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Fronteiras interculturais: especificidade da educação indígena no Tocantins

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Academic year: 2021

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Fronteiras interculturais: especificidade da educação indígena no Tocantins Paulete Maria Cunha dos Santos*

A oportunidade de um contato intercultural com os povos indígenas no Tocantins concretizou-se com a etnia Krahô, com a qual desenvolvemos projetos educacionais em parceria com a Universidade do Tocantins e as Ongs Esamacito e Comsaúde. Desde então, continuamos acompanhando suas demandas e propostas na área de educação. Para revelar uma delas, transcrevemos as perspectivas de professores e lideranças:

Entendemos que programas específicos direcionados às áreas indígenas possibilitem a melhoria da qualidade de vida e, também, oportunize o preparo de jovens para participarem no processo de desenvolvimento de suas sociedades. (doc. 10/07/2003)

Atualmente, entre os problemas enfrentados pelos povos indígenas, a educação é um dos que causam maior preocupação (REPETTO, 2002). As associações indígenas do país, especialmente as de professores, têm reivindicado uma educação diferenciada e, neste contexto, os representantes das organizações do Estado do Tocantins vêm se organizando e manifestando os seus problemas e as suas propostas diante da sociedade e junto ao Governo estadual. No mês de abril de 2005, foi realizado, em Palmas, o I Fórum Social Indígena do Tocantins, com a finalidade de implementar políticas públicas para atender, efetivamente, as demandas destes povos. Arrolaram, entre as suas reivindicações, no que se refere à educação, a criação/ampliação de escolas, a necessidade de adequações no calendário escolar e no material didático, elaboração de concurso público para professores indígenas, até a merenda escolar condizente com a dieta alimentar. Dessa forma, na dimensão política e educacional de processos de organização de Associações Indígenas, pressupomos uma discussão crítica e própria acerca de si mesmas e o lugar da escola que querem para o futuro (LOPES DA SILVA, 2001).

Sendo assim, esse artigo pretende problematizar a articulação entre a participação das organizações indígenas do Tocantins1, enquanto sujeitos políticos de sua própria história, que

* Profª MSc do Curso de História da Universidade Federal do Tocantins- UFT/ Campus de Porto Nacional. 1 Na última década multiplicou-se o número de associações/organizações indígenas do Tocantins. Dentre elas pode-se citar: Organização Indígena do Tocantins – OIT; Associação dos Professores Indígenas do Tocantins - ASPINT; Associação Indígena Akwê - AIA; Conselho das Organizações Indígenas do Povo Javaé da Ilha do Bananal – CONJABA; Associação das aldeias Krahô –KÁPÈY; União dos Estudantes Indígenas do Tocantins –

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propõem uma educação escolar indígena diferenciada, e os diversos agentes não indígenas envolvidos no processo, como secretarias estaduais e municipais de educação, MEC, Funai, universidades, ONGs, e organismos/instituições governamentais.

A par desse contexto, justifica-se nossa pesquisa pela precariedade de estudos/trabalhos referentes ao tema elaboração/produção do conhecimento da história indígena no processo de uma educação intercultural2. Por essa razão, estamos diante de um desafio ao analisar fronteiras multiétnicas e as questões sobre o lugar da escola e a atuação das organizações indígenas. Contudo, estamos cientes de que a escola e o gerenciamento de formas não indígenas de educação estiveram presentes nos debates da historiografia brasileira. Do exposto, algumas reflexões podem ser inferidas. Como o Estado do Tocantins, representado pela Secretaria de Educação, dentre outras, incorporou políticas públicas prescritas no plano institucional e de legislação da educação indígena? Quais são os mecanismos forjados por estas secretarias no que diz respeito à autonomia dos movimentos sociais indígenas? Como se constituem a luta política e o processo de autodeterminação das organizações indígenas desse Estado? Ou, ainda, como são tratadas as especificidades de cada povo, isto é, na efetiva prática educacional nas aldeias? 3

Afinal, trata-se de conhecimentos distintos, é preciso desaprender e, portanto,

re-aprender outras formas de saberes. Como construir com os povos indígenas uma outra

proposta de educação que reconheça a diversidade de fato e de direito?

Os povos indígenas do Brasil continuam resistindo e lutando por seus direitos. Se pensarmos e tivermos como referência a América e, especialmente, a América do Sul, nos deparamos com a complexidade da organização social destes povos, que nessas terras viveram e vivem.

Diversidade na educação indígena

Por outro lado, deparamo-nos com uma sociedade de caráter fragmentário, elemento constituinte da pós-modernidade. Pode-se aludir que aí existe um movimento paradoxal, pois

UNEIT.

2 Por educação intercultural, entendemos o espaço da escola nas aldeias enquanto um palco de experiências, vivências e, especialmente, de fricção entre indígenas e não indígenas, onde os primeiros são os principais agentes.

3 Algumas inquietações, após nossa participação na I Conferência Internacional sobre Ensino Superior Indígena, em Barra do Bugres vivências e, especialmente, de fricção entre indígenas e não indígenas, onde os primeiros são os principais agentes.-MT, na Unemat (2004), levaram- nos a realizar algumas reflexões.

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estamos diante da proclamada globalização e, simultaneamente, reivindicam-se as diferenças culturais e as múltiplas cosmovisões étnicas.

Nessa conjuntura, percebe-se, nas demandas e propostas das associações indígenas, perante os setores hegemônicos dos Estados latino-americanos, a exigência de uma educação de maior qualidade, sobretudo, uma escola que reafirme a condição da diferença, além de reconhecer a diversidade. Assim, significa a educação intercultural, na concepção de Fernando Prada:

...son las proprias organizaciones indígenas las que, desde una política de la diferencia, han empezado a construir las bases de uma educación propria que satisfaga las necesidades, también políticas, de sus sociedades, sobre los avances de reivindicaciones anteriores que el Estado asumió, sea total o parcialmente. (2005: 30)

Nos últimos anos, relevantes publicações vêm tratando da Educação Escolar Indígena. Uma das publicações, A temática indígena na escola, apresenta um artigo sobre os movimentos dos professores indígenas do Amazonas, Roraima e Acre e seus encontros periódicos, que contam com o apoio de universidades, especialmente, da USP/ Grupo MARI.

Nos dois últimos encontros (1993, em Boa Vista/RR e 1994, em Manaus/AM) temas como “culturas diversificadas” foram discutidos com o objetivo dos professores conhecerem elementos culturais dos diferentes povos que compõem o movimento, para que a interculturalidade do movimento seja também apropriada pelas escolas. (SILVA & AZEVEDO, 1995: 155)

As pesquisas atuais realizadas pelo MARI resultaram na publicação de um conjunto de obras tanto sobre a educação escolar indígena, quanto sobre educação e pedagogia indígenas. O primeiro volume trata, exatamente, da Antropologia, história e educação: a questão

indígena e a escola. O texto escrito por Mariana Leal Ferreira (2001), ressalva a competência

de articulação dos indígenas diante de suas reivindicações na área educacional. Já o artigo de Antonella Tassinari, apresenta reflexões que propõem o conceito de “fronteira” para compreender a prática da educação escolar nas aldeias indígenas, porque considera a escola um espaço de intercâmbio entre a pluralidade das tradições de pensamentos ocidentais e das tradições indígenas.

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É nesse sentido que considero muito adequado definir as escolas indígenas como espaço de fronteiras, entendidos como espaços de trânsito, articulação e troca de conhecimentos, assim como espaços de incompreensões e de redefinições identitárias dos grupos envolvidos nesse processo, índios e não-índios. (2001: 50)

Consideramos compreensiva a definição de “fronteira”, quando sabemos do desafio de concretizar uma análise entre História, Educação e Antropologia. Entretanto, as pesquisas desenvolvidas revelam-nos que este eixo de investigação encontra-se em sua etapa inicial. Por outro lado, deparamo-nos com um movimento subentendido, que ainda precisa ser debatido e aprofundado pelos intelectuais, os quais se debruçam em investigar e refletir sobre as metodologias de produção e transmissão do conhecimento indígena, conectadas com os saberes e práticas multiculturais. Como desvelar a ebulição da socialização do conhecimento nas sociedades indígenas? Quanto e como contribui para as novas gerações construírem seus próprios conhecimentos?

A socialização, enquanto eixo reflexivo de investigação (PELISSIER, 1991), é considerado um dos movimentos-chave para desvelarmos as metodologias de elaboração e transformação do conhecimento nas escolas indígenas. Como estas metodologias são socializadas com as crianças em sala de aula? Ou, ainda, de que modo contribuem para que elas possam construir seus próprios saberes?

Diante dessas indagações, a nossa experiência educacional, na Aldeia Pedra Branca, com o povo Krahô e, posteriormente, ao longo de cursos de formação para os professores indígenas bilíngües no Tocantins, leva-nos a crer que se faz imprescindível a redefinição de programas, material didático, calendário escolar, currículo, dentre outros.

Entendemos que tais redefinições, pautadas na convivência das comunidades indígenas com a sociedade não indígena e que priorizam aspectos intrinsecamente constituídos pela alteridade da história e da luta sociopolítica destes povos, podem possibilitar um processo de criação e gestão do seu próprio conhecimento, bem como de sua elaboração e transformação no cotidiano da educação escolar nas aldeias.

Breve histórico: educação intercultural no Tocantins

Nesse momento, faz-se necessário retomarmos a nossa problematização, especialmente, para conceder historicidade ao agenciamento não indígena no processo de uma educação intercultural no Tocantins.

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O Estado do Tocantins4, a mais nova unidade da Federação, é formado pela separação do antigo norte de Goiás5. Esta região foi ocupada pelos conquistadores europeus a partir do início do século XVIII, com atividades de mineração e pecuária (PARENTE, 1999). Diversos povos indígenas habitavam-na. Informações documentais indicam a existência de treze povos indígenas diferentes ocupando a área entre os rios Araguaia e Tocantins: Kayapó, Xavante, Xerente, Noroquajê, Akroá, Xakriabá, Avá-Canoeiro, Karajá, Javaé, Xambioá, Weré, Apinajé e Krahô.

No processo de conquista e colonização da região, alguns povos foram exterminados, outros foram expulsos ou migraram, e outros permaneceram como os Xerente, Apinajé, Krahô, Karajá, Javaé, Xambioá, Krahô-Canela e os Avá-Canoeiro (com um número reduzido de sobreviventes) (GIRALDIN, 2004). Atualmente, a população indígena no Tocantins é de aproximadamente dez mil pessoas.

Com o advento da independência do Brasil (1822), planos e projetos foram realizados para tentar definir uma política indigenista. Na década seguinte, com a descentralização administrativa, as Províncias ganham autonomia para atuar na política indigenista. Contudo, o ato da elaboração de um conjunto de normas (1846), conhecido como Regimento das Missões, foi que definiu as relações do Império com os povos indígenas (CARNEIRO DA CUNHA, 1992). Nesta política, a educação escolar indígena é confiada aos religiosos, sobretudo, aos Capuchinhos.

Desde que o governo imperial e da província de Goiás optaram, nos anos 1840, pelo emprego dos Capuchinhos na catequese dos povos indígenas da região, estes vêm mantendo algum tipo de educação escolar formal. Esta atuação foi mais intensa entre os Krahô e os Xerente, pois os freis Rafael de Taggia (entre os Krahô) e Antônio de Ganges (entre os Xerente), fundaram aldeamentos que se tornaram, posteriormente, núcleos urbanos, respectivamente, Pedro Afonso e Tocantínia.

No final do século XIX, os Xerente tiveram a presença da professora Leolinda Daltro, que deixou o Rio de Janeiro e atuou na região. Pode-se dizer que um dos exemplos de agentes não indígenas presentes no processo de educação escolar indígena no Norte de Goiás é o caso peculiar da professora Leolinda Daltro. Leolinda conheceu um grupo Xerente em viagem à capital da instaurada República e decidiu acompanhá-lo pelo então sertão de Goyaz.

4 Criado em 5 de outubro de 1988, o estado do Tocantins foi oficialmente instalado em 1º de janeiro de 1989. 5 Na historiografia do Tocantins pesquisas foram desenvolvidas sobre o processo político de criação do Estado, dentre elas, “O discurso autonomista do Tocantins: primeiras manifestações” (CAVALCANTE, 2004) e “A‘invenção’ do Tocantins” (OLIVEIRA, 2004).

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‘Catechista leiga’ era como se autodefinia para distinguir-se das várias missões religiosas que trabalhavam com grupos indígenas no território nacional. (CORRÊA, 2003)

Após a criação do SPI (Serviço de Proteção aos Índios), o governo passou a oferecer educação formal aos Xerente. Entre os Krahô, entretanto, somente a partir da década de 1940, quando o SPI passou a atuar na área, foi viabilizado o acesso à educação formal. No entanto, outros povos indígenas como os Apinajé, Karajá, Javaé e Xambioá obtiveram uma relação menos intensa com os Capuchinhos e a educação formal naquele período. Dessa forma, somente nos anos 1940-50, o SPI instalou escolas formais nessas áreas indígenas.

Com o fim do Império, a instauração da República brasileira ainda mantém indefinida sua política indigenista até os anos de 1910, quando se cria o Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), posteriormente conhecido apenas como SPI (GAGLIARDI, 1989). Este órgão torna-se um veículo transmissor e normatizador da educação escolar indígena. Sua sucessora, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a partir dos governos militares (1964), repassa essa incumbência da educação escolar para instituições religiosas, tais como S.I.L (Summer Institute of Linguistics), Batista, Missões Novas Tribos, dentre outras. Com a promulgação da nova Constituição Brasileira (1988), a educação escolar indígena foi transferida à esfera do MEC e das secretarias estaduais e municipais de educação, a partir de 1991. (BUSQUETS, María B. & APODACA, Erika G., 2009)

A educação escolar indígena no Brasil e o direito as suas formas específicas de viver, pensar e sentir, quando acolhidas pela Constituição Federal de 1988, desencadearam o início do percurso para a oficialização de escolas indígenas diferenciadas e de políticas públicas que pontuassem uma educação intercultural e multilíngüe . Posteriormente, foram referendadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em 1996, e na elaboração e publicação do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas, pelo MEC, em 1998. No entanto, algumas experiências de educação escolar apontam que,

Há um grande descompasso entre, de um lado, a educação diferenciada como projeto e como discussão e, de outro, a realidade das escolas indígenas no país e a dificuldade de acolhimento de sua especificidade por órgãos encarregados da regularização e da oficialização de currículos, regimentos e calendários diferenciados elaborados por comunidades indígenas para suas respectivas escolas. (LOPES DA SILVA, 2001: 12) Um viés investigativo para a historiografia das especificidades multiculturais

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Analisar o processo do agenciamento, em uma perspectiva interétnica, no que se refere à educação escolar indígena, no Tocantins, constitui um desafio que propõe articular áreas de conhecimento como História, Educação e Antropologia, compreendendo a complexidade multidisciplinar.

Nossa formação no conhecimento histórico, paralelamente à nossa iniciação das escolhas teóricas no âmbito da antropologia, indica-nos, nesse primeiro momento, o antropólogo inglês Edmund Leach, em seu estudo comparativo entre as populações da Alta Birmânia. Uma das razões da opção desse eixo investigativo significa que o autor considera “que os sistemas sociais só se tornam inteligíveis quando pensados em relação aos outros sistemas com os quais interagem” (1996: 9). Dessa forma, amplia seu quadro referencial em princípios de análise, que implica o uso da história na consideração do papel dos indivíduos e grupos como agentes de transformação e numa revisão etnológica de mitos, ritos e parentescos, cuja aplicabilidade pretendia que fosse muito além das montanhas da Birmânia. Assim, ao conceito de estrutura social como “modelo abstrato”, contrapõe o conceito de “estrutura social em situações práticas”, ou seja, a mudança estrutural ocorre quando os indivíduos ou grupos manipulam as inconsistências em função de seus próprios interesses. Para Leach, são as inconsistências que fornecem a chave para o entendimento da mudança social.

Identificamos, nesse modelo conceitual, uma afinidade com autores clássicos da historiografia francesa e inglesa da nova história, como Jacques Le Goff e Peter Burke.

A base filosófica da nova história é a idéia de que a realidade é social ou culturalmente constitída. O compartilhar dessa idéia, ou sua suposição, por muitos historiadores sociais e antropólogos sociais ajuda a explicar a recente convergência entre essas duas disciplinas...Este relativismo também destrói a tradicional distinção entre o que é central e o que é periférico na história. (BURKE, 1992: 11-12)

Compreendemos, então, que a nova história é, essencialmente, uma história social. Os historiadores que compartilham dessa referência conceitual, enquanto análise da estrutura social, sentem-se à vontade para circular entre a história e a antropologia e, afinal, constituir novas abordagens para revelar seus objetos de investigação e os sujeitos que protagonizam a trama.

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Sobre um ponto de intersecção entre a História e a Antropologia, Le Goff responde, em uma entrevista, a Francesco Maiello “ Porque há ao menos duas razões que tornam indispensável a colaboração. A primeira é a importância da história material...A segunda é a importância crescente da longa duração” (1999: 49-50).

O método aplicado às sociedades pela Antropologia contribuiu para uma aproximação entre o viés investigativo e, sobretudo, seduziu os historiadores sensíveis a uma história das diferenças, do peculiar, do cotidiano. E, de certa maneira, também atraiu aqueles interessados em diluir/desconstruir, de forma sutil e lenta, os grandes eventos e a persistência da história tradicional. Consideramos, ainda, a exigência de pensar as sociedades em durações longas e, nesse percurso, pretender inscrever uma história da diversidade de culturas.

Para ratificarmos a importância da associação entre a Antropologia e a História, ousamos concordar que a dimensão dos estudos etno-históricos valoriza a história das minorias e aceita “que visualizemos a etno-história ou uma história antropológica inserida no âmbito maior de uma história cultural” (FERREIRA NETO, 1997: 325). Sendo assim, compreendemos, em Le Goff e Ferreira Neto, que o contexto histórico/antropológico, entre as digressões teóricas, procura uma possível ruptura de concepções arraigadas do paradigma tradicional e, por fim, construir um entendimento das especificidades multiculturais. Nessa perspectiva historiográfica, uma das problematizações que comungamos, e nos referimos anteriormente, é a articulação/diálogo, efetivo, entre os agentes/assessores não indígenas e os indígenas no processo de uma educação intercultural.

Considerações e perspectivas

Das ações de articulação, pode-se dizer das propostas encaminhadas pelas organizações dos povos indígenas do Tocantins para a formação de políticas públicas nas áreas de educação, cultura, preservação ambiental, saúde, agricultura, infra-estrutura, turismo, dentre outras, são constituídas de reivindicações significativas e relevantes, no que compete a gerações da sustentabilidade e do fortalecimento de suas raízes. A mais recente conquista foi a instituição do Conselho de Educação Escolar Indígena do Estado do Tocantins - CEEI/TO (Decreto nº 2.367 , Diário Oficial do Estado , em 15/03/2005), logrou uma luta de anos, desde sua Minuta em Fórum realizado no mês de outubro de 2001 (doc. Secretaria Estadual de Educação- Seduc). E, conforme a Ata de Audiência Pública, realizada na Procuradoria

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Federal do Trabalho, no dia 31 demarço de 2005, o estatuto precisa ser retificado para incluir os representantes do povo Krahô-Canela (a retificação foi concretizada).

Por outro lado, enquanto movimento constante entre a academia e a escola indígena, o aporte teórico, ora proposto constitui, nas últimas duas décadas, uma perspectiva de proporcionalidade na consolidação da interlocução de seus representantes. Explicitamos que essas digressões teóricas nortearam, em parte, nossa viabilidade, porque identificam nossa experiência/vivência na área indígena Krahô, nos cursos de formação para os professores indígenas bilíngües do Tocantins, em projeto de levantamento e registro da cultura material e imaterial Xerente e, por último, a aprovação pelo Programa de Formação Superior e Licenciaturas Indígenas – PROLIND do MEC/SESu/SECAD do projeto ‘Educação e interculturalidade: políticas de permanência para estudantes indígenas na UFT’ (doc. Proad/ UFT, nov. 2005), com o objetivo de atender aqueles que ingressaram no vestibular/ 2005 da UFT pelo sistema de cotas.

O elo que define esta análise de um caráter de história antropológica pretende desvelar a efervescência da multiplicidade e da socialização do conhecimento indígena, sem cair na armadilha conceitual de buscar um ponto de equilíbrio/harmonia, num contexto intercultural e, escapando, também, da tendência de homogeneidade desta temática na produção acadêmica, e que pode significar a recente transição efetiva de uma educação escolar indígena para a diversidade lingüística e sociocultural.

Enfim, as novas tendências da história cultural indicam parâmetros metodológicos essenciais para a pesquisa multidisciplinar sobre relações de interculturalidade nos diversos aspectos da experência humana. Considera-se, essencialmente, para o papel historiador uma interpretação/compreensão caleidoscópia - uma visão construída por uma multiplicidade de visões parciais. Essa postura significa um diálogo/confronto com a historiografia e a sensibilidade para problematizar o objeto de reflexão, que se esclarece pelo reconhecimento e contrastação recíprocas, no conjunto de interpretações (REIS, 2008: 7-20).

Nesse contexto, sugere-se a alteridade da história de sujeitos políticos que transitam por horizontes múltiplos. Preconiza-se, então, a noção ampliada no processo de uma educação intercultural, em que os agentes indígenas e não indígenas podem re-significar as experiências de seus próprios projetos e, portanto, a possibilidade de afirmação/reconhecimento da diferença sociocultural.

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Referências Bibliográficas

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