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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ JASMINE MOREIRA JANELAS FECHADAS: O PERCURSO DA PAUTA LGBT NO PNE 2014 CURITIBA 2016

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JASMINE MOREIRA

JANELAS FECHADAS:

O PERCURSO DA PAUTA LGBT NO PNE 2014

CURITIBA

2016

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JANELAS FECHADAS:

O PERCURSO DA PAUTA LGBT NO PNE 2014

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Mestra em Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Rita de Assis César

CURITIBA

2016

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Catalogação na Publicação

Cristiane Rodrigues da Silva – CRB 9/1746 Biblioteca de Ciências Humanas – UFPR

M838j Moreira, Jasmine

Janelas Fechadas: a questão LGBT no PNE 2014. / Jasmine Moreira. – Curitiba, 2016.

110 f.

Orientadora: Profª Drª Maria Rita de Assis César.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná.

1. Plano Nacional de Educação. 2. Políticas Educacionais. 3. Identidade de Gênero na Educação.

I. Título.

CDD 371

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Às vidas que de fora almejam.

Para Claudia, por um amor que transcende e inspira.

Para Malu, nossa luz e alegria.

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À minha querida Maria Rita de Assis César, amiga e orientadora que me acolheu e me apoiou em um momento de intensas mudanças. Agradeço pelo carinho, atenção e generosidade intelectual com que me orientou nessa rápida jornada.

Ao querido André Duarte, companheiro de muitas conversas inspiradas e de muitas taças de vinho. Obrigada pela paciência, apoio e amizade.

Aos professores Ângelo Ricardo de Souza e Juslaine de Fátima Abreu Nogueira cujas contribuições feitas no exame de qualificação foram essenciais para a conclusão da pesquisa.

À CAPES, por oferecer uma bolsa para que eu pudesse cursar o mestrado.

À minha esposa Claudia, que me apoiou e incentivou neste projeto desde o primeiro momento.

À minha filha Maria Luiza, companheira de muitas partidas de videogame nos momentos de cansaço.

À minha família, pelo suporte e compreensão que me permitiram concluir este trabalho.

Aos suportes invisíveis e imprescindíveis, agradeço à minha mãe Maria de Lourdes e à minha amiga e segunda mãe Lúcia.

Aos meus amigos e professores, que de todas as formas me apoiaram

neste projeto.

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[...] And these children that you spit on As they try to change their worlds Are immune to your consultations They're quite aware of what they're going through [...]

David Bowie

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As políticas públicas para educação no Brasil são formuladas com base no conhecimento estabelecido por meio de uma norma heterossexista. Essa norma posiciona pessoas transgêneras, lésbicas, gays, e demais gêneros e/ou sexualidades não pertencentes ao modelo heterossexual à margem das políticas que regulam o espaço e o cotidiano escolar. Assim, as políticas públicas formuladas pelo atual processo são parciais e excludentes, afetando negativamente as populações que se localizam fora dos limites de uma norma heterossexual. Para analisar esse processo, busco estabelecer um olhar inverso, da margem para o centro, buscando salientar as zonas de privilégio e exclusão no interior do exercício do poder. Com esse objetivo, faço uma análise dos textos redigidos durante a tramitação do Projeto de Lei n.

8035/2010, que instituiu o Plano Nacional de Educação - PNE 2014. Uso como baliza o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH 2006 e o texto final da Conferência Nacional de Educação de 2010 – CONAE. Busco, por meio destes documentos, identificar a configuração político-discursiva que colocou em rota de colisão as atuais demandas globais por educação e direitos humanos com as demandas locais de grupos conservadores e fundamentalistas religiosos.

Grupos que provocaram um estado de pânico generalizado em torno dos temas “identidade de gênero” e “orientação sexual”, levando à sua exclusão do PNE 2014. Como resultado, as possibilidades para a formulação de políticas públicas voltadas ao combate das desigualdades e à promoção de ações de integração e redução da evasão escolar da população LGBT foram extremamente prejudicadas.

Palavras-chave: PNE 2014. Identidade de gênero. Orientação sexual.

Inclusão. Exclusão. Políticas educacionais. LGBT.

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Public policies for education in Brazil are formulated based on knowledge provided by a heterosexist norm. This norm places transgender people, lesbian, gay, and other non-heterosexual genders and sexualities on the sidelines of the policies governing space and routine on school. Thus, public policies formulated by the current process are partial and discriminatory, adversely affecting the populations located outside the boundaries of a heterosexual norm. To analyse this process, I aim to establish a reverse view, looking from the margin to the center, trying to emphasize the privilege and exclusion zones within the exercise of power. To reach this purpose, I do an analysis of the texts drawn up in the course of draft bill 8035/2010, which established the National Education Plan - PNE 2014. The National Human Rights Program - PNDH-3, the National Plan for Human Rights Education - PNEDH 2006 and the final text of the National Conference on Education 2010 - CONAE are used as a ruler in this analysis process. Through these documents, I do a map of a political and discursive configuration which puts on collision course current global demands for education and human rights with the local demands of conservative and religious fundamentalist groups. These groups are responsible for a widespread panic state around the themes "gender identity" and "sexual orientation", leading to the exclusion of both themes from the PNE 2014. As a result, the possibilities of public policies formulation to combat inequalities, promote integration and reduce truancy of LGBT people were extremely reduced.

Keywords: PNE 2014. Gender Identity. Sexual orientation. Inclusion. Exclusion.

Educational policies. LGBT.

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FIGURA 1 – MAPA CONCEITUAL... 22

FIGURA 2 – CICLO DE POLÍTICAS DE BALL E BOWE ... 70

FIGURA 3 – MODELO DE MÚLTIPLOS FLUXOS DE KINGDON ... 75

FIGURA 4 – SEM TÍTULO ... 104

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QUADRO 1 – LISTA DE METAS DO PL 8035/2010 ... 88

QUADRO 2 – COMPOSIÇÃO DA CE DA CÂMARA PARA O PNE... 92

QUADRO 3 – ALTERAÇÕES NO TEXTO DO PL 8035/2010 ... 95

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AGEE – Agenda Globalmente Estruturada para a Educação

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM – Banco Mundial

CAE – Comissão de Assuntos Econômicos CCJ – Comissão de Constituição e Justiça

CCJC – Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania CD – Câmara dos Deputados

CDHM – Comissão de Direitos Humanos e Minoria CE – Comissão Especial

CEC – Comissão de Educação e Cultura

CECE – Comissão de Educação, Cultura e Esportes

CID – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde

CNCD/LGBT – Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação CONAE – Conferência Nacional de Educação

CONSED – Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação DEM – Partido Democratas

DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais EJA – Educação de Jovens e Adultos

EUA – Estados Unidos da América FHC – Fernando Henrique Cardoso

FIES – Fundo de Financiamento Estudantil

FNCE – Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação FNE – Fórum Nacional de Educação

FUD – Fear, Uncertainty and Doubt

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

GQT – Gestão da Qualidade Total

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IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IPEA – Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação MEC – Ministério da Educação

MSC – Mensagem Presidencial

OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico OMC – Organização Mundial do Comércio

OMS – Organização Mundial da Saúde PCdoB – Partido Comunista do Brasil PDT – Partido Democrático Trabalhista PL – Partido Liberal

PL – Projeto de Lei

PLC – Projeto de Lei Complementar

PLC – Projeto de Lei da Câmara dos Deputados PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMN – Partido da Mobilização Nacional

PNDH – Programa Nacional de Direitos Humanos PNE – Plano Nacional de Educação

PNEDH – Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PP – Partido Progressista

PPS – Partido Popular Socialista PR – Partido da República

PRB – Partido Republicano Brasileiro

PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego PROS – Partido Republicano da Ordem Social

PRP – Partido Republicano Progressista

PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro PSB – Partido Socialista Brasileiro

PSC – Partido Social Cristão

PSD – Partido Social Democrático

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PSL – Partido Social Liberal

PSOL – Partido Socialismo e Liberdade PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro PTC – Partido Trabalhista Cristão PTdoB – Partido Trabalhista do Brasil PV – Partido Verde

SBT – Substitutivo

SNE – Sistema Nacional Articulado de Educação SOC – Standards of Care

TQC – Controle Total da Qualidade

UNE – União Nacional dos Estudantes

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1 INTRODUÇÃO ... 14

2 NEOLIBERALISMO E ESCOLA ... 23

2.1 BIOPOLÍTICA E NEOLIBERALISMO ... 24

2.2 CAPITAL HUMANO E AGENDA GLOBAL ... 28

2.3 O JOGO DE MERCADO E INCLUSÃO ... 32

2.4 PNDH-3 E PNEDH ... 38

3 POLÍTICAS IDENTITÁRIAS E ESCOLA ... 42

3.1 SEXUALIDADE E ESTADO ... 42

3.2 QUEER E INCLUSÃO ... 47

3.3 PARADOXOS DA INCLUSÃO ... 53

3.4 CONAE 2010 – RUMO AO PNE 2014 ... 57

4 POLÍTICAS PÚBLICAS E ESCOLA – DEMANDAS LGBT ... 68

4.1 NAS REDES DE PODER ... 70

4.2 SEGUINDO OS FLUXOS ... 74

4.3 DO MEDO AO PÂNICO ... 80

4.4 BUSCANDO UMA JANELA ... 85

5 CONCLUSÃO ... 102

REFERÊNCIAS ... 105

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1 INTRODUÇÃO

À época do início da escrita desse trabalho, presenciava-se uma grande efervescência nos debates relativos à inclusão dos termos da igualdade de gênero e orientação sexual nos planos de educação das esferas nacional, estadual e municipal.

Em outubro de 2012, uma versão do Projeto de Lei nº. 8035/2010, o futuro Plano Nacional de Educação (PNE), foi enviada ao senado federal contendo em seu artigo segundo a seguinte diretriz:

Art. 2º [...]

III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual;

(BRASIL, 2012, p. 1).

Após um extenso debate que envolveu grupos LGBT, lideranças religiosas, políticos, instituições acadêmicas e a população, os termos gênero e orientação sexual foram retirados do texto, frente à pressão de alas ultraconservadoras da sociedade e grupos religiosos fundamentalistas. Essa foi uma grande derrota para o movimento LGBT, pois serviu de justificativa para que os mesmos termos fossem suprimidos dos planos estaduais e municipais de educação, alegando-se, dentre outras coisas, a necessidade de simetria entre os planos de educação dos três níveis, nacional, estadual e municipal.

Uma vez que a superação das desigualdades de gênero e orientação sexual não constam no PNE, estados e municípios viram-se desobrigados a legislar sobre tais questões. Mais próximos dessa pesquisa, os Planos Estadual de Educação do Paraná e Municipal de Educação de Curitiba retiraram tais referências, o mesmo ocorrendo na maior parte dos estados e municípios no Brasil. Observou-se durante os debates uma confluência nociva à pauta dos direitos humanos, isto é, a crescente influência de grupos fundamentalistas e conservadores na questão dos direitos humanos, configurando uma afronta às pautas das lutas dos movimentos LGBT.

Esta pesquisa, aliada ao fato da autora da presente dissertação ser uma mulher transgênera

1

, diz respeito a um forte interesse de investigação sobre a criação

1 O conceito transgênera/o refere-se a uma literatura acadêmico-científica que o utiliza como um termo guarda-chuva que comporta todas as identidades de gênero que divergem da norma social. Também

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de políticas públicas em educação, em especial aquelas voltadas às pessoas que não estão em conformidade com os limites estabelecidos por uma determinada norma de gênero socialmente vigente. Como veremos, esses limites produzem um modo de ser e estar no mundo naturalizados no cotidiano por meio de discursos e práticas culturais que se constituíram ao longo da história, integrando-se às nossas vidas de tal sorte que se tornaram invisíveis. (BUTLER, 1999a).

É importante ressaltar que, segundo Judith Butler (2003), todo conjunto de instituições sociais se organiza nos termos de uma norma heterossexual que definiu e limitou a quem será permitida ou negada uma inteligibilidade e a existência social.

Assim, nos interessa compreender o mecanismo de posicionamento de certos grupos, tanto para dentro como para fora desses limites, bem como o processo de garantia ou negação de direitos aos grupos sociais. Sendo também importante conhecer os diversos atores sociais envolvidos nesse processo de permissão e interdição.

O ponto de partida dessa análise é buscar compreender como o Estado e a escola agem em conjunto para a produção subjetiva dos indivíduos, além de participarem ativamente do controle das populações, por meio das políticas públicas de educação. Tais políticas funcionam também como dispositivos que ensinam os indivíduos a reconhecer, entender, preservar e inserir-se dentro dos limites possíveis de reconhecimento e existência (FOUCAULT, 2014).

Ao mirarmos a escola, veremos que esta nos ensina, desde as classes mais iniciais, as regras e normas sociais, culturais e morais, afirmando sua importância na integração dos indivíduos à sociedade. De outro ponto de vista, o PNE 2014 deveria se estabelecer como a inscrição da vontade pública, convertida em política de Estado.

Desta forma, a produção da norma pelo Estado e a vontade pública convergem em alguns pontos, na medida em que o documento ressalta, por exemplo, a importância da formação para o trabalho e para a cidadania:

Art. 2º [...]

V - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade; (BRASIL, 2014, p. 1).

o conceito de transgênero/a também diz respeito às lutas pela despatologização da transgeneridade.

Segundo Letícia Lanz (2014, p. 71), “Transgênero refere-se a todo tipo de pessoa envolvida em comportamentos e/ou atividades que transgridem as normas de conduta impostas pelo dispositivo binário de gênero.”

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Assim, aprende-se primeiro a norma e essa servirá de referência para a partilha entre o indivíduo normal e o não normal, que será tomado enquanto desvio.

A consequência ético-política desse processo é que a norma é uma régua limitada e parcial que acaba por definir os limites de possibilidades para a própria existência dos indivíduos. Em se tratando de uma dicotomia dos papéis de gênero, masculino e feminino ficam delimitados pela régua que produz uma norma diferencial e desigual entre ambos os termos. Como aponta Guacira Lopes Louro (1997):

No "jogo das dicotomias" os dois pólos diferem e se opõem e, aparentemente, cada um é uno e idêntico a si mesmo. A dicotomia marca, também, a superioridade do primeiro elemento. Aprendemos a pensar e a nos pensar dentro dessa lógica e abandoná-la não pode ser tarefa simples. [...] essa eterna oposição binária usualmente nos faz equiparar, pela mesma lógica, outros pares de conceitos, como "produção-reprodução", "público-privado",

"razão-sentimento", etc. Tais pares correspondem, é possível imediatamente perceber, ao masculino e ao feminino, e evidenciam a prioridade do primeiro elemento, do qual o outro se deriva, conforme supõe o pensamento dicotômico.

Se considerarmos que as políticas públicas são formuladas com base no conhecimento estabelecido por meio da norma, não é difícil perceber que a parcialidade do conhecimento e da definição de verdade conduzem à geração de políticas públicas parciais e excludentes. Com efeito, isso afeta negativamente as populações que se localizam fora dos limites da norma. Assim, para compreendermos esse processo, a escolha aqui é por lançar um olhar de fora para dentro, buscando evidenciar zonas de privilégio e exclusão. Ou seja, a análise aqui empreendida diz respeito a um olhar da margem para o centro, mais precisamente, uma mulher transgênera investigando a elaboração das políticas de educação. Dessa maneira, fica explicitado o problema que norteia essa pesquisa: investigar as formas de produção de exclusão no interior do exercício do poder.

Partindo desta premissa, apresento uma reflexão que diz respeito aos efeitos de poder percebidos pelas pessoas que estão fora dos limites da norma. Este questionamento representa um campo de batalha que vem se configurando desde a Revolta de Stonewall

2

, em 1969, um marco importante do movimento gay nos Estados

2Em 28 de junho de 1969, uma batida policial no clube gay Stonewall Inn em Nova York torna-se violenta. Embora a polícia estivesse legalmente amparada ao invadir o clube, a multidão na rua se revoltou quando três drag queens e uma lésbica foram forçadas a entrar no camburão. A multidão começou a atirar garrafas contra a polícia que se refugiou no interior do estabelecimento até que os

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Unidos, chegando ao atual movimento LGBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) ao redor do mundo. A resposta a esse questionamento parece simples e tem sido o combustível das lutas por direitos das últimas décadas. Às pessoas que não se inserem dentro dos limites possíveis, ou mais precisamente da norma, resta a abjeção ou, na melhor das hipóteses, a invisibilidade. (BUTLER, 1999a).

No caso do Brasil, as lutas possuem um marco importante com o movimento de grupos de defesa dos direitos de gays, tendo em vista a epidemia de HIV/AIDS, no final dos anos 80 e mais recentemente dizem respeito às questões relativas a inclusão social das pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros). Nas últimas décadas, o movimento LGBT focou na assunção das identidades como instrumento jurídico, buscando conquistar direitos para grupos cada vez mais diversos e dispersos. (CÉSAR; DUARTE; SIERRA, 2013).

Porém, uma discussão importante diz respeito ao questionamento dessa assunção acrítica da noção de identidade que, por sua vez, poderá ser responsável por uma captura dos movimentos sociais, fundamentais para elaboração das demandas políticas, levando a uma despolitização do próprio movimento, como afirmam César, Duarte e Sierra (2013, p. 196):

[...] para além das inegáveis conquistas jurídico-políticas da comunidade LGBT, por meio da aliança entre o Estado e movimentos sociais, podem-se observar reconfigurações de sofisticadas estratégias biopolíticas de controle e regulação da própria população LGBT, tanto do ponto de vista do Estado como do ponto de vista dos próprios movimentos. Ou seja, com os processos de governamentalização dos movimentos, impõe-se o risco de que estes percam a capacidade criativa de crítica e autocrítica, presente em períodos anteriores da história dos movimentos de homossexuais. Neste contexto, o preço a pagar pode ser uma participação pacificada, incluída na ordem social estabelecida, heteronormativa, ou seja, uma ordem social alicerçada na ideia de normalidade heterossexual [...]

Cabe ainda ressaltar que o princípio da inclusão é uma lógica fundamental para que as populações LGBT se insiram social e politicamente. Entretanto, segundo Maura Corcini Lopes, o princípio da inclusão é um dispositivo que faz parte do conjunto de tecnologias voltadas ao gerenciamento e manutenção da crise,

reforços chegaram para dispersar a multidão. O protesto transbordou para as ruas vizinhas e a ordem só foi restaurada com uma ação integrada da polícia de Nova York. A chamada Revolta de Stonewall foi seguida por vários dias de manifestações em Nova York e foi o impulso para a formação da Frente de Libertação Gay, bem como outras organizações de direitos civis para gays, lésbicas e bissexuais.

Ele também é considerado por muitos/as como o primeiro grande protesto da história em nome da igualdade de direitos para os homossexuais. (CARTER, 2010)

(20)

característica essa do modelo neoliberal, sendo possível de ser interpretada nos Planos Nacionais de Educação de 2001 e 2014. (LOPES, 2009a). Em termos pedagógicos, as tecnologias de inclusão resultam em ações que produzem diferentes gradientes de normalização da população, reduzindo as instabilidades dos sistemas político-econômicos e deslocando os riscos associados para uma região de controle.

(LOPES, 2009a). Assim, o resultado desse processo é que mesmo produzindo uma certa inserção social da população LGBT, a norma heterossexual e sua produção não são tocadas.

Do ponto de vista do modelo econômico neoliberal, há o interesse em manter os indivíduos sempre em atividade e incluídos, mas em diferentes níveis de inclusão e participação. (LOPES, 2009a). Nessa linha de raciocínio, a participação compulsória é necessária à manutenção do mercado e do próprio Estado, sendo sustentada pela educação. O desejo pela permanência no jogo do mercado é uma característica fundamental para a saúde e longevidade do neoliberalismo. (LOPES, 2009a). Soma- se a esse interesse uma agenda global para educação e direitos humanos, que se desenvolve a partir da necessidade de comunicação econômica entre os mercados.

Em função dessas demandas, desenvolvem-se políticas de inclusão em várias direções e esferas e mais particularmente na educação, pois é na escola que se inicia o ciclo da participação dos indivíduos e a produção do desejo de permanência no jogo.

Sendo assim, a educação é um processo que irá acompanhar toda a vida dos indivíduos.

Observa-se então a ação do Estado no sentido de regular essa participação, dando origem, dessa forma, às demandas dos grupos LGBT e demais minorias;

estando de acordo com um modelo de governamento biopolítico das populações

(FOUCAULT, 2004). Por um lado, há a inclusão dos grupos LGBT no jogo econômico

e a consequente redução dos riscos oferecidos à estabilidade do próprio governo. Por

outro lado, há o atendimento das demandas por igualdade de acesso às instituições,

exercício dos direitos e cidadania. Nesse contexto, a escola deveria levar a cabo a

implementação destas políticas de inclusão, buscando estabelecer um novo ciclo de

controle biopolítico. Entretanto, não é isso que se pode observar. A escola, embora

partícipe dos processos de inclusão no jogo neoliberal, ao ser apresentada à

necessidade de inclusão das pessoas LGBT, recua e reafirma os princípios de

normalização, patologização e exclusão. Para a escola a igualdade de gênero e o

respeito à diversidade sexual seriam o limite dos processos de inclusão? Seria a

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escola uma instituição que, do ponto de vista da diversidade de gênero e sexual, ainda opera com os dispositivos analisados por Michel Foucault para o século XIX, isto é, o dispositivo da sexualidade, que opera os processos de normalização e hegemonização do desejo e das identidades?

Do ponto de vista desta pesquisa, observamos um tensionamento entre as políticas inclusivas, organizadas a partir da noção de identidade e da inclusão de todos os sujeitos, e a escola, instituição de produção e reprodução de uma lógica orientada pela norma heterossexual. Desse modo, transexuais, lésbicas, gays, e demais gêneros e/ou sexualidades não pertencentes ao modelo heterossexual, ficam à margem desse modelo normativo heterossexual que regula o espaço e o cotidiano escolar. Nos últimos anos, essa tensão tem sido reforçado ainda por diversos atores externos que influenciam direta e indiretamente o contexto da prática escolar.

No caso brasileiro, observa-se na história recente, em especial nos debates em torno do PNE 2014, a ascensão de discursos conservadores e fundamentalistas religiosos. Estes discursos foram responsáveis pelo aparecimento de um conjunto de narrativas ultraconservadoras que ganharam o contorno daquilo que algumas autoras e alguns autores denominaram de pânico moral. (RUBIN, 2003). Na perspectiva desse trabalho, a retirada dos temas de gênero, sexualidade e diversidade sexual do texto da lei corresponde àquilo que pode ser interpretado e analisado à luz do conceito de pânico moral.

Como já referido, observa-se então um quadro paradoxal. Por um lado, o

princípio da inclusão de todos os sujeitos na escola é um elemento fundamental para

a plena cidadania e inserção no mercado de trabalho. Por outro, a escola e parcelas

da sociedade brasileira recusam a inclusão de pessoas fora da norma heterossexual

que, por sua vez, são consideradas como abjetas. (BUTLER, 1993). Do ponto de vista

da escola, a execução das políticas de inclusão de pessoas LGBT constitui-se como

um problema que resulta em ações contraditórias em relação aos seus discursos e

práticas. Um exemplo importante diz respeito à dificuldade que as instituições

escolares possuem em relação ao uso do nome social por pessoas transgêneras,

assim como o uso de banheiros por autodeterminação do gênero. Para o estado do

Paraná, há um parecer normativo de 2009 que exige o uso de nome social e legisla

sobre a utilização dos banheiros pela autodeterminação do gênero nas escolas. No

mesmo sentido há também a legislação de 2015, em âmbito nacional, por meio de

uma resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos

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Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais. No entanto, mesmo as resoluções e normativas vigentes não impedem que as escolas adotem um tratamento excludente, preconceituoso e violento. Tendo em vista essas e outras dificuldades colocadas pelas escolas para a população LGBT e suas famílias, as mesmas acabam por desenvolver estratégias de resistência para garantir sua permanência na escola.

Apresentado esse cenário, o problema da presente pesquisa reside na análise do processo de produção de políticas públicas em educação voltadas à população LGBT no Brasil. Observa-se nesse cenário um hiato entre as demandas da governamentalidade neoliberal, isto é, a inclusão no jogo de mercado (GADELHA, 2013) e o controle dos corpos por meio dos dispositivos de normalização (FOUCAULT, 1988). Tendo em vista o paradoxo explicitado, busco compreender como se situam no quadro analítico do PNE 2014 as políticas de combate à discriminação e de inclusão da população LGBT.

Para responder a essa questão, percorro um caminho analítico que envolve o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), o documento final Conferência Nacional de Educação (CONAE 2010) e o Plano Nacional de Educação (PNE 2014). Avalio nestes textos a presença de elementos narrativos relativos às políticas educacionais de inclusão da população LGBT. Com esse objetivo, o presente trabalho se divide em três capítulos.

O capítulo 1 trata da implementação, nos últimos anos, das políticas neoliberais no Brasil, tendo em vista a relação entre a educação e as ações do Estado.

Nesse capítulo, busco fazer uma rápida contextualização abordando a forma como o neoliberalismo foi absorvido pelas políticas educacionais brasileiras, conectando questões econômicas, controle biopolítico e educação. Em seguida, faço uso dos conceitos de governamentalidade biopolítica, gerenciamento de crise e inclusão no jogo de mercado para identificar as estratégias neoliberais presentes no planejamento educacional brasileiro e seu impacto nos processos de formação dos indivíduos que visa a produção de capital humano, tendo em vista a interpretação desse conceito por Michel Foucault. Faço ainda uma análise desse quadro frente à uma agenda global para educação e direitos humanos, que emerge como necessidade nos processos de regulação dos mercados.

O capítulo 2 descreve como a produção da sexualidade se converte em um

dispositivo de controle biopolítico de corpos e sujeitos, a partir do qual se desenvolve

todo um conjunto de tecnologias voltadas à normalização dos corpos. Trata ainda de

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analisar a constituição de um padrão normativo de base heterossexual nas instituições públicas e de seus efeitos sobre as populações não pertencentes a esse padrão.

O capítulo 3 traz uma análise das perspectivas neoliberais e da agenda global para inclusão da população LGBT, institucionalizadas pelo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3 de 2007), pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH de 2010) e pelo documento final da CONAE 2010. Mais especificamente, o capítulo procura analisar o movimento de exclusão das pautas LGBT no PNE 2014. Para isso, serão utilizadas as diversas alterações no texto do PL8035/2010, que tramitaram no congresso nacional e que deram origem à lei 13.005, de 25 de junho de 2014, ou PNE2014.

A figura 1 apresenta o mapa conceitual desta dissertação. O objetivo é

oferecer um instrumento que auxilie no entendimento das relações estabelecidas

entre os conceitos aqui abordados. Optei por desenvolvê-lo a partir da ideia de

oposição discursiva, analisada no decorrer do texto. Porém, há outras formas

possíveis de visualizar essas relações, partindo dos fluxos, das agendas ou do modelo

biopolítico, apenas para citar alguns exemplos. Destaquei no diagrama os três fluxos

pertencentes ao modelo de Kingdon (1995). Espero desta forma colaborar para a

melhor leitura deste trabalho.

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FIGURA 1 – MAPA CONCEITUAL

FONTE: A autora (2016).

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2 NEOLIBERALISMO E ESCOLA

Antes de abordarmos as pautas neoliberais na educação é importante ressaltar que a implantação do neoliberalismo no Brasil ocorre de forma gradual e parcial, sendo observada em maior ou menor intensidade de um governo para outro ao longo dos últimos 40 anos. É possível observar ao longo da história recente de nossos planos econômicos elementos que remetem ao desenvolvimentismo, ao Estado de Bem-Estar Social

3

, ao neoliberalismo

4

e, mais recentemente, ao novo desenvolvimentismo. Porém nenhum destes modelos caracteriza de forma absoluta a atuação político-econômica brasileira.

Para o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira o neoliberalismo está presente na América Latina e é aplicado no Brasil desde a década de 1990. (BRESSER- PEREIRA, 2010, p. 9). No entanto, observa-se na história recente que os governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff buscam adotar uma nova linha econômica, chamada de novo desenvolvimentismo, “o novo desenvolvimentismo é um “terceiro discurso” entre o velho discurso desenvolvimentista e a ortodoxia convencional; é um conjunto de ideias, instituições e politicas econômicas através das quais os países de renda média tentam, no início do século XXI, alcançar os países desenvolvidos”. (BRESSER-PEREIRA, 2010). Ou seja, se comparado ao modelo neoliberal clássico, há uma diferenciação estratégica nas ações que visam o crescimento econômico e que remontam o pensamento keynesiano como: ação econômica anticíclica; transferência de renda; programas de apoio às empresas brasileiras e incentivo ao consumo e produção. No entanto, isso não significa o fim da influência neoliberal na economia brasileira, nem de seus reflexos na educação.

A heterogeneidade do contexto econômico se reflete em outros campos da organização social e política do Estado brasileiro. No entanto, a influência neoliberal é mais perceptível nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, do que nos governos Lula e Dilma. A educação, por sua vez, ainda sofre com os reflexos

3 “No século XX, o Welfare State, ou Estado de Bem-Estar Social, representou uma forma de ampliação da esfera estatal mediante um maciço investimento público em áreas como saúde, previdência, educação e outros serviços sociais, em resposta às demandas da classe trabalhadora” (SIMIONATTO;

COSTA, 2012, p. 18).

4 O Neoliberalismo é uma doutrina econômica, desenvolvida a partir da década de 1970, que defende a liberdade de mercado e restringe a intervenção do Estado sobre a economia aos setores imprescindíveis e em um grau mínimo. (ANUNCIAÇÃO, 2012, p. 31-33).

(26)

das ideias neoliberais e se converte em palco de implementação de um controle biopolítico que procura atender a uma pauta ditada pelas demandas econômicas globais.

2.1 BIOPOLÍTICA E NEOLIBERALISMO

Para compreendermos as relações entre Estado, economia e educação, é preciso, em primeiro lugar, entender como a forma de exercício de governo vai atuar sobre indivíduos e populações. Michel Foucault (1988) demonstra a emergência dos dispositivos disciplinares para o controle dos corpos, a partir da segunda metade do século XVIII. A norma passou a orientar o comportamento de indivíduos e populações, servindo de base para a criação de inúmeros mecanismos de controle. Servirá ainda para formulação de um discurso científico acerca da sexualidade, que dará origem a uma ciência médica, especializada em categorizar e patologizar os indivíduos.

(FOUCAULT, 1988).

Em sua análise genealógica

5

da modernidade ocidental, Foucault percebeu que, a partir do século XIX, o Estado inicia a implantação de um controle planejado sobre as populações, para além de disciplinar corpos e condutas. Nesse contexto, o sexo e as práticas sexuais emergem como foco principal do controle estatal, que buscava normalizar o comportamento dos indivíduos e da população, com o objetivo de controlar variáveis como taxas de natalidade, mortalidade, sanitização, epidemias e o próprio modo de vida das pessoas. (FOUCAULT, 1988). Assim, para além da observação dos fenômenos populacionais, foi possível definir estratégias políticas para atuação sobre o corpo social. Em outras palavras, Foucault demonstrou a forma pela qual a disciplina sobre os corpos atuou de forma paralela a um controle sobre as populações, denominado por ele de biopoder, isto é, um poder sobre a vida. De uma parte, um poder que se constituiu como uma anátomo-política dos corpos, a disciplina.

De outra parte, um outro poder que se definiu como uma biopolítica das populações, sendo ele a expressão do poder do Estado. (FOUCAULT, 1988).

5Segundo Judith Revel (2011, p. 70), “o método genealógico é uma tentativa de “desassujeitar” os saberes históricos, isto é, de torna-los capazes de se opor e de lutar contra “a ordem do discurso”; isso significa que a genealogia não busca somente no passado a marca de acontecimentos singulares, mas que ela se questiona a respeito dos acontecimentos nos dias de hoje”.

(27)

Foucault compreendeu então que a modernidade está marcada pelo exercício de dois tipos de poder: a disciplina, que age sobre os corpos, e o biopoder que age sobre as populações. Do ponto de vista metodológico de sua obra, há um deslocamento teórico na analítica do poder, quando ele localiza e nomeia o que chama de biopoder. (FOUCAULT, 2008). Alguns anos mais tarde em seus cursos no Collége de France, Foucault introduz os conceitos de governamento e governamentalidade

6

, que acirrarão suas análises sobre as formas de exercer o governo, como os neologismos governamentalidade e governamento. Entre 1978 e 1979, também em seus cursos, esses conceitos foram ampliados para que fosse possível uma análise do Estado e da economia. Segundo Maria Rita de Assis César (2010, p. 229):

A partir do curso de 1977-78, Segurança, território, população, o autor se deteve mais especificamente na análise das diferentes formas de controle e gestão da população no contexto do mercantilismo e do liberalismo econômico clássico. Foucault discutiu aquela questão no âmbito da articulação entre Estado moderno, economia política e dispositivos de seguridade, a partir da introdução dos novos conceitos de governamento e governamentalidade.

Estes conceitos permitiram a Foucault situar o liberalismo como uma técnica de governamento que age diretamente sobre as populações e da qual emergem novas tecnologias de poder. (FOUCAULT, 2008). Ou seja, o poder do Estado não mais se assentava em um modelo de interdição legal, mas em mecanismos mais complexos de controle e atuação.

Com o avanço das ideias neoliberais nos Estados Unidos, após a crise do petróleo da década de 1970, observa-se também a criação de um novo conjunto de práticas governamentais alinhadas aos novos preceitos econômicos. Surge uma nova lógica com ênfase na mercantilização da sociedade, isto é, a ênfase no próprio mercado. Segundo as análises de Foucault, surge a ideia de homem como capital, de sociedade como empreendimento e de livre competição, sendo estes os pilares de

6 Para Cesar, “a governamentalidade é um instrumento heurístico para a investigação da racionalidade das práticas de controle, vigilância e intervenção governamental sobre os fenômenos populacionais”.

(CÉSAR; DUARTE, 2009, p. 121).

(28)

uma nova forma normalização das populações. (FOUCAULT, 2004). A chamada Escola de Chicago

7

foi o marco desse novo pensamento econômico.

No neoliberalismo a conduta econômica dos indivíduos passa a ser o alvo principal da economia política, principalmente porque, segundo os economistas da Escola de Chicago, capital e indivíduo não estão dissociados, antes, formam o que Theodore Schultz (1972, p. 5) chama de capital humano:

Human capital is strictly an economic concept. Although it pertains to particular attributes of man, it is not intended to serve those who are engaged in analysing psychological, social, or cultural behaviour. It is a form of capital because it is the source of future earnings, or of future satisfactions, or of both of them. It is human because it is an integral part of man.8

Assim, seguindo esse modelo, podemos dizer que um determinado capital humano é constituído a partir do potencial de trabalho de cada um em relação às demandas do mercado. Cada indivíduo seria, então, responsável por tornar a si mesmo um empreendimento, não mais no sentido de vender seu próprio trabalho, mas no sentido de manter e acrescentar valor a si mesmo. Nesse ponto, Foucault sugere o aparecimento de um “novo” sujeito ou de uma nova subjetividade que nasce sob uma racionalidade orientada pelas demandas do mercado, isto é, o homo- economicus. (FOUCAULT, 2004).

As análises realizadas por Foucault assinalam uma mudança na economia política, que representa uma importante transformação em aspectos da sua obra.

Foucault passa a se interessar pela “análise das formas flexíveis e sutis de controle e governamento das populações e dos indivíduos, tal como elas se exercem por meio das regras neoliberais da economia de mercado”. (CÉSAR; DUARTE, 2009, p. 122).

Foucault aponta para um novo regime, isto é, uma biopolítica neoliberal que se

7 Segundo Costa, “Originalmente, o termo Escola de Chicago surgiu na década de 1950, aludindo às ideias de alguns professores que, sob influência do paradigma econômico neoclássico e sob a liderança de Theodore Schultz, atuavam junto ao Departamento de Economia da Universidade de Chicago, mas também junto à Escola Superior de Administração e à Faculdade de Direito dessa mesma universidade.

Por outro lado, o termo remete também a um grupo de economistas que, a partir do início dos anos 1960, influenciados por Milton Friedman (Nobel de 1976), George Stigler (Nobel de 1982) e seus discípulos, além de servir de arauto à defesa do livre mercado, refutava e rejeitava os princípios da doutrina keynesiana”. (COSTA, 2009, p. 174).

8 Livre tradução: O capital humano é um conceito estritamente econômico. Embora refira-se a determinados atributos humanos, não se destina a servir àqueles que estão envolvidos na análise dos comportamentos cultural, psicológico ou social. É uma forma de capital, porque é a fonte de lucros futuros, ou de satisfações futuras, ou de ambos. É humano porque é uma parte integral do homem.

(29)

caracteriza pela preponderância da economia sobre um modo de governo. Para o autor: “É preciso governar para o mercado, em vez de governar por causa do mercado”. (FOUCAULT, 2008, p. 165). Nesse contexto, a governamentalidade biopolítica neoliberal, como instrumento analítico, emerge de uma matriz político- econômica que apresenta o homo-economicus regulado e normatizado por um Estado regido pelas demandas do mercado.

Essa nova forma de normalização provocará profundas transformações no comportamento dos indivíduos, que passarão a agir de acordo com determinados padrões econômicos. É importante ressaltar que essas transformações não serão provocadas exclusivamente pela ação Estado, mas sobretudo pelo mercado, criando uma poderosa rede de subjetivação que termina por envolver os indivíduos em um verdadeiro jogo de mercado. Segundo Foucault (2008), o objetivo principal da biopolítica neoliberal seria promover o maior número possível de formas de empresa, estabelecendo-se, dessa forma, uma rede que permitirá o livre fluxo de capital e a concorrência.

A partir desse ponto, já é possível conectar as demandas do Estado e do mercado aos processos educacionais, uma vez que estes serão essenciais à subjetivação dos indivíduos, tanto para o controle dos corpos, como para a sua inserção no jogo de mercado. Assim, ao analisar o comportamento desse novo sujeito econômico, percebemos claramente sua relação com o mercado, segundo Maria Rita de Assis César (2010, p. 232):

Se refletirmos a partir da discussão foucaultiana da noção neoliberal de

“capital humano”, compreenderemos que o novo sujeito econômico ativo deverá produzir-se a si mesmo por meio das novas tecnologias informacionais, nutricionais, educativas e físicas, as quais deverão ampliar suas capacidades corporais e cognitivas no sentido de torná-lo um

“empreendedor de si mesmo”.

Nesse contexto, as ações do Estado e do mercado se voltariam à produção

de capital humano. Assim, quer seja por meio de políticas públicas voltadas à

educação, quer seja pela ação de entidades educacionais privadas, esse indivíduo

estará sujeito a um controle biopolítico que promoverá tanto sua subjetivação,

transformando-o em um empreendedor de si mesmo, quanto sua inserção no jogo de

mercado.

(30)

2.2 CAPITAL HUMANO E AGENDA GLOBAL

No decorrer da década de 1990, as ideias neoliberais avançaram sobre a geração de políticas públicas no Brasil. Muito se discutiu a respeito da aplicação dos conceitos de gestão da qualidade total

9

(GQT) no campo da educação. A técnica de gestão de qualidade, que se aplica aos processos fabris, deveria ser transportada para o interior das estruturas educacionais, envolvendo desde as etapas de planejamento até a organização do espaço escolar. Por meio de indicadores, seria possível acompanhar o desempenho de todo o sistema e atuar sobre ele, implementando ações para garantir a melhoria contínua do processo de formação dos indivíduos, segundo Pablo Gentili (1996, p. 25):

O neoliberalismo formula um conceito específico de qualidade, decorrente das práticas empresariais e transferido, sem mediações, para o campo educacional. As instituições escolares devem ser pensadas e avaliadas (isto é, devem ser julgados seus resultados), como se fossem empresas produtivas. Produz-se nelas um tipo específico de mercadoria (o conhecimento, o aluno escolarizado, o currículo) e, consequentemente, suas práticas devem estar submetidas aos mesmo critérios de avaliação que se aplicam em toda empresa dinâmica, eficiente e flexível.

A justificativa para essa implantação seria uma suposta crise na educação.

Segundo os neoliberais, a falta de gestão seria a principal causa da falta de eficiência e baixa produtividade das escolas. (GENTILI, 1996). Partindo desse pressuposto, afirmava-se não haver problemas de acesso, dimensionamento, distribuição de recursos ou mesmo de financiamento no sistema de ensino. O problema estaria localizado na baixa qualidade dos profissionais, na distribuição ineficiente das escolas e da oferta de cursos e nas práticas pedagógicas e técnicas de gestão defasadas.

Esse movimento não está descolado do percurso das discussões acadêmicas sobre a educação que se iniciaram na década de 1980 na América Latina. Pablo Gentili (1996) abordava ainda os principais temas destas discussões acerca da educação, análise dos modelos teóricos: democratização da educação e do conhecimento, democratização com qualidade, qualidade com eficiência e produtividade, eficiência e produtividade em conjunto com diversos atores. Observa-

9 A Qualidade Total é uma filosofia de gestão que busca atingir a satisfação dos clientes internos e externos de uma empresa por meio do uso de um conjunto de técnicas e ferramentas integradas ao modelo de gestão. Segundo Vicente Falconi Campos (1994), TQC (controle total da qualidade) é o controle exercido por todas as pessoas para a satisfação das necessidades de todas as pessoas.

(31)

se a emergência de um discurso sobre a qualidade, que se inicia com a análise dos modelos vigentes e caminha para a formação de uma rede de atores na qual todos seriam responsáveis pelo processo educacional, Estado, Igreja, sindicatos, elites políticas, empresários, militares dentre outros.

Destas discussões, surgiu a ideia de que para democratizar o ensino seria preciso realizar “uma profunda reforma administrativa do sistema escolar orientada pela necessidade de introduzir mecanismos que regulassem a eficiência, a produtividade, a eficácia, em suma: a qualidade dos serviços educacionais”.

(GENTILI, 1996, p. 18). Por meio dessa estratégia, seria então possível sanar a “crise de democratização” presente na escola, bem como os problemas estruturais a ela associados: a exclusão e a discriminação, que provocam evasão, repetência, violência e analfabetismo funcional.

No Brasil, a democratização do ensino por meio da melhoria da qualidade passou a ser uma das principais preocupações no campo da educação durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), na década de 1990. Surgiram políticas públicas voltadas tanto à formação continuada dos professores quando à oferta de financiamento, como o FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. A influência de atores, ou players, internacionais tornou-se evidente no planejamento das reformas educativas, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização Internacional do Comércio (OMC) e outras entidades passaram a pautar o projeto de educação desse governo, instaurando a lógica de mercado na educação brasileira.

Segundo Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta (2003, p. 108):

A dimensão talvez mais profunda e de consequências mais graves situa-se no fato de que o Governo Fernando H. Cardoso, por intermédio do Ministério da Educação, adotou o pensamento pedagógico empresarial e as diretrizes dos organismos e das agências internacionais e regionais, dominantemente a serviço desse pensamento como diretriz e concepção educacional do Estado.

O alinhamento estratégico das políticas públicas brasileiras passou a ser feito

com base nos interesses econômicos de players internacionais, para os quais era

necessário maximizar a eficiência do sistema de ensino brasileiro para garantir maior

formação de capital humano e, consequentemente, fortalecer um possível mercado

(32)

de consumo. Combater a exclusão

10

era um item fundamental na pauta das política neoliberais e o termo “inclusão” desponta como alternativa para maximizar a geração de capital humano.

Atualizando a discussão, na década de 2000, os governos Dilma e Lula não representaram uma ruptura total do modelo adotado por FHC. Antes, retomam as práticas político-econômicas da agenda neoliberal, porém com uma nova abordagem.

Roger Dale (2004) nos apresenta uma abordagem que chamou de agenda globalmente estruturada para a educação, ou simplesmente AGEE, que pode nos guiar na análise das ações recentes da globalização, segundo o autor:

Para a AGEE, a globalização é um conjunto de dispositivos político- econômicos para a organização da economia global, conduzido pela necessidade de manter o sistema capitalista, mais do que qualquer outro conjunto de valores. A adesão aos seus princípios é veiculada através da pressão econômica e da percepção do interesse nacional próprio [...]

Na abordagem AGEE, a globalização é vista como sendo construída através de três conjuntos de atividades relacionadas entre si, econômicas, políticas e culturais. (DALE, 2004, p. 436).

Nessa abordagem, ele estabelece uma correlação entre os movimentos da economia mundial, enquadrando a agenda do Estado e seus componentes, inclusive a educação. Aborda ainda as alterações das políticas e práticas educacionais de determinados países, principalmente dos blocos da Ásia, América do Norte e Europa.

Segundo o autor, a globalização se desenvolve de forma extra ou supranacional, como resultado da necessidade de perpetuação do sistema capitalista. Segundo Dale,

“a globalização, na medida em que pode afetar as políticas e as práticas educativas nacionais, implica a apreciação da natureza e da força do efeito extranacional”.

(DALE, 2004, p. 425).

Para o autor, o motor da globalização não é estritamente econômico, no entanto, “a abordagem AGEE vê o capitalismo como a principal força causal, conduzida pela procura do lucro”. (DALE, 2004, p. 438). De acordo com essa

10 Exclusão é uma palavra que tem sido amplamente utilizada em campanhas políticas e em práticas de assistência, em discursos acadêmicos de distintas áreas do saber, em campanhas de saúde pública e, talvez principalmente, em políticas educacionais. Ela está quase sempre associada aos analfabetos, às pessoas com deficiência, aos doentes mentais, àqueles que não conseguiram aprender na escola, aos alunos matriculados em escolas especiais e regulares — mas que não aprendem —, aos meninos de rua, aos velhos abandonados, aos pobres e às minorias em geral. Ela está associada, também, à própria noção de crise, como estado característico da Contemporaneidade. (LOPES, 2009a).

(33)

abordagem, a globalização se caracteriza por como um conjunto permeável de dispositivos político-econômicos voltados à organização da economia global e capazes de prosperar em diferentes culturas:

[...] a abordagem AGEE não pretende que a mudança seja conduzida apenas por fatores materiais. É possível aceitar que as ideias e as crenças mudam numa base sobre a qual o capitalismo é capaz de prosperar nas mais diferenciadas culturas normativas. Faz isso sob formas muito diferentes de estado e de governo, sob muitos e diferentes regimes religiosos, sob formas de família muito diferentes. (DALE, 2004, p. 438).

Uma das diferenças da abordagem de Dale em relação às abordagens do capital humano reside exatamente nessa permeabilidade dos dispositivos. Traduzida para as políticas públicas, essa permeabilidade permite a existência de paradoxos nas pautas de inclusão, em troca da garantia da manutenção dos mercados. Esse deslocamento teórico permite observar de forma mais clara como a organização social passou a ser pautada por fatores econômicos, segundo o autor:

A sua seleção de mecanismos para estas instituições pode ser vista de forma bastante útil como sendo essencialmente exclusiva, mais do que inclusiva.

Portanto, “a política mundial” retém, como “membros de pleno direito”, regimes perversos e repressivos no sentido de antecipar a possibilidade da sua substituição por regimes menos dóceis à expansão da economia global;

e os poderosos estados individuais estão preparados para fazer vista grossa dos abusos sobre os direitos humanos se a chamada de atenção para eles puder eventualmente fazer perder mercados e lucros. Este tipo de ações pode seguramente ser mais adequadamente explicado através da concepção da política mundial que vê o capitalismo como o condutor do que por aquela que vê a racionalização das regras acerca do progresso, da modernidade e da igualdade humana como forças causais. (DALE, 2004, p. 438).

Nesse quadro, é possível prever que exista uma forte correlação entre os

processos de formulação de políticas públicas de inclusão e o risco de impacto

econômico associado à exclusão de determinadas populações. Essa correlação não

é uniforme, mas orientada pela maximização do lucro e dos mercados. O argumento

economicista para a inclusão está presente nas ações do Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Banco Mundial (BM), além de várias

outras instituições econômicas e de direitos humanos. Em última instância, tais

políticas públicas geram gradientes de inclusão, ou seja, implementam a inclusão

mínima necessária para que os riscos sejam devidamente controlados, tese

desenvolvida por Maura Corcini Lopes e Cláudia Dal'Igna (2007).

(34)

Assim, tanto a abordagem da AGEE de Roger Dale, quanto o modelo de governamentalidade biopolítica de Michel Foucault, entendem que o capitalismo possui mecanismos para exercer pressão e controle sobre as populações. Nesse sentido, a educação assume uma função essencial para a governamentalidade biopolítica, uma vez que as políticas inclusivas podem ser entendidas como um dispositivo biopolítico que garante não apenas a segurança das populações, mas do próprio mercado. Em última análise, a educação promove a formação de indivíduos normalizados, economicamente viáveis em termos de produção e consumo, preparados para gerar lucros e garantir a estabilidade do mercado.

2.3 O JOGO DE MERCADO E INCLUSÃO

Se, no plano da governamentalidade biopolítica neoliberal, a educação é um instrumento de subjetivação dos indivíduos, espera-se então que haja uma forte correlação entre as demandas do Estado/mercado com a escola e os indivíduos.

Podemos começar a estabelecer essa conexão pensando a sociedade contemporânea e suas instituições em termos de normalização. Segundo Foucault (2010, p. 212):

De uma forma mais geral ainda, pode-se dizer que o elemento que vai circular entre o disciplinar e o regulamentador, que vai se aplicar, da mesma forma, ao corpo e à população, que permite a um só́ tempo controlar a ordem disciplinar do corpo e os acontecimentos aleatórios de uma multiplicidade biológica, esse elemento que circula entre um e outro é a “norma”. A norma é o que pode tanto se aplicar a um corpo que se quer disciplinar quanto a uma população que se quer regulamentar. A sociedade de normalização não é, pois, nessas condições, uma espécie de sociedade disciplinar generalizada cujas instituições disciplinares teriam se alastrado e finalmente recoberto todo o espaço – esse não é, acho eu, senão uma primeira interpretação, e insuficiente, da ideia de sociedade de normalização. A sociedade de normalização é uma sociedade em que se cruzam, conforme uma articulação ortogonal, a norma da disciplina e a norma da regulamentação.

Sylvio Gadelha aponta para a forma como a regulamentação biopolítica age

em conjunto com as práticas de normalização para estabelecer estratégias para a

educação. Assim, ele posiciona a norma como o elemento que fará a conexão entre

o controle biopolítico e a educação:

(35)

[...] como, então, posicionar e dimensionar a relação entre biopolítica e educação? Em primeiro lugar, sem superestimá-la, parece-me lícito supor que Foucault nos sugere que a mesma teria como ponto de ancoragem principal, a noção de norma e os processos de normalização. [...] O que não se pode perder de vista, portanto, são as formas como a norma disciplinar e a norma da regulamentação (biopolítica) se cruzam [...] não podemos perder de vista o cruzamento de ambas no campo de práticas e saberes que informam a educação, seja ela escolarizada ou não, ou nas políticas que a atravessam e a agenciam para determinados fins estratégicos [...].

(GADELHA, 2013, p. 174-175).

Assim, por meio da norma, será possível estabelecer critérios de inclusão, ordenando, hierarquizando e homogeneizando as populações, definindo “um modelo central a partir do qual todos serão referidos”. (LOPES, 2009a, p. 159). Isso não implica em dizer que há um movimento unidirecional do Estado/mercado para os indivíduos na implantação de uma norma, algo que seria característico de uma sociedade disciplinar. (FOUCAULT, 2008). Antes, implica em dizer que Estado e mercado fazem uso dos modelos socialmente estabelecidos, buscando incluir o maior número possível de pessoas, em um movimento característico das sociedades de controle. (DELEUZE, 2013).

A consequência dessa conexão é que aquelas populações que se mobilizam por meio de movimentos sociais, e que lutam por inclusão, serão absorvidas pela expansão das normas vigentes ou por meio de novas normas. Essa inserção, no entanto, é feita de forma calculada e possui dois objetivos principais: a) converter estas populações em capital humano para inserí-las no jogo de mercado e b) conduzir estas populações para uma região de controle.

O primeiro objetivo demanda que o Estado forneça condições mínimas a estas populações, por meio do acesso a serviços essenciais e à renda, ao mesmo tempo em que o mercado fornece produtos e serviços compatíveis com o potencial de consumo desse público visando criar um sistema sustentável. Segundo Maura Corcini Lopes (2009, p. 167):

O provimento, por parte do Estado, das condições de saúde e de educação, bem como o provimento das condições de consumo, não está na contramão das políticas de mercado. Tais provimentos funcionam como condições de possibilidade para o estabelecimento, geração e sustentabilidade do mercado.

O segundo objetivo é mais representativo em termos de operações de

normalização, uma vez que conduzir os indivíduos para uma região de controle

(36)

significa não apenas trazer os desviantes para uma região de normalidade, mas criar novas regiões de normalidade que possam comportá-los. Significa criar politicas públicas específicas que vão caracterizar essas populações, associando uma identidade bem delimitada a um determinado conjunto de direitos. Dessa forma, é possível categorizar estas populações ao mesmo tempo em que se minimiza o risco sócio-político-econômico a elas associado. Nesse ponto já é possível intuir que quanto maior o impacto dos riscos associados, maiores serão as chances de criação de politicas públicas específicas para um determinado grupo e, por consequência, de sua captura pela rede de governamentalidade biopolítica.

Partindo da premissa da AGEE, de que a maximização do lucro e a manutenção dos mercados são as principais prerrogativas do gerenciamento econômico global, podemos relacionar os conceitos e chegar a ideia de que, para que faça parte da sociedade de forma plena, é necessário que o indivíduo possua capacidade de produzir, consumir e permanecer no jogo do mercado. Assim, as ações de controle biopolítico adotadas pelo Estado serão orientadas não apenas à formação profissional dos indivíduos, mas sobretudo à sua subjetivação e normalização, alinhando sua subjetividade às demandas mercadológicas. A educação cumpre um papel central no processo de inclusão dos indivíduos no jogo de mercado e na definição dos limites daquilo que é ou não aceitável enquanto capital humano.

Seguindo essa lógica, o paradigma da inclusão emerge como consequência dessa necessidade de colocar todos no jogo do mercado, na medida em que todos são tomados como homo-economicus e capital humano. Desse modo, a governamentalidade biopolítica neoliberal é uma forma de governamento que necessita do princípio da inclusão para produzir capital humano, mesmo que estes joguem em posições diferentes o jogo de mercado. O que importa é estar no jogo, não importa a posição, isto é, uns estarão mais e outros estarão menos incluídos. Lopes aponta para esse movimento, destacando a intencionalidade do Estado no posicionamento dos sujeitos dentro de uma rede de saberes que busca conservar o interesse dos indivíduos em manter-se conectados ao mercado e à sociedade. Ela assinala duas regras essenciais para compreensão da dinâmica neoliberal no controle dos indivíduos:

A primeira regra é manter-se sempre em atividade. Não é permitido que ninguém pare ou fique de fora, que ninguém deixe de se integrar nas malhas que dão sustentação aos jogos de mercado e que garantem que todos, ou a

(37)

maior quantidade de pessoas, sejam beneficiados pelas inúmeras ações de Estado e de mercado.

A segunda regra é que todos devem estar incluídos, mas em diferentes níveis de participação, nas relações que se estabelecem entre Estado/população, públicos/comunidades e mercado. (LOPES, 2009a, p. 155).

A primeira regra deriva da própria necessidade do mercado de manter-se em movimento constante. Como reflexo disso, em função da dinâmica de oferta e procura por produtos e serviços e dos avanços tecnológicos que cria novas necessidades, novos desejos e novos produtos, o processo de educação tende a ser contínuo, para a vida, uma vez que o indivíduo precisa absorver novos conhecimentos para atender e criar demandas que se alteram rapidamente. Desse modo, o homo-economicus é um sujeito ativo porque sua subjetividade é constituída tendo em vista a liberdade e o desejo, isto é, a liberdade para desejar estar incluído no jogo e participar sempre.

A segunda regra trata da maximização, manutenção e mobilização do capital humano para implementação do próprio jogo de mercado. Em outras palavras, todos devem ser produtivos em alguma medida e devem obrigatoriamente consumir sempre e desejar consumir. Para que esse objetivo seja atingido, é necessário que os indivíduos atendam a três condições básicas: “primeiro, ser educado em direção a entrar no jogo; segundo, permanecer no jogo (permanecer incluído); terceiro, desejar permanecer no jogo”. (LOPES, 2009a, p. 155).

Ao entender a participação no jogo de mercado como componente essencial da governamentalidade biopolítica neoliberal, é possível relacionar as políticas públicas voltadas à inclusão a uma demanda por gerenciamento das populações.

Seus desdobramentos estarão presentes em áreas como saúde, seguridade, emprego e também na educação, por meio dos Planos de Educação (nacional, estaduais e municipais). Assim, a educação será responsável pela produção da subjetividade dos indivíduos buscando não apenas inserí-los e mantê-los no mercado, mas desenvolvendo neles o desejo da permanência e participação.

Um dos efeitos observados é a mudança no status dos grupos antes

identificados como minorias excluídas, que passaram a ter relevância, tanto em

termos econômicos, quanto em termos de segurança ou estabilidade no próprio

sistema de poder. Nesse contexto, observa-se um certo recuo das práticas

disciplinares e normalizadoras das instituições sociais. Segundo Deleuze, a escola, a

fábrica, o hospital e todas as instituições sociais se transformaram em empresas em

uma sociedade que se sobrepõe à sociedade disciplinar, que ele denominou de

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