a i s ín t i m a c o m o c o r p o . I s t o f a c i l i t a u m a c o m u n i c a çã o d e co n t e ú d o s a b s t r a t o s, m e n o s p r e c i s o s e m n ó s, r e f e r e n t e s a i n st i n t o s, e m o ç õ e s, i m p r e s s õ e s e s e n t i m e n t o s . El a t e m a c a p a ci d a d e d e a c e s sa r m a i s d i r e t a m e n t e o i n t e r i o r d a p e ss o a d e u m a f o r m a v i s c e r a l . Em um a cart a ao pai dat ada de 8 de novem bro de 1777, ele refere- se a ist o de form a bem hum orada:
“ Não posso escrever um poem a; não sou poet a. Não posso colocar as palavras de form a t al que difundam luzes e som bras; não sou pint or. Não posso expressar por gest os e pant oním ias m eus pensam ent os e m eus sent im ent os; não sou bailarino. Mas, sim , posso fazê- lo por m eio dos sons: sou m úsico” . ( Mozart apud Casas, 2006, p.116)
Et ernam ente com prom et ido com sua criat ividade, Mozart não invent ava nem reform ava. No seguint e relat o, descreve de t al m aneira o m odo com o se davam suas com posições:
quando percebo a t ot alidade da obra em seu conj unt o, o m om ent o é indescrit ível.” ( Mozart, apud Casas, 2006, p.216) .
As idéias lhe vinham abundant es e ele logo se via t om ado por elas. Seu processo de criação m ais se assem elhava a um a t ranscrição dos cont eúdos que lhe vinham à consciência do que um a com posição pessoal. Mozart , enquant o criava, parecia est ar t ão absort o, envolto com suas idéias, que nem percebia cant ar em voz baixa a m úsica que dele est ava nascendo.
Seu relat o deixa claro que sua com posição se dava de acordo com o processo que Jung denom inou “ processo visionário, no qual o aut or é inundado por idéias que não lhe parecem próprias, e dest a form a a obra vêm com plet a, com o que se im pondo a seu criador, t razendo cont eúdos do ínt im o de sua nat ureza” ( Jung, 1985, p.78) .
Segundo o aut or, nest e t ipo de processo criat ivo, o art ist a encont ra- se fort em ent e subm et ido ao m aterial inconscient e. Para Jung, esses cont eúdos que surgem na alm a do art ist a em seu processo criador, vêm por m eio de sím bolos da cam ada m ais profunda do inconscient e, e t razem as im agens prim ordiais, ou arquet ípicas.
I dent ifico est e cont ato próxim o com o inconscient e com o sem elhant e ao est ado descrit o por Edinger ( 1995) , que caract eriza o início do desenvolvim ent o da consciência, quando o Ego ainda encont ra- se m uit o ident ificado com o Self, at ribuindo a ele característ icas do arquét ipo central, inclusive percebendo- se com o divindade.
Mozart , quando encont rava- se em cont at o ínt im o com t oda a sua pot encialidade, com seu inconscient e, parecia sent ir- se pleno, com plet o. Ele considerava um a graça de Deus encont rar- se nest e est ado. Mesm o sem ident ificar de onde surgiam suas idéias, ent regava- se livrem ent e a elas.
Edinger ( 1995) descreve que no estágio inicial de seu desenvolvim ento, o Ego procura adapt ar- se ao seu Self, ent ra em cont at o com t odas as possibilidades do seu vir a ser, para que se desenvolva a part ir do m at erial psíquico que é ant ecessor à consciência, ou sej a, inconscient e.
No m om ento em que ident ifica- se com o Self, o Ego reconhece- se com o o cent ro do m undo e volta prat icam ent e t oda a sua energia psíquica para dent ro de si m esm o. I st o não significa que ele encont ra- se distante do m at erial colet ivo da hum anidade. Pelo cont rário, ele encont ra- se em um cont at o profundo com a carga psicológica acum ulada pela espécie, servindo com o um instrum ent o que t raz à tona esse m aterial.
Mozart m ost rava- se ext rem am ent e voltado para dent ro de si, suscet ível aos cont eúdos do inconscient e colet ivo, que pareciam preencher seu ser. Ele era t ão fiel às suas com posições e às idéias que surgiam em sua psique, que a m úsica e sua capacidade criat iva eram sua razão de viver. Seu ím pet o criat ivo se apoderava dele de m odo que ele ficava a serviço de sua obra. Ele am ava encont rar- se nesse est ado, onde era inundado pelo m ar inconscient e. Em um a cart a ao pai dat ada de 11 de out ubro de 1777, deixa claro o seu m aior prazer:
“ Estou cont ent e porque t enho o que com por, o que realm ent e é m inha única alegria e paixão” ( Mozart apud Curzon, p.07) .
Jung, em seu livro O desenvolvim ent o da personalidade ( 1986) , discorre
no capít ulo O bem dot ado sobre a superdot ação e o t alent o que se expressa
m anifest a os sinais de sua presença. Afirm a ainda que o dit o gênio im põe- se a t udo que lhe for cont rário, pois faz part e de sua nat ureza ser incondicionável e indom ável.
Segundo Jung ( 1986) , a dot ação psíquica do indivíduo que possui um grande t alent o sit ua- se ent re cont rast es m uito am plos. A m at uração do t alent o, segundo ele, é geralm ent e desproporcional à m at uridade de out ros aspectos da personalidade. É raro que o t alent oso at inj a de m odo igual t odos os cam pos do espírit o, ou sej a, t odos os aspectos da personalidade.
Jung ( 1986) afirm a que m uitas vezes o super dot ado encont ra dificuldades no âm bit o afet ivo e m oral. Em um a frase, ele salient a que “ Grandes dot es são na verdade os m ais belos frut os, m as t am bém às vezes os m ais perigosos, nessa árvore que é a hum anidade” . ( Jung, 1986, p.146) . Segundo o aut or, freqüent em ent e se t em a im pressão de que o t alent o desenvolve- se à custa da pessoa hum ana.
Para que o t alent o t orne- se m esm o algo de valor, é im port ant e que out ros aspect os da personalidade o acom panhem , fazendo com que o t alent o possa t er m aior aproveit am ent o e ut ilidade e t am bém com que t odas as pot encialidades do indivíduo sej am desenvolvidas.
Segundo Jung ( 1986) , o desenvolvim ent o unilat eral de um a função da personalidade em det rim ent o de out ros aspectos da psique t ot al, significa a não int egração de opost os e prej udica o desenvolvim ent o da t ot alidade.
No livro O espírit o na art e e na ciência ( 1985) , Jung diz que “ O anseio
criat ivo vive e cresce dent ro do hom em com o um a árvore no solo do qual ext rai seu alim ent o” ( p.63) . Considerando est a m et áfora, podem os pensar que para a árvore crescer e se alim ent ar, ela precisa de energia, que será ret irada da personalidade t ot al. Porém , se ela absorve m uita energia, ist o pode significar que algum out ro aspect o do psiquism o fica debilit ado, desprovido de com bust ível para desenvolver suas funções.
O aut or nom eou essa essência viva dent ro do hom em de com plexo aut ônom o criat ivo, que age com certa independência no psiquism o, não est ando subm et ido às leis do ego.
Em Mozart , seu com plexo criat ivo parecia at uar consum indo grande part e de sua energia psíquica. Ele dedicava- se int ensam ent e à sua at ividade m usical, am ava com por e t rabalhar com sua m úsica. A m at uração de seu lado genial pode t er ocorrido em det rim ent o do desenvolvim ent o de out ros aspect os da psique, principalm ent e no que diz respeit o ao desenvolvim ent o do Ego para adapt ação à realidade ext erna e para o desenvolvim ent o de out ros papéis sociais que não fossem o de criador.
Jung ( 1985) afirm a que o ím pet o de alguns art istas é t ão grande que ele pode dom inar o criador às custas de sua saúde e bem - est ar. Lem brando que no caso do superdot ado o desenvolvim ent o de diferentes aspectos da personalidade m ost ra- se de ext rem a im portância para que o t alent o possa ser aproveit ado, no caso do art ist a, é de ext rem a im port ância t am bém o desenvolvim ent o t ot al da psique e m anut enção de saúde e bem -est ar, para veicular sua criat ividade.
Mozart com prom et ia- se t ant o com suas criações que dedicava m enor at enção a t odas as suas out ras at ividades, desde as necessidades básicas que lhe garant iam o bem est ar, com o se alim ent ar e dorm ir. Trabalhava em um rit m o febril, em det rim ent o de sua própria saúde. At t wood ( apud Casas, 2006) descreve Mozart , na época da com posição de As bodas de Fígaro, da seguint e
m aneira:
“ Parecia de m uito bom hum or, m as sua saúde não era boa. De t ant o t rabalhar, t ornou- se im possível para ele ficar sem pre inclinado sobre a m esa, e t eve que const ruir um a m esa vert ical sobre a qual com punha em pé” ( p.201) .
Sua dedicação int ensa e descont rolada à criat ividade em det rim ent o de t udo e t odos pode ser lida com o a fidelidade do m úsico ao seu conteúdo int erno, inconscient e, em out ras palavras, a sua adapt ação a seu Self. Ele parece t er se volt ado para si m ais do que para a realidade ext erna. Talvez sobrasse pouca energia, int eresse e disposição psíquica para o desenvolvim ent o de um Ego separado da t ot alidade e da divindade, adapt ado socialm ent e.
característ icas dest e desenvolvim ent o com prom et ido é nom eada por Von Franz ( 2005) de puerilidade.
Segundo a aut ora, as pessoas que se ident ificam com o arquét ipo do
Puer, apresent am algum as caract eríst icas com o dificuldade de adapt ação a
sit uações sociais, at it udes arrogant es em relação aos out ros e necessidade de reconhecim ent o por sua genialidade, além de caract eríst icas posit ivas, com o um a espirit ualidade de carát er, que vem de um cont at o m uito próxim o com o inconscient e colet ivo.
Em seu livro Puer Aet ernus ( 2005) , Von Franz descreve que em alguns
casos, um indivíduo que se ident ifique com o arquét ipo do Puer sente que sendo alguém especial, as pessoas é que devem adapt ar- se a um gênio com o ele.
Segundo a biografia escrita por Casas, Mozart preservava, m esm o na idade adulta, algum as característ icas pueris. A aut ora de peças de teat ro Karoline Pichler, grande adm iradora das obras de Mozart , deixou registrada sua im pressão sobre Mozart e seu am igo próxim o, t am bém com posit or, Joseph Haydin. Segundo ela,
do espírit o, e pelas quais se sintam int erpelados?” ( Pichler apud Casas, 2005, p.196) .
O j eit o brincalhão de Mozart m ostra- se evident e no t recho final de um a cart a enviada a seu pai, m om ent o no qual ele m anda saudações à irm ã. Nest a época, Mozart t inha 27 anos. Assim ele a saúda:
“ PS. À Nannerl 1. uns t apas; 2. uns t abefes; 3. uns m urros no queixo; 4. um as bofet adas; 5. bofet ões de nó dois” ( Mozart apud Gedeon, 2004) .
A ident ificação com o arquét ipo do Puer Aet ernus t am bém é caracterizada pela dificuldade no desenvolvim ent o de papéis sociais adult os, com o os de pai e professor. O papel social m elhor desenvolvido de Mozart era o de gênio m usical. Porém , em out ros aspectos da sua vida parecia m uit o m enos com prom et ido.
O prim eiro filho do m úsico, Raim und Leopold, nasceu em j ulho de 1783. Foi curiosam ent e descrit o pelo pai com o um m enino “ bonito e robusto, redondo com o um a bola” . No m esm o m ês do nascim ento de Raim und, o casal realizou um a viagem a Salzburgo, que duraria quat ro m eses, para que Const anze enfim conhecesse Leopold e Nannerl. O recém nascido foi deixado com um a babá, porem , não resist iu. Faleceu por cont a de um a “ desint eria” , segundo a t erm inologia da época, com poucos m eses de vida.