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ALISSON LUIZ NICHEL

A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA E OS CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS

CURITIBA 2009

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ALISSON LUIZ NICHEL

A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA E OS CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel no Curso de Graduação em Direito, da Faculdade de Direito, Setor de Ciências jurídicas da Universidade Federal do Paraná, sob a orientação do Prof. Dr. Egon Bockmann Moreira.

CURITIBA 2009

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TERMO DE APROVAÇÃO

ALISSON LUIZ NICHEL

A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA E OS CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel no Curso de Graduação em Direito, da Faculdade de Direito, Setor de Ciências jurídicas da Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:

Professor Dr. Egon Bockmann Moreira Orientador – 1º membro

Professor Dr. Rafael Munhoz de Mello 2º membro

Professor Dr. Rodrigo Luiz Kanayama 3º membro

Curitiba, 30 de outubro 2009.

(4)

À Sandra Komatsu.

(5)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 5

1 ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA ... 7

1.1 O princípio da legalidade e a função administrativa ... 7

1.2 Relação de administração: “ferramentas” e “finalidades” ... 13

1.2.1 “Prerrogativas da Administração” ... 14

1.2.2 “Finalidade cogente” ... 16

1.3 Considerações preliminares ... 17

2 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA ... 19

2.1 Vinculação e discricionariedade ... 20

2.1.1 Atuação vinculada ... 21

2.1.2 Exercício de competência discricionária ... 25

2.1.2.1 Discricionariedade e legalidade ... 26

2.1.2.2 As diversas acepções de discricionariedade ... 27

2.2 Justificação da discricionariedade ... 31

2.3 Localização da discricionariedade ... 35

3 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA FRENTE AOS CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS ... 39

3.1 As cláusulas gerais ... 40

3.1.1 Conceitos indeterminados X termos indeterminados ... 41

3.1.2 Conceitos jurídicos indeterminados ... 42

3.1.2.1 Justificação dos conceitos jurídicos indeterminados ... 44

3.1.2.2 Conceitos de experiência e conceitos de valor ... 45

3.2 Os conceitos jurídicos indeterminados geram discricionariedade? ... 47

3.2.1 Posicionamento majoritário na doutrina brasileira: os conceitos jurídicos indeterminados geram discricionariedade ... 47

3.2.2 Posicionamento adotado: os conceitos jurídicos indeterminados não ensejam discricionariedade ... 52

CONCLUSÕES ... 64

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 66

(6)

INTRODUÇÃO

O tema da discricionariedade administrativa sempre foi objeto de inúmeros debates e longas controvérsias, tanto entre os doutrinadores quanto no seio jurisprudencial. O embate travado entre os pensadores percorreu todos os pormenores deste instituto, iniciando pela própria existência e necessidade da discricionariedade, passando pela natureza, justificação e localização da discricionariedade e desembocando no controle jurisdicional da atuação discricionária.

Sobre o assunto muito já se falou e algumas questões que outrora geravam polêmica atualmente não demandam maiores discussões. Entretanto, se a existência de discricionariedade no Estado Democrático de Direito e a importância deste instituto para o exercício da atuação administrativa são pontos relativamente pacíficos nos dias de hoje, o mesmo não se pode dizer da problemática que surge da relação entre conceitos jurídicos indeterminados e a discricionariedade. Mais especificamente a dúvida acerca da existência de discricionariedade nos conceitos jurídicos indeterminados.

Acerca do tema, podemos distinguir nitidamente duas tendências doutrinárias bem definidas: 1ª) corrente que defende que os conceitos indeterminados podem gerar discricionariedade administrativa; e 2ª) a corrente que advoga que os conceitos jurídicos indeterminados não ensejam discricionariedade.

Para os doutrinadores que defendem o primeiro posicionamento, os principais fundamentos para a defesa desta tese são: a) apenas as zonas de incerteza de tais conceitos podem gerar discricionariedade; b) haverá situações em que mais de uma intelecção do conceito será considerada razoável; c) a

“razão de ser”, a “conseqüência”/”efeito” no campo jurídico é o mesmo para a discricionariedade e para os conceitos indeterminados.

Já os autores que se posicionam em sentido contrário afirmam que: a) a atuação do administrador frente aos conceitos indeterminados é o de mero aplicador/intérprete da lei; b) os conceitos indeterminados só permitem uma

“unidade de solução justa”; c) na discricionariedade há liberdade de eleição

(7)

entre “indiferente jurídicos”; d) só haverá competência discricionária quando a lei expressamente a atribuir ao administrador.

Assim, a análise detalhada destes posicionamentos e o choque de opiniões existente entre tais correntes nos permitirá verificar até que ponto se pode falar em discricionariedade perante os conceitos jurídicos indeterminados.

Em suma, pretendemos responder no presente trabalho ao seguinte questionamento: os conceitos jurídicos indeterminados eventualmente inseridos nas normas geram discricionariedade administrativa?

(8)

1 ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA

Primeiramente, tendo em vista que abordaremos o instituto da discricionariedade enquanto “modo de atuar discricionário”1, ou seja, diretamente atrelado ao exercício da atividade administrativa2, importante tecer algumas considerações acerca de tal atuação3

Para tanto, sem a pretensão de esgotar a questão, passa-se a analisar três princípios

, a fim de estabelecer os alicerces que devem nortear o desenvolvimento do tema central:

“Discricionariedade administrativa frente aos conceitos jurídicos indeterminados”.

4 de fundamental relevância para o regime jurídico-administrativo e, conseqüentemente, para a questão em tela, quais sejam, o princípio da legalidade administrativa, a função administrativa e a relação de administração5.

1.1 O princípio da legalidade e a função administrativa

O princípio da legalidade é considerado por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO a pedra de toque do regime jurídico administrativo6

1 GRAU, Eros Roberto. Poder discricionário. Revista de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 93, p. 45, janeiro-março de 1990.

. E outro não poderia ser o entendimento, pois “a plena submissão à lei é um traço

2 A atuação administrativa deve ser analisada enquanto um desenvolvimento dinâmico de atividades, porque, conforme observa MARÇAL JUSTEN FILHO, “o conceito de ato administrativo perdeu sua relevância como instrumento de compreensão e organização do direito administrativo. O fundamental está em considerar a atuação administrativa de modo global, não cada ato isoladamente” - Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 143.

3 As expressões atuação administrativa e atividade administrativa serão utilizadas no presente trabalho como sinônimos.

4 O termo princípio será utilizado no presente trabalho nos mesmos moldes adotados por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: “Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico” – Curso de Direito Administrativo, 25ª ed. São Paulo; Malheiros, 2009. p. 53.

5 O regime jurídico-administrativo foi brilhantemente examinado por Celso Antônio Bandeira de Mello em seu Curso de Direito Administrativo, pp.52-94.

6 Idem, p. 99.

(9)

basilar do Estado de Direito”7, isto é, o princípio da legalidade “é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria”8

Aliás, este princípio está expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 nos arts. 5º, II

.

9, 37, caput10, e 84, IV, d11, representando verdadeiro “postulado fundamental”12

Na lição de CAIO TÁCITO, “o princípio da legalidade domina a ordem jurídica como fundamento de garantia de direitos políticos e individuais, opondo-se ao absolutismo do poder”

do sistema normativo brasileiro.

13. Constatação que deixa claro que este principio é, nas palavras de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, a

“tradução jurídica de um propósito político”14

Referido propósito político é a fixação prévia de parâmetros de atuação para os agentes que exercem determinado “poder”, para evitar que estes desviem da finalidade para a qual foram investidos.

.

Assim, não há melhor ferramenta que a norma geral, abstrata e impessoal – emanada do Poder Legislativo – para evitar possíveis desmandos e impedir, de acordo com MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, que as autoridades cometam abusos e arbitrariedades que, muito embora ilegítimas, eventualmente surjam como caminhos possíveis aos exercentes do poder15

Pois, conforme destaca EGON BOCKMANN MOREIRA, “é através da lei que se dá exercício concreto do Estado Democrático de Direito. Mediante aplicação formal e substancial da lei, a Administração cumpre a vontade popular e confere vitalidade aos demais preceitos constitucionais”

.

16

7 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Legalidade – Discricionariedade – Seus Limites e Controle.

Revista de Direito Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº 86, p. 42, abril-junho de 1988.

.

8 Obra citada. Curso..., p. 100.

9 “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”.

10 “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

11 “Compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”.

12 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. Curso..., p. 144. Sem destaques no original.

13 TÁCITO, Caio. Vinculação e discricionariedade administrativa. Revista de Direito Administrativo.

Rio de Janeiro: Editora Renovar, vol. 242, out./dez., 2005, p. 119.

14 Obra citada. Curso..., p. 100.

15 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2ª ed.

São Paulo: Atlas, 2007. p. 66.

16 MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo – princípios constitucionais e a lei 9.784/1999.

3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 82.

(10)

E não poderia ser diferente, porque um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil é o de que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1º, parágrafo único, da CF).

Deste modo, constata-se que a Constituição atribuiu ao princípio em comento uma roupagem tal que impossibilita que a Administração Pública se afaste das suas determinações, de modo que, em consonância com o entendimento de MARÇAL JUSTEN FILHO, a atividade administrativa terá seus limites e pressupostos de validade estabelecidos em lei17

A profundidade desta verificação é tamanha, que não é exagero afirmar que não haverá atuação administrativa quando não houver lei que a autorize.

Daí a máxima de que a Administração apenas pode fazer o que a lei tenha previamente permitido

.

18, em uma verdadeira “relação de subsunção”19 entre competência legal e atividade administrativa. Inteligência partilhada por EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA e TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ:

“El principio de legalidad de la Administración opera, pues, en la forma de una cobertura legal de toda la actuación administrativa: sólo cuando la Administración cuenta con esa cobertura legal previa su actuación es legitima.

(...) Sin una atribución legal previa de potestades la Administración no puede actuar, simplemente”20

SEABRA FAGUNDES afirmou, em espirada passagem, que administrar é “aplicar a lei de ofício”21. Em frase não menos lapidar, CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA ensina a importância do princípio da legalidade para a Administração Pública: “É este o seu berço e o seu túmulo, o seu começo e o seu fim”22

17 Obra citada. Curso..., p. 78.

.

18 “O Estado desenvolve apenas as atividades que a ordem jurídica lhe atribui, estando proibido de fazer o que a Constituição ou as leis não autorizam expressamente” - SUNFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4ª ed., 10ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 166. Sem destaques no original.

19 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ª ed, 8ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 13.

20 GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo.

Vol. I. 12ª ed. Madrid: Civitas, 2005. pp. 448-449.

21 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 3.

22 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 82.

(11)

No mesmo sentido, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO sustenta que a atividade administrativa é fundamental e essencialmente uma atividade pautada pelos ditames legais. É uma atividade sublegal, infralegal23

Todavia, conforme observa EGON BOCKMANN MOREIRA, “o administrador público deve pautar-se pelas regras de Direito com rigor determinista, concretizando o previamente estabelecido em lei. Claro que não mais numa perspectiva da antiga décision exécutoire francesa do século XIX, mas numa compreensão contemporânea do princípio da legalidade (instruída pela ‘juridicidade’ e ‘constitucionalização’ do direito administrativo), em que à Administração é atribuído o dever de cumprir a Constituição”

.

24

A respeito, observa ALMIRO DO COUTO E SILVA que há nos dias de hoje uma tendência incontrolável de apontar como alicerce de toda a atuação administrativa a observância ao Direito e não mais somente à lei

. Ou seja, tem o dever de agir “conforme a lei e o Direito” (art.

2º, parágrafo único, I, da Lei 9.784/1994).

25

E a jurisprudência pátria não destoa deste entendimento:

.

“O princípio da legalidade adquire, atualmente, compreensão mais ampla, para significar princípio da constitucionalidade (Juarez Freitas), princípio da legitimidade (Diogo de Figueiredo Moreira Neto) ou princípio da juridicidade (Eduardo Soto Kloss), de modo a fazer prevalecer o fim do Direito (a justiça) sobre a literalidade da lei”26.

A conclusão lógica que se extrai do que acima foi exposto, é a de que a atuação administrativa está íntima e indissociavelmente atrelada ao cumprimento dos interesses do povo, os quais são manifestados, em regra, por meio das leis. Conforme explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, a atividade de todos os agentes públicos, “desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser

23 Obra citada. Discricionariedade..., p. 12.

24 Obra citada. Processo..., p. 26. Sem destaques no original.

25 COUTO E SILVA, Almiro do. Princípio da legalidade da administração pública e segurança jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista de Direito Público.São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 84, p. 54, outubro-dezembro de 1987.

26 TRF1, 5ª Turma, AMS n° 200001000827437/AP, Rel. p/ Acórdão Desembargador Federal João Batista Gomes Moreira, DJ. 12/07/2002. Sem destaques no original.

(12)

a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo”27

A busca do atendimento destas finalidades legais pela Administração, porquanto representante dos titulares do direito, faz surgir a idéia de função administrativa

.

28

CELSO ANTÔNIO conceitua função como sendo o dever atribuído a alguém de exercer determinado poder com o propósito de buscar, em proveito alheio, o atendimento de certa finalidade

.

29

Na mesma esteira, MARÇAL JUSTEN FILHO apresenta três aspectos caracterizadores do conceito de função: “a) a titularidade alheia do interesse a ser realizado; b) o dever do sujeito de perseguir a realização desse interesse;

c) a atribuição de poder jurídico necessário para a realização desse interesse”

.

30

Nestes termos, a idéia de função deve ser encarada sob uma dupla perspectiva:

.

1ª) subordinação passiva: o agente está sujeito ao cumprimento de deveres jurídicos, estando obrigado a praticar todas as condutas necessárias ao fiel cumprimento do interesse a ele confiado e, ao mesmo tempo, está proibido de agir em demasia ou em desacordo com tais interesses;

2ª) poder jurídico: tendo em vista que tais agentes nada mais são do que representantes praticando condutas com o propósito de satisfazer os interesses de quem os confiou esta atribuição, “a situação ativa se individualiza, portanto, como poder jurídico para o titular da função e de sujeição para os demais integrantes da comunidade”31. Contudo, “tais poderes são instrumentais: servientes do dever de bem cumprir a finalidade a que estão indissociavelmente atrelados. Logo, aquele que desempenha função tem, na realidade, deveres-poderes”32

27 Obra citada. Curso..., p. 101.

.

28 “A função administrativa é um conjunto de competências, e a atividade administrativa é a seqüência conjugada de ações e omissões por meio das quais se exercita a função e se persegue a realização dos fins que a norteiam e justificam sua existência. A função administrativa se traduz concretamente na atividade administrativa” - JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. Curso..., pp. 33-34.

29 Obra citada. Discricionariedade..., p. 14.

30 Obra citada. Curso..., p. 51.

31 JUSTEN FILHO, Marçal. Idem, p. 52.

32 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Obra citada. Curso..., p. 98.

(13)

Esta maneira de encarar a função é essencial para demonstrar que o eixo analítico do Direito Público deve ser voltado para a idéia de dever e não mais de poder33

Na mesma linha, EGON BOCKMANN MOREIRA ressalta que os poderes que o administrador público possui são meros vetores previamente orientados à consecução dos seus deveres, haja vista que toda a atividade da Administração Pública está embebida pela idéia de função

. Porque quem exerce função apenas utiliza o poder como ferramenta para a consecução dos interesses de outrem. E este exercício não decorre da sua vontade, mas sim do dever.

34. No que tange a função administrativa, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO assim preleciona:

“Função administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário”35.

Na explicação de EGON BOCKMANN MOREIRA, sete elementos podem ser extraídos deste conceito de função administrativa: “(a) agente público, investido no (b) dever de satisfazer uma (c) finalidade no (d) interesse público, tal como (e) fixado em lei, necessitando para isso dos (f) poderes indispensáveis à consecução de seu dever, outorgados sempre (g) no interesse alheio ao sujeito que maneja o poder”36

Estas considerações são relevantes para que se definam precisamente quais são os limites aos quais estão sujeitos os agentes públicos, evitando, assim, interpretações equivocadas que eventualmente poderiam ser feitas se analisadas sob uma perspectiva de Direito Privado. Sobre a questão, CARLOS ARI SUNDFELD dispõe que:

.

33 Por tal razão é que EROS ROBERTO GRAU afirmou que “a noção de poder, contudo, na esfera estatal, compõe-se no conceito função pública. E toda função pública – não apenas a função administrativa – é expressão de um poder dever”. Obra citada. Poder..., p. 45.

34 Obra citada, Processo..., p. 26 e 32.

35 Obra citada, Curso..., p. 36.

36 Obra citada. Processo..., p. 32. Sem destaques no original.

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“Ao princípio da função, próprio do direito público, opõe-se o da autonomia da vontade, vigente no direito privado. Enquanto naquele os atos se vinculam a certo fim, que deve ser necessariamente atingido, neste os atos são produzidos nos termos da vontade livre dos particulares”37.

Com efeito, a atuação administrativa deve ser pautada pelo dever de implementar a finalidade legal que a justifica, já que o administrador simplesmente representa o titular do poder, que é o povo, nos termos do art.

1º, parágrafo único, da CF.

1.2 Relação de administração: “ferramentas” e “finalidades”

Como visto, a atividade administrativa está plenamente vinculada aos parâmetros legais, os quais justificam e delimitam os poderes que a Administração possui para atingir as finalidades do povo. Assim, de acordo com CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, evidente que a legalidade não se compreende senão (e desde logo) em consideração à finalidade da regra de direito.38

A relação administrativa deve ser compreendida enquanto relação intersubjetiva. Ou seja, deve haver a inter-relação legal de no mínimo dois sujeitos

Para alcançar referida finalidade, inexoravelmente será “instalada”

uma relação administrativa.

39

A primeira advertência que deve ser feita sobre a relação de administração é a de que, em observância ao princípio da legalidade, a delimitação da competência, os parâmetros da atuação administrativa e, por conseqüência, da relação administrativa, são estabelecidos por lei.

.

Esta delimitação é, de acordo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “o círculo compreensivo de um plexo de deveres públicos a serem satisfeitos mediante o exercício de correlatos e demarcados poderes instrumentais, legalmente conferidos para a satisfação do interesse público”40

37 SUNFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4ª ed., 10ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 166.

.

38 Obra citada. Legalidade..., p. 43.

39 FRANCISCO AMARAL define relação jurídica como sendo “o vinculo que o direito reconhece entre pessoas ou grupos, atribuindo-lhes poderes e deveres. Representa uma situação em que duas ou mais pessoas se encontram, a respeito de bens ou interesses jurídicos”. Direito Civil: introdução. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 159.

40 Obra citada. Curso..., p. 144.

(15)

Razão pela qual EGON BOCKMANN MOREIRA adverte que a Administração deve atuar nos estritos limites impostos pela lei (compreendida sistematicamente), havendo insuperável proibição ao exercício administrativo que extrapola/amplia ou reduz/restringe as fronteiras traçadas pela lei41

RUY CIRNE LIMA pondera que “a relação de administração somente se nos depara, no plano das relações jurídicas, quando a finalidade, que a atividade de administração se propõe, nos aparece definida e protegida, pela ordem jurídica, contra o próprio agente e contra terceiros”

.

42

Desde já se percebe que a relação de administração possui peculiaridades que não vislumbramos nas demais relações jurídicas. EGON BOCKMANN MOREIRA aponta duas características que a especializam:

“hierarquização dos sujeitos participantes e finalidade preestabelecida em lei”

.

43. Estas singularidades derivam da própria noção de função administrativa, pois, na lição de RUY CIRNE LIMA, o que prepondera na administração são os deveres e as finalidades44

Assim, constata-se que a atividade de quem representa terceiros, ou seja, exercida em nome do titular do poder – o povo (art. 1º, §1º, da Constituição Federal) -, apenas é instrumentada (“hierarquização dos sujeitos”/”prerrogativas da Administração”) com o propósito de melhor satisfazer os deveres de implementar a finalidade legal que a justifica e limita (“finalidade preestabelecida em lei”/”finalidade cogente”). Vejamos.

.

1.2.1 “Prerrogativas da Administração”

Na relação de administração não há, em regra, uma paridade de

“poderes” entre os sujeitos. A Administração apresenta posição privilegiada e de supremacia nas relações com os particulares.

Esta posição diferenciada não reflete qualquer inadequação, pois a atividade administrativa não é justificada em si mesma. A Administração exerce determinados poderes com o propósito único de satisfazer os interesses do

41 Obra citada. Processo..., p. 81.

42 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 106.

43 Obra citada. Processo..., p. 28.

44 Obra citada. Princípios..., p. 106.

(16)

titular do poder. Ou seja, a atuação administrativa é uma atuação justificada e pautada pelo interesse público.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO afirma que tais prerrogativas derivam do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e ao mesmo tempo o configuram45

A correção desta assertiva é facilmente constatada, pois a atuação administrativa é determinada e justificada pela busca e concreção do interesse público. AFONSO RODRIGUES QUIRÓ preleciona que “êste interesse deverá, por assim dizer, ser a luz que ilumina a autoridade administrativa, deverá ser o ponto cardeal por onde ela se orienta”

.

46

Logo, quando se estabelece uma relação jurídica entre a Administração e os particulares, esta deve ser encarada como uma relação entre o todo e uma parcela do todo. Motivo pelo qual aquele deve primordialmente prevalecer sobre este.

. Assim sendo, a ordem jurídica confere

“instrumentos” aos agentes públicos, a fim de que estes desempenhem de forma primorosa e completa a missão para a qual foram investidos.

Há, no entender de CARLOS ARI SUNDFELD, uma relação de autoridade, significando verdadeira condição para que a função administrativa seja inteiramente observada47

Estas prerrogativas/instrumentos “são meramente poderes-meio para o cumprimento do dever de cuidar excelentemente da coisa pública”

.

48. Portanto, segundo EGON BOCKMANN MOREIRA, devem ser denominadas, em consonância com o entendimento de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, como “deveres-poderes”, “pois nisto se ressalta sua índole própria e se atraí atenção para o aspecto de subordinação do poder em relação ao dever, sobressaindo, então, o aspecto finalístico que as informa, do que decorrerão suas inerentes limitações”49

Destarte, as “prerrogativas da administração” representam, na verdade, uma faceta da função administrativa. São “instrumentos” conferidos por lei aos

.

45 Obra citada. Curso..., pp. 69-73.

46 QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. Os limites do poder discricionário das autoridades administrativas.

Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV, nº 97, p. 02, julho-setembro de 1969.

47 Obra citada. Fundamentos..., p. 110.

48 MOREIRA, Egon Bockmann. Obra citada. Processo..., p. 29.

49 Obra citada. Curso..., p. 72.

(17)

agentes administrativos a fim de que estes desempenhem perfeitamente as suas atividades. Entretanto, tais “instrumentos” apenas podem ser utilizados na medida e limites necessários à persecução do interesse público pré- estabelecido em lei, sob pena de invalidade.

1.2.2 “Finalidade cogente”

A suposta incongruência que surge da “submissão” do povo aos ditames dos “exercentes do poder” é apenas aparente. A tensão que nasce na relação administrativa, tendo de um lado o cidadão – “que titulariza o poder (em conjunto com os demais indivíduos), mas não o exerce; ao contrário, suporta”

50

A administração não age de acordo com a sua vontade. Os interesses que devem ser buscados pela atividade administrativa não são determinados pela livre disposição do administrador. Tal como acima relatado, este apenas exerce “deveres-poderes”, pois os ditos poderes nada mais são do que

“ferramentas” para a satisfação do interesse público. Ao desempenhar o

“poder” o administrador está, nas palavras de CAIO TÁCITO, “vinculado a um fim público específico”

, e, do outro, o Estado-Administração – que exerce o poder, mas não o titulariza; ao revés, apenas cumpre um dever, é equilibrada pelo próprio ordenamento jurídico.

51

O exercício e a delimitação da competência são sempre estabelecidos por lei, com o propósito de que o administrador atenda a finalidade nela prevista. EGON BOCKMANN MOREIRA ensina que “o fim previsto em lei é de consecução obrigatória para o agente público, vez que a outorga de competência limita a atividade administrativa”

.

52

RUY CIRNE LIMA estabelece com precisão a definição de relação administrativa: “À relação jurídica que se estrutura ao influxo de uma finalidade cogente, chama-se relação de administração”.

.

53

50 SUNFELD, Carlos Ari. Obra citada. Fundamentos..., p. 110.

51 Obra citada. Vinculação..., p. 121.

52 Obra citada. Processo..., p. 29.

53 Obra citada. Princípios..., p. 105.

(18)

Ainda no entender do referido autor, a “atividade administrativa obedece, cogentemente, a uma finalidade, à qual o agente é obrigado a adscrever-se, quaisquer que sejam suas inclinações pessoais; e essa finalidade domina e governa a atividade administrativa, imediatamente, a ponto de assinalar-se, em vulgar, a boa administração pela impessoalidade, ou seja, pela ausência de subjectividade”54

Deste modo, verifica-se que a suposta dicotomia existente na relação de administração é ilusória, porque apenas é assegurado ao administrador exercer

“deveres-poderes”, a fim de que concretize a vontade do povo previamente estabelecida em lei

.

55.

1.3 Considerações preliminares

Estabelecidas estas premissas, algumas conclusões preliminares devem ser apresentadas:

a) o princípio da legalidade deve ser encarado como postulado fundamental do ordenamento jurídico brasileiro;

b) a atividade administrativa encontra seu fundamento, validade e limite no Direito;

c) a Administração exerce função, pois apenas representa os interesses do povo;

d) a relação de administração possui duas peculiaridades que a diferenciam das demais relações jurídicas: disparidade de poderes entre os sujeitos da relação e finalidade pré-fixada em lei;

e) as prerrogativas asseguradas à Administração são “deveres- poderes”/“ferramentas” para a perfeita consecução do interesse do povo;

f) o interesse do povo, que incondicionalmente informa a atividade administrativa, deve estar previamente estabelecido em lei.

54 CIRNE LIMA, Ruy. Sistema de direito administrativo brasileiro. vol. I (“Introdução). Porto Alegre:

Santa Maria, 1957. p. 26. Apud: MOREIRA, Egon Bockmann. Obra citada. Processo..., p. 30.

55 CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO extrai desta obrigatoriedade do administrador exercer a finalidade legal o princípio da indisponibilidade pela Administração dos interesses públicos. Obra citada.

Curso..., pp. 73-87.

(19)

Estas considerações iniciais são de suma importância para a análise e delimitação do instituto da discricionariedade administrativa e, por conseguinte, para que seja respondida a pergunta central do presente trabalho: os conceitos jurídicos indeterminados geram discricionariedade? Passemos a analisar estas questões.

(20)

2 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

A discricionariedade representa verdadeiro instituto do Estado Democrático de Direito, pois inexistente ou desvirtuado nos Estados Autoritários, nos quais a atuação dos administradores é inteiramente legitimada pela sua vontade simplesmente por serem os detentores do poder de fato56

Conforme restou demonstrado no Capítulo anterior, no Estado Democrático de Direito a atuação administrativa está inteiramente vinculada ao princípio da legalidade, não podendo haver atividade nos vazios normativos.

Desta forma, o instituto jurídico da discricionariedade foi concebido com o propósito de “formalizar e adequar a autonomia das escolhas do administrador público pela supremacia do princípio da legalidade”

.

57. Isto porque, conforme ensinam SÉRGIO FERRAZ e ADILSON ABREU DALLARI, "discricionariedade não se confunde com arbítrio” 58

Portanto, evidente a relevância de se analisar este tema, despontando como um dos mais caros ao Direito Administrativo.

.

O intrigante assunto da discricionariedade administrativa tem suscitado ao longo dos anos inúmeras controvérsias. De acordo com CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “sobre o tema já se verteram rios de tinta”, mas “ainda há espaço para que muito mais se escreva, pois há tópicos importantes que precisam ser visitados ou revisitados”59

Dentre as inúmeras questões que se apresentam, uma nos chamou maior atenção: discricionariedade administrativa frente aos conceitos jurídicos indeterminados.

.

Entretanto, para que seja possível abordar este ponto específico, alguns aspectos da discricionariedade devem ser anteriormente fixados: a) vinculação e discricionariedade; b) justificação da discricionariedade; c) localização da discricionariedade.

56 Para uma análise mais aprofundada acerca da evolução da discricionariedade nos modelos de Estado, confira-se: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Obra citada. Discricionariedade..., pp. 17-65.

57 JUSTEN FILHO, Marçal. Obra citada. Curso..., p. 160.

58 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 59. Sem destaques no original.

59 Obra citada. Discricionariedade..., pp. 9-10.

(21)

E assim o é porque a conclusão acerca da existência ou inexistência de discricionariedade nos conceitos jurídicos indeterminados está intimamente ligada ao conceito e elementos da discricionariedade administrativa, dependendo do prévio esclarecimento destas problemáticas para ser estabelecida. Confira-se.

2.1 Vinculação e discricionariedade

Em grande parte dos trabalhos que têm por objeto o estudo da discricionariedade administrativa é comum encontrarmos as expressões “atos vinculados” e “atos discricionários”. Todavia, estas expressões, muito embora generalizadas, são, na lição de VITOR NUNES LEAL, conceitualmente defeituosas e podem conduzir a conclusões inexatas60

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO afirma que não é o ato que é discricionário ou vinculado. O ato é apenas a concretização da competência conferida por lei ao administrador público

.

61. Aliás, tal como abaixo demonstrado, não há exagero em se afirmar que nunca haverá ato inteiramente discricionário, muito pelo contrário, a discricionariedade plena é, na verdade, arbítrio62

Tal modo de apresentar estes institutos faz surgir a equivocada sugestão de que existe uma inconciliável antítese entre eles, apontando-os como duas categorias completamente antagônicas e intocáveis. Entretanto, esta apresentação esconde pontos importantíssimos, em especial a existência de vinculação e discricionariedade em uma mesma atuação administrativa.

.

O principal problema que surge da utilização indiscriminada destas expressões é o que tange ao controle jurisdicional da Administração Pública, pois, tal como preceitua CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, partindo-se do pressuposto de que o ato possui caráter discricionário, haveria, ao menos

60 LEAL, Vitor Nunes. Comentários ao Acórdão proferido por Seabra Fagundes na Apelação Civil nº 1422. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV, n° 14, outubro-dezembro de 1948. p. 57.

61 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. “Relatividade” da competência discricionária. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV, nº 212, p. 49, abril-junho de 1998.

62 Segundo JUAREZ FREITAS, “nessa ordem de idéias, quando o administrador público age de modo inteiramente livre, já deixou de sê-lo. Tornou-se arbitrário”. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 8. Sem destaques no original.

(22)

em tese, vedação à apreciação judicial deste ato, sob pena de violação ao princípio da tripartição dos poderes (art. 2º da Constituição Federal)63

Ou seja, esta inexata apreciação do que é vinculação e do que é discricionariedade é uma das principais responsáveis pela errônea idéia de que sempre que se estiver frente ao exercício de discricionariedade não cabe ao Poder Judiciário sequer conhecer do litígio que lhe foi apresentado.

Transformou-se a discricionariedade, na feliz expressão de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, em verdadeira “palavra mágica” que detém, ilegitimamente, o controle jurisdicional

.

64

Ademais, estas imprecisões incondicionalmente afetam a questão da discricionariedade administrativa frente aos conceitos jurídicos indeterminados, pois a compreensão deste tema está intimamente atrelada à exata compreensão da discricionariedade.

.

Apesar de entendermos que a expressão “ato vinculado” não tem o condão de gerar maiores controvérsias, haja vista que o problema reside justamente no incorreto entendimento do que seja discricionariedade, entendemos por bem não utilizar na monografia em tela ambas as expressões65. Analisaremos estes pontos enquanto “atuação vinculação” e

“exercício de competência discricionária”.

2.1.1 Atuação vinculada

A lei confere ao administrador público determinadas competências para o exercício da atuação administrativa. Como visto, a tais agentes são assegurados “deveres-poderes” para a busca da finalidade legal que os legitima e condiciona.

Em suma, a atividade administrativa é determinada pela persecução dos interesses do povo – titular do poder –, delimitando-a na medida necessária ao seu atingimento.

63 Obra citada. Relatividade... p. 55.

64 Obra citada. Discricionariedade..., p. 129.

65 Sendo assim, quando nos valermos de citações doutrinárias ou jurisprudenciais que utilizem estas expressões, deve-se ter em mente as acepções de vinculação e discricionariedade apresentadas no presente capítulo.

(23)

Contudo, como é cediço, a delimitação e determinação das condutas dos agentes que melhor se prestam ao fim para o qual foram investidos é de extrema complexidade e delicadeza. E esta árdua tarefa, como não poderia deixar de ser, fica ao encargo do legislador, ora apontando com precisão a atividade que deverá ser desenvolvida, ora deixando certa margem de liberdade ao administrador.

Quando a lei indica com “exatidão milimétrica”66 qual deverá ser a conduta do agente público, estaremos frente ao exercício de atuação administrativa vinculada. Na lição de WALTER CAMPAZ, a atividade vinculada representa verdadeira reprodução da vontade contida no ordenamento67

Nestes casos, segundo ADILSON ABREU DALARI, a lei já escolheu qual é a melhor conduta/solução a ser praticada/adotada para a satisfação do interesse público

.

68

Na mesma linha, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO destaca que a “lei preestabelece qual a única e obrigatória conduta a ser tomada perante situações por ela previamente caracterizadas mediante conceitos precisos, suscetíveis de aferição objetiva. Em tais casos, sempre que se estiver na presença das situações nela apontadas, a regra de direito já terá definido, com antecipação, a medida qualificada como ideal para satisfazer-lhe a finalidade”

.

69

Isto é, não há interferência de critérios da Administração, a qual não pode eleger decisões. Está, no entender de REGIS FERNANDES DE OLIVERA, obrigada a acatar a decisão pré-estabelecida em lei, não cabendo à Administração “escolher um comportamento que não o previamente indicado na norma. Não há opção. A lei impõe determinado comportamento e só um, de tal forma que na há possibilidade de entendimento diverso”

.

70

66 COUTO E SILVA, Almiro do. Poder discricionário no direito administrativo brasileiro. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº 179, p. 54, janeiro-junho de 1990.

.

67 CAMPAZ, Walter. Discricionariedade. Revista de Direito Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nºs 47-48, Ano IX. p. 29.

68 DALLARI, Adilson Abreu. Controle do desvio de poder. In: O abuso de poder do Estado na atualidade. Coordenadores: MATTOS, Mauro Roberto Gomes de; LIMA, Liana Maria Taborda. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006. pp. 4-5.

69 Obra citada. Legalidade..., pp. 43-44.

70 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Ato administrativo. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.

89.

(24)

EGON BOCKMANN MOREIRA aponta que na atividade vinculada o campo de atuação “pessoal” do agente é praticamente inexistente, cabendo-lhe apenas analisar a existência de determinada situação concreta que autoriza a aplicação da norma jurídica (lei  fato)71

Assim, ensina VITOR NUNES LEAL que, presentes determinados pressupostos normativos, o sistema legal impõe ao administrador – sem qualquer margem de liberdade – a prática necessária de certas ações ou omissões, com o propósito de conferir concretude ao interesse público

.

72. Há, no entender de EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA e TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ, simples processo de aplicação da lei, na qual não sobra qualquer margem de juízo subjetivo ao administrador73

Inúmeros são os exemplos de atuação discricionária. Dentre estes, um é amplamente utilizado pela doutrina, qual seja, a aposentadoria compulsória.

Dispõe o art. 40, §1º, II, da Constituição da República que:

.

“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

(...)

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:

(...)

II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição”

O exemplo apresentado não gera dúvidas. Quando determinando funcionário completa 70 anos – hipótese normativa incontestavelmente objetiva – cabe à Administração aposentá-lo (serão aposentados compulsoriamente aos setenta anos de idade). Não resta qualquer margem de liberdade ao administrador. Verificado o pressuposto (servidor completou 70 anos), a Administração deve, incondicionalmente, agir de determinada maneira (aposentar).

71 Obra citada. Processo..., p. 86.

72 Obra citada. Comentários..., p. 59.

73 Obra citada. Curso..., p. 461.

(25)

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO assevera que nestes casos a

“discricionariedade” que possa haver é mínima, pois se limita à escolha do momento de agir74

Por sua vez, JUAREZ FREITAS apresenta algumas peculiaridades com relação à atuação vinculada, que, de certa maneira, distingue a sua análise das idéias apresentadas pelos autores supramencionados.

.

Afirma que não é correto defender que há vinculação inteira e absoluta75, pois, muito embora na atuação vinculada o legislador tenha reduzido “a margem de escolha de conseqüências” a praticamente zero, não afastou “a discrição cognitiva na fixação do conteúdo dos conceitos indeterminados da norma vinculante, tampouco o dever de escrutínio quanto à constitucionalidade”76. Isto é, mesmo quando aparentemente a lei não tenha deixado qualquer margem de liberdade ao administrador, tal vinculação extrema será apenas ilusória, pois, na lição de JUAREZ FREITAS, a vinculação se dá em face de todo o sistema e não só da lei77

Por esta razão, o referido autor conceitua atuação vinculada como sendo a atuação que guarda intensa vinculação aos requisitos formais pré- estabelecidos em lei, mas que possui certa margem de liberdade para a fixação do conteúdo das normas abertas, a fim de garantir que a atuação estará em consonância com os princípios constitucionais

.

78

Por fim, conclui que, levando em conta esta perspectiva da atuação vinculada, resta demonstrado que em nenhum caso haverá subsunção automática da regra ao caso

.

79, cabendo ao administrador, inclusive, deixar de agir caso entenda que a determinação prevista em lei acarretará violação irreparável aos princípios e direitos fundamentais80.

74 Obra citada. Discricionariedade... p. 129.

75 Obra citada. Discricionariedade..., p. 34.

76 FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4ª ed. Editora:

Malheiros, 2009. p. 360.

77 Idem, pp. 368-369.

78 Idem, pp. 385 e 389.

79 Obra citada. Discricionariedade..., pp. 8-9.

80 Obra citada. O controle..., p. 367.

(26)

2.1.2 Exercício de competência discricionária

Com a chegada do Estado de Direito, a primeira grande discussão que surgiu com relação ao tema da discricionariedade administrativa foi a da sua sobrevivência. Por muito tempo ficou em voga a discussão de se haveria como conciliar a liberdade conferida ao administrador com a ascensão do governo das leis81

Esta questão apenas preocupou os juristas da época pelo fato que eles ainda tinham em mente a concepção de discricionariedade tal como era conhecida no Estado Autoritário, qual seja, a idéia de que os governantes tinham poder absoluto e supremo fundado e delimitado por suas próprias vontades. Esta era a principal razão – “resquício da arbitrariedade do monarca”

.

82 - que fazia com que a discricionariedade fosse combatida naquela época. Porém, logo após ter passado esta natural insegurança que surge após qualquer ruptura, a discricionariedade foi encarada, nas palavras de REGINA HELENA COSTA, “como uma verdadeira necessidade, apta a habilitar a Administração Pública a melhor cumprir a sua finalidade”83

Portanto, a sobrevivência, necessidade e importância da discricionariedade são questões incontroversas e superadas na atualidade, motivo pelo qual não demandam maiores digressões.

.

Todavia, muitos outros pontos ainda constituem objeto de grandes polêmicas, não havendo unanimidade frente à apresentação, conceituação, limites, localização e justificativa da discricionariedade.

81 “Em síntese: como no Estado de Direito quer-se o ‘governo das leis e não o governo dos homens’ – de acordo com notória máxima oriunda do Direito inglês – a validade dos atos administrativos depende de que sejam, deveras, concreções dos comandos legais; vale dizer, providências intercalares que promovem a ligação fiel entre o plano abstrato das leis e a realização efetiva de seus ditames”.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Obra citada. Legalidade..., p. 43. Sem destaques no original.

82 COSTA, Regina Helena. Conceitos jurídicos indeterminados e discricionariedade administrativa.

Revista de Direito Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº 95, p. 128, julho-setembro de 1990.

83 Idem, Ibidem. No mesmo sentido, ensina ALMIRO DO COUTO E SILVA que “o poder discricionário, não é, em conclusão, um resíduo do absolutismo que ficou no Estado de Direito, nem um anacronismo autoritário incrustado no Estado contemporâneo. Ele não pode ser visto como uma anomalia ou como um vírus que deva ser combatido até a extinção. Trata-se, simplesmente, de um poder contido pela lei e pelo controle judicial dos pressupostos formais do exercício, um poder sem o qual seria impossível a atividade criadora e plasmadora do futuro exercida pela Administração Pública”. Obra citada. Poder..., p. 67.

(27)

2.1.2.1 Discricionariedade e legalidade

Muito embora elementar e de fácil constatação do que até aqui foi exposto, a primeira questão a ser analisada é a que diz respeito ao princípio da legalidade na atuação discricionária.

Um grande equívoco que pode surgir ao se falar em liberdade de atuação é o de considerar que a discricionariedade surge quando a Administração não está subordinada a regras jurídicas (nos vácuos legais).

Não é o que ocorre, no entanto.

Tal como amplamente demonstrado no primeiro capítulo deste trabalho, a atividade administrativa não existe sem prévia autorização legal. Ou seja, está inserida, justificada e delimitada pela competência conferida por lei ao administrador84

E o exercício de competência discricionária não se afasta desta máxima.

É estabelecida e limitada pela lei tanto quanto qualquer atuação vinculada.

Constata-se, assim, na lição de REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, que a discricionariedade tem seu limite primeiro e natural na lei

.

85. Na mesma linha, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, destaca que “a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração ultrapassa esses limites, sua decisão passa a ser arbitrária”86

Aliás, não poderia ser diferente, porque, conforme informam EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA e TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ:

.

“Todo poder atribuido por la Ley ha de ser en cuanto a su contenido un poder concreto y determinado; no caben poderes inespecíficos, indeterminados, totales, dentro do sistema conceptual de Estado de Derecho abierto por la Revolución francesa, en cuyo seno vivimos. (...) En términos más simples, un derecho ilimitado pondría en cuestión la totalidad del ordenamiento, porque esa ilimitación destruiría todos os demás derechos, los haría imposibles”87.

Deste modo, ao se falar em discricionariedade, deve-se levar em conta que a “liberdade” do administrador é, em consonância com o posicionamento

84 CAIO TÁCITO adverte que está competência “não é um cheque em branco”. Direito Administrativo.

São Paulo: Saraiva, 1975. p. 5. Apud: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Obra citada.

Relatividade..., p. 56.

85 Obra citada. Ato..., p. 88.

86 Obra citada. Discricionariedade..., p. 67.

87 Obra citada. Curso..., p. 457.

(28)

de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, de natureza peculiar, haja vista que fundada e animada ao exercício de uma função administrativa88. Inteligência partilhada por SEABRA FAGUNDES: “A competência discricionária não se exerce acima ou além da lei, senão, como tôda e qualquer atividade executória, com sujeição a ela”89

Frente ao exposto, concebemos a discricionariedade, nas palavras de EROS ROBERTO GRAU, enquanto “uma técnica da legalidade e não como uma antítese”

.

90. Isto porque, mesmo que em graus de intensidade diferenciados, o administrador estará sempre vinculado aos ditames legais, uma vez que até mesmo a discrição supõe comportamento “intra legem” e não

“extra legem”91.

2.1.2.2 As diversas acepções de discricionariedade

Um núcleo comum pode ser extraído do conjunto de acepções aceitáveis de discricionariedade, qual seja, o de considerá-la como uma parcela de liberdade conferida por lei ao administrador. No entanto, inúmeras divergências surgem do exame da discricionariedade. Vejamos as diversas acepções de discricionariedade apresentadas pelos doutrinadores.

WALTER CAMPAZ aponta a discricionariedade como sendo a faculdade conferida por lei ao administrador para que este escolha, segundo critérios volitivos (“psicológicos”) de conveniência e oportunidade92, em cada caso concreto, uma dentre duas ou mais soluções igualmente justas dentre as validadas pela hipótese normativa que confere a regra de competência, visando o atingimento de uma finalidade prevista no ordenamento93

88 Obra citada. Relatividade..., p. 55.

.

89 TJRN, Apelação Cível n ° 1422, Rel. Des. Seabra Fagundes. Apud: Revista de Direito Administrativo.

Rio de Janeiro: FGV, n° 14, outubro-dezembro de 1948. p. 57. Sem destaques no original.

90 Ora citada. Poder..., p. 45.

91 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Obra citada. Relatividade..., p. 50.

92 “A Administração atua não apenas com elementos cognoscitivos, reproduzindo a vontade contida na norma, como ocorre com os atos vinculados. Mas, também, com elementos volitivos, com elementos de conteúdo psicológico, embora nos limites de ordenamento jurídico”. CAMPAZ, Walter. Obra citada.

Discricionariedade..., p. 31.

93 Idem, p. 36.

(29)

Segundo ADILSON ABREU DALLARI, discricionariedade é o dever- poder atribuído ao agente para que este escolha a melhor conduta, dentro de inúmeras condutas possíveis, para a perfeita satisfação do interesse público.

Assevera, porém, que esta gama de possibilidades apenas são verificadas em tese, porque diante do caso concreto sempre haverá apenas uma única conduta adequada à plena persecução do interesse público94. Por outro lado, REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA defende a tese que “há uma série de soluções possíveis e previamente validadas pelo sistema normativo”95

Na mesma esteira, JUAREZ FREITAS sustenta ser impossível defender que há “a” única solução correta (mesmo na atuação vinculada)

.

96, muito embora reconheça que diversas das soluções abstratamente possíveis deverão de plano ser descartadas, razão pela qual cabe ao administrador justificar a sua escolha97. Outrossim, entende que a discricionariedade é “a competência administrativa (não mera faculdade) de avaliar e de escolher, no plano concreto, as melhores soluções, mediante justificativas válidas, coerentes e consistentes de conveniência ou oportunidade (com razões juridicamente aceitáveis), respeitados os requisitos formais e substanciais para a efetividade do direito fundamental à boa administração”98. Este autor defende, ainda, que o exercício de competência discricionária sempre terá certa porção de vinculação, haja vista que deve obediência aos programas e metas constitucionais, bem como aos postulados fundamentais99

ALMIRO DO COUTO E SILVA acrescenta um novo fundamento aos argumentos apresentados por REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA e JUAREZ FREITAS, asseverando que apenas se pode falar em discricionariedade quando restar, no caso concreto, mais de uma alternativa ao agente, pois nos casos em que couber apenas uma única medida possível a discricionariedade fica aí reduzida a nada. Ou seja, nos casos em que há ausência de alternativa ao administrador público estar-se-á diante de competência vinculada

.

100

94 Obra citada. Controle..., p. 4.

.

95 Obra citada. Ato..., p. 97.

96 Obra citada. Discricionariedade..., pp. 8-9.

97 Obra citada. O controle..., pp. 385-386.

98 Idem, pp. 370-371.

99 Idem, p. 374.

100 Obra citada. Poder..., p. 54.

(30)

Para MARIA SILVIA ZANELLA DI PIETRO o legislador confere intencionalmente uma faculdade101 ao administrador para apreciar, segundo critérios que só podem ser levados em consideração adequadamente frente ao caso concreto (“oportunidade, conveniência, justiça e igualdade”), a melhor escolha dentre duas ou mais soluções juridicamente válidas102

Idéia semelhante é defendida por EROS ROBERTO GRAU quando fala que a discricionariedade é essencialmente um modo de conduta da Administração, no qual a lei confere “liberdade de eleição entre alternativas igualmente justas ou entre indiferentes jurídicos”

.

103. Também, de acordo com este autor, a atuação discricionária, na qual o administrador age segundo critérios de oportunidade para a escolha de “indiferentes jurídicos”, é extremamente reduzida e apenas e tão-somente se manifesta quando a lei expressamente atribui esta margem de liberdade à Administração. E conclui dizendo que assim o é pelo simples fato de que o princípio democrático repele qualquer fundamento que tente conduzir ao entendimento de que a Administração pode atuar além dos talantes legais, motivo pelo qual os “juízos psicológicos” apenas serão legítimos se a lei explicitamente os autorizar104

E AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ não se afasta deste posicionamento, definindo a discricionariedade da seguinte forma:

.

“O poder discricionário (...) consiste (...) numa outorga de liberdade, feita pelo legislador à Administração, numa intencional concessão do poder de escolha, ante o qual se legitimam, como igualmente legais, igualmente corretas de lege lata, tôdas as decisões que couberem dentro da série, mais ou menos ampla, daquelas entre as quais a liberdade de ação administrativa foi pelo legislador confinada”105.

O autor português defende a idéia de que quando o administrador público exerce competência discricionária acabará por socorrer-se dos

101 Neste ponto o posicionamento da autora diverge do entendimento de JUAREZ FREITAS, pois este concebe a discricionariedade como sendo competência e não faculdade (obra citada. O controle..., pp.

370-371). Já CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO preleciona que a discricionariedade é uma imposição e ao mesmo tempo uma faculdade conferida ao administrador para que este utilize critérios próprios para avaliar e decidir (obra citada. Curso..., p. 422).

102 Obra citada. Discricionariedade..., pp. 66-67.

103 Obra citada. Poder..., p. 42.

104 Obra citada. Poder..., pp. 43 e 45.

105 QUEIRÓ, Afonso Rodrigues. Os limites do poder discricionário das autoridades administrativas.

Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV, nº 97, p. 02, julho-setembro de 1969.

(31)

ensinamentos da ciência da administração, assumindo o papel de verdadeiro técnico106

De acordo com CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, a margem de liberdade que subsista ao administrador para a eleição, segundo critérios razoáveis, de uma, dentre pelo menos duas condutas cabíveis, frente ao caso concreto, com o propósito de que este adote o comportamento mais adequado ao cumprimento da finalidade legal para o qual foi designado, é o que se chama de competência discricionária

.

107

Ademais, ressalta a importância do caso concreto .

108 para a delimitação da dimensão desta liberdade, informando que a discricionariedade apenas surgirá do choque entre norma e fato. Segundo ele, esta delimitação da competência discricionária que ocorre no caso concreto evidencia que “a liberdade administrativa acaso conferida por uma norma de direito não significa sempre liberdade de eleição entre indiferentes jurídicos”109. Havendo, inclusive, situações em que, perante um juízo razoável/normal, fique patente que apenas uma única medida é ideal para o cumprimento da finalidade legal, caso em que a discricionariedade desaparecerá110

Por fim, conclui que a competência discricionária será sempre relativa, apontando diversas razões para fundamentar tal assertiva

, haja vista que esta tem por pressuposto necessário a existência de alternativas.

111

106 Apesar de nos fascinar, o tema da discricionariedade técnica extrapola os limites do presente trabalho, razão pela qual não será detidamente abordado. Contudo, para a análise do tema confira-se: a) GRAU, Eros Roberto. Discricionariedade técnica e parecer técnico. Revista de Direito Público. São Paulo:

Revista dos Tribunais, nº 93, pp. 114-116, janeiro-março de 1990; b) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.

Discricionariedade técnica e discricionariedade administrativa. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 9, fevereiro-abril, 2007.

Disponível na internet:

: a) em todo e qualquer caso o administrador estará vinculado aos ditames legais, não havendo discricionariedade “extra legem”; b) o âmbito de liberdade se restringe ao tópico previsto em lei, não afetando os demais “elementos” do ato que a lei

107 Obra citada. Discricionariedade..., p. 48.

108 EGON BOCKMANN MOREIRA apresenta a mesma preocupação com relação à importância do caso concreto: “o caso concreto não é um dado secundário e posterior à aplicação normativa. Ao contrário, a aplicação do Direito exige compreensão sistemática do ordenamento e uma consideração dos fatos específicos que serão subsumidos à norma. A interpretação exige a consideração a consideração do caso concreto. Não se aplica a lei a esmo, como singelo resultado de uma leitura apressada do texto normativo”. Obra citada. Processo..., p. 31.

109 Obra citada. Discricionariedade..., p. 47.

110 Obra citada. Legalidade..., pp. 45 e 57.

111 Obra citada. Relatividade..., pp. 50-54.

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