• Nenhum resultado encontrado

VARIÁVEIS PRECURSORAS DE HOMICÍDIOS CONJUGAIS EM SANTA CATARINA: DIÁLOGOS PARA A PREVENÇÃO NA VIOLÊNCIA DE GÊNERO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "VARIÁVEIS PRECURSORAS DE HOMICÍDIOS CONJUGAIS EM SANTA CATARINA: DIÁLOGOS PARA A PREVENÇÃO NA VIOLÊNCIA DE GÊNERO"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

VARIÁVEIS PRECURSORAS DE HOMICÍDIOS CONJUGAIS EM SANTA CATARINA: DIÁLOGOS PARA A PREVENÇÃO NA VIOLÊNCIA DE

GÊNERO

João Fillipe Horr

1

Ana Laura Tridapalli

2

Lucienne Martins-Borges

3

Resumo: Este trabalho tem por objetivo refletir sobre o percurso teórico, metodológico e os principais resultados provenientes da pesquisa sobre as variáveis precursoras presentes em homicídios conjugais cometidos em Santa Catarina. O homicídio conjugal é uma categoria que viabiliza o aprofundamento de variáveis psicossociais e precursoras ao ato e, nesse sentido, pode complementar o diálogo com a categoria de feminicídio íntimo dos estudos de gênero no campo da prevenção da violência letal na intimidade. O percurso da pesquisa utilizou processos criminais como fonte de pesquisa, em parceria com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Foram restritos aos casos de relacionamentos heterossexuais, entre os anos de 2005 a 2017, totalizando 270 homicídios conjugais no contexto catarinense. Os resultados apontam para a predominância de autoria do homicídio por homens (n=212). As variáveis precursoras indicaram que, na maior parte dos casos, a vítima foi uma mulher, com histórico e presença de violência conjugal e ameaças de morte pelo menos um ano antes do ato.

A reação diante da ameaça de separação ou separação efetiva, bem como os ciúmes e as medidas de represália por assumir outro relacionamento representaram a principal motivação dos homens autores de homicídio. Esses indicadores exigem pensar as ações direcionadas a redes de saúde, segurança pública e assistência social, no enfrentamento da violência de gênero e no atendimento às vítimas e aos autores de violência conjugal.

Palavras-chave: Homicídio Conjugal. Feminicídio Íntimo. Prevenção. Violência de Gênero.

Introdução

Este trabalho apresenta a síntese do percurso teórico, metodológico e de alguns resultados relacionados ao macroprojeto de pesquisa sobre os homicídios conjugais consumados no contexto catarinense, entre os anos 2000 e 2017, pertencente ao Núcleo de Estudos sobre Migrações, Cultura e Psicologia (NEMPSIC). As pesquisas relacionadas ao tema existem desde 2010, por meio de publicações em periódicos, dissertações e teses em andamento, além da construção de possíveis intervenções com enfoque preventivo.

O homicídio conjugal, enquanto categoria de pesquisa, refere-se à violência letal perpetrada por um(a) parceiro(a) ou ex-parceiro(a). Em outros cenários epistêmicos, como a saúde pública ou coletiva, é conhecido como homicídio entre parceiros íntimos (STÖCKL et al., 2013). Nesse sentido,

1 Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina – Universidade do Vale do Itajaí. E-mail de contato: jf.horr@gmail.com.

2 Doutora em Psicologia pela UFSC. E-mail de contato: analauratrida@yahoo.com.br.

(2)

o que caracteriza o homicídio conjugal é a existência de vínculo afetivo, sexual e/ou amoroso, entre autor e vítima, que se torna parte da compreensão e da possível prevenção da violência letal.

As estatísticas mundiais apontaram que, em 2017, 87.000 casos de assassinatos de mulheres ocorreram intencionalmente, sendo que 58% dessas violências foram cometidas por um parceiro ou ex-parceiro da vítima (UNODC, 2019). De acordo com o relatório, a América do Sul representou o terceiro lugar de mais mulheres vitimizadas (8.000), e o contexto geopolítico de maior risco para esse tipo de violência. Stöckl et al. (2013) também identificaram que, mundialmente, mulheres têm pelo menos cinco vezes mais chances de serem assassinados por seus parceiros ou ex-parceiros do que homens.

No entanto, além da relação conjugal, a análise dessas circunstâncias trágicas deve ser realizada por uma diversidade de dimensões psicossociais e contextuais. Historicamente, os assassinatos no contexto conjugal foram marcados pela noção de “passionalidade”, proveniente da lógica racionalista e dicotômica ainda presente no contexto judicial, em que o autor seria tomado por uma emoção violenta que produziria o ato homicida (ELUF, 2017).

Nesse sentido, Martins-Borges (2011) criticou a noção de “crime passional”, por esvaziar a compreensão do homicídio conjugal, principalmente nas suas dimensões sociais, relacionais e clínicas em relação ao autor e à vítima. Além disso, um dos aspectos centrais na prevenção do homicídio conjugal são os indícios precursores, ou seja, as circunstâncias antecedentes do contexto conjugal que potencializam a ocorrência da violência letal.

Os indícios precursores, presentes também nos estudos sobre o suicídio, referem-se aos fatores associados no campo relacional entre autor e vítima, como a presença e a ocorrência de episódios de violência conjugal; às ameaças de tirar a vida ou de matar o parceiro; à presença de quadros de sofrimento psíquico associados (processos depressivos e de episódios de agressividade), ciúmes e comportamentos coercitivos (posse, dominação e controle). Ainda que os indícios precursores aconteçam tanto em mulheres e homens perpetrados desse tipo de violência, os homens autores de homicídio conjugal são aqueles que mais apresentam esses precursores ao ato (DAWSON et al., 2017).

Ao considerar as ocorrências dos homicídios conjugais, bem como as suas condições de produção, é possível identificar como as mulheres são mais vitimizadas, principalmente pelos seus parceiros homens. Esse tipo de homicídio, quando identificado numa relação heterossexual, é reconhecido pelos estudos feministas como um feminicídio íntimo (MENEGHEL; PORTELA, 2017).

No entanto, é necessário reconhecer que pelo menos 42% dos assassinatos de mulheres são

(3)

perpetrados por pessoas desconhecidas, o que indica a necessidade de um diálogo entre os estudos dos homicídios conjugais e as categorias de análise feministas na compreensão deste ato (HORR;

ADAMES; MARTINS-BORGES, 2019).

Portanto, este trabalho, além da apresentação teórico-metodológica e dos resultados, almeja dialogar com as políticas de enfrentamento da violência de gênero, especificamente aos feminicídios que acontecem no contexto conjugal.

Percurso metodológico

Desde 2010, o NEMPSIC tem investigado os homicídios conjugais no contexto catarinense, a partir da análise de notícias de jornais, boletins de ocorrência e processos criminais. Nesses estudos, foram explorados, a partir de variáveis factuais, sociodemográficas, psicossociais, indícios precursores e motivacionais, as condições de produção dos homicídios, com enfoque na autoria do ato, de homens e mulheres.

Segundo a revisão de Tridapalli, Rocha, Ruffier e Martins-Borges (2018), entende-se por variáveis factuais a descrição das características do ato homicida, como: o tipo de vínculo entre o casal; o método utilizado; o local de ocorrência (dia e turno); e o comportamento do autor após o ato (tentativa de suicídio; fuga; assumir o ato). As variáveis sociodemográficas correspondem à idade de autores e vítimas, à raça e etnia; sexo e gênero; renda e atividade profissional.

No que se refere às variáveis psicossociais e indícios precursores, são analisados o histórico de criminalidade, o abuso de substâncias psicoativas, a ocorrência de episódios de violência contra o outro e a família, ameaças contra a própria vida e o outro, além do acesso aos equipamentos das redes de saúde, assistência social e justiça. Já as variáveis motivacionais implicam nas razões, pelo autor, de cometer o ato (como a separação, a autodefesa e proteção dos filhos, a suposta traição, consumada ou imaginada) (TRIDAPALLI et al., 2018).

Como estratégia de coleta de dados, foi utilizado o Instrumento de Registro Multidimensional de Homicídio Conjugal, traduzido de um grupo de pesquisadores do Quebec, que se dedica a investigar a passagem ao ato no contexto familiar (LÉVEILLÉ; LEFEBVRE, 2011). O protocolo tem por objetivo sintetizar as informações de múltiplos documentos associados ao ato homicida, para uma análise exploratória e descritiva e de possíveis relações preditivas entre os casos.

Outro aspecto importante é que, nos casos de homicídio conjugal, a análise da dinâmica da

agressividade entre os parceiros e na família é considerada (MILLAUD, 2009). A violência contra os

(4)

filhos, as ameaças de tirar a própria vida e a do outro, e a utilização de estratégias coercitivas contra o parceiro apontam uma dinâmica agressiva na relação familiar, que permite interpretar outras situações trágicas de violência letal, como o homicídio seguido de suicídio e o familicídio (WEBSDALE, 2010).

A seguir, serão apresentados tanto os resultados de publicações do grupo de pesquisa quanto os resultados parciais de dissertações e teses concluídas, com objetivo de socializar os achados, bem como os possíveis diálogos para a prevenção e de futuros estudos.

Os indícios precursores no contexto catarinense

As análises dos homicídios conjugais acontecem desde 2010, a partir da parceria do grupo de pesquisa com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina e a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID). Uma análise no contexto de Florianópolis identificou, entre 2000 a 2010, 29 casos de homicídios conjugais cometidos na cidade, sendo majoritariamente cometido por homens (n=27). O estudo constatou que, ao longo dos anos, foi possível perceber um aumento dos homicídios ocorridos (MARTINS-BORGES; LODETTI; GIRARDI, 2014).

Nesse estudo, a separação foi considerada a principal motivação para o gesto homicida, sendo que, em 58% dos casos, a separação de corpos já existia entre autores e vítimas. Além disso, foi possível constatar a presença da violência conjugal, histórico de criminalidade pregressa e ameaças de morte à parceira anterior ao ato.

Outro estudo, baseado na região da Grande Florianópolis, sustentou-se em notícias de jornais do período de 2000 a 2010 (MARTINS-BORGES; GIRARDI; LODETTI, 2017). Foram analisados 34 casos, sendo que 97% (n=33) foram cometidos por homens em relação às suas parceiras. Em 68%

dos casos, autores e vítimas já estavam separados e, em 6 casos, a ameaça de separação contribuiu para o ato homicida.

O principal método, em ambos os estudos, foi a utilização da faca, seguida de estrangulamento

e sufocação. Cabe ressaltar que, em ambos os estudos, o local principal de ocorrência do crime foi na

residência da vítima e no período do fim de semana (MARTINS-BORGES; LODETTI; GIRARDI,

2014; MARTINS-BORGES; GIRADI; LODETTI, 2017). Um indício precursor que foi dominante

nas análises, com presença em mais de 65% dos casos, foram os episódios de violência conjugal

anteriores ao ato.

(5)

A presença da violência conjugal é um preditor importante no homicídio conjugal (KIVISTO, 2015). No entanto, a existência do conflito conjugal e do uso da força e dominação violenta nem sempre são notificados por serviços socioassistenciais e da segurança pública. A nomeação da violência conjugal se dá pelas narrativas das testemunhas dos casos, o que implica numa subnotificação ou invisibilidade das situações de violência, que emergem na produção da narrativa jurídica dos processos.

Enquanto fenômeno, a violência conjugal é mais comum do que os homicídios conjugais. No entanto, é um preditor associado às violências letais na intimidade e, pela sua subnotificação, deve ser enfrentado tanto nas políticas públicas de assistência social e segurança pública, quanto numa mudança estrutural em relação às iniquidades de gênero.

Com objetivo de aprofundar as motivações e o histórico de conflitos conjugais entre autor e vítima, Rocha (2018) analisou, de forma qualitativa, as narrativas de testemunhas, do réu e da defesa e acusação nos processos criminais. A construção do caso, nas suas diferentes vozes, permitiu identificar uma dinâmica de violência conjugal e não criminalizada, como a hipervigilância, a desconfiança e uso da coerção física e sexual como estratégia de controle de homens em relação às suas parceiras.

A autora destaca também a categoria de terror psicológico no campo relacional e conjugal, por meio do controle extremo da vítima, marcada por humilhações, exploração de dinheiro, ameaças para que a vítima deixasse o seu trabalho e destruição de objetos significativos (ROCHA, 2018).

Nesse sentido, a violência psicológica pareceu dominante nesses casos analisados e se torna um desafio na sua notificação e visibilização.

Outro tipo de violência identificada foi em relação aos próprios filhos, como maus tratos físicos e, principalmente, as ameaças de morte. Na sua maioria, esses episódios não foram notificados nos equipamentos de segurança pública, mas presentes na narrativa jurídica das testemunhas. Um ponto importante de análise é que as testemunhas são, geralmente, moradores vizinhos, pessoas próximas e parentes dos autores e vítimas, além dos próprios filhos.

Em relação às ameaças aos filhos, é importante destacar que os estudos sobre o tema colocam

esse tipo de violência como um dos principais preditores nos homicídios conjugais cometidos por

mulheres (WEBSDALE, 2010; LÉVEILLÉ; LEFEBVRE, 2011). Com o objetivo de aprofundar os

indícios precursores e fatores associados aos homicídios conjugais de mulheres, Adames (2020)

analisou 59 casos, no período de 2005 a 2017, no estado catarinense, em todas as suas regiões.

(6)

Na análise da autora, foi possível identificar que a maioria dos homicídios aconteceram no domicílio da autora e vítima, os objetos perfurocortantes foram os principais métodos utilizados, sendo presentes em 79,3% da amostra (n=46). Além disso, constatou-se a presença da violência conjugal e, em apenas 5 deles, havia notificação de boletins de ocorrência (ADAMES, 2020).

A principal motivação encontrada neste estudo foi a autodefesa por parte da autora do homicídio. Os homens vitimizados pelo homicídio eram os principais perpetradores da violência conjugal, e o medo e desejo de fuga por parte das autoras, principalmente em relação às ameaças contra sua própria vida e a dos filhos, foram outro fator motivador do ato homicida. A motivação financeira, guiada pelo seguro de vida do parceiro, também apareceu na amostra (n=12) (ADAMES, 2020).

Sendo assim, a análise dos homicídios conjugais cometidos por mulheres dá suporte às reflexões sobre a dinâmica da violência conjugal experimentada nesses cenários. Enquanto homens são recorrentemente motivados pela ameaça de separação, pelos ciúmes e pela traição (real ou imaginária), e ocorrem quando o casal já está separado, as mulheres costumam agir contra o cônjuge para defender a sua vida ou a dos próprios filhos.

Os estudos têm verificado a pertinência de compreender a dinâmica da violência conjugal como um dos elementos fundamentais dos casos de homicídio conjugal. Pode-se perceber, na reflexão sobre os resultados, que a dinâmica conjugal, tanto em autores identificados, como homens quanto mulheres, que a presença da violência em seus vários níveis (físico, psicológico e moral) aparece na narrativa dos processos criminais. No entanto, há uma subnotificação ou invisibilidade sobre essas experiências, já que aparecem frequentemente na reconstrução do fato jurídico por parte das testemunhas.

Nesse sentido, Tridapalli (2020) buscou analisar as diferenças culturais e regionais, no que se referem às características dos homicídios conjugais, entre 2005 a 2017, totalizando 103 casos. A autora, a partir de uma análise comparativa entre o Planalto Catarinense e a região da Grande Florianópolis (Litoral), identificou preditores distintos nas regiões, principalmente relacionados às dimensões culturais nas motivações do ato e da permissividade da violência conjugal.

Segundo Tridapalli (2020), a separação foi uma das principais motivadoras para o ato

homicida de homens, na região da Grande Florianópolis, enquanto a medida de represália (vingança)

e os ciúmes foram as principais motivadoras do Planalto Catarinense. Outro aspecto importante é que

as mulheres do Planalto Catarinense, tanto vítimas quanto autoras do homicídio, demonstraram que

a ruptura da relação não foi o principal motivador, sendo possível traduzir a violência como forma de

(7)

resolução do conflito num contexto conservador e que tende a resolver o conflito conjugal no contexto doméstico.

Além disso, em ambas as amostras, foi possível identificar a captura de um determinado público, no sistema judiciário, em relação aos autores de homicídio conjugal. A maioria dos autores estava desempregado no momento do homicídio, possuía baixas renda e escolaridade. É importante ressaltar que a condição financeira e o desemprego são um dos principais preditores das violências no contexto doméstico (CAMPBELL et al., 2007; DAWSON et al., 2017).

No entanto, sabe-se também que o contexto judicial brasileiro é marcado pelo conservadorismo, preconceito de classe e racismo, sendo necessário também analisar como os casos de homicídios conjugais são interpelados por essas intersecções (GÓES, 2018). Ainda que não tenha sido o objetivo das pesquisas, é importante considerar, na análise dos processos, os atravessamentos de sistemas e regimes de verdade que capturam sujeitos situados em determinada condição de classe e raça no sistema penal.

Os estudos, considerando o contexto catarinense, encontraram majoritariamente conjugalidades (autores e vítimas) identificadas pela raça branca, o que parece uma condição regional.

No entanto, a condição de classe, considerando os marcadores sociais de baixa renda, foi recorrente, demonstrando que, apesar da violência de gênero ser presente em todas as interpelações de classe, ela é mais judicializada em populações mais pobres.

Em síntese, em relação à motivação de homens autores, pode-se identificar que os principais indícios precursores são: a separação (em até 5 meses), a medida de represália e vingança por uma suposta traição (real ou imaginada) e os ciúmes. Já entre as mulheres autoras, foi possível identificar:

a autodefesa, a motivação financeira e a vivência de ameaça contra si e contra os próprios filhos. O desemprego e a condição financeira, em que pesem as reflexões sobre o sistema judicial, foram uma variável preditora importante no caso de homens autores (TRIDAPALLI, 2020).

As diferenças regionais se expressaram também na permissividade da violência conjugal,

considerando que, nos casos do Planalto Catarinense, a separação não foi a principal motivadora, e

sim a medida de represália. A medida de represália, ou a vingança, podem representar um ato de

defesa da honra patriarcal, por parte dos homens, que exige o diálogo com os estudos feministas em

relação à categoria de feminicídio íntimo (HORR; ADAMES; MARTINS-BORGES, 2019).

(8)

Considerações finais

Este trabalho buscou socializar os principais resultados do macroprojeto de investigação das variáveis associadas a homicídio conjugais, perpetrados por homens e mulheres no contexto catarinense. O percurso teórico e metodológico, por meio desta categoria de análise, permite dimensionar esse tipo de violência letal a partir de múltiplas variáveis, e circunscrever este fenômeno tanto nas suas características contextuais e regionais, quanto na interação de autores e vítimas.

No entanto, o diálogo com os estudos feministas se torna fundamental para a compreensão das motivações e da violência estrutural identificada nos casos analisados. O homicídio conjugal é uma categoria de análise que permite investigar esse gesto violento em diferentes formas de relação conjugal, mas possui uma prevalência significativa quando se observa a vitimização de mulheres, principalmente na América Latina (UNODC, 2017).

A violência conjugal, presente na maioria dos casos, foi raramente notificada em equipamentos de segurança pública e outras políticas sociais. Sua constatação se deu pelo olhar e pala narrativa testemunhal de pessoas próximas aos autores e vítimas, o que traduz, possivelmente, uma cultura permissiva e silenciada, que é vocalizada apenas nessas condições trágicas.

Além disso, a análise dos homicídios perpetrados pelas mulheres permite compreender dinâmicas conjugais violentas, constituídas principalmente pela violência psicológica, a partir da ameaça, do controle e da humilhação por parte do parceiro, que produziram um desejo de fuga e sobrevivência, via o ato homicida. Essas reflexões apontam a necessidade de espaços de escuta, acolhimento e nomeação da violência conjugal nos cenários dos serviços de saúde e assistência social, e a avaliação dos riscos em relação às vítimas.

No que se refere aos homens, pesquisas são necessárias para compreender as motivações do ato, considerando a posse, o ciúme e a vingança, como categorias em diálogo com a noção de ódio presente nos estudos sobre o feminicídio. Nesse sentido, as formas de constituição da masculinidade na sua relação com o outro, no campo conjugal, devem ser exploradas como vias possíveis de escuta, intervenção e responsabilização de autores de violência.

Referências

ADAMES, Bruna. “Até que a morte nos separe?”: dimensões psicossociais dos homicídios conjugais cometidos por mulheres em Santa Catarina. Florianópolis, 2020 Dissertação (mestrado).

Universidade Federal de Santa Catarina. (Programa de Pós-Graduação em Psicologia).

(9)

DAWSON, Myrna; MATHEWS, Shanaaz; ABRAHAMAS, Naeemah; CAMPBELL, Jacquelyn.

Death reviews in the context of domestic homicide in low- to Middle-income countries: South Africa as a case study. In: DAWSON, Myrna (org.). Domestic homicides and death reviews: an internacional perspective. Ontario: Palgrave Macmillan, 2017, p. 345-372.

ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus. São Paulo: Sairava jur, 2017.

GÓES, Luciano. Abolicionismo penal? Mas qual abolicionismo, “cara pálida”? InSURgência: revista de direitos e movimentos sociais, Brasília, v. 3, p. 94-124, 2018.

HORR, João Fillipe; ADAMES, Bruna; MARTINS-BORGES, Lucienne. Homicídio conjugal masculino e feminicídio íntimo: diálogos epistemológicos sobre as violências letais na intimidade.

In: BAGGENSTOSS, G. A.; SANTOS, P. R.; SANTOS, S. S.; HUGLL, M. S. G. (org.). Não há lugar seguro: estudos e práticas sobre violências contra as mulheres nas perspectivas dos direitos sexuais e reprodutivos. Santa Catarina: Editora Centro de Estudos Jurídicos, 4, 282-302, 2019.

KIVISTO, Aaron J. Male Perpetrators of Intimate Partner Homicide: A Review and Proposed Typology. Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law, 43 (3), p. 300-312, 2015.

LÉVEILLÉE, Suzanne; LEFEBVRE, Julie. Le passage à l’acte dans la famille: perspectives psychologique et sociale. Quebec: Presses de l’Université du Québec, 2011.

MARTINS-BORGES, Lucienne. Crime passional ou homicídio conjugal? Psicologia em revista, Belo Horizonte, v. 17, p. 433-444, dez. 2011.

MARTINS-BORGES, Lucienne; GIRARDI, Júlia de Freitas; LODETTI, Mariá Boeira. Homicídios conjugais na grande Florianópolis: notícias publicadas no Diário Catarinense. Pesquisas e práticas psicossociais, São João del-Rei, v. 12, p. 9-22, 2017.

MARTINS-BORGES, Lucienne; LODETTI, Mariá Boeira; GIRARDI, Júlia de Freitas. Homicícios conjugais: o que dizem os processos criminais. Psicologia Argumento, Curitiba, v. 32, p. 197-208, 2014.

MENEGHEL, Stela Nazareth; PORTELLA, Ana Paula. Feminicídios: conceitos, tipos e cenários.

Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, p. 3077-3086, set. 2017.

MILLAUD, Frédéric. Le passage à l’acte. Paris: Elsevier Masson, 2009.

ROCHA, Natália Lorenzetti da. “Felizes para sempre…”: dimensão psicossocial do homicídio conjugal em Florianópolis. Florianópolis, 2018. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina. (Programa de Pós-Graduação em Psicologia).

STÖCKL, Hartmut et al. The global prevalence of intimate partner violence: a systematic review.

The Lancet, 382, p. 859-865, 2013.

TRIDAPALLI, Ana Laura; ROCHA, Natália Lorenzetti da; RUFFIER, Laura Cardoni; MARTINS- BORGES, Lucienne. Variáveis e metodologias no estudo do homicídio conjugal. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 70, p. 186-203, maio/ago. 2018.

TRIDAPALLI, Ana Laura. O homicídio conjugal no Planalto Catarinense e na Grande

Florianópolis: um estudo comparativo. Florianópolis, 2020. Tese (doutorado). Universidade Federal

de Santa Catarina. (Programa de Pós-Graduação em Psicologia).

(10)

UNITED Nations Office on Drugs and Crime. Global study on homicide: gender-related killing of women and girls. Viena: UNODC Research, 2018.

WEBSDALE, Neil. Familicidal Hearts: the emocional styles of 211 killers. Oxford: Oxford University Press, 2010.

Title title title

Abstract: This paper aims to reflect on the theoretical, methodological and main results from the research on precursor variables present in conjugal homicides in Santa Catarina. Spousal homicide is a category that enables the deepening of psychosocial variables and precursors to the act, and in this sense, can complement the dialogue with the category of intimate feminicide of gender studies in the field of prevention of lethal violence in privacy. The research used court documents as a source of research, in partnership with the Court of Justice of Santa Catarina. They were restricted to cases of heterosexual relationships between 2005 and 2017, totaling 270 conjugal homicides in the context of Santa Catarina. The results adresses predominance of authorship of homicide by men (n = 212). The precursor variables indicated that in most cases the victim was a woman, with a history and presence of conjugal violence and death threats at least one year before the act. Reaction to the threat of separation or effective separation, as well as jealousy and retaliatory measures for assuming another relationship, were the main motivation of men who committed murder. These indicators require reflections about interventions directed to health, public safety and social assistance public policies, in the fight against gender violence and in the care of victims and perpetrators of conjugal violence.

Keywords: Spousal homicide. Intimate feminicide. Prevention. Gender Violence.

Referências

Documentos relacionados

Antes de tomar Bisoprolol deve avisar o seu médico se estiver a tomar algum dos seguintes medicamentos: amiodarona, floctafenina, sultopride, baclofene, produtos de contraste

As três turmas pesquisadas funcionavam no turno vespertino e possuíam 5 professoresas: 3 professoras regentes de turma, que passavam mais tempo com osas educandosas e lecionavam

As dimensões de cada tanque foram 0,10 x 0,72 x 0,70 cm, adequados para duas bandejas de poliestireno expandido de 128 células Os tratamentos foram: testemunha (sem adição

In: Forum Deutsch Revista Brasileira de Estudos

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

Durante a reprodução de um disco MP3 que contiver mais de uma pasta, pressione e mantenha pressionada por cerca de 2 se- gundos a tecla FOLD+/+10 (ou FOLD–/–10 ) para saltar para

Portanto, ao tomarmos como campo de exploração as teses e dissertações brasileiras produzidas entre 2001 e 2010, encontramos um vasto acervo de estudos a ser

De acordo com estes relatos, pode-se concluir que o rei de Malaca, protegido do imperador da China, pede-lhe que não receba os portugueses, por estes lhe terem