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ASPECTOS ÉTICOS, LEGAIS E RELIGIOSOS DOS TRATAMENTOS ALTERNATIVOS À TRANSFUSÃO DE SANGUE

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Academic year: 2021

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ASPECTOS ÉTICOS, LEGAIS E RELIGIOSOS DOS TRATAMENTOS ALTERNATIVOS À TRANSFUSÃO DE SANGUE

Rebeca Cardoso de Jesus*

Resumo

O presente trabalho trata dos aspectos éticos, legais e religiosos da transfusão de sangue. Aborda-se os malefícios desse proce- dimento, tipos de hemocomponentes e hemoderivados, o direito à liberdade religiosa e o direito à vida, consentimento informa- do, direito profissional na área de saúde e postura ética do en- fermeiro, bem como tipos de tratamentos alternativos e seus benefícios. O objetivo geral consiste em analisar os aspectos éticos, legais e religiosos que envolvam as terapias alternativas ligadas à hemotransfusão em pacientes testemunhas de Jeová.

Foi realizada pesquisa de campo com 30 testemunhas de Jeová por meio de entrevista com questionário com perguntas abertas e fechadas sobre dados demográficos e específicos. Os resulta- dos mais significativos indicam que apenas 23% dos médicos se preocupam em perguntar a religião de seus pacientes, so- mente 13% dos testemunhas de Jeová consideram que a doação de sangue traz mais benefícios que malefícios, 7% desses reli- giosos aceitariam hemocomponentes e somente 3% aceitariam hemoderivados, desde que em caso de risco iminente de morte.

Conclui-se que esta é uma questão muito delicada e tem sido um tema recorrente de debates entre profissionais das áreas de saúde ao se tratar da vida. O grupo denominado Testemunha de Jeová traz como principal proposta a não aceitação do sangue alogênico, com fundamentos bíblicos, algo que ainda traz muita polêmica, mas que é passível de solução, pois um grande nú- mero de pessoas pode ser beneficiado com os tratamentos al- ternativos.

Palavras-chave: Transfusão de sangue. Testemunha de Jeová.

Tratamentos alternativos. Aspectos ético-legais. Liberdade reli- giosa.

* Acadêmica do Centro Universitário AGES.

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ETHICAL, LEGAL AND RELIGIOUS ASPECTS OF ALTERNATIVE TREATMENT TO BLOOD TRANSFU- SION

Rebeca Cardoso de Jesus

Abstract

This paper deals with the ethical, legal and religious aspects of blood transfusion. It deals with the effects of this procedure, types of blood components and blood products, the right to re- ligious freedom and the right to life, informed consent, profes- sional health law and the ethical posture of the nurse, as well as alternative types of treatments and their benefits. The overall objective is to analyze the ethical, legal and religious aspects that involve alternative therapies related to blood transfusion in Jehovah’s Witness patients. Field research was conducted with 30 Jehovah’s Witnesses through a questionnaire interview with open and closed questions about demographic and specific da- ta. The most significant results indicate that only 23% of doc- tors are concerned with asking the religion of their patients, on- ly 13% of Jehovah’s Witnesses consider that blood donation brings more benefits than harm, 7% of those religious would accept blood components and only 3% would accept hemode- rivatives, provided that in case of imminent risk of death. It is concluded that this is a very delicate issue and has been a recur- ring theme of debates among health professionals when it comes to life. The group called Jehovah’s Witness brings as main proposal the non-acceptance of allogeneic blood, with biblical foundations, something that still brings a lot of contro- versy, but that can be solved, since a large number of people can benefit from alternative treatments.

Keywords: Blood transfusion. Jehovah’s Witness. Alternative treatments. Ethical and legal aspects. Religious freedom.

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INTRODUÇÃO

O tratamento alternativo à transfusão de sangue tem como foco dar direito de es- colha para o paciente aceitar ou não a infu- são sanguínea. Esse tipo de tratamento visa proporcionar ao paciente o direito de escolha livrando o risco de possíveis danos, minimi- zar custos gerais relacionados com o hospital e tratamento do paciente, reduzir permanên- cia intra-hospitalar, diminuir os riscos de reações adversas e transmissão de doenças, principalmente infecções provocadas por bactérias, embolia pulmonar, febre, reação alérgica e, em muitos casos, o óbito (PE- REIRA; RIBEIRO, 2014).

Tratamentos alternativos são recursos terapêuticos que reduzem ou evitam uma transfusão de sangue alogênico (sangue de outra pessoa), assim como estratégias clini- cas com medicamentos e/ou equipamentos específicos (SILVA et al, 2013).

A problemática deste trabalho surgiu diante da falta de conhecimento em relação aos tratamentos alternativos à transfusão de sangue. Isso se dá pela alta influência da mídia, que busca mostrar para população a importância da doação e transfusão de san- gue, sem levar em consideração os riscos do procedimento e reações adversas que a pes- soa pode sofrer.

O presente trabalho tem por objetivo analisar os aspectos éticos, legais e religio- sos que envolvam as terapias alternativas ligadas à hemotransfusão em pacientes tes- temunha de Jeová. A relevância do tema justifica-se pela necessidade de se proporci- onar aos estudantes e profissionais da saúde, incluindo da ciência médica, uma maior fa- miliaridade com questões da objeção da

consciência às transfusões de sangue e seus problemas ético-religiosos, visando à defesa dos direitos fundamentais envolvidos, tais como o direito à vida, à liberdade de consci- ência e de crença e à privacidade.

DESENVOLVIMENTO

Transfusão de sangue: benefícios e male- fícios

No contexto da discussão sobre os as- pectos éticos, legais e religiosos da transfu- são de sangue, o conhecimento sobre esse tecido e seus componentes e derivados é indispensável. Hemocomponentes e hemo- derivados têm papel importante dentro dos tratamentos à base de sangue, com ampla utilização nos tratamentos medicinais. No entanto, além dos benefícios, é fundamental conhecer os malefícios desse procedimento (AZAMBUJA; GARRAFA, 2010).

Conforme Brunner e Suddarth (2008), pacientes que recebem transfusão de sangue podem desenvolver algumas complicações.

Além disso, é muito importante que o paci- ente saiba dos riscos e benefícios e o que esperar da transfusão de sangue. Os cuidados de enfermagem são realizados de forma que evite complicações e, caso elas se desenvol- vam, é necessário iniciar medidas imediata- mente para controlá-las.

Mesmo sob as melhores condições, a transfusão de sangue é associada com algu- ma complicação hemolítica (incompatibili- dade ABO ou Rh), febril, alérgica, contami- nação bacteriana, sobrecarga respiratória e transmissão de doenças. A frequência e a gravidade dos vários tipos de reações são difíceis de determinar com exatidão e prova-

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velmente variam de uma instituição de saúde para outra (BRUNNER; SUDDARTH, 2008).

Liberdade religiosa: testemunha de Jeová A doutrina religiosa das testemunhas de Jeová prega a abstenção ao sangue, o que envolve, conforme elas pregam, a não inges- tão de alimentos, bem como a introdução por via venosa, denominada transfusão de san- gue, seja ela homóloga (de outro paciente) ou autóloga (sangue do próprio paciente armazenado para posterior reinfusão), ou até mesmo dos seus quatro componentes princi- pais (glóbulos brancos, glóbulos vermelho, plasma e plaquetas) (DESPERTAI!, 2006).

O direito à vida é condição para o exercício dos demais direitos presentes na Constituição. Mas quando desprovido de liberdade e dignidade, torna-se bastante pe- saroso. Assim, o legislador vai além de pro- ver a simples existência biológica da pessoa, pois também deve resguardar sua intimida- de, privacidade, consciência, crença e segu- rança (MARINI, 2005).

No caso das transfusões de sangue em testemunhas de Jeová, há um aparente con- flito entre o direito fundamental à vida e o direito fundamental à liberdade de consciên- cia e de crença, mais especificamente, o di- reito de recusa por convicções de ordem religiosa. Todavia, essa aparente colisão não se mostra como um “ponto escuro sem defi- nição”. Pelo contrário, é perfeitamente transponível na medida em que se utilizam mecanismos específicos de Hermenêutica Constitucional, buscando-se harmonizar os valores envolvidos (LEME, 2005).

Conforme Brasil (2007), o profissional enfermeiro deve saber respeitar valores e crenças, podendo basear-se no Código de Ética da Enfermagem e na Constituição Fe- deral Brasileira para agir corretamente.

Dos tratamentos alternativos

Opções terapêuticas às transfusões combinam apropriadamente medicamentos, equipamentos e/ou técnicas médico- cirúrgicas para reduzir ou evitar perdas de sangue e aumentar a produção de sangue do próprio paciente, métodos que evitam a transfusão de sangue, também chamada de medicina e cirurgia sem sangue, conservação de sangue ou gerenciamento do sangue do paciente (ASSOCIAÇÃO TORRE DE VI- GIA DE BÍBLIAS E TRATADOS, 2012).

Tem ocorrido um aumento do empe- nho por grande parte da classe médica em utilizar alternativas às transfusões, bem co- mo cirurgias cardiovasculares em testemu- nhas de Jeová sem efetuar transfusão de san- gue, sendo que os riscos nesses casos são baixos e admissíveis. Em 1997, foi lançado um apêndice no Canadá que abordava diver- sas medicações, tratamentos e técnicas ci- rúrgicas sem a utilização de sangue, várias delas simples e baratas (MARINI, 2005).

Azambuja e Garrafa (2010) indicam que as novas técnicas contribuem com bene- fícios que têm como objetivo a melhora do paciente, assim como a segurança no uso de hemocomponentes e hemoderivados. Além de proteger o indivíduo hospitalizado de uma contaminação que pode ocorrer a qual- quer momento, a utilização de métodos al- ternativos em certas situações ajuda no pro-

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cesso de regeneração dos tecidos, bem como uma boa cicatrização.

Essas estratégias alternativas colabo- ram por meio de benefícios econômicos, sendo melhores em termos de segurança, praticidade e eficiência do que o sangue.

Faz-se uso delas na maior parte das nações mais desenvolvidas do mundo (FONSECA, 2011).

METODOLOGIA

A pesquisa foi de natureza quali- quantitativa, com abordagem exploratória e amostra por conveniência no total de 30 pes- soas testemunha de Jeová, na cidade de Sal- vador, Estado da Bahia. A coleta contem- plou os turnos matutino, vespertino e notur- no no período de 15 de setembro a 30 de outubro de 2017. Os critérios de elegibilida- de foram capacidade de ler e escrever; idade igual ou superior a 18 anos; o batismo cris- tão Testemunha de Jeová, que consiste em uma demonstração pública de dedicação de sua vida a Deus; e o desejo expresso de par- ticipar.

Os encontros para coleta de dados fo- ram feitos nos bairros de Paripe e em Itaca- ranha. Foram informados, antes de iniciar a Reunião, a participarem e permanecer na

sala no Centro de Adoração para responder o questionário, num ambiente na própria igreja calmo para que não ocorressem erros de co- leta.

O questionário foi composto de per- guntas fechadas e abertas, dividido em duas partes: parte I (dados sociodemográficos) com quatro questões e parte II (dados especí- ficos) com 15 perguntas que atendem o obje- tivo do estudo. Os sujeitos da pesquisa rece- beram uma cópia do questionário e duas vias do Termo de Consentimento Livre e Escla- recido, em que foi explicado o objetivo da pesquisa.

As informações foram digitalizadas por meio do programa Microsoft Office Ex- cel 2016, analisadas através da distribuição absoluta e relativa das respostas e apresenta- das sob a forma de quadro e gráficos, sendo utilizado o programa estatístico bioestat ver- são 5.3. O tratamento dos dados da pesquisa qualitativa foi feita por meio técnica de aná- lise de conteúdo de Bardin.

Foi entregue um termo de Consenti- mento Livre e Esclarecido, resguardando o direito de livre opção de participação na pesquisa, com respeito às normas de ética em pesquisa com seres humanos. Houve sigilo dos nomes dos participantes, identifi- cando-os por letras ou números.

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DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O quadro a seguir apresenta os dados sociodemográficos dos voluntários da pes- quisa.

VARIÁVEL %

Idade (anos)

18 a 30 5 13

31 a 40 5 17

41 a 50 7 23

51 a 60 11 37

61 a 70 3 10

Estado civil

Solteiro 6 20

Casado 21 70

Divorciado 1 3

Viúvo 2 7

Sexo

Feminino 22 73

Masculino 8 27

Escolaridade

Ensino Fundamental incom- pleto

5 16

Ensino Fundamental completo 0 0

Ensino Médio incompleto 0 0

Ensino Médio completo 18 60

Ensino Superior incompleto 3 10

Ensino Superior completo 2 7

Pós-graduação 2 7

Quadro 1: Idade, estado civil, sexo e escolaridade.

Fonte: Criação da autora (produzido em 18 nov. de 2017).

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Os gráficos a seguir apresentam os resultados das perguntas fechadas em relação aos temas específicos da transfusão de sangue.

Gráfico 1: Preocupação do médico em perguntar a religião do paciente.

Fonte: Criação da autora (produzido em 18 de nov. de 2017).

Gráfico 2: Preocupação do dentista em perguntar a religião do paciente.

Fonte: Criação da autora (produzido em 18 de nov. de 2017).

Gráfico 3: Transfusão de sangue: malefícios ou benefícios.

Fonte: Criação da autora (produzido em 18 de nov. de 2017).

23% 77%

Preocupação do médico em perguntar a religião do paciente

Sim Não

0%

100%

Preocupação do dentista em perguntar a religião do paciente

Sim Não

13%

87%

Transfusão de sangue: malefícios ou benefícios

São terapias Trazem malefícios

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45 Gráfico 4: Aceitação de hemocomponentes.

Fonte: Criação da autora (produzido em 18 de nov. de 2017).

Gráfico 5: Aceitação de hemoderivados.

Fonte: Criação da autora (produzido em 18 de nov. de 2017).

Gráfico 6: Ofendido moralmente se infundido sem seu consentimento.

Fonte: Criação da autora (produzido em 18 de nov. de 2017).

Na investigação da idade dos 30 entre- vistados, verificou-se que 11 entrevistados (37%) estão entre 51 a 60 anos, com uma média de idade correspondente a 47 anos.

Quanto ao estado civil dos entrevistados, a maior parte, 70% (21 pessoas), está casada.

O sexo dos entrevistados correspondeu a 73% do sexo feminino e 27% do sexo mas- culino, o que mostra predominância das mu- lheres. A escolaridade dos entrevistados é de

60% (18 pessoas) com Ensino Médio com- pleto, 16% (5 pessoas) com Ensino Funda- mental incompleto, 10% (3 pessoas) com Ensino Superior incompleto, 7% (2 pessoas) com Ensino Superior completo e 7% (2 pes- soas) com Pós-graduação (Quadro 1).

Mediante a análise do Gráfico 1, evi- denciou-se que 77% (23 pessoas) dos médi- cos nunca se dirigiu ao paciente questionan- do-lhe sobre sua religião. Apenas 23% (7 7%

93%

Aceitação de hemocomponentes

Se fosse realmente preciso Nunca aceitaria

3% 20%

37%

40%

Aceitação de hemoderivados

Caso de risco Nunca aceitaria Sempre aceitaria

13%

47%

40%

Ofendido moralmente se infundido sem seu

consentimento

Ofendido com hemocomponentes Ofendido com hemocomponentes e hemoderivados

Sem resposta

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entrevistados) responderam que já lhes foi questionada a sua crença religiosa. Quanto ao dentista, 100% (30 pessoas) nunca foram interrogadas acerca de qual religião seguem em casos de necessidade de intervenções cirúrgicas (Gráfico 2). De acordo com Gon- çalves (2017), nem sempre os profissionais da área de saúde têm a preocupação de ques- tionar aos pacientes a sua crença religiosa, o que acaba interferindo na integralidade do cuidado, diante de uma impossível imposi- ção de tratamento médico.

Com relação à transfusão de sangue, 87% (26 pessoas) dos pesquisados acreditam que as terapias sanguíneas trazem mais ma- lefícios do que benefícios à saúde, 13% (4 pessoas) acreditam que a transfusão de san- gue, é uma terapia assim como qualquer outra, com benefícios e malefícios (Gráfico 3). Segundo Schumacher, Goldim e Genro (2014), a questão da transfusão sanguínea rende espaço para muita discussão, haja vista que os testemunhas de Jeová defendem com determinação as suas convicções religiosos independente das decisões médicas.

Os cristãos testemunhas de Jeová não reconhecem o hemoderivado como sangue, pois, conforme Azambuja e Garrafa (2010), nele há diminuídas frações desse tecido. Di- ante disso, os resultados da pesquisa mostra- ram que 40% (12 pessoas) relatou que acei- taria recebê-lo caso fosse realmente preciso, 37% (11 pessoas) relatou que aceitaria sem- pre, 20% (6 pessoas) relatou que nunca acei- taria e 3% (1 pessoa) relatou que só aceitaria em caso de risco iminente de vida (Gráfico 4).

Apesar de haver permissão bíblica pa- ra o uso de hemoderivados, os dados da pes- quisa mostram que a recusa do seu uso ainda

é muito grande. Através dos resultados obti- dos com as perguntas específicas, nota-se que ainda existe uma grande resistência pe- los cristãos em aceitar o sangue, o que está em conformidade com estudo de Schuma- cher, Goldim e Genro (2014).

Vane (2004) refere muitas reações in- desejadas ao tratamento hemoterápico. Con- forme pesquisa deste trabalho, os hemocom- ponentes não são aceitos, tendo em vista que os componentes do sangue são rejeitados pela religião como se eles fossem sangue total. No estudo, 93% (28 pessoas) relatam nunca aceitar transfusão com hemocompo- nentes. Apenas 7% (2 pessoas) relatam que aceitaria se fosse realmente preciso (Gráfico 5).

As testemunhas de Jeová têm como doutrina abster-se do sangue. A própria Bí- blia traz que eles visam e buscam a boa saú- de (Atos dos Apóstolos 15: 29). A partir disso, para Azambuja e Garrafa (2010), o uso do sangue para um servidor da doutrina fere sua crença e seu direito de escolha a um tratamento, por mais saudável que seja.

Quando questionados se ficariam ofendidos moralmente caso um tratamento hemoterápico fosse realizado sem sua apro- vação, 47% (12 pessoas) deixaram de res- ponder a pergunta, demostrando certo grau de desconhecimento especificamente sobre o tema, 40% (pessoas) disseram que ficariam ofendidos com hemocomponentes e hemo- derivados e 13% (pessoas) relataram que se sentiriam ofendidos apenas se fosse infundi- do hemocomponentes (Gráfico 6). Pedrini e Silva (2015) constatam que há por parte dos testemunhas de Jeová uma grande recusa em receber sangue, mesmo quando isso é crucial para salvar vidas.

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A seguir são apresentados os relatos dos entrevistados diante das perguntas aber- tas. Em depoimento, o qual tem como obje- tivo confirmar as informações desta pesqui- sa, os participantes apresentam suas respos- tas baseadas no ensinamento bíblico. Os relatos dos entrevistados foram divididos por categorias, num total de sete, tendo sido es- colhida a fala mais representativa por cate- goria.

Eixo temático 1: discriminação ao recusar sangue

“Ao me internar para uma cirurgia, uma enfermeira mudou seu comportamento ao saber que eu era testemunha de Jeová, causando ofensas com palavras e olhares indiscretos” (A7).

Frente a esse depoimento, chama-se atenção à postura ética dos profissionais da saúde, especialmente da enfermagem, pois o Código de Ética de Enfermagem (2007) traz que o profissional deve respeitar a vida, a dignidade e os direitos humanos, em todas as suas dimensões.

Eixo temático 2: conhecimento sobre mé- todos alternativos ao uso de sangue e seus componentes

“Uso da máquina de recuperação in- traoperatória de células, uso de dispositivos de eletrocautério. Uso de heritropoetina, hemodiluição, expansores do volume do plasma.” (A21).

Segundo Gonçalves (2017), a transfu- são de sangue representa uma relevante fer-

ramenta para o tratamento de suporte que ajuda reconhecidamente na reposição de volume sanguíneo ou para a correção do déficit de determinados componentes san- guíneos. Contudo, com o intuito de reduzir os riscos resultantes da transfusão alogênica e em situações de recusa do paciente ao tra- tamento, caso dos adeptos da religião Tes- temunhas de Jeová, outras técnicas foram desenvolvidas e disponibilizadas, na tentati- va de ser uma alternativa para obter a cura sem que seja necessário fazer uso de sangue.

Eixo temático 3: decisão sobre a transfu- são de sangue em parente próximo em caso de risco iminente de morte

“Eu não aceitaria de forma alguma a transfusão e manteria minha lealdade para com Jeová.” (A11).

De acordo com Pedrini e Silva (2015), a vida deve ser priorizada no momento em que há risco potencial de morte. Desse mo- do, a vontade do paciente é menos relevante do que a necessidade de o profissional de saúde desempenhar seu trabalho na tentativa de salvar vidas.

Eixo temático 4: Reação ao saber que teve sangue infundido durante um evento ci- rúrgico mesmo sem sua permissão

“Me sentiria ofendida e processaria o hospital ou médico pois violaram minha consciência.” (A25).

Num tratamento imposto pela equipe médica, principalmente no caso de uma transfusão sanguínea, realizada sem autori-

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zação expressa do paciente, ainda que se tenha em mente promover benefícios ao in- divíduo, os profissionais envolvidos estarão praticando crime de constrangimento ilegal (BRASIL, 2001).

Eixo temático 5: Percepção de como o testemunha de Jeová é visto aos olhos de Deus ao receber transfusão de sangue

“Como uma pessoa inocente diante desta situação absurda, pois Jeová é justo.”

(A2).

Para Gonçalves (2017), é preciso levar em conta, no momento da decisão sobre uma possível imposição de procedimento médico que utilize sangue, que além da vida que será salva, haverá o impacto emocional resultante da violação da vida social/religiosa do paci- ente. É fundamental analisar as consequên- cias de cada decisão e a relevância do im- pacto na vida de cada pessoa, já que doloro- sa não é somente a morte biológica, a qual os profissionais da área querem evitar a qualquer custo, mas também a morte social, decorrente da violação, por exemplo, da consciência religiosa.

Eixo temático 6: Assinatura de termo de responsabilidade negando a transfusão de sangue por algum parente

“Sim porque é um princípio que está na Bíblia em Atos 15: 29 onde devo por mi- nha postura por aquilo que agrada a Deus.”

(A4).

Conforme Shumacher, Goldim e Gen- ro (2014), o respeito à autonomia do pacien-

te abrange também os seus valores religiosos do indivíduo. Quando se trata dos pacientes testemunha de Jeová, os quais apresentam objeção de consciência em relação ao uso de hemoderivados, ocorre, muitas vezes, a re- cusa de tratamentos que envolvem sangue.

Desse modo, os profissionais da área de saú- de confrontam-se com a polêmica decisão desses pacientes em sua prática profissional e tem como desafio, assim, respeitar o direi- to de escolha do sujeito.

Eixo temático 7: Liminar de Juiz que au- torize paciente menor de idade a receber sangue

“Não porque a Bíblia ensina que os pais são os responsáveis pelos filhos.” (A2).

Conforme Pedrini e Silva (2015), a complexa discussão acerca da recusa em realizar a transfusão sanguínea ou mesmo da proibição de que ela seja realizada em filho ou tutelado institui a contraposição entre dois direitos fundamentais, que são o direito à vida e o direito à liberdade religiosa.

CONCLUSÃO

O profissional enfermeiro deve levar em consideração os preceitos institucionais, bem como o Código de Ética e os preceitos do SUS, não deixando de considerar a práti- ca do cuidado nos atendimentos existentes na relação entre religiosidade e os dilemas ético-legais. Um médico que respeita a esco- lha do paciente em não aceitar transfusão de sangue e que aplica qualquer das terapias alternativas apresentados neste trabalho está no exercício ético de sua profissão e age

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embasado nos princípios bioéticos da auto- nomia e da beneficência, não se configuran- do omissão de socorro, muito menos des- cumprimento do seu juramento ético de sal- var vidas.

Cabe aos profissionais da saúde quali- ficar-se para melhor atender a seus pacientes e usuários do sistema de saúde, evitando confronto e sabendo lidar com diversas situ- ações durante sua atuação, pois, evidente- mente, o direito à vida, quando vai contra os princípios religiosos, torna-se uma violência.

Não existe uma solução definitiva para esse assunto. Considera-se que esta jamais será encontrada, pois a problemática gera uma polêmica muito grande, não sendo pos- sível estabelecer uma solução em favor de um princípio sem que haja o detrimento do outro. O que se deve fazer é analisar caso a caso, situações reais, a fim de que haja a ponderação de interesses e valores, chegan- do, assim, à melhor solução possível para determinado caso concreto.

Portanto, o profissional enfermeiro deve levar em consideração os preceitos institucionais, bem como o seu Código de Ética e os preceitos do SUS, não deixando de considerar a prática do cuidado nos aten- dimentos existentes na relação entre religio- sidade e os dilemas ético-legais.

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Referências

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