• Nenhum resultado encontrado

Virgem e/ou mãe premissas carismáticas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Virgem e/ou mãe premissas carismáticas"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

Gênero e Religião ST. 24

Luciane Cristina de Oliveira Almeida FCLAr/UNESP

Palavras- Chave: religião, identidade, relações de gênero

Virgem e/ou mãe – premissas carismáticas

Gênese da Renovação Carismática Católica

O movimento religioso da Renovação Carismática Católica (RCC) teve seu início num ambiente tipicamente burguês, a Universidade de Duquesne, em Pittsburgh, Estados Unidos da América, em 1967, local aonde docentes e discentes reviveram o Pentecostes

1

, em uma busca da renovação de suas almas. Na década de 70, o movimento chega ao Brasil pelas mãos dos padres jesuítas Eduardo Dougherthy e Harold Joseph Hahm. Segundo a análise do sociólogo Prandi, este movimento constituiu uma forma de reação da Igreja dentro dela própria, contra seus segmentos politizados, e para fora, contra seus adversários religiosos. (Prandi, 1997). Os carismáticos(as)

2

são marcados pelo antes e pelo depois de conhecerem o Espírito Santo, ou seja, através da Renovação de suas vidas.

Como exemplo dessa metamorfose, podemos citar Dunga, da Comunidade Canção Nova

3

, em Cachoeira Paulista, idealizador do programa bastante difundido entre os jovens Por Hoje Não vou pecar(PHN). Em suas palestras, transmitidas pela TV Canção Nova, ele conta que aos 18 anos já entregue às drogas, teve seu primeiro encontro com o Espírito Santo e a partir dali sua vida sofreu uma grande transformação, pois foi liberto dos prazeres mundanos para viver os prazeres divinos.

Sem contextualização, o discurso de Dunga transmite a imagem de uma maravilhosa mudança em sua vida, porém, deve-se também levar em conta as cobranças que advém dessa conversão ou reconversão

4

à Renovação Carismática Católica. Padre Jonas Abib

5

afirma declaradamente que para ser um(a) carismático(a), a pessoa deve entregar-se radicalmente, fincar suas raízes nos planos de Deus.

No trono do nosso coração está Jesus, e não podemos dar trela ao inimigo. Não tome o primeiro gole... Não jogue a primeira partida de cartas... Não fume o primeiro baseado... Não ceda ao primeiro programa... Não dê brecha ao seu inimigo, ao príncipe

6

desse mundo. Seja RADICAL

7

. (Abib, 1996, 48).

Maria – a marca divisória dos pentecostais

(2)

A RCC é um movimento que modifica a estrutura para dentro, trazendo novamente tradições esquecidas pelo Concílio Vaticano II, mesclando, dessa forma elementos identificados como modernos, por exemplo, a valorização do leigo, e tradicionais, como o milagre e a escatologia, dessa mescla surge um movimento conservador; e para fora, num movimento combativo que busca proteger as estruturas do catolicismo, em oposição/complemento à hierarquia católica, dessa forma busca recuperar o espaço no mercado de Salvação, perdido para os pentecostais protestantes

8

ou, como Mariano nomeia em seu livro, os neopentecostais (Mariano, 1999). Essa é uma atividade típica de qualquer coletividade, pois uma não pode se definir se não colocar outra imediatamente diante de si.

Nessa tentativa de estabelecer diferenças entre os pentecostais, primeiramente, optou-se a abandonar a primeira designação - pentecostalismo católico, uma vez que, segundo Carranza(2000), esse termo poderia trazer azo ao movimento católico, e assim o movimento passou a ser denominado Renovação Carismática Católica. No entanto, não bastava apenas alterar o nome, dever-se-ia estabelecer símbolos católicos que marcassem a distinção. A solução do problema foi adotar designações emblemáticas que possuíssem forte representação dentro do catolicismo para demarcar claramente a fronteira entre os pentecostais protestantes e os carismáticos. Uma delas é a obediência ao Papa, como um sucessor de Pedro, a reza do terço e a outra é o culto mariano, sendo sempre proclamado nos sermões que Maria é a Mãe dos fiéis, como se pôde perceber em diversos sermões da líder de um Grupo de Oração Carismático acompanhado durante a dissertação de mestrado:

Tudo nós devemos pedir primeiro a Nossa Senhora, pois um pedido da mãe o Filho não nega, como já foi-nos provado na festa de casamento que Maria pediu a Jesus que socorresse a família dos noivos, pois o vinho estava no fim. Assim também devemos fazer.

Pedir à nossa Mãe que nos ajude a enfrentar as aflições do dia-a-dia. (Oliveira-Almeida, 2003, 47)

Porém a figura de Maria vai além do limite de diferenciação, pois como analisa a pesquisadora

Machado, ‘A devoção à Maria foi estimulada para demarcar fronteiras entre o catolicismo e em certa

medida reforçar a identidade religiosa dos carismáticos’ (Machado,1996, 48). Baseadas nesse exemplo

de conduta, as pessoas passaram a estabelecer normas disciplinares, em especial regras sobre a

comportamento moral das pessoas, pois como o pesquisador Miskolci pondera, ‘o poder disciplinar se

caracteriza por uma técnica positiva de intervenção e controle social baseada na norma, a qual qualifica

e corrige ao mesmo tempo’ (Miskolci, 2005, 7). Cumpre ressaltar que as relações entre homens e

mulheres são permeadas por relações de poder e não seria diferente em movimentos ligados à Igreja

Católica, pois a religião é patriarcal, planejada por homens, legitimando interesses masculinos, e

(3)

subjulgando mulheres material e ideologicamente, uma vez que atribuem a ela uma falsa consciência (Woodhead, 2002, 1).

Mãe e/ou Virgem

A história bíblica relata que Maria foi uma serva fiel que disse sim ao seu destino divino. Muito jovem e virgem, às vésperas de seu casamento com José, aceitou a concepção do Filho de Deus por intermédio do Espírito Santo. Mostrou-se firme perante as perseguições, por ter em seu ventre o Rei dos Judeus. Apesar de ser mãe, sabia que apenas cumpriu a missão de trazer ao mundo o Salvador. Para os(as) carismáticos(as) a figura de Maria é de uma mulher que foi o veículo de Deus para trazer a boa nova ao mundo e livrá-lo, dessa forma, da marca do pecado original deixado por Adão e Eva. Maria, ícone do movimento carismático, é sempre relembrada nas Comunidades Carismáticas, como a mulher que disse não ao pecado, concebendo um filho ainda virgem, foi quem criou o filho de Deus, até que este cumprisse sua missão de redenção da humanidade, e que deve ser o exemplo de conduta às mulheres. E é sob essa bandeira a Igreja estabeleceu o controle da sexualidade feminina, estabelecendo normas para esse controle.

A figura de Maria é importantíssima dentro do cristianismo, uma vez que Deus preferiu que seu filho tivesse uma morte infame, mas o preservou da mácula do nascimento através do pecado, tamanha a repugnância da Igreja ao sexo feminino, ao pecado original a que Eva submeteu Adão. Portanto, segundo Beauvoir, ‘é a suprema vitória masculina que se consuma no culto de Maria: é a reabilitação da mulher pela realização da sua derrota’. (Beauvoir, 1949, p.215). Através dessa interpretação, pode- se compreender a domesticação das mulheres e o modo como a sociedade restringiu-as a vida privada, domesticando-as.

Maria representa o modelo de mulher celebrado pelo patriarcalismo, pois representa o comportamento

da ética moral religiosa. Ela é a virgem, que não necessitou do ato sexual para cumprir sua parte na

obra do criador, pois como diria São Tomás: ‘A união do sexo, acompanha-se, desde o pecado, de

concupiscência, transmite o pecado original ao filho’, ‘Deve-se evitar as situações de pecado. Ora,

Deus previa que a mulher havia de ser ocasião de pecado para o homem. Portanto, não devia tê-la

criado’ (Vidal, 2005, 38). Maria representa a mulher ideal, por conta disso, as mulheres carismáticas

devem seguir uma das condições para reproduzirem a imagem mariana, serem virgens e seguirem o

caminho da santidade, ou aceitarem a tarefa que Deus destinou a humanidade a procriação, ou seja,

submeter-se ao homem, para, dessa forma, ser glorificada e apagar a mácula deixada na história cristã

por Eva.

(4)

As mulheres carismáticas vestem um espartilho de obrigações, pois para terem o direito à identidade carismática devem seguir restrições que vão desde pequenos detalhes, como a educação, até o controle da sexualidade, além de em seus destinos terem dois caminhos a percorrer, se entregaram à santidade ou a divina função da maternidade, com isso elas vão aos poucos tendo suas vidas moldadas de acordo com as normas disciplinares do movimento. Em conversas informais com um membro do núcleo do Grupo Oração, obteve-se a informação de que as mulheres carismáticas sentiam ‘prazer’ em ficar em casa cuidando de seus filhos, pois do que adiantaria serem profissionais bem sucedidas e não terem sucesso com a maternidade, a real missão delas. Frente a este comentário, torna-se imprescindível à análise de Saffioti: ‘Quando se afirma que é natural que a mulher se ocupe do espaço doméstico deixando livre para o homem o espaço público, está-se, rigorosamente, naturalizando um resultado da história’ (Saffioti, 1987,11). Ainda prosseguindo com a análise de Saffioti, a pesquisadora ainda ressalta a escassez de possibilidade de estímulo da potencialidade feminina, caso esta fique restrita a esfera privada.

Os(as) carismáticos(as) proclamam em suas palestras e sermões que a cópula só é permitida após o casamento no religioso, pois, segundo o catolicismo, há a necessidade da bênção divina para a relação sexual deixar de ser pecado, pois somente o casamento legítimo, com firmes propósitos de procriação, assegura a conservação dos(as) fiéis que poderiam vir a ter dos desejos sexuais profanos. Segundo a pe.

Alírio, sacerdote da RCC e autor de diversos livros que visam orientar os (as) fiéis carismáticos(as), Deus estabeleceu um projeto divino, Ele dividiu com a humanidade a tarefa procriação. Por meio dessa justificativa os órgãos genitais têm a função específica de reprodução da espécie humana. Torna-se interessante perceber que as elucidações dadas pelo padre aos(às) jovens são diferentes desde a forma como os órgãos genitais são citados, pois os homens deveriam apreciá-los mais que as mulheres, uma vez que estes são expostos, até a idéia de ‘isca’ divina para a procriação.

Conclusão

Analisando às mulheres carismáticas, pode-se concluir que voltaram a reviver o habitus

9

tradicional da

sociedade patriarcal, pois apesar de toda a liberdade conquistada depois da década de 70, elas

retornam a enclausurarem-se, uma vez que a vida pública dos(as) carismáticos(as) ficou restrita ao sexo

masculino e as mulheres vêem-se transcuradas em suas vidas privadas, com a obrigação de procriar e

além disso cuidar da cria, vendo essa obrigação de forma natural. A burguesia conservadora aproveita-

se desse prisma para afastar as mulheres da vida pública e, dessa forma, conter o perigo da

emancipação e disputa no território profissional entre os gêneros. Deste modo, a maternidade pode ser

(5)

sociedade, ou, como Scavone considera, é a principal causa da dominação do sexo masculino sobre o sexo feminino (Scavone, 2004). Dessa forma, as carismáticas vêem-se apagadas da história, pois a elas fica restrito seguir o papel de Maria, ser intermediadora entre os homens e Deus, fato que demonstra claramente a opressão a que são submetidas.

Entre os(as) carismáticos(as), a naturalização do binário é ainda mais acentuada, pois só é considerado lícito os casais heterossexuais, uma vez que somente estes podem abraçar a missão procriação destinada por Deus, e o ilícito abrange todos os que, na visão deles tem um forma de vida anormal, ou seja, quem tem uma sexualidade livre de padrões específicos, sejam heterossexuais ou homossexuais, sendo estes condenados e considerados excluídos do grupo. A Renovação considera que os(as) carismáticos(as) atingiram o amadurecimento e a boa formação nas áreas da afetividade e da sexualidade bem como na família, deste modo eles analisam que estão à caminho da salvação de suas almas.

Para concluir, pode-se citar um trecho de Foucault, em Vigiar e Punir que analisa a forma como a sociedade controla a vida das pessoas, assim, percebe-se que os(as) carismáticos(as), mas em especial as mulheres, apenas se submetem um pouco mais as regras, porém na verdade, todos sofrem a coerção social:

... somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e

destinados a um certo modo de viver ou morrer em função dos discursos verdadeiros que

trazem consigo efeitos específicos de poder (Foucault, 1987, 180)

(6)

Referências Bibliográficas

ABIB, Jonas. Céus Novos e Terra Nova. São Paulo: Loyola, 1996.

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo – 1. Fatos e Mitos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1949.

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 1998. 2ª ed. Rio de Janeiro Bertrand Brasil.

CARRANZA DÁVILA, Brenda Maribel. Renovação Carismática Católica: Origens, mudanças e tendências. 2000. Aparecida: Editora Santuário.

CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. 1996. 2ª ed. Petrópolis: Vozes.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir – nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.

OLIVEIRA-ALMEIDA , Luciane Cristina de. Visões do Inferno- a temaática escatológica na Igreja Católica Contemporânea no Brasil. São Carlos, 2003. 91 f. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, UFSCar.

PEDRINI, Alírio José, SJC. Jovens – formação afetiva e sexual. Campinas: Raboni, 2003.

PRANDI, Reginaldo. Um Sopro do Espírito: a renovacão conservadora do catolicismo carismático.

São Paulo: EDUSP, 1997.

MARIANO, Ricardo. In: Neo Pentecostais – Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil. 1999.

São Paulo: Edições Loyola.

MACHADO, Maria das Dores Campos. Carismáticos e Pentecostais – Adesão Religiosa na Esfera Familiar. Campinas: Editora Autores Associados, 1996.

MISKOLCI, Richard (Org). Dossiê Normalidade e Desvio (no prelo), 2005.

SAFFIOTI, Heleieth I. B. O poder do macho. 11ª ed. São Paulo: Moderna, 1987 SCAVONE, Lucila. Dar a vida e cuidar da vida. São Paulo:Editora UNESP, 2004.

VIDAL, Marciano. Feminismo e Ética: como ‘feminizar’ a moral. São Paulo: Ed. Loyola, 2005.

WOODHEAD, Linda. “Mulheres e gênero: uma estrutura teórica”. Revista de Estudos da Religião nº1, 2002. HTTP:// www.pucsp.br/rever/rv1_2002/p_woodhe.pdf.

.

(7)

1

No dia de Pentecostes, 50 dias após a ressurreição de Jesus Cristo, os apóstolos estavam reunidos, quando línguas de fogo pousaram sob suas cabeças, representando o sopro do Espírito Santo. (At 2, 1-4)

2

A identidade é assumida pelos carismáticos após as metamorfoses sofridas pelas suas serem almas renovadas pelo Espírito Santo. Essa linguagem é reincidente nos discursos de todos(as) que já passaram pela transformação de suas vidas:

O sofrimento de ser escrito pela lei do grupo vem estranhamente acompanhado por um prazer, o de ser reconhecido, de se tornar uma palavra identificável e legível numa língua social, de ser mudado em fragmento de um texto anônimo, de ser escrito numa simbólica sem dono e sem autor. Cada impresso repete essa ambivalente experiência do corpo escrito pela lei do outro. (Certeau, 1996, 232)

3

Comunidade pertencente ao movimento da Renovação Carismática Católica.

4

Na linguagem carismática mesmo a maioria de seus fiéis tendo nascido no catolicismo, somente agora eles praticam efetivamente os dogmas dessa religião, portanto são os ‘reconvertidos’(Prandi, 1997; Carranza, 2000).

5

Um dos mais importantes líderes carismáticos brasileiros é Pe. Jonas Abib, que coordena a Comunidade Canção Nova, em Cachoeira Paulista, um nome de expressão para o movimento carismático. (Prandi, 1997, 112)

6

Referência a Lúcifer

7

Caixa alta do texto original.

8

‘Trata-sede um autêntico processo de globalização ou transnacionalização dessa forma de protestantismo popular. Mas, nenhum continente supera a América Latina, o caso mais extraordinário de crescimento pentecostal neste final de milênio.

O Brasil se destaca neste contexto.’(Mariano: 1999, 9-10)

9

No corpo em que está inscrito, o habitus, casa-se com uma história, com uma função, com uma tradição que nunca se viu

senão encarnada em corpos ou em vestes (Bourdieu, 1998)

Referências

Documentos relacionados

Como já destacado anteriormente, o campus Viamão (campus da última fase de expansão da instituição), possui o mesmo número de grupos de pesquisa que alguns dos campi

Assim procedemos a fim de clarear certas reflexões e buscar possíveis respostas ou, quem sabe, novas pistas que poderão configurar outros objetos de estudo, a exemplo de: *

Considerando que, no Brasil, o teste de FC é realizado com antígenos importados c.c.pro - Alemanha e USDA - USA e que recentemente foi desenvolvido um antígeno nacional

By interpreting equations of Table 1, it is possible to see that the EM radiation process involves a periodic chain reaction where originally a time variant conduction

O desenvolvimento desta pesquisa está alicerçado ao método Dialético Crítico fundamentado no Materialismo Histórico, que segundo Triviños (1987)permite que se aproxime de

Considerando que o MeHg é um poluente ambiental altamente neurotóxico, tanto para animais quanto para seres humanos, e que a disfunção mitocondrial é um

Para a investigação, utilizou-se o material do acervo documental disponível no Grupo de Pesquisa História da Alfabetização, Leitura, Escrita e dos Livros Escolares (HISALES),

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla