Ana Ferreira, CICS.NOVA | NOVA FCSH
Crescimento assinalável com cerca de 20.000 doutorados na
última década
PORDATA, acesso a 19 de janeiro de 2021; fonte primária REBIDES e IPCTN DGEEC, acesso a 1 de Fevereiro 2021, fonte primária RAIDES
Melhoria das condições laborais dos doutorados, mas integração muito
limitada na carreira docente e na carreira de investigação científica
Total
Formalizadas
Apoios Individuais (CEECind 1ª,2ª e 3 edição)
1115
652
Apoios Institucionais (CEECinst)
400
287
Projetos de I&D (2017)
1770
1131
Unidades de I&D
400
400
Norma transitória DL 57/2016
2075
1721
PREVPAP – Docentes (aprovados para regularização)
188
91
PREVPAP – Investigadores (aprovados para regularização)
217
90
Números totais
6165
4372
Integração na carreira docente (%)
5,1%
Integração na carreira científica (%)
2,9%
Estímulo ao Emprego
Científico
(DL 57/2016; Lei 57/2017; DR 11-A/2017)
PREVPAP
(Lei 112/2017)
Da invisibilidade da precariedade na ciência aos
objetivos do questionário
A par de um número crescente de trabalhadores científicos, não existem trabalhos
recentes que façam uma cartografia das suas relações laborais em Portugal
OBJETIVOS
Caraterizar uma população que se tem mantido largamente invisível
Caraterizar as atividades que esta população desenvolve em Portugal
Caraterizar as relações que esta população tem com o trabalho, com a sua
O questionário
Trabalhadores científicos sem vínculo laboral estável
n=
2726 respostas validadas (em 4362 respostas submetidas)
Não considerámos questionários não concluídos, n=1413; trabalhadores com vínculos permanentes, n=153; trabalhadores com vínculos fora de Portugal, n=24; trabalhadores com outros empregos não científicos= 22; respostas inconsistentes, n=9; sem definição de tipologia de contrato, n= 8; outras bolsas ou contratos de trabalho não enquadráveis, n= 5; trabalhadores aposentados, n=2.
Ciências naturais (29%); ciências sociais (19%); engenharia e tecnologia (16%); humanidades e artes (15%); ciências médicas e da saúde (14%); ciências agrícolas e veterinárias (5%); Outras (1%).
Questionário online aplicado entre 1 de dezembro de 2019 e
28 de fevereiro
de 2020
Análise quantitativa e qualitativa
Quem são os inquiridos
Rendimento líquido anual, 16960 Euros (cerca de duas vezes o salário mínimo anual em Portugal)
Número médio de filhos por mulher em idade fértil, ISF= 0,70 (cerca de metade do ISF
2019
=1,42)
Idade média= 38±8 anos
n=2704
NR=22
64% mulheres
n=2721
NR=5
46% com filhos
ISF= 0,70
n=2571
NR=155
NR: Não responde ISF: Índice Sintético de FecundidadeOs resultados
1. Investigadores
1.1. Investigadores com contrato a termo (n=1053)
1.2. Investigadores com bolsa (n=1011)
1.2.1. Investigadores doutorados com bolsa (n=275)
1.2.2. Investigadores de doutoramento com bolsa (n=411)
1.2.3. Investigadores com outras bolsas de investigação (n=325)
2. Gestores de ciência e tecnologia
2.1. Gestores de ciência e tecnologia com contrato a termo (n=33)
2.2. Gestores de ciência e tecnologia com bolsa (n=88)
3. Docentes
3.1. Ensino superior universitário (n=122)
3.2. Ensino superior politécnico(n=109)
3.3. Leitores (n=37)
4. Vínculos pontuais de trabalho (n=102)
5. Sem remuneração (
n=171
)
“Fui bolseira de pós-doutoramento por três anos e na primeira oportunidade consegui contrato como
investigador FCT. Ao fim de 5 anos de contrato vejo-me na situação de desemprego”
“Estive desempregada de abril a setembro de 2019. De momento estou contratada por uma bolsa de
Investigadores com contrato a termo
“Saltar de bolsa em bolsa ou contrato sempre a prazo”
n=1017 NR= 36 n=964 NR=89 n=839 NR= 214
63% mulheres
41 anos
61% com filhos, ISF= 1,02
Investigadores júnior (68,2%); auxiliar (25,5%); principal (6,3%); coordenador (0,2%)
NR: Não responde ISF: Índice Sintético de FecundidadeInvestigadores com contrato a termo
Longa e produtiva jornada de trabalho
n=1045
NR=8 n=938NR=115
Investigadores com contrato a termo
“Não vejo futuro no caminho que percorro”
ExemplosTRAJECTÓRIAS DE VIDA
“adiar a maternidade”
“Vida suspensa sem estabilidade”
TRABALHO
“limitação de Independência intelectual; Limitação no desenvolvimento projetos mais
inovadores que requerem tempo e maturação de ideias; Pressão de publicar o que reduz qualidade científica”
“A imprevisibilidade e aleatoriedade não permite a ninguém planear e criar uma linha de
pesquisa de forma estruturada.”
“Dependência do poder decisório de superiores na gestão da carreira e trabalho”
“Contrato de trabalho pelo DL 57/2016. A Faculdade vê-se na obrigação de fazer este contrato
deixando bem claro que assim que possa finalizará o mesmo. Ainda diz que, no final apenas vai abrir algumas vagas de docência pelo que teremos de dar aulas se pretendemos concorrer. (…) Ninguém pode acordar e vir para a faculdade (…) neste clima. É um fardo nas nossas costas.” DESVALORIZAÇÃO
“Afinal gostam de nós quando trazemos dinheiro, ou damos aulas de graça, ou orientamos
alunos, desde que não sejam (…) responsáveis pela nossa subsistência, que não haja connosco um compromisso assumido”
“Uma das razões mais desmotivantes para mim foi o facto de trabalhar há quase 20 anos na
mesma instituição e este ano ter recebido o relatório do PREVPAP em que esta instituição nega qualquer vínculo comigo. Apesar de esperado, foi realmente um golpe muito duro”
n=468
n= 1053 Não responde= 0
Investigadores com contrato a termo
Cerca de um terço com níveis elevados de burnout
n=1028-1032; Não responde=21-25
ACP: 3 componentes; 64% da variância; KMO = 0,87; Teste de esfericidade de Bartlett: χ2(120) = 8879,01, p < 0.001
Maslach Burnout Inventory, MBI-GS, Wilmar Schaufeli, Michael Leiter, Christina Maslach & Susan E. Jackson
Exemplos
“Extremo cansaço na incerteza”
“precariedade laboral gera-me stress e ansiedade, que por vezes é difícil explicar aos nossos familiares. Como é que podemos viver assim?”
“Angústia sobre como vou sustentar o meu filho quando o meu contrato acabar.”
“gradual falta de entusiasmo para todas as esferas da vida”
“medo constante de falhar às candidaturas”
“ansiedade constante (como ruído de fundo)”
“Desespero”
Investigadores com contrato a termo
Satisfação com o trabalho e desalento com o vínculo
Extremamente insatisfeito Extremamente satisfeito Nem… nem n=1023-1047 NR=5-30 NR: Não responde Exemplos
“Sinto um forte desânimo em relação à carreira de investigação que escolhi por não conseguir ter estabilidade a longo prazo em Portugal e não conseguir progredir na carreira como vejo acontecer com colegas estrangeiros; além disso sinto muito desalento em
relação às tutelas (Universidade ou FCT) e à forma como têm gerido e à falta de apoio que
dão às carreiras dos investigadores; estas condições não correspondem ao trabalho que desenvolvo nem aos resultados que tenho. Mas não estou desmotivada em relação ao
trabalho de investigadora que desenvolvo.”
“Na última visita da Comissão de Avaliação aos centros de investigação, em reunião com os investigadores de pós-doutoramento, um do avaliadores perguntou “Gostam daquilo que fazem?”. Só me ocorreu “Com estas condições e com este historial de sacrifício, só
chega a este ponto quem sobreviveu e sobrevive graças à enorme paixão que se tem pelo trabalho científico. É-se louco por convicção”
Investigadores doutorados com bolsa
“Sairei de um contrato de bolsa sem direito a um mísero subsídio de desemprego”
n=250 NR=25
67% mulheres
38 anos
45% com filhos; ISF= 0,64
Contratos de investigação a termo certo: n=38, 14%; Contratos de docência a termo certo: n=43, 16%
n=270NR=5
NR: Não responde ISF: Índice Sintético de Fecundidade
Investigadores doutorados com bolsa
Longas e produtivas jornadas de trabalho
n=274 NR=1
n=240 NR=35
“Vou emigrar. Não vejo futuro para mim no meu país”
n= 275
Não responde= 0
Exemplos
TRAJECTÓRIAS DE VIDA
“A não estabilidade neste momento esta a atrasar as minha vida pessoal
nomeadamente em termos de filhos(…) Quem me garante se ficar grávida que me
vão renovar a bolsa? E se não renovarem como podemos sustentar os filhos?“
“Limitação orçamento familiar, receio de que esta situação de instabilidade não
permita ter recursos para cobrir despesas básicas da família” “Baixa reforma previsível” “fraquíssima proteção na doença”
TRABALHO
“A procura constante de trabalho mais estável, faz com que haja uma diminuição
significativa na concentração, dedicação, empenho”
“Muita exigência profissional e vulnerabilidade face à pressão das chefias.”
DESVALORIZAÇÃO
“A sensação de desilusão profissional é imensa, o questionamento sobre as
escolhas que fiz também. (...) Diariamente me sinto subestimada e extremamente frustrada. Tenho 40 anos e não posso mais tolerar isso.”
“Lamento ter escolhido a profissão que segui. Tenho 42 anos. Tenho dois filhos. Para poder dar um futuro aos meus filhos pondero emigrar ou mudar de profissão.
Sinto-me envergonhada junto da minha família por estar sempre em risco de ficar ou ficar efetivamente desempregada.”
n=166
Investigadores doutorados com bolsa
Cerca de um terço com níveis elevados de burnout
n=269-271, Não responde=2-6
ACP: 3 componentes; 63% da variância; KMO = 0.86; Teste de esfericidade de Bartlett: χ2(120) = 2252,854, p < 0.001
Maslach Burnout Inventory, MBI-GS, Wilmar Schaufeli, Michael Leiter, Christina Maslach & Susan E. Jackson
Exemplos
“No meu entender, é uma vergonha o que se passa na investigação em Portugal. Eu adormeço a pensar no que acontecerá se ficar doente ou
quando me reformar... tantos anos de estudo e nenhuma estabilidade...”
“não consigo viver mais com o peso de ser bolseira” “Uma constante inquietude”
“Desgaste emocional; falta de sentido de pertença na instituição de acolhimento; intranquilidade. “
“Ansiedade e medo de desemprego constante “
“Problemas de saúde associados à incerteza no futuro profissional”; “Saúde Mental”
Investigadores doutorados com bolsa
“A paixão por este trabalho não pode sempre compensar”
n=265-274 Não responde=1-10
Exemplos
“Apesar da investigação científica ser um trabalho fascinante e mesmo essencial, as condições hoje em dia em termos de precaridade,
concorrência, condições sociais e em particular de salários, de forma global
mas ainda mais acentuado cá em Portugal, são mesmo muito pouco atraentes. (…) Sem falar sobre os sacrifícios que implique na vida pessoal (…). Há
limites sobre o que um indivíduo pode suportar. A paixão por este trabalho não pode sempre compensar.”
“Estive desempregada de abril a setembro de 2019. De momento estou contratada por uma bolsa de pós-doutoramento e fui uma das felizes
contempladas no CEEC. Gosto muito do que faço e mesmo tendo estado
toda a vida numa situação de precariedade nunca procurei nada fora deste ambiente. Embora tenha 2 filhos, felizmente o meu marido sempre teve uma situação estável o que também me permitiu fazer a escolha que fiz até hoje.” Extremamente insatisfeito Extremamente satisfeito Nem… nem
n=166
Trabalho sem remuneração, desempregados
n=121 NR=50
Contratos de investigação a termo certo : n=29, 17%
Contratos de docência a termo certo: n= 19, 11%
57% são mulheres
37 anos
29% têm filhos, ISF= 0,29
91% não tem acesso ao subsídio de desemprego
NR: Não responde ISF: Índice Sintético de Fecundidade
Trabalho sem remuneração, desempregados
n=165 NR=6
n=171 NR=0
“A precaridade dos investigadores entre os 40 e os 60 anos atingiu um nível impensável. É o meu caso… só
quando (em) Barcelona é que tive um contrato. De resto, desde 1998 a viver com bolsas. A bolsa de cientista
convidado terminou em Novembro 2019 (Proveniente de um projeto FCT em que sou Investigadora Principal)”
“Entre bolsas (…) a realizar atividades docentes e de investigação sem qualquer remuneração”
152 43 35 6 7 0 20 40 60 80 100 120 140 160
Investigação Docência Consultoria Extensão Outras
N ú m e ro d e tr ab al h ad o re s n ão re m u n e rad o s % NR: Não responde
Sem remuneração, desempregados
“Pagar para trabalhar”
Exemplos
TRAJECTÓRIAS DE VIDA
“Incapacidade de planear ou constituir família ou ter uma vida social adequada” “Não quero viver mais à custa dos meus pais”
“não posso continuar a pagar para trabalhar(…) não creio que essa situação vá mudar.” “preciso de dinheiro para sobreviver”
TRABALHO
“torna as colaborações mais difíceis na medida em que aumenta a competitividade. Há menos ética no ambiente académico. As relações se deterioram quando se percebe que há aqueles que se beneficiam da precariedade e que não se importam com as condições de trabalho de seus colegas.”
“Impactos negativos: na rapidez com que se produz; na magnitude do que se pode
concretizar”
DESVALORIZAÇÃO
“mundo académico é demasiado instável e demasiado injusto”
“A falta de apoio por parte das instituições que albergam os investigadores é uma
realidade cruel. Só se interessam pelos resultados e o outputs gerados por eles, não se preocupam se têm dinheiro para comer. A isso junta-se a falta de proteção social,
sem termos direito a subsídio de desemprego”
n=114
n=171
Não responde=0
%
Sem remuneração, desempregados
Quase metade apresenta níveis elevados de burnout
n= 156-167; Não responde=4-15
ACP: 3 componentes; 66% da variância; KMO = 0,833; Teste de esfericidade de Bartlett: χ2(120) = 1484,40; p < 0.001
Maslach Burnout Inventory, MBI-GS, Wilmar Schaufeli, Michael Leiter, Christina Maslach & Susan E. Jackson
Exemplos
“(a precariedade) afeta o estado de saúde” “Burnout!”
“Ansiedade e depressão”; “Depressão clinicamente diagnosticada” “dependência da família, depressão, ansiedade”
“desespero… preciso de comer… O percurso que se segue é inexorável”