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PRINCÍPIO DA INDUÇÃO FINITA - PIF

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Academic year: 2022

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ANT ˆ ONIO L. PEREIRA

1. Introduc ¸˜ ao

No aprendizado do Princ´ıpio da Indu¸ c˜ ao Finita - PIF (ou Princ´ıpio de Indu¸ c˜ ao Matem´ atica ), ocorre uma situa¸c˜ ao curiosa. Duas rea¸c˜ oes s˜ ao frequentes:

• O PIF ´ e muito ´ obvio.

• O PIF ´ e muito complicado.

Num certo sentido, ambas as rea¸c˜ oes s˜ ao procedentes.

Por um lado, ele expressa a ideia bastante intuitiva de que os n´ umeros naturais podem todos ser gerados a partir de um n´ umero inicial (0 ou 1) pela aplica¸c˜ ao repetida da opera¸c˜ ao de tomar um “sucessor”. Por outro lado, o reconecimento da necessidade de explicitar essa ideia de uma forma precisa exige um grau de maturidade matem´ atica relativamente alto.

O mesmo ocorre com alguns postulados da Geometria Euclidiana, por exemplo, mas, no caso do PIF, aparecem algumas dificuldades adicionais, entre as quais a estrutura l´ ogica n˜ ao muito simples do enunciado.

Sendo o PIF um instrumento fundamental para a prova de resultados simples sobre os n´ umeros naturais, seu aprendizado, ainda que de um ponto de vista menos profundo e mais instrumental ´ e poss´ıvel e desej´ avel.

Nosso objetivo principal aqui ser´ a entender e discutir as dificuldades na compreens˜ ao e, especialmente, na utiliza¸c˜ ao do PIF e propor algumas estrat´ egias para enfrent´ a-las. (Algumas de nossas sugest˜ oes aparecem no artigo: Paul Ernest, Mathematical Induction, a pedagogical discussion, The Mathematical Gazette, 1982).

2. Um pouco de hist´ oria

A origem dos n´ umeros naturais se perde no tempo e se confunde com a necessidade pr´ atica de contagem de objetos, come¸cando, inicialmente, do 2. Um desenvolvimento muito impor- tante foi a introdu¸c˜ ao de numerais para representar n´ umeros. Os antigos eg´ıpcios e babilˆ onios possu´ıam sistemas distintos de representa¸c˜ ao que inclu´ıam o 1 como um n´ umero. Um desen- volvimento muito posterior foi a introdu¸c˜ ao do 0, que aparece entre os babilˆ onios na nota¸c˜ ao posicional por volta de 700 A.C. e entre os maias e olmecas na Am´ erica Central, como um n´ umero separado por volta do s´ eculo I A.C.

O n´ umero 0 foi usado tamb´ em nos computus (calculadoras da Idade M´ edia europ´ eia), come¸cando com Dionysius Exiguus em 525 por´ em sem um numeral para represent´ a-lo.

O uso do numeral 0 da forma moderna se originou na obra do matem´ atico indiano Brah- magupta em 628 D.C.

Os primeiros estudos sistem´ aticos de n´ umeros como abstra¸c˜ oes aparecem em torno do s´ eculo III A.C. e s˜ ao usualmente atribu´ıdos aos fil´ osofos gregos Pit´ agoras e Arquimedes,

1

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embora estudos independentes tenham ocorrido, mais ou menos na mesma ´ epoca, na India, China e Am´ erica Central.

O desenvolvimento da teoria moderna dos n´ umeros naturais inicia-se no s´ eculo XIX, com discuss˜ oes sobre a natureza exata desses n´ umeros entre matem´ aticos e fil´ osofos. Defini¸c˜ oes baseadas na teoria dos conjuntos s˜ ao propostas por Gottlob Frege e Bertrand Russel, poste- riormente modificadas para evitar certos paradoxos.

Uma outra vertente da teoria, iniciada por Charles S. Peirce. Richard Dedekind e, espe- cialmente, Giuseppe Peano, baseia-se na axiomatiza¸ c˜ ao, isto ´ e, na apresenta¸c˜ ao de princ´ıpios b´ asicos ou axiomas, a partir dos quais toda a teoria deve ser desenvolvida com base em ar- gumentos l´ ogicos. Os famosos Axiomas de Peano fornecem uma estrutura simples, elegante e muito bem sucedida no desenvolvimento da teoria dos n´ umeros naturais.

Os axiomas de Peano

(1) Zero ´ e um n´ umero natural.

(2) Todo n´ umero natural tem um sucessor que ´ e um n´ umero natural.

(3) Zero n˜ ao ´ e sucessor de nenhum n´ umero natural.

(4) Dois n´ umeros naturais distintos tˆ em sucessores distintos.

(5) Se um conjunto de n ´ meros naturais cont´ em o zero e o sucessor de qualquer n´ umero natural, ent˜ ao ele cont´ em todos os n´ umeros naturais.

O 5 o axioma de Peano ´ e uma forma do Princ´ıpio de Indu¸ c˜ ao Finita e coloca de maneira precisa a ideia de ”racioc´ınio indutivo”, que aparece anteriormente em contextos variados, matem´ aticos e n˜ ao matem´ aticos.

Um dos primeiros exemplos conhecidos de uso impl´ıcito de racioc´ınio indutivo em Matem´ atica encontra-se em Parmˆ enides (um dos “di´ alogos” de Plat˜ ao), por volta de 370 AC. O princ´ıpio intimamente relacionado da “Descida Infinita” aparece na obra de Euclides para provar, por exemplo, que todo n´ umero composto pode ser dividido por um primo.

O princ´ıpio tamb´ em aparece de forma impl´ıcita na obra de matem´ aticos ´ arabes e, em particular, na prova do teorema binomial escrita por al-Karali, por volta de 1000 DC.

Mais modernamente, o princ´ıpio foi usado, embora ainda n˜ ao explicitamente enunciado, por Pierre de Fermat em coment´ arios ` a margem de sua c´ opia da edi¸c˜ ao de 1621 da Arithmetica de Diofanto.

A primeira formula¸c˜ ao expl´ıcita do princ´ıpio foi dada por Pascal em seu Trait´ e du triangle arithm´ etique e usado na prova de resultados para o arranjo num´ erico hoje conhecido como Triˆ angulo de Pascal. O princ´ıpio tamb´ em foi bastante utilizado por Jakob Bernoulli e se tornou a partir da´ı, amplamente conhecido na comunidade matem´ atica.

O tratamento moderno e rigoroso do princ´ıpio inicia-se no s´ eculo 19, com George Boole, Augustus de Morgan, Charles Sanders Peirce e Richard Dedekind. Como j´ a mencionamos Giuseppe Peano coloca o princ´ıpio como ´ ultimo axioma em seu tratamento axiom´ atico dos n´ umeros naturais.

3. Enunciados do princ´ıpio

Suporemos conhecido o conjunto dos n´ umeros naturais, N = {0, 1, 2, · · · }, bem como as

opera¸c˜ oes usuais de soma e produto e suas propriedades b´ asicas.

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Come¸camos com algumas observa¸c˜ oes sobre nota¸c˜ ao. Proposi¸c˜ oes ou afirma¸c˜ oes ser˜ ao normalmente denotadas por P, Q, etc e indicaremos por P (n) uma afirma¸c˜ ao envolvendo o n´ umero natural n. Por exemplo, P (n) poderia ser a afirma¸c˜ ao; “3 n − 1 ´ e um n´ umero ´ımpar.”

Em particular, P (4) afirma que 3 4 − 1 ´ e um n´ umero ´ımpar (que ´ e uma afirma¸c˜ ao falsa, j´ a que 3 4 − 1 = 80). A afirma¸c˜ ao: “ 3 n − 1 ´ e um n´ umero ´ımpar, para todo n´ umero natural n”, pode ser escrita mais sucintamente na forma “P (n), para todo n´ umero natural n”.

O s´ımbolo ∧ indica a jun¸c˜ ao de afirma¸c˜ oes, ou seja, escrever P ∧ Q ´ e o mesmo que afirmar P e Q simultaneamente.

O Princ´ıpio da Indu¸ c˜ ao Finita pode ser assim enunciado:

Princ´ıpio da Indu¸ c˜ ao Finita - PIF

Para cada n´ umero natural n consideremos uma afirma¸c˜ ao P (n). Suponhamos que:

(1) P (0) ´ e verdadeira (base da indu¸c˜ ao),

(2) Para todo n´ umero natural n, P (n) implica P (n + 1) (passo de indu¸c˜ ao).

Ent˜ ao P (n) ´ e verdadeira para todo n´ umero natural n.

Introduzindo alguns s´ımbolos l´ ogicos, podemos expressar o PIF de maneira bem compacta, que se4r´ a ´ util em nossa discuss˜ ao.

O s´ımbolo ∀ de “quantificador universal” significa “para todos”. A afirma¸c˜ ao: “P(n) vale para todo n´ umero natural n”, pode ser escrita como “∀n ∈ N , P (n). ”.

O s´ımbolo ⇒ indica uma implica¸ c˜ ao, isto ´ e, escrevemos P ⇒ Q, para a afirma¸c˜ ao “se P ent˜ ao Q”, ou seja “Q ´ e verdadeira, sempre que P ´ e verdadeira.”

O s´ımbolo ∧ indica a jun¸c˜ ao de afirma¸c˜ oes, ou seja, escrever P ∧ Q ´ e o mesmo que afirmar P e Q simultaneamente.

Princ´ıpio da Indu¸ c˜ ao Finita - PIF (usando s´ımbolos l´ ogicos)

[P (1) ∧ (∀n ∈ N P (n) ⇒ P (n + 1))] ⇒ [∀n ∈ N P (n)]

Outras formas equivalentes do Princ´ıpio podem ser enunciadas. Uma delas ´ e o 5 0 axioma de Peano.

Uma outra varia¸c˜ ao ´ e na escolha do primeiro n´ umero que aparece na base da indu¸c˜ ao : 0, 1 ou outro n´ umero inteiro n 0 .

4. A analogia da princesa no castelo

Muitas analogias s˜ ao frequentemente utilizadas para esclarecer o significado do PIF, entre as quais:

• A transmiss˜ ao de uma mensagem ao longo de uma fileira de soldados.

• A partida de um trem, vag˜ ao por vag˜ ao.

• A queda de uma fileira de domin´ os.

• A subida de uma escada, degrau por degrau.

• A entrada de uma princesa em todos os quartos trancados de um pal´ acio, dado que

ela tem a chave do primeiro quarto e cada quarto cont´ em a chave do pr´ oximo quarto.

(4)

A ´ ultima analogia ´ e talvez menos conhecida, mas ´ e bem sugestiva. Imaginemos que os quartos est˜ ao numerados, o primeiro ´ e o de n´ umero 1, o segundo o 2, o terceiro 3 e assim sucessivamente. Consideremos a afirma¸c˜ ao: “A princesa pode chegar no quarto n. Como a princesa tem a chave do primeiro quarto, a afirma¸c˜ ao ´ e verdadeira para n = 1, o que corresponde ` a hip´ otese base (1) no princ´ıpio de indu¸c˜ ao. Agora, se ela j´ a conseguiu entrar no quarto de n´ umero k, ent˜ ao ela pode usar a chave que l´ a est´ a e entrar´ a tamb´ em no pr´ oximo quarto, de n´ umero k + 1 (hip´ otese (2) no princ´ıpio de indu¸c˜ ao). O que o princ´ıpio afirma

´ e o fato bem intuitivo de que ela conseguir´ a ent˜ ao visitar qualquer quarto do castelo (na vida real, ela teria que ter tempo e paciˆ encia suficientes, mas essas considera¸c˜ oes de ordem pr´ atica n˜ ao aparecem no princ´ıpio abstrato...).

Atividade: Sugerir outras analogias e explic´ a-las.

5. Um exemplo Observemos as seguintes igualdades:

• 1 = 1,

• 1 + 3 = 4,

• 1 + 3 + 5 = 9,

• 1 + 3 + 5 + 7 = 16,

E natural conjecturar da´ı que o mesmo vale para a soma dos primeiros ´ n naturais, para qualquer n, ou seja:

• 1 + 3 + 5 + · · · + 2n + 1 = (n + 1) 2 . Ou ainda, usando a nota¸c˜ ao de somat´ oria:

Proposi¸ c˜ ao Para todo n ∈ N , P n

i=0 (2i + 1) = (n + 1) 2 .

Prova Vamos usar o Princ´ıpio da Indu¸ c˜ ao Finita para mostrar a validade desta afirma¸c˜ ao.

Indicaremos por S n a somat´ oria S n = P n

i=0 (2i + 1). A afirma¸c˜ ao P (n) fica; S n = (n + 1) 2 . Passo base: P (0) afirma simplesmente que 1 = 1 que ´ e, evidentemente, uma afirma¸c˜ ao verdadeira.

Passo indutivo: Suponhamos que, para um n´ umero natural k, a afirma¸c˜ ao P (k) seja verdadeira, ou seja, admitamos que:

S k = (k + 1) 2 , k ≥ 0.

Vamos mostrar que, desta igualdade, podemos obter a igualdade:

S k+1 = ((k + 1) + 1) 2 ou seja,

P (k) ⇒ P (k + 1) para todo n´ umero natural k.

De fato, temos:

(5)

S k+1 =

k+1

X

i=0

(2i + 1) =

S

k

z }| {

k

X

i=0

(2i + 1) +2(k + 1) + 1

=S k + 2k + 3 = (k + 1) 2 + 2k + 3 = k 2 + 4k + 4

=(k + 2) 2 = ((k + 1) + 1) 2 .

Tendo mostrado que ambas as hip´ oteses (1) e (2) do PIF s˜ ao verificadas, podemos concluir do PIF que vale a tese, P (n) ´ e verdadeira para todo n ∈ N que ´ e exatamente o que foi afirmado na Proposi¸c˜ ao. (uma prova como esta ´ e denominada prova por indu¸ c˜ ao ).

Atividade Sugerir e provar outras propriedades.

6. An´ alise do exemplo

Como primeiro passo para entender as dificuldades que surgem na aplica¸c˜ ao do PIF, vamos examinar os passos executados no exemplo acima. Em linhas gerais, os componentes que parecem aqui e em toda prova por indu¸c˜ ao s˜ ao:

(1) O enunciado do resultado que se quer provar, que deve ser do tipo: ∀n ∈ N , P (n).

(2) A declara¸c˜ ao de que o PIF ser´ a usado na prova.

(3) A verifica¸c˜ ao da validade de P (0) ou seja, de que a afirma¸c˜ ao ´ e verdadeira, no caso especial em que n = 0.

(4) A prova de que, para todo n´ umero natural n ∈ N a validade da afirma¸c˜ ao P (n) implica a validade da afirma¸c˜ ao P (n + 1).

(5) A conclus˜ ao de que o resultado desejado est´ a demonstrado pelo PIF.

Vamos identificar esses passos no exemplo, destacando as eventuais dificuldades.

(1) Percebemos que o enunciado ´ e, de fato, da forma ∀n ∈ N , P (n) sendo P (n) a afirma¸c˜ ao:

P n

i=0 (2i + 1) = (n + 1) 2 ., Uma poss´ıvel dificuldade nesse passo ´ e a falta de familiaridade com a nota¸c˜ ao simb´ olica usada, especialmente o uso do quantificador universal ∀ e da nota¸c˜ ao para a somat´ oria.

(2) Percebemos que o PIF pode ser usado e declaramos a inten¸c˜ ao de fazˆ e-lo. Esse passo, exige a familiaridade com o enunciado do PIF e a identifica¸c˜ ao das situa¸c˜ oes em que ele se aplica.

(3) Verificamos a propriedade para n = 0, o que, neste exemplo, requereu apenas o entendi- mento correto do enunciado dado no passo (1), como ocorre frequentemente. Em exemplos mais elaborados, pode ser necess´ aria alguma manipula¸c˜ ao num´ erica ou alg´ ebrica, j´ a neste passo.

(4) Este ´ e, em geral, o passo mais dif´ıcil. No exemplo, inicialmente trocamos o nome da vari´ avel, escrevendo

S k =

k

X

i=0

(2i + 1) = (k + 1) 2 ,

(6)

para a afirma¸c˜ ao P (k). Mesmo sendo esta uma mudan¸ca relativamente trivial, ela pode ajudar a evitar o erro de entender que, neste passo, estar´ıamos “admitindo provada a tese”

(discutiremos este ponto mais detalhadamente abaixo). A implica¸c˜ ao provada foi ent˜ ao

k

X

i=0

(2i + 1) = (k + 1) 2

k+1

X

i=0

(2i + 1) = ((k + 1) + 1) 2 para todo n´ umero natural k.

Para isto, foi necess´ ario reescrever a somat´ oria final de forma que a somat´ oria inicial aparecesse e fazer algumas manipula¸c˜ oes alg´ ebricas simples.

(5) Declaramos que, tendo verificado as hip´ oteses necess´ arias, o resultado segue do PIF.

Neste passo foi necess´ ario perceber que as hip´ oteses no enunciado do Princ´ıpio est˜ ao cumpri- das.

Pergunta: Quais s˜ ao os conhecimentos e habilidades necess´ arias para produzir uma prova como esta?

Uma primeira habilidade, importante especialmente nos passos (1), (2) e (5), ´ e uma com- preens˜ ao do princ´ıpio que permita ao aluno reconhecer a possibilidade (ou necessidade) de us´ a-lo e identificar quando as hip´ oteses tiverem sido completadas e que, em consequˆ encia, o resultado desejado segue do PIF. Esta pode ser uma dificuldade s´ eria, de natureza con- ceitual, Vamos deixar a discuss˜ ao desse ponto para mais adiante e supor que esta primeira dificuldade tenha sido, de alguma forma, superada (por exemplo, supondo que a quest˜ ao foi proposta j´ a indicando o uso do PIF) e nos concentremos nos procedimentos usados nos passos 3) e 4).

• Passo 3) (base da indu¸c˜ ao) Foi necess´ ario verificar uma identidade num´ erica (neste caso muito simples).

• Passo 4) (passo de indu¸c˜ ao ) Foi necess´ ario entender o que significa provar uma implica¸c˜ ao e fazer algumas manipula¸c˜ oes alg´ ebricas.

Em resumo, supondo que seja reconhecida a aplicabilidade do PIF, a execu¸c˜ ao de cada um dos passos seguintes n˜ ao se mostrou excessivamente complicada, supondo que o aluno j´ a tenha dom´ınio sobre habilidades b´ asicas num´ ericas, l´ ogicas e alg´ ebricas.

Esses, portanto, parecem ser os requisitos necess´ arios para a parte, digamos, “mecˆ anica”

da prova. A aquisi¸c˜ ao pr´ evia dessas habilidades constitui assim um pr´ e-requisito importante para a constru¸c˜ ao de provas corretas, usando o Princ´ıpio da Indu¸c˜ ao mesmo, eventualmente, sem uma compreens˜ ao conceitual mais profunda do mesmo.

Entre esses requisitos, o uso de l´ ogica b´ asica em argumentos matem´ aticos simples ´ e provavelmente, o menos familiar para os estudantes. Por esse motivo, pode ser ´ util uma exposi¸c˜ ao pr´ evia a demonstra¸c˜ oes simples envolvendo o uso de s´ımbolos l´ ogicos, especial- mente o de implicaca¸c˜ o ( ⇒), em situa¸c˜ oes simples, que n˜ ao envolvam indu¸c˜ ao. Seguem alguns exemplos, para deixar mais claro este ponto.

Exemplos

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(1) Sejam n, m ∈ N . Mostre que se 3 divide n e 3 divide m, ent˜ ao 3 divide n + m. Em s´ımbolos: 3|n ∧ 3|m ⇒ 3|(n + m)

(2) Sejam n, m ∈ N . Mostre que se 6 divide n e 15 divide m, ent˜ ao 3 divide n + m. Em s´ımbolos: 6|n ∧ 15|m ⇒ 3|(n + m)

(3) Sejam n, m ∈ N . Mostre que se 3 divide n e 3 n˜ ao divide m, ent˜ ao 3 n˜ ao divide n + m. Em s´ımbolos: 3|n ∧ 15 6 |m ⇒ 3 6 |(n + m).

(4) ∀n ∈ N n 2 + n ´ e par.

(5) ∀n ∈ N n 2 + 4n + 3 n˜ ao ´ e primo.

(6) Sugest˜ oes ?

7. A torre de Han´ oi

Para o desenvolvimento de conceitos e ideias relacionadas com o PIF, ´ e interessante a proposi¸c˜ ao de jogos, desafios e problemas concretos que despertem o interesse dos estudantes.

Um “quebra-cabe¸cas” divertido e desafiador, conhecido como ‘Torre de Han´ oi‘, foi inventado pelo matem´ atico francˆ es ´ Edouard Lucas em 1883. Consiste em uma base contendo trˆ es pinos, em um dos quais s˜ ao dispostos alguns discos uns sobre os outros, em ordem crescente de diˆ ametro, de cima para baixo. O problema consiste em passar todos os discos de um pino para outro qualquer, usando um dos pinos como auxiliar, de maneira que um disco maior nunca fique em cima de outro menor em nenhuma situa¸c˜ ao.

Diz-se que Lucas se inspirou em uma lenda sobre um templo hindu, situado no centro do universo, no qual Brahma criou uma torre com 64 discos de ouro e mais duas estacas equilibradas sobre uma plataforma. A tarefa dos sacerdotes seria transferir todos os discos para uma das estacas, seguindo as regras acima. Reza a lenda que, no dia em que eles completassem a tarefa, o Universo se acabaria.

Nossa tarefa aqui ´ e descobrir se este final est´ a pr´ oximo....

Atividades

(1) Transferir 1, 2, 3, 4, · · · discos.

(2) Explicar como isto foi feito.

(3) O procedimento pode ser generalizado para qualquer n´ umero de discos? Justificar usando um argumento do tipo indutivo.

8. Sequˆ encias definidas por recurs˜ ao

Um conceito intimamente ligado ao PIF ´ e o de defini¸ c˜ ao por recurs˜ ao ou recorrˆ encia. Em particular, uma sequˆ encia a 1 , a 2 , · · · , a n , · · · de n´ umeros ´ e dada por recorrˆ encia (de primeira ordem) se

• O primeiro termo a 1 ´ e dado explicitamente.

• O termo a k+1 , k ≥ 1 ´ e dado como uma fun¸c˜ ao do termo anterior a k . Exemplos

• Progress˜ oes aritm´ eticas: cada termo ´ e igual ` a soma do anterior com uma constante,

geralmente representada por r e denominada a “raz˜ ao” da progress˜ ao.

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• Progress˜ oes geom´ etricas: cada termo ´ e igual ao produto do anterior por uma con- stante, geralmente representada por q e denominada a “raz˜ ao” da progress˜ ao.

Mais geralmente, podemos definir sequˆ encias dando seus primeiros k termos e cada termo seguinte em fun¸c˜ ao dos k anteriores. Um exemplo ´ e a sequˆ encia de Fibonacci, F 0 , F 1 , F 2 , . . . , dada por

• F 0 = F 1 = 1,

• F n = F n−1 + F n−2 , ∀n ≥ 2.

Atividades

(1) Encontrar uma f´ ormula expl´ıcita para o n-´ esimo termo de uma P.A. e prove-a por indu¸c˜ ao.

(2) Encontrar uma f´ ormula expl´ıcita para o n-´ esimo termo de uma P.G. e prove-a por indu¸c˜ ao.

(3) Encontrar uma f´ ormula expl´ıcita para a soma dos n primeiros termos de de uma P.A.

e prove-a por indu¸c˜ ao.

(4) Encontrar uma f´ ormula expl´ıcita para a soma dos n primeiros termos de de uma P.G.

e prove-a por indu¸c˜ ao.

Atividades

(1) Dar uma f´ ormula recursiva para o n´ umero de movimentos necess´ arios para transferir, 1, 2, 3 e 4. discos na Torre de Han´ oi.

(2) Encontrar uma f´ ormula expl´ıcita para o n´ umero de movimentos necess´ arios para transferˆ encia de um n´ umero qualquer de discos. Provar a validade da f´ ormula obtida por indu¸c˜ ao.

9. Dificuldades e erros conceituais

A an´ alise que fizemos dos requisitos necess´ arios em uma prova por indu¸c˜ ao ´ e ´ util especial- mente se o objetivo ´ e proporcionar os meios para a aquisi¸c˜ ao de uma competˆ encia, digamos, instrumental, que permita a correta constru¸c˜ ao de uma tal prova nos problemas dos tipos considerados.

Entretanto, essa an´ alise n˜ ao incluiu aspectos conceituais mais profundos nem o papel do Princ´ıpio na teoria, sua plausibilidade e rela¸c˜ oes com outros conceitos j´ a conhecidos.

Esse objetivo mais ambicioso ´ e, obviamente, mais dif´ıcil de atingir e depende, em boa medida, de um certo n´ıvel de maturidade matem´ atica. Entretanto um exame mais detalhado da estrutura do Princ´ıpio e de algumas concep¸c˜ oes incorretas frequentes podem ser auxiliares

´

uteis. Examinamos agora algumas dessas dificuldades e sugerimos algumas estrat´ egias para sua supera¸c˜ ao.

Estrutura l´ ogica do PIF

Como j´ a comentamos, o enunciado do PIF ´ e uma senten¸ca l´ ogica relativamente complicada.

Isto pode ficar mais claro no enunciado usando s´ımbolos l´ ogicos:

[P (1) ∧ (∀n ∈ N , P (n) → P (n + 1))] → [∀n, P (n)]

que pode ser representado esquematicamente por:

(9)

Hip´ otese1 + Hip´ otese2} ⇒ T ese

As afirma¸c˜ oes conhecidas dos alunos tˆ em, em geral, uma estrutura mais simples. Por exemplo, no nosso exemplo inicial, a igualdade:

∀n ∈ N ,

n

X

i=0

(2i + 1) = (n + 1) 2

´ e do tipo ∀nı N P (n). Note-se que, neste caso, o s´ımbolo de implica¸c˜ ao (⇒) n˜ ao aparece.

Na lista de “probleminhas”, aparece a afirma¸c˜ ao:

3|n ∧ 3|m ⇒ 3|(n + m)

que tem uma estrutura mais semelhante ao do PIF. Note-se, entretanto, que as duas hip´ oteses, neste caso, s˜ ao bastante simples. No caso do PIF a segunda hip´ oteese ´ e bem mais elaborada e cont´ em ela mesmo uma outra implica¸ c˜ ao! Esta ´ e um ponto que costuma criar muitas di- ficuldades, especialmente porque o conte´ udo dessa implica¸c˜ ao ´ e frequentemente confundido com o resultado que se quer provar. A supera¸c˜ ao dessa dificuldade depende do entendimento claro da estrutura do enunciado, o que pode levar um certo tempo e esfor¸co. O uso de analogias, como as que j´ a mencionamos, pode ajudar, desde que n˜ ao sejam esquecidas as diferen¸cas entre elas e o enunciado preciso.

Outra estrat´ egia que pode auxiliar ´ e ‘refrasear’ o princ´ıpio. Uma possibilidade seria a seguinte:

• Definir um subconjunto indutivo de N como sendo aqueles que cont´ em os sucessores de seus elementos.

• Expressar o axioma da indu¸c˜ ao como: ‘O ´ unico subconjunto indutivo de N que cont´ em o 0 ´ o pr´ oprio N ’.

Indu¸ c˜ ao matem´ arica e indu¸ c˜ ao “vulgar” Pode parecer estranho que uma afirma¸c˜ ao relativamente elaborada como o PIF seja usada na demonstra¸c˜ ao de outras afirma¸c˜ oes aparentemente mais simples. Esta pode ser uma boa oportunidade para esclarecer a ideia de prova em Matem´ atica como o estabelecimento de fatos, com base em outros, aceitos como axiomas ou previamente derivado deles, por meio de argumentos l´ ogicos. E importante ´ ressaltar que essas “regras do jogo” n˜ ao s˜ ao meras filigranas acess´ orias, mas se mostraram necess´ arias, ao longo da hist´ oria, para evitar d´ uvidas e paradoxos advindos de racioc´ınios imprecisos ou ‘intuitivos”. Em particular, podem ser dados exemplos de erros devidos ao uso da indu¸c˜ ao vulgar e analogias paara formular conjecturas num´ ericas. (Os exemplos que seguem foram retirados do artigo Vale para 1, para 2, para 3, ... vale sempre?, R. Watanabe, RPM no 09. )

Exemplos

(1) ∀n ∈ N n 2 + n + 41 ´ e um n´ umero primo (falso para n = 41).

(2) ∀n ∈ N 2 n n˜ ao come¸ca com 9. (falso para n = 59 )

(3) Todo n´ umero natural par maior do que 2 ´ e soma de dois primos (n˜ ao se sabe!)

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A aparente circularidade

Uma d´ uvida frequente no uso do PIF ´ e uma aparente circularidade, j´ a que no passo indu- tivo a afirma¸c˜ ao P (n) ´ e suposta v´ alida, sendo que isto ´ e exatamente o que se pretende provar (para todo n ∈ N ). A dificuldade aqui est´ a no entendimento do papel dos quantificadores e do significado da implica¸c˜ ao. o que se faz nesse passo n˜ ao ´ e supor a validade da afirma¸c˜ ao para todo n mas, sim que (para qualqer n) a eventual validade para n acarreta a validade para n + 1. Para superar essa dificuldade ´ e necess´ ario que se tenha compreendido a estru- tura do PIF e o significado da implica¸c˜ ao. A aparˆ encia de circularidade pode ser amenizada, dando um outro nome para a vari´ avel, durante o est´ agio de prova do passo indutivo, como fizemos no exemplo (P (k) ⇒ P (k + 1)), para indicar o car´ ater “provis´ orio” dessa vari´ avel.

Outras dificuldades Outras d´ uvidas que podem ocorrer s˜ ao: a necessidade de provar o passo base e a necessidade de provar o passo de indu¸c˜ ao para todos os valores de n inclusive para n = n 0 . A maneira mais simples de esclarecer esses pontos ´ e apresentar contra-exemplos ou ‘pseudo-exemplos’, que podem ser divertidos e curiosos.

Exemplos

(1) Seja P (n) a afirma¸c˜ ao: “2n + 1” ´ e um n´ umero par, para todo n ∈ N . Verifique que o segundo passo do PIF vale.

(2) Todos os cavalos tˆ em a mesma cor.

10. Coment´ arios finais

Para fundamentar uma teoria Matem´ atica ´ e essencial encontrar princ´ıpios fundamentais ou axiomas a partir dos quais os demais resultados possam ser derivados com base em argu- mentos l´ ogicos. Em alguns casos, esses princ´ıpios podem ter sido usados por bastante tempo, de maneira impl´ıcita, antes que se percebesse a necessidade de explicit´ a-los. Um exemplo ´ e o “Postulado de Pasch”, em Geometria Euclidiana. De certa forma, isto tamb´ em ocorre no caso do PIF. O objetivo de seu ensino ´ e familiarizar os estudantes com uma t´ ecnica, para provar propriedades que aparecem naturalmente em contextos variados, supondo conhecidas propriedades b´ asicas dos naturais e suas opera¸c˜ oes.

Do ponto de vista mais formal, isto ´ e uma invers˜ ao da ordem, O PIF se insere mais apropriadamente em um contexto de tratamento axiom´ atico dos n´ umeros naturais, no qual inclusive as opera¸c˜ oes b´ asicas e a no¸c˜ ao de ordem devem ser definidas e provadas usando o princ´ıpio. Nesse contexto, o papel do Princ´ıpio se torna mais claro, bem como sua rela¸c˜ ao com outros resultados b´ asicos. Em particular, pode-se mostrar sua equivalˆ encia (no contexto dos n´ umeros naturais) com outros resultados conhecidos como o Princ´ıpio da boa ordem, o Segundo princ´ıpio da indu¸ c˜ ao e o Princ´ıpio da descida infinita.

• Princ´ıpio da boa ordem: Todo subconjunto n˜ ao vazio de N possui um menor elemento.

• Segundo Princ´ıpio da indu¸ c˜ ao: Para cada n´ umero natural n consideremos uma afirma¸c˜ ao P (n). Suponhamos que:

(1) P (0) ´ e verdadeira,

(2) Para todo n´ umero natural n, se P (k) ´ e verdadeira para todo n 0 ≤ k ≤ n ent˜ ao P (n) ´ e verdadeira

Ent˜ ao P (n) ´ e verdadeira para todo n´ umero natural n´ umero natural n ≥ n 0 .

(11)

• Princ´ıpio da descida infinita: Toda sequˆ encia decrescente de n´ umeros naturais ´ e eventualmente constante.

Infelizmente, n˜ ao vamos discutir isto aqui. Nosso tempo, ao contr´ ario do conjunto dos n´ umeros naturais, ´ e finito.... Para os interessados, recomendamos, entre outros excelentes textos: An´ alise Real - vol I de Elon L. Lima e Elementos de ´ Algebra de L. H. Jacy Monteiro.

Antˆ onio L. Pereira

Instituto de Matem´ atica e Estat´ıstica, Universidade de S˜ ao Paulo - S˜ ao Paulo - Brazil

E-mail address: alpereir@ime.usp.br

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