MATERIAL DE APOIO
EIXO TEMÁTICO: ANSIEDADE
PALAVRAS-CHAVE: dificuldades psicológicas; sofrimento emocional e psicológico;
tensão apreensiva (descrição do psicanalista Henry P. Laughlin); cobrança social; padrões sociais; modelos de felicidade condicionados socialmente; exigências sociais; vazio existencial; inquietude; intranquilidade
INFORMAÇÕES PRELIMINARES:
Segundo a Organização Mundial da Saúde, no CID-10, o transtorno de ansiedade
generalizada e persistente é aquele que “não ocorre exclusivamente nem mesmo
de modo preferencial numa situação determinada (a ansiedade é “flutuante”). Os
sintomas essenciais são variáveis, mas compreendem nervosismo persistente,
tremores, tensão muscular, transpiração, sensação de vazio na cabeça,
palpitações, tonturas e desconforto epigástrico. Medos de que o paciente ou um
de seus próximos irá brevemente ficar doente ou sofrer um acidente são
frequentemente expressos”.
DADOS
Ranking que avalia a porcentagem de entrevistados que mais se
consideravam ansiosos antes de uma prova
POSSIBILIDADES DE ARGUMENTAÇÃO Causas externas associadas à ansiedade ou agravamento dela:
• Exigências sociais: O constante estímulo de diversas esferas sociais, sobretudo a mídia e a indústria do consumo, e o sistema de valores da sociedade cria uma série de necessidades artificiais que condicionam a ação humana a uma busca constante por satisfações relacionadas a dinheiro, bens materiais, afeto, conquistas profissionais e posição social, portanto convém relacionar a ansiedade ao desemprego, a inseguranças com a própria imagem, desafetos, frustrações pessoais, bullying, desempenho escolar, etc.
• Carga emocional do ambiente social e político: A influência do ambiente social, econômico e político brasileiro, caracterizado pela instabilidade política, violência urbana, má qualidade dos serviços públicos, crise econômica, etc.
• Desafios e responsabilidades: dificuldades relacionadas a experiências novas - como a de ser mãe ou pai ou a de cumprir as exigências de um novo emprego - ou conflitos emocionais - como inseguranças com a própria sexualidade e necessidade de desempenho escolar.
• Contexto familiar: Pais superprotetores tendem privar os filhos de experiências capazes de desenvolver neles a capacidade de resolver conflitos, superar desafios e lidar com as próprias emoções, o que futuramente pode refletir em uma falta de estrutura emocional para suportar situações negativas ou desafiadoras.
• Ansiedade de informação: A ansiedade como consequência da saturação da tecnologia - sobretudo os dispositivos móveis, aplicativos e redes sociais - na vida cotidiana, pois geram um fluxo constante de novidades e expectativas. Nesse aspecto, há a ansiedade relacionada à cultura da comparação e à ditadura da felicidade ocasionada por postagens espetacularizadas em redes sociais -em especial o Instagram- de rostos e corpos vistos pelos seus melhores ângulos e experiências retratadas em seu melhor momento
• O ritmo de acontecimentos e o excesso de demandas da vida moderna:
ansiedade como produto de constantes exigências burocráticas e compromissos necessários à sobrevivência no modelo de sociedade extremamente tecnocrata, o que torna inevitável a relação da ocorrência de transtornos de ansiedade com a vida nas grandes cidades e, em alguns casos, ao estresse crônico relacionado ao trabalho e ao acúmulo de tarefas
Consequências e impactos da ansiedade:
• O estado de premência gerado pela ansiedade prejudica a capacidade de controle das próprias emoções, de modo que pode gerar instabilidade nas relações conjugais, familiares e sociais; além de prejudicar o desempenho acadêmico, escolar e profissional
• O sofrimento psicológico e, por vezes, até físico associados à ansiedade, como:
insônia, baixa autoestima, taquicardia, preocupação excessiva, estresse, etc.
• Pode estar associada a transtornos mentais, como síndrome do pânico, transtorno obsessivo compulsivo (TOC), fobias e estresse pós-traumático, pode estar indiretamente associada a problemas como diabetes, hipertensão, úlcera, gastrite, e acarreta maior chance de desenvolver asma e outros problemas vasculares.
• o excesso de cortisol pode levar o corpo a um estado inflamatório e prejudicar o sistema imunológico
Problemas relacionado ao diagnóstico e tratamento, que agravam o problema:
• Automedicação excessiva: Uso arbitrário de ansiolítico, que inibem as áreas do cérebro que produzem ansiedade, e serotonérgicos (ou antidepressivos), que aumentam a concentração de serotonina no corpo, muitos dos quais podem ter efeitos colaterais, causar vício e são paliativos no tratamento do quadro psiquiátrico
• Banalização da receita médica: a abordagem medicalizadora e biologicista do tratamento da ansiedade desencoraja o enfrentamento autônomo da doença, pois induz o paciente a desconsiderar a relação entre o transtorno e seus comportamentos desencadeadores de ansiedade, como se esta fosse algo que o invadisse.
• Imprecisão dos sintomas: O reconhecimento do transtorno de ansiedade na atenção primária, sobretudo de casos mais leves, é pobre, devido à variabilidade de sintomas e por comumente estar associado a outros problemas, como depressão, de modo que apenas uma minoria é encaminhada para o tratamento adequado. Além disso, há os falsos positivos, pessoas identificadas com o transtorno equivocadamente.
• Construções sociais equivocadas: A inibição de muitas pessoas em procurarem tratamento médico ou psiquiátrico, em função de tabus que relacionam os transtornos mentais à loucura, ao desequilíbrio ou à fragilidade emocional e psicológica; além disso há concepções relacionados à falta de informação sobre esse transtorno, como a de que é uma condição genética, portanto é parte da personalidade, e não doença.
• Tendência a compulsões e ao uso de substâncias: A propensão de algumas pessoas a adotar comportamentos compulsivos, em especial as desordens alimentares, ou ao uso de álcool, tabaco e outras drogas como forma de aliviar o sofrimento da ansiedade
• Naturalização da ansiedade: A banalização do termo na mídia e pelas pessoas pode provocar distorções e naturalizar o problema
• O modelo biomédico: O paradigma mecanicista da medicina ocidental herdada pelo Brasil domina a percepção médica sobre saúde, doença e terapêutica é um fator que dificulta o tratamento de transtornos mentais, pois dá pouca importância aos fatores ambientais associados às doenças
• O interesse das indústrias farmacêuticas: as indústrias envolvidas na produção de ansiolíticos, antipsicóticos e antidepressivos certamente influenciam um modelo de saúde prioritariamente curativo, laborial e unicausal, em detrimento da medicina preventiva, clínica e integralizada
SOLUÇÕES
Ampliação de alternativas como a alopatia, homeopatia, a terapia cognitivo comportamental, um dos métodos mais eficazes no combate à ansiedade, e alternativas fitoterápicas, a partir de programas de capacitação dos profissionais da área de medicina
Instituir a meditação e Ioga como práticas corriqueiras nas escolas, -
semelhante ao mindfulness, usado nos EUA e em países ocidentais há
décadas -, por meio de uma alteração na Base Nacional Curricular Comum
(BNCC)
Criação de programas de treinamento e estudos sobre transtornos mentais, como o "Mente Aberta", que atende pacientes do SUS encaminhados pela Secretaria da Saúde, a partir de investimento em pesquisas científicas em universidades
Ampliar e dar mais visibilidade a debates sobre transtornos mentais, na mídia e nas escolas, sobre a necessidade de cultuar uma vida menos estressante e de exercitar o controle das próprias emoções, por meio de projetos interdisciplinares que promovam discussões, aulas e oficinas
Investir na ampliação do atendimento psicológico em escolas e aumentar a prioridade das competências psicoemocionais nas escolas, por meio de projetos sociais que ajudem a criar espaços de discussão e a proporcionar autoconhecimento
Ampliar o foco de investimento na saúde preventiva e na atenção básica, a partir de pesquisas voltadas para identificar e combater determinantes sociais responsáveis por desencadear fatores estressores e causadores de ansiedade
Divulgar de forma exaustiva em redes sociais, canais de TV e rádio a importância de cuidados preventivos e da adoção de hábitos mentalmente saudáveis em geral, para que se ressalte a responsabilidade individual de cada indivíduo sobre a própria saúde mental
Agentes mais adequados: Ministério da Saúde; Poder Executivo;
Secretarias Estaduais de Saúde (SES); Secretarias Municipais de Saúde (SMS);
Agentes de apoio ou modo: Conselhos de Saúde; Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH); Associação Brasileira de Psiquiatria;
Conselho Federal de Psicologia
REFERÊNCIAS CULTURAIS, ARTÍSTICAS E INTERDISCIPLINARES
1) Contextualizações:
• Origem etimológica da palavra ansiedade: Anguere (lat.), que significa sufocar, ou Angh (proto indo-europeu), que significa estreito, doloroso
• A lógica evolutiva da ansiedade: especula-se que o sentimento de ansiedade é remanescente de um valor adaptativo relacionado à função evolutiva de preparar o corpo para lidar e antever os riscos, perigos e condições adversas, especialmente no período pré-histórico, por meio da mobilização da energia psíquica
• A expressão American Way of Life, no contexto da Guerra Fria: A expressão tornou-se uma chancela do ethos americano - em oposição aos valores socialistas propagados pela União Soviética - associado à meritocracia, à livre iniciativa e ao progresso econômico como modelos de busca à felicidade
• O poema "A era da ansiedade", de W. H Auden: na enigmática obra, Auden descreve a sensação de vazio e perda de sentido pós-segunda guerra, a partir de quatro sobreviventes do genocídio nazista, reunidos em um bar de Nova York. O poema pode espelhar a ansiedade pós-moderna, que ainda sofre com a secularização, o vazio pós-guerra e a tecnocracia.
• Waiting for Godot, de Samuel Beckett: o drama, que revolucionou o chamado teatro do absurdo, retrata a interação de dois personagens que, em alegoria à sociedade moderna, estão ansiosamente aguardando por respostas às incertezas remanescentes da segunda-guerra e constantemente insinuam a carência de algum sentido moral ou direção para a existência humana
• A análise de Max Weber em "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo": o sociólogo descreve a modernidade como um período marcado por um "processo de desencantamento do mundo", expresso pelo desmantelamento gradual da religiosidade, das tradições e dos mitos como elos sociais unificadores, para o recrudescimento do racionalismo edificado no sistema capitalista, o que deu origem a um processo de secularização. Essa transição, que se resume a uma perda de finalidade e sentido dos esforços sociais, pode ser atribuído como um fator mais amplo para a causa da ansiedade massiva.
1) Consequências:
• Explicação científica da ansiedade: o sistema límbico inicia uma cadeia química de estímulos para informar ao resto do corpo a iminência de algum perigo. Nesse processo, os neurônios do hipotálamo, regulados pela amígdala e pelo hipocampo, secretam hormônios que ativam a produção de hormônios e neurotransmissores responsáveis por produzir sintomas de ansiedade, que preparam o corpo para a fuga ou luta. O desequilíbrio na produção desses hormônios gera o transtorno de ansiedade.
• Distúrbios mentais na antiguidade: transtornos mentais eram tratados como doença ou possessão e, mesmo antes da ascensão da psicologia no século XX, não havia o hábito de se pensar a respeito dos próprios problemas mentais e uma
investigação científica para avaliar a sua relação com o estilo de vida (paralelo com a estigmatização de pessoas com ansiedade)
• O trabalho artístico-fotográfico de Michal Macku, que a partir de fotogravuras retrata sensações e sentimentos que podem ser associados ao sofrimento psíquico típico de transtornos como a ansiedade e a depressão
2) Causas
• O conceito de ID, segundo Freud: ID é uma das três estruturas que compõe o aparelho psíquico de cada indivíduo, caracterizado por Freud como a força propulsora que se expressa por meio dos desejos inconscientes, das pulsões, dos instintos e impulsos orgânicos. (associar esse conceito com a cadeia de estímulos externos responsáveis por criar um comportamento cobiçoso)
• O princípio do prazer x o princípio da realidade, segundo Freud: o princípio do prazer é aquele que guia o inconsciente à busca irrestrita pelo prazer e fuga da dor, para isso o ego é impelido a interagir com a realidade a fim de satisfazer suas pulsões, desejos, instintos e vontades; o princípio da realidade permite enxergar quais as condições para que o prazer possa ser conseguido, portanto está relacionado à capacidade de postergar a gratificação e lidar melhor com o sofrimento. Nesse sentido, a primazia do princípio do prazer e a falha no princípio da realidade estão relacionados a desequilíbrios comportamentais, como a ansiedade.
• Estudos acadêmicos de Benedetto Saraceno: segundo o autor, há uma relação entre o sofrimento psíquico e o lugar social que são ocupados pelos sujeitos, sobretudo nas grandes cidades. Segundo o autor, o "sofrimento urbano" estrutura- se de forma multidimensional.
• O conceito de interregno, segundo Bauman: a era moderna assume um caráter de indefinição e de incertezas, pois os meios convencionais para superar desafios, como o sistema político e as forças culturais, não são mais capazes de oferecer uma direção e, ao mesmo tempo, a sociedade moderna não oferece perspectivas de um futuro profícuo ou seguro
• O conceito de sociedade do cansaço, de Byung Chul-Han: o filósofo sul- coreano elege o excesso de positividade como um sintoma de que a produtividade tornou-se um valor referencial para a sociedade, de forma que o indivíduo passa
a se autoexplorar e com isso se cria um ambiente propício ao surgimento de diversas patologias mentais associadas ao acúmulo de tarefas do cotidiano, como o transtorno de ansiedade e depressão.
• O conceito de infoxicação é um neologismo criado pelo físico Alfons Cornellá, para designar os efeitos negativos associados à exposição ao excesso de informação, como a dificuldade de concentração e a ansiedade
• O conceito de Síndrome de Fadiga Informativa é um conceito criado pelo psicólogo David Lewis, para designar pessoas com dificuldades de lidar emocionalmente com o excesso de informação do mundo moderno, ao ponto de sentirem sua capacidade analítica afetada ou sua atenção comprometida
• O conceito de ansiedade de informação, proposto por Richard Wurman, para descrever a frustração pela incapacidade de assimilar as informações na mesma velocidade com que são propagadas, sentimento comum em um contexto de superestímulo constante de novidades.
4) Problematizações
• Antônio Damásio, em “O Erro de Descartes”: o autor faz uma crítica à visão cartesiana da condição humana, por parte da medicina ocidental, dizendo que o objetivo central dessa disciplina tem sido a compreensão da fisiologia e da patologia do corpo, de modo que a mente é excluída nesse processo (Crítica ao modelo biomédico de tratamento e diagnóstico atual). Outra
• O conceito de paradigma de simplificação, segundo Edgar Morin: a lógica de redução, abstração e disjunção adotada pelo pensamento científico ocidental, que isola a Física, a Biologia e as Ciências Humanas, bem como o contexto histórico, nas análises do seu objeto de estudo científico – que, no caso da ansiedade, é a mente - e também no isolamento deste em relação ao sujeito pensante. (Crítica ao modelo biomédico de tratamento e diagnóstico atual)