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MOÇAMBO: DE BAIRRO RURAL A DISTRITO, NA VISÃO DE MORADORES ANTIGOS

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Academic year: 2021

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MOÇAMBO: DE BAIRRO RURAL A DISTRITO, NA VISÃO DE

MORADORES ANTIGOS

Letícia Almeida Araújo

araujo.leticia.almeida@gmail.com Discente – Geografia – UNIFAL-MG

Ana Rute do Vale

ana.vale@unifal-mg.edu.br Professora do curso de Geografia – UNIFAL-MG

Introdução

A relação campo-cidade teve vários contornos, interpretações e visões na história brasileira e do mundo, e hoje a integração dos espaços urbanos e rurais é complexa e rica de particularidades. Tem- se como visão adotada neste trabalho, que existem ruralidades na cidade e urbanidades no campo, sem que cada espaço perca suas características e especificidades.

Os acontecimentos políticos, econômicos e sociais que ocorrem de forma global acabam por interferir, em diferentes intensidades no local. Assim ocorreu com o bairro rural Moçambo que, no início de 2015, tornou-se distrito do município de Muzambinho, na mesorregião sul/sudoeste de Minas Gerais. O bairro destacou-se a partir da implantação do ramal Moçambo da estação ferroviária da Companhia Mogyana, principal meio de transporte no auge da produção cafeeira. Com a evolução e diversificação da produção voltada ao mercado exterior e a modernização nos meios de transporte, a ferrovia foi desativada em 1966 e a rodovia BR-491 passou a cruzar o bairro, que deixou de ser movimentado e próspero, mas que mantém no café a principal fonte de renda.

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Essa transformação poderá possibilitar que várias propriedades regularizem suas escrituras, já que muitas delas possuem tamanho inferior ao mínimo exigido pela lei orgânica municipal para propriedades rurais. Além disso, uma vez que os moradores deixarão de pagar o ITR (Imposto Territorial Rural) e passarão a contribuir com o IPTU (Imposto Predial e Territorial Rural), espera-se que melhorias em termos de infraestrutura urbana básica, saúde e educação. Por enquanto, eles possuem uma grande dependência em todos os setores com a cidade e mesmo com a transformação em distrito, nenhuma melhoria ou mudança concreta ocorreu.

A análise dessa transformação, torna-se mais completa através da visão da memória viva do bairro que os moradores antigos possuem. Nascidos ou criados no bairro, possuem memórias, viveram histórias, conhecem fatos que não foram registrados e que ajudam entender se essa mudança pode ser positiva, ou não, já que mais do que uma transformação do espaço, ou uma transformação política, ela pode acarretar em transformações no modo de vida dos moradores.

Objetivos

Partindo dessas informações, tem-se como objetivo geral analisar o processo de transformação socioespacial do bairro rural Moçambo em distrito municipal, a partir da visão dos moradores mais antigos. Pretende-se com os objetivos específicos, resgatar a história do bairro e apresentar as mudanças em curso.

Fundamentação Teórica

A questão das definições do que seria considerado campo e cidade, do que seria rural ou urbano é complexa e percorreu um longo caminho de ideias dicotômicas dessa relação até chegar a uma aproximação desses espaços, com intensa troca entre eles, mas com a manutenção de suas especificidades, visão defendida nesse trabalho, com as considerações de Rua (2005, p.48): “ Rural torna-se, cada vez mais, diferente de agrícola. Ao mesmo tempo, distingui-se cidade e urbano explicitando a crescente complexidade que marca tais relações. Rural e urbano interagem-se, mas sem se tornarem a mesma coisa, já que preservam suas especificidades. ”

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As visões acadêmicas são múltiplas, mas não se pode considerar que esses dois ambientes são incomunicáveis e que não estabelecem ligações, e nem que um espaço seja mais importante que outro. Porém o campo, de espaço produtivo e gerador de renda, passou a ser por muito tempo considerado como um lugar arcaico para se viver e trabalhar, um lugar atrasado, de minorias que cultivavam tradições diferentes das impostas pela nova ordem capitalista dominante. Enquanto isso, a cidade passou a ser sinônimo de progresso e desenvolvimento.

Alves e Vale (2013, p.38) trazem que “o que vai diferenciar o urbano do rural é a intensidade da territorialidade, pois o primeiro representa relações mais globais, mais deslocadas do território, enquanto o rural reflete uma maior territorialidade, uma vinculação local mais intensa. ”

É o que ocorre com Moçambo, que se tornou um distrito, mas mantém seu caráter rural muito evidente, ainda preservando características de um bairro rural como as trazidas por Pina, Lima e Silva (p. 138):

Os bairros rurais se organizam como grupos de vizinhança, cujas relações interpessoais são cimentadas pela grande necessidade de ajuda mútua, solucionada por práticas formais e informais, tradicionais ou não; pela participação coletiva em atividades lúdico-religiosas que constituem a expressão mais visível da solidariedade grupal; pela forma específica de ajustamento ao meio ecológico, através do trabalho de roça, executado pela família conjugal como unidade econômica e utilizando técnicas rudimentares; pela interdependência visível entre o grupo de vizinhança e núcleos urbanos, locais e regionais, para os quais se dirigem os lavradores, seja para vender seus produtos e comprar mercadorias, seja em romarias religiosas, seja para tratar das poucas atividades administrativas e políticas que estão ao seu alcance. (QUEIROZ, 1973 apud PINA; LIMA; SILVA, 2008).

O então distrito, não pode ser considerado um campo que foi urbanizado: em diferentes intensidades sempre esteve indiretamente ou até diretamente conectado com a cidade e todos instrumentos tidos como urbanos, mas não perdeu sua identidade rural, seu apego ao local, e o modo de vida familiar de um bairro. Porém, mesmo se tornando um distrito, direitos básicos de bem-estar social, ainda não foram atendidos.

Mesmo sendo grande a área de estudo sobre o distrito, Manaia (2010, p.3.482) diz que “muitos célebres pensadores trabalharam com a urbanização, suas hierarquias e intercomunicações, porém não se aprofundaram na discussão sobre a interface entre o campo e a cidade, da qual os distritos são a melhor expressão. ”

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O estudo sobre esse novo distrito então, é uma possibilidade de se entender ou aprofundar os apontamentos da relação campo- cidade que são vastos e complexos. E toda essa transformação pode ser identificada com mais facilidade através do olhar de quem vivenciou essa história e continua acompanhando os caminhos que ela vem tomando, que são os moradores mais antigos do bairro.

Metodologia

Para propósitos do trabalho, além da revisão e levantamento teórico e bibliográfico sobre a relação campo-cidade, bairros rurais e distritos, foram realizadas entrevistas a campo com cinco moradores antigos do bairro, indicados pelos próprios moradores, e que ainda residem no Moçambo. As entrevistas foram gravadas, e seus áudios transcritos, a fim de não se perder nenhuma informação fornecida.

Resultados Finais

Antes da implantação do ramal

estação

ferroviária da Companhia Mogyana, o bairro existia representado por algumas poucas casas, das quais pouco se tem informações. Em 1913, as linhas começaram a operar no bairro, transportando o principal produto da região- o café, além do transporte de passageiros para a cidade de Guaxupé.

Os operadores, comandantes e operários estabeleceram moradias no bairro, que passou a contar com comércios como farmácia, mercados e vendas. Com toda movimentação, muitas casas começaram a surgir no bairro, e o fluxo de pessoas era intenso, chegando ao ponto de crianças se perderem dos pais.

A ligação entre a cidade de Muzambinho era realizada por uma estrada de terra, onde se ia de charrete, a cavalo, ou mesmo em carros de lata, modernos para época, de alguns moradores do bairro que funcionavam como táxis. Festas de barraquinhas, terços e outras tradições religiosas eram bem marcantes.

Em 1966 houve a desativação da ferrovia no bairro, dando sinais de que o café não era mais o produto exclusivo de exportação, e que meios mais eficientes e econômicos de transportes estavam sendo desenvolvidos. Em 1970, aconteceu a pavimentação da rodovia que atravessa o bairro, intensificando a relação com Muzambinho e com a cidade de Guaxupé. Os funcionários da estação se mudaram do

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bairro, e nenhuma outra atividade econômica, além da permanência da produção cafeeira- agora em pequena escala, foi desenvolvida no bairro, que deixou os tempos grandiosos na memória e na história.

O bairro composto de muitas pessoas aposentadas, famílias que trabalham no campo, ou pessoas que vieram de outras localidades procurando um novo meio de sustento, foi transformado em distrito no início de 2015. Muitos moradores não tiveram conhecimentos dos benefícios ou pontos negativos dessa transformação, e nem participaram da reunião de votação de aprovação, realizadas por representantes do poder público Municipal e outras empresas geridas pelo Estado.

Até o momento nenhuma mudança referente ao bem-estar social, ou a infraestrutura ocorreu de forma significativa, apenas pinturas no meio-fio. A população ainda depende de serviços da cidade. Há apenas uma venda com pouca variedade de produtos alimentícios. O modo de vida rural, mesmo ao longo dos últimos anos ter sofrido influências do urbano, das novas tecnologias e a modernização, ainda é muito evidente, não sendo possível distinguir ainda o Moçambo de outros bairros rurais do Município. Na realidade, esse modo de vida e a identidade da população do Moçambo vai ser preservado, suas especificidades serão mantidas, mesmo com qualquer mudança de ordem política ou capitalista, porque correspondem a questões de afinidades e sentimentos, questões e vivências ontológicas.

Conclusões

Foi possível identificar um caráter rural muito acentuado no distrito, onde os próprios moradores antigos entrevistados, revelam que essa transformação ainda não implicou em mudanças de infraestrutura e bem-estar social. Essa ruralidade é muito presente, e parece se perpetuar entre as gerações.

Bibliografia

ALVES, Flamarion Dutra; VALE, Ana Rute. A Relação campo- cidade e suas leituras no espaço. ACTA Geográfica, Boa Vista, Ed. Esp. Geografia Agrária, 2013.

MANAIA, Marcel Saab Rodrigues. Distritos Rurais: Uma incessante busca por sua compreensão, o caso de Paiquerê e Warta, Londrina-PR. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, XX, 2010, Francisco Beltrão- Paraná.

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PINA, José Hermando Almeida; LIMA, Osmar Almeida; SILVA, Vicente de Paulo. MUNICÍPIO E DISTRITO: um estudo teórico. Campo- Território: revista de Geografia Agrária, v. 3, n. 6, p. 125-142, ago. 2008.

RUA, João. A Resignificação do rural e as relações cidade- campo: uma contribuição geográfica. Revista da Anpeg, n.2, 2005.

Referências

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