• Nenhum resultado encontrado

11 de Setembro/11 de Março:algumas reflexões

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "11 de Setembro/11 de Março:algumas reflexões"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

DO ESPANTO À REALIDADE

Na presunção de que, como a lotaria, o terrorismo só aconteceria aos outros e noutros contextos, todos nós, mas principalmente os norte-americanos, acordámos brutalmente naquela manhã de 11 de Setembro para a espantosa realidade de que também éramos, afinal, vulneráveis.

O terrorismo não era nada de novo na história, quer recente quer passada, e poucas foram as épocas em que, de uma forma ou de outra, com esse ou outro nome, aquela forma de acção, ou reacção, não tivesse atormentado, ou mais precisamente aterrorizado, as nossas sociedades. Criticámo-lo, quase

sempre, e, algumas vezes, tolerámo-lo ou desculpámo-lo porque ele seria em muitos casos a última arma do pequeno contra o grande, do fraco com razão contra o poderoso autista e feroz anti-democrata...

Mas, de repente, não eram só casos, esporádicos ou mais prolongados no tempo, que ocorriam em situações de bloqueamentos de sociedades/nações em que soluções democráticas não eram viáveis libertando forças de desespero. Não podíamos mais olhar para o lado e assobiar para o ar pois a ameaça era concreta e se agora tinham sido os americanos era óbvio que a partir deste momento estávamos todos envolvidos.

Daqui resultou que aquilo que durante a Guerra Fria fora apenas uma possibilidade nunca usada mas tão-somente mencionada, a invocação do artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte, tenha deixado de ser letra quase morta para ser gritada alto e bom som com a fúria do desespero de quem não sabia bem como (re)agir.

Talvez não fosse muito eficaz em termos concretos, como o teria sido se algum dia o tivéssemos que ter feito contra um inimigo bem definido e simetricamente bem armado como o Pacto de Varsóvia, mas, na verdade, era preciso mostrar que depois dos primeiros momentos de perplexidade, de espanto e incredulidade tínhamos decifrado a mensagem e estávamos determinados a lutar para nos defendermos.

1 1 D E S E T E M B R O E 1 1 D E M A R Ç O : I N T E R P R E T A Ç Õ E S

11 de Setembro/11 de Março:

algumas reflexões

José Pacheco Luiz Gomes

Estavas, linda Inês, posta em sossego (Lusíadas, canto III, 120)

O TERRORISMO NÃO ERA NADA DE NOVO NA HISTÓRIA, E POUCAS FORAM AS ÉPOCAS EM QUE, DE UMA FORMA OU DE OUTRA, NÃO TIVESSE ATORMENTADO AS NOSSAS SOCIEDADES.

(2)

COMPREENDER A REALIDADE

O que era terrorismo todos sabíamos mais ou menos, ainda que há muito andássemos, como ainda andamos, à procura de uma definição que fosse tanto quanto possível consensual e, portanto, universal.

Mas falar apenas de terrorismoe de terroristasnão deixava de ser um pouco vago quando se pretendia definir o inimigo que nos ameaçava, e ameaça, e contra o qual íamos, finalmente, lutar.

Para não ir mais longe sabíamos o que pretendiam os anarquistas; sabíamos qual o objectivo prosseguido por muitos que utilizaram métodos semelhantes, embora muitas vezes tentando evitar infligir danos em civis, para lutar por independências; sabíamos, ou pressentíamos, que a miséria e a ausência de esperança podiam levar à prática de actos extremos; não ignorávamos que fanatismos nacionalistas ou religiosos eram susceptíveis de gerar mártires; conhecíamos os kamikasescomo actores individuais nos seus aviões-bomba.

Tudo isto, infelizmente, fazia parte do nosso conhecimento, mas não conseguíamos compreender este novo fenómeno de um terrorismo de massas e, ainda por cima, desterritorializado e globalizado.

COMO REAGIR?

A primeira reacção foi personalizare localizar: bin Laden e seus cúmplices e hospedeiros Talebans. Estava, desta forma, definido o inimigo, encontrado o campo de batalha, e até tinha sido possível dimensionar a luta de forma a poder utilizar métodos de guerra clás- sicos, ainda que com o recurso a novas tecnologias e, consequentemente, novas tácticas.

Mas cedo se percebeu que:

• Acabar com o santuário, ou seja, como em guerras clássicas conquistar o país e depor os governantes, não era suficiente.

• Capturar ou eliminar o líder não só não era fácil como poderia ser insuficiente, dado, por um lado, «o cancro» já ter alastrado e, por outro, a estrutura em questão poder não ser, afinal, completamente «fulanizável».

Simultaneamente, cientes de que a banalização de conhecimentos científicos e a proliferação do comércio de armas, também de destruição maciça mas não só, poderiam relegar para a categoria de «armas artesanais» os aviões-bomba de 11 de Setembro, começámos a compreender que o pior ainda podia estar para vir.

Por outro lado, aquilo que já depois do fim da Guerra Fria era quase consensual, ou seja, que finda, ou praticamente desaparecida, a ameaça clássica, incluindo a nuclear, as nossas Forças Armadas teriam que ser adaptadas às novas missões com que teriam de se confrontar, tornou-se ainda mais evidente.

As evidências, no entanto, não acabam aqui, pois:

• Curiosamente, quando se desenham mais claramente tendências unilateralistas é quando se multiplicam os discursos e a consciência de que nenhum país, por mais forte que seja, pode enfrentar sozinho estas novas ameaças.

(3)

• Que têm de se desenvolver coligações e parcerias de geografias variáveis mas, tendencialmente, globalizantes.

• Que há que acabar com, ou, pelo menos, atenuar, certos tabus, como seja a partilha de informações, ainda agora como os factos o têm demonstrado abundantemente, difícil de conseguir a nível nacional quanto mais no plano internacional, mesmo em círculos restritos como sejam a OTANe a União Europeia.

• Que há que caminhar no sentido de aumentar a interoperabilidade das Forças Armadas, não só no seio de organizações como as atrás referidas, mas, também, destas com as de outros países, incluindo as da Federação Russa.

• Que tínhamos, forçosamente, de conciliar um património de liberdades e privacidade conquistado ao longo de séculos com medidas tendencialmente redutoras daquelas, introduzidas para «garantir» a nossa segurança colectiva, já que se considera essencial saber em cada momento quem somos, o que fazemos, para onde vamos, com quem vamos, com que dinheiro, etc. Ou seja, como assegurar que não deitamos fora o bebé que representa o nosso futuro de seres livres com a água do banho?

O NOVO, OU RENOVADO, ATAQUE-AVISO

Ainda estávamos a digerir todas estas questões com alguma «distracção» provocada pelas lutas intestinas resultantes da decisão americana de intervir preventivamente no Iraque, quando fomos de novo acordados na Europa no fatídico dia 11 de Março com o ignóbil atentado em Madrid.

Pouco importa tentar escondermo-nos por detrás da injustificável justificação de que tal acto de barbárie aconteceu pela posição do Governo de Aznar, pois tal não seria mais do que tapar os olhos com uma peneira de grandes malhas. Também tenho as minhas dúvidas de que a inten-

ção fosse «acabar» com ele pois, mais do que o atentado, foi a reacção da Admi- nistração espanhola que influenciou o resultado das eleições parlamentares.

Bali e Madrid aconteceram porque os alqueidas deste mundo o quiseram, para

demonstrar que desejam destruir tudo o que não é feito à sua imagem e semelhança, sejam elas quais forem, e que, como competentes terroristas, criar terror e insegurança é o seu objectivo. Cada vez se me afigura mais óbvio que, sejam quais forem as dúvidas que se têm, e elas não são desprezíveis, sobre o Iraque e sobre o conflito israelo-palestino estas duas questões não são mais do que a malha daquela peneira.

O facto é que agora estamos «obrigados» a viver com esta espada por cima da cabeça, rodeando-nos de medidas protectoras sempre que um acontecimento de grande mediatismo e envolvendo grandes massas tem lugar, seja onde for, como se viu com o

BALI E MADRID ACONTECERAM PORQUE OS ALQUEIDASDESTE MUNDO O QUISERAM, PARA DEMONSTRAR QUE DESEJAM DESTRUIR TUDO O QUE NÃO É FEITO À SUA IMAGEM E SEMELHANÇA.

(4)

casamento real em Espanha, o Euro 2004 em Portugal, a Cimeira da OTANem Istambul ou os Jogos Olímpicos em Atenas.

QUE CONSEQUÊNCIAS A NÍVEL ESTRATÉGICO?

Já atrás deixei intuir o que penso que está a acontecer a nível de tendências estratégicas em resultado dos dois momentos que foram o 11 de Setembro e o 11 de Março.

De notar, no entanto, que a realidade da ameaça do terrorismo novo, globalizado e franchisado, se projecta nos novos conceitos estratégicos quando estes já estavam em fase de se adaptarem à recente alteração provocada pelo fim da Guerra Fria e das consequentes perturbações resultantes, em primeiro lugar, na Europa Central com o desmembramento da ex-Jugoslávia.

É já um lugar comum dizer que a OTANnecessitava de reencontrar uma razão de ser quando, principalmente em Moscovo mas não só, esta organização que tinha garantido a segurança euro-atlântica durante várias décadas, no pós-II Guerra Mundial, era vista como uma realidade que «tinha» de desaparecer para que se cumprissem os cânones clássicos dos simetrismos, com o desaparecimento do Pacto de Varsóvia.

Tal, no entanto, não veio a acontecer porque a Aliança foi-se reencontrando como instituição dificilmente dispensável quando, no coração da Europa, ocorriam eventos que não podiam deixar indiferente a comunidade internacional e os europeus por si sós se mostraram incapazes de pôr fim aos crimes contra a humanidade que ali se desenrolavam.

Entretanto, com a «Parceria para a Paz» e as primeiras aproximações a Moscovo tinham já sido lançadas as primeiras pedras de parcerias que, desde aí, se foram desenvolvendo levando ao alargamento da OTAN, ao Acto Fundador e, mais tarde, à Declaração de Roma e criação do Conselho OTAN-Rússia e ao Diálogo Mediterrânico, agora elevado ao estatuto de parceria em Istambul.

Também por essa altura na União Europeia se começa a perceber que há que fazer algo no campo da segurança para que a incontornável supremacia militar americana não se tornasse ela própria num factor de insegurança e lançasse aquela numa posição de subalternidade que afectasse até a sua qualidade de potência mundial.

Simultaneamente, e não só em razão das «desautorizações» americanas, voltam-se a ouvir, cada vez com mais insistência, os apelos a uma ONUmais interventiva. Mas, sendo difícil a esta gerar rápida e eficientemente as forças necessárias, começa a tornar-se óbvia a possibilidade de «subcontratar» quem estava naturalmente vocacionado e preparado para o fazer: a OTAN.

É assim que, coincidindo com o despertar da União Europeia e com o Acordo «Berlim Mais», se pode começar a verificar uma tendência para se poder dizer, em jeito de boutade com um fundo de verdade, que para a Aliança o out of areapassa, quase, a ser o território europeu. Fora daqui é que, cada vez mais, tenderá a actuar com o beneplácito das Nações Unidas.

(5)

Por essa razão, com óbvias implicações estratégicas, se ouve hoje reafirmar em todas as referências às prioridades da OTAN, que a primeira de todas é a sua missão no Afeganistão.

Isto sem esquecer que na sua área adjacente, o Mediterrâneo, se desenvolve a única operação no contexto do artigo 5.º da Carta do Atlântico, numa tentativa de obstar a que por aquele grande espaço marítimo o terrorismo se possa desenvolver e cimentar.

Mas, mesmo aqui se verifica algo totalmente impensável ainda há poucos anos, a saber, a cooperação de países não-aliados incluindo a da Federação Russa, ainda por cima por sua própria sugestão...

Daqui resulta, como já referido, uma crescente consciência de que urge trabalhar no sentido de aumentar a interoperabilidade das Forças Armadas da Aliança mas, igualmente, destas com as de outros parceiros incluindo Moscovo, para não falar das da União Europeia, com quem a cooperação estreita é ainda mais indispensável, dado que, na maioria dos casos, os países que irão gerar aquelas Forças são os mesmos.

Em jeito de conclusão a estas reflexões, gostaria de sublinhar esta última afirmação pois se me afigura que, em termos estratégicos, este aspecto é da maior importância na medida em que hoje se começa a não ter dúvidas de que as Forças que são avançadas no momento do planeamento são mesmo para usar, o que justifica o ênfase agora posto no novo conceito, que não é um mero chavão, da «usabilidade» daquelas.

Daqui decorre que, cada vez mais, é indispensável reflectir com muito rigor sobre a forma como as decisões de possíveis intervenções são tomadas.

Na verdade, sendo a credibilidade dos agentes/poderes um dos mais importantes factores de segurança, há que garantir que as decisões políticas de intervenção sejam tomadas não de uma forma voluntarista, mas tendo em consideração os meios existentes e que os governos estão, efectivamente, decididos a disponibilizá-los pelo tempo que for necessário. Por outras palavras, é essencial garantir que os níveis de ambição sejam sustentáveis, quer no que diz respeito aos meios existentes ou a gerar rapidamente, quer no que concerne à vontade política.

O11 de Setembro de 2001 foi um acontecimento seminal na história da política do poder. Dezanove fanáticos, nem todos com uma educação ocidental e com escassos recursos financeiros, mergulharam em pânico a potência mais forte e tecnologicamente mais avançada do mundo e precipitaram uma crise política global.”

Zbigniew Brzezinski (2004). The choice: 43.

Referências

Documentos relacionados

Pode-se perceber que a COTRISOJA, como uma organização que está inserida em uma comunidade e dependente desta para a concretização de seus objetivos não foge de

No livro básico de Reinos de Ferro RPG as munições são divididas em 4 tipos: leve, pesada, de carga e de escopeta. Além disso, elas podem ser revestidas de

São advogados de entidades conve- niadas com a Defensoria Pública e que foram contratados pelas entida- des para fazer atendimento jurídico, dentro do presídio/CDP, das pessoas

Para evitar danos ao equipamento, não gire a antena abaixo da linha imaginária de 180° em relação à base do equipamento.. TP400 WirelessHART TM - Manual de Instrução, Operação

No código abaixo, foi atribuída a string “power” à variável do tipo string my_probe, que será usada como sonda para busca na string atribuída à variável my_string.. O

Foi membro da Comissão Instaladora do Instituto Universitário de Évora e viria a exercer muitos outros cargos de relevo na Universidade de Évora, nomeadamente, o de Pró-reitor (1976-

Afinal de contas, tanto uma quanto a outra são ferramentas essenciais para a compreensão da realidade, além de ser o principal motivo da re- pulsa pela matemática, uma vez que é

Purpose: This thesis aims to describe dietary salt intake and to examine potential factors that could help to reduce salt intake. Thus aims to contribute to