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ASSIM FALOU ZARATUSTRA AS TRÊS TRANSFORMAÇÕES PRESENTES NO ESPÍRITO

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Academic year: 2021

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ASSIM FALOU ZARATUSTRA

AS TRÊS TRANSFORMAÇÕES PRESENTES NO ESPÍRITO

Abel J. L. A. da G. Miki1

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo analisar o primeiro discurso de Zaratustra: “das três metamorfoses”, contida no livro “Assim Falou Zaratustra”, uma das principais obras de Friedrich Nietzsche, entre os anos 1883 e 1885, o que tornou para ele um “evangelho”, seu ponto de partida. O escritor, nascido na Alemanha, criado em um contexto cristão protestante, foi considerado uma dinamite em combate à tradição grega e, sobretudo, à moral cristã, contemplada, em especial, na sua obra “Genealogia da Moral (1887)”. Nietzsche definiu como a “moral dos fracos” que se impõe sobre os “fortes” pelo sentimento de culpa e ressentimento, ou seja, a moral que escraviza o homem, colocando-o em obediência à igreja, ao Estado e outras instituições.

Outra característica dada por Nietzsche à moral tradicional foi a “do rebanho”, que se constrói pela ética da preocupação com a opinião comunitária, onde os indivíduos são dirigidos pela massa:

É somente com um declínio dos juízos de valor aristocráticos que essa oposição “egoísta” e “não egoísta” se impõe mais e mais à consciência humana – é, para utilizar minha linguagem, “o instinto de rebanho”, que com ela toma finalmente a palavra e as palavras. E mesmo então demora muito, até que esse instinto se torne senhor de maneira tal que a valoração moral fique presa e imobilizada nessa oposição, como ocorre, por exemplo, na Europa de hoje: nela, o preconceito que vê equivalência entre “moral”, “não egoísta” e “desinteresse” já predomina

1 Aluno Especial matriculado na Disciplina: Hermenêutica do Programa de Pós Graduação (Mestrado) em Filosofia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. (2017).

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com violência de uma “ideia fixa” ou doença do cérebro. (NIETZSCHE, 2009, p. 2).

Segundo a sua teoria, o conceito de “bom” ou “ruim” era fruto de uma força aristocrática, que por imposição trazia a diferenciação de sentimento de “nobre” e “plebeu”. Todavia, faz uma analogia entre a palavra “ruim” em alemão: “schlecht” com a palavra “simples” em alemão: “schlicht”, chegando a conclusão que o “ruim” é nada mais que “simples”. Portanto, o sujeito considerado pelo nobre como “ruim”, na verdade seria um sujeito “simples” em oposição ao nobre.

O exemplo mais eloquente deste último é o próprio termo alemão

schlecht [ruim], o qual é idêntico a schlicht [simples] – confiram-se schlechtweg, schlechterdins [ambos “simplesmente”] – e originalmente

designava o homem simples, comum, ainda sem olhar depreciativo, apenas e oposição ao nobre. (NIETZSCHE, 2009, p. 4).

O filósofo chamado de “dinamite” sentiu-se na missão de desconstruir de uma vez por todas a moralidade construída pelos gregos e pelo cristianismo, implementando novos conceitos éticos. (DURANT, 2000). Para muitos, Nietzsche foi ousado em questionar o que era inquestionável pelos filósofos, até então. Seguiu para “além do bem e do mal”, jogando dúvida aos conceitos preestabelecidos pela crença tradicional. Por que não duvidar?

A crença fundamental dos metafísicos é a crença nas oposições dos valores. Nem aos mais cuidadosos entre eles ocorreu duvidar aqui, no limiar, onde mais era necessário: mesmo quando havia jurado para si próprios de omnibus dubitndum [de tudo duvidar]. (NIETZSCHE, 2000, p. 2)

Para Nietzsche, ainda que sob o instinto de rebanho, colocando-o numa condição de escravo, o homem esconde por trás de toda essa moralidade uma vontade secreta de poder, uma severidade e um orgulho, que são vencidos pelos

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valores judaicos, romanos, aristocráticos e cristãos. Tais valores são responsáveis de impedir o homem a superar a si mesmo, de dar um impulso a uma direção de autonomia, o que o tornaria “Criador”. A esperança disso tudo era a ascendência do “super homem”, o ser tomado pela vontade de viver, totalmente desprendido dos “falsos valores” impostos, até então, pela velha filosofia. Em Zaratustra, Nietzsche faz sua declaração: “Eu vos ensino o super

homem. O homem é algo que deve ser superado. (...) porque é ele esse raio e essa loucura”. (NIETZSCHE, 1977, p. 29 e 31).

A partir dessas ideias, Nietzsche se torna o filósofo de uma nova metafísica, a metafísica do “caminho do criador”, caminho pelo o qual o homem deixaria de ser criador para se tornaria criador: “Queres, meu irmão, refugiar-te

na solidão? Queres procurar o caminho de ti mesmo? Detém-te mais um pouco e escuta-me”. (NIETZSCHE, 1977, p. 77).

Das Três Metamorfoses

Nietzsche inaugura o discurso de Zaratustra com o processo de transformação no espírito, que levará o homem a um estágio de nobre autêntico, o super homem de fato. Tal processo é divido em três fases, as quais deverão acontecer nem tão cedo e nem tão tarde, mas no tempo certo, no kairós. As fases são representas por três símbolos: o camelo, o leão e a criança.

O camelo por ser o animal que carrega as cargas, o peso e o julgo de seu dono, nunca reclama, nunca diz “não”, representa o escravo fiel. Sua obediência é o único valor que possui, que o torna dependente das ordens, das regras, da religião, dos sacerdotes, pois lhe é proibido confiar em si mesmo. Neste discurso, todo esse peso sobre o camelo será o valor do imperativo “tu deves”, a carga imposta: “O que há de pesado? Pergunta o espírito de suportação; e

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ajoelha como um camelo e quer ficar bem carregado. (NIETZSCHE, 1977,

p.43).

No camelo, embora exista a opressão, há sempre a vontade de submissão, de obediência, de humilhação, nada mais, além disso. Portanto, representará o mais baixo nível do espírito humano. Todavia, todo camelo segue para o deserto, e é lá que ocorre segunda metamorfose: “Mas, no mais ermo dos desertos, dá-se

a segunda metamorfose, ali o espírito torna-se leão, quer conquistar, como presa, a sua liberdade e ser senhor em seu próprio deserto”. (NIETZSCHE,

1977, p. 43 e 44). Tal demarcação dessa transformação não é cronológica, mas conta com um tempo oportuno, não é em qualquer tempo, mas é o momento exato. No caso do camelo, seu momento foi no deserto, quando se cansou. Ali estava a oportunidade de aflorar sua força escondido dentro de si, a saber, o leão. A partir da segunda metamorfose o espírito humano se liberta do valor do “tu deves” e parte para o valor do “eu quero”. Agora, sua natureza é contra a carga, contra o julgo e a opressão dos valores impostos pela religião, Estado ou qualquer instituição ou liderança. Na primeira fase, segundo Nietzsche, homem é fraco, escravo, preso em uma moral do “tu deves”, das obrigações, do “instinto do rebanho”. Mas chega o momento certo, que não pode ser em outro, em que o escravo se cansa do “tu deves”, dos valores éticos aristocráticos, então dúvida dos conceitos tradicionais e se liberta, tornando-se questionador, rebelde. Mas, segundo Nietzsche, aí está a verdadeira virtude, o nascimento do super homem, onde deixará de ser criatura para ser criador.

Partindo desse princípio, Nietzsche faz duras críticas, tornando em ridículo a tese do “imperativo categórico” de Immanuel Kant (1724-1804):

A rígida e virtuosa tartufice do velho Kant, com a qual ele nos atrai às trilhas ocultas da dialética, que encaminham, ou melhor, desencaminham, a seu “imperativo categórico” – esse espetáculo nos faz sorrir, a nós, de gosto exigente, que achamos não pouca graça em

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observar os truques sutis dos moralistas e pregadores da mortal. (NIETZSCHE, 2000, p. 5).

Na fase do leão o homem não depende da liderança; ele é sua própria liderança. Mas o caminho do criador não termina no leão. O processo de transformação não pode parar, mas não pode ser nem mais cedo e nem mais tarde, mas no momento oportuno. Caso o contrário, o espírito humano será para sempre um rebelde, cujo valor será seu instinto “eu quero”. A terceira metamorfose será a criança, da qual não será mais o “eu quero” seu valor, mas a inocência será o seu bem.

Inocência, é a criança, e esquecimento; um novo começo, um jogo, uma roda que gira por si mesma, um movimento inicial, um sagrado dizer “sim”. Sim, meus irmãos, para o jogo da criação é preciso dizer um sagrado “sim”: o espírito, agora, quer a sua vontade, aquele que está perdido para o mundo conquista o seu mundo. (NIETZSCHE, 1977, p. 45).

Na verdade, para Nietzsche, a criança representa o super homem, o que se perde para se encontrar, esvaziar-se do poder supremo, das forças tradicionais da sociedade, permitindo-o executar o “niilismo”, que é o esquecimento, a inocência, ou a “morte de Deus, para se tornar criador, pois só cria do nada aquilo que do nada tem. Se o camelo diz “eu devo”, o leão diz “eu não”, a criança diz “sim” na inocência, se lançando na pureza da vida, depreendida de quaisquer correntes opressoras, ou seja, ela não está aceitando a opressão do “tu deves” e nem se desgastando com o “eu quero ou não quero”, mas livremente, em sua inocência diz “sim”. Portanto, o caminho do criador é um processo de “poder vir”, pois o homem “não é”, mas ele “existe” para ser o que faz. Essa é a razão pela qual Zaratustra falou:

Vai para a tua solidão com o teu amor, meu irmão, e com a tua atividade criadora; e somente mais a justiça te seguirá capengando. Vai para a tua solidão com as minhas lágrimas, meu irmão. Amo aquele que quer criar

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para além de si e, destarte, perece. Assim falou Zaratustra. (NIETZSCHE, 1977, p. 79 e 80).

Conclusão

Essa é a análise feita sobre o discurso que abre o livro “Assim falou Zaratustra”, representa por três fases que ocorre no espírito indivíduo que atingirá um nível elevado de seu ser, uma formação mais superior do humano, cujas transições acontecem num momento oportuno, nem pouco cedo e nem pouco tarde, mas no kairós, para alcança um único objetivo, a nobreza. Nietzsche principia sua crítica a partir dos valores éticos que a o mundo ocidental se submetia, que para ele eram valores congelados e petrificado, que tornavam o homem a “camelo”.

Segundo Durant (2000), quanto ao sistema ético de Nietzsche, formulado em “Além do bem e do mal” e “A genealogia da moral”, obras estruturadas sobre “Assim falou Zaratustra”, para muitos críticos, tal sistema tornasse uma fantasia doentia exagerada. Pois a própria filosofia ética e tradicional pedem aos homens para serem valentes, resilientes com o universo de desafios da vida. Portanto, o sistema nietzschiano de moral acaba caindo no erro de não levar em conta a natureza da consciência humana e do valor da humildade humana, mansidão, da resiliência, construída com as pressões da múltipla dimensão, sem ser necessário passar por uma fase rebelde, de desconstrução e de solidão consigo mesmo. Tal virtude é muito bem observada pelo seguinte conceito cristão: “Aquele que for o maior dentre vós, que seja o menor, o servidor”.

Portanto, por não levar em conta o valor dos instintos sócias, que são altamente necessitadas da moderação, da delicadeza, do autocontrole, da sociabilidade, que são subsídios fornecidos pela filosofia ética e moral,

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Nietzsche, supervaloriza a solidão, a pregação do ego inteiro e santo, um caminho do egoísmo virtuoso, que o obrigava combater o cristianismo, que representa o caminho da sociabilidade para a produção de virtudes.

Segundo Durant (2000, p. 406), Nietzsche foi consumido prematuramente pelo intenso pensamento que batalhava contra o contexto histórico, cultural e social, razão pela qual sua mente entrou em colapso, envenenada pelo próprio veneno, produzindo reflexões insânias como essa: “Talvez eu sabia, melhor do que ninguém, por que o homem é o único animal que ri: ele, e só ele, sofre de uma maneira tão excruciante, que foi obrigado a inventar o riso”. (DURANTE, 2000, p. 409).

Críticos encontraram diversas controversas em Nietzsche, o qual se mostrava mais partidário da saúde da mente do que a do corpo, porém, crítico da razão. O promotor da filosofia do “super homem”, poeta criativo e polêmico, encerrou sua vida em Weimar, Alemanha, em 1900, por causa de uma doença caracterizada por paralisia progressiva da razão. Para muitos Nietzsche morreu sem a razão, por perdê-la ou por livrar-se dela, todavia, muitos tentam devolvê-la a ele, mesmo depois de morto.

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Referência Bibliográfica

DURANT, Will. A História da Filosofia. Tradução de Luiz Carlos do Nascimento Silva. São Paulo: Ed. Nova Cultura, 2000.

NIETZSCHE, Friedrich W. Assim Falou Zaratustra. Tradução de Mário da Silva. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1977.

______________________. Genealogia da Moral. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2ª edição, 2009.

______________________. Para Além do Bem e do Mal. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2ª edição, 2000.

Referências

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