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As experiências religiosas da consciência segundo a fenomenologia do espírito de Hegel. Claudemir da Silva 1

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Academic year: 2021

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As experiências religiosas da consciência segundo a fenomenologia do espírito de Hegel

Claudemir da Silva1

Resumo

O presente estudo tem como suporte teórico a obra de Hegel, Phänomenologie des Geistes, publicada em 1807, traduzida no Brasil por Paulo Meneses, com colaboração de Karl-Heinz Efken e José Nogueira Machado e publicada pela editora Vozes sob o título Fenomenologia do Espírito, em 2002. O capítulo VII desta obra trata especificamente da religião, compreendendo o cristianismo como Religião Manifesta. Nele, Hegel abandona a perspectiva de uma fenomenologia da consciência para abordar uma fenomenologia de Deus mesmo percorrendo o caminho específico da religião e suas manifestações religiosas como fenômeno religioso. Sendo assim, o objetivo do presente trabalho consiste em apontar o método hegeliano como um instrumento de pesquisa para acessar as experiências religiosas da consciência, presente na Fenomenologia do Espírito, a fim de contribuir ao debate metodológico e, desse modo, trazer essa discussão para o campo das Ciências da religião e analisar, especificamente, como dito acima, as experiências religiosas da consciência, enquanto fenômeno religioso.

Palavras-chave: Método. Fenômeno religioso. Religião manifesta. Cristianismo. Hegel.

Introdução

1Mestrando em Ciências da Religião pelo Programa de Mestrado Stricto Sensu da Pontifícia

Universidade Católica de Campinas; Capes II. E-mail: demirdasilva@yahoo.com.br. Orientador: Prof. Dr. Renato Kirchner. Linha de Pesquisa: Fenômeno Religioso: Dimensões Epistemológicas.

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A partir da leitura do item C, denominado “Religião Manifesta”, do capítulo VII da Fenomenologia do Espírito de Hegel, de 1807, procuraremos compreender porque Hegel acentua o cristianismo como manifesto e não revelado, como atesta a religião cristã. O desfecho desse impasse entre revelado e manifesto se dará no seio da comunidade religiosa, lugar em que Deus se torna homem por meio do saber representativo da comunidade; pois, é na comunidade religiosa que, segundo Hegel, acontece a fusão perfeita entre Deus e o homem, isto é, “a essência divina assume a natureza humana” (HEGEL, 2002, p. 522). Haveremos de considerar, aqui, os momentos em que ocorrem as manifestações religiosas, enquanto experiência da consciência, na esfera do fenômeno religioso, através da perspectiva das Ciências da Religião com o objetivo de apresentar o modo de como a consciência religiosa experimenta o sagrado na religião natural (antropozoomorfismo), passando pela religião da arte (antropomorfismo), até chegar, pelo processo dialético, à religião manifesta (cristianismo). Essa será, na perspectiva de Hegel, o lugar em que a essência divina se manifestará. Essa será a realização completa e acabada das experiências religiosas da consciência que há de se experimentar a si mesma como autoconsciente da comunidade.

I – Religião natural

Na compreensão de Hegel, a religião natural se desenvolve no Oriente, mais especificamente na Índia, Pérsia e Egito. Nessas religiões, a consciência religiosa experimenta o sagrado de forma imediata e não separa o homem da natureza. Ela experimenta o divino na forma de “objetos naturais, como a luz, as plantas ou os animais” (THIBODEAU, 2015, p. 138).

Assim, de saída, a consciência experimenta suas divindades no raiar da luz; num segundo momento essa experiência se dá na pacífica religião das plantas, lugar em que a consciência experimenta a religião inocente, religião da contemplação. Neste estágio, o divino se encontra separado de tudo aquilo que é particular: “Hegel o vê representado, por exemplo, pelo zoroastrismo mais antigo, a

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religião da luz e do fogo: luz é puro ser abstraído de toda particularidade, e fogo é aquilo que consome toda particularidade” (TAYLOR, 2014, p. 228).

Outra experiência que a consciência faz, neste contexto, é mais violenta, e diz respeito à religião dos animais, pois, depois de experimentar a vida pacífica da religião da luz e das plantas, ela agora experimenta a ânsia pela destruição; ela aqui, na religião dos animais, experimenta seus deuses encarnados em seres atuantes, que passa da inocência das plantas para a culpabilidade das feras; é a religião de povos bárbaros, guerreiros; religião de espírito tribal, onde a universalidade não se faz possível devido ao espírito de antipatia que permeia esta não-relação entre as tribos. Para além desta negatividade que a consciência experimenta na vivência da religião dos animais só a faz destroçar. Por isso, a consciência avança “para um estágio mais elevado, em que o poder transformador da subjetividade alcança expressão duradoura através de suas criações” (TAYLOR, 2014, p. 228).

Surge aqui, para a consciência, a religião do artesão, sendo que esta mantém sua superioridade quando comparada à religião das feras, numa ação que não é apenas negativa, mas tranquila e positiva. Neste âmbito, a consciência que se tem da essência divina está aqui, não mais no ser-aí dado, natural; mas, sim, num objeto produzido, num objeto manufaturado pelo artesão, “que fabrica estátuas, que constrói pirâmides, obeliscos e outras edificações que serão a expressão simbólica das potências divinas naturais” (THIBODEAU, 2015, p. 138).

Nesse momento, a consciência passa a experimentar o sagrado nas formas heterogêneas misturando a forma humana com a forma de animais. “Hegel está, nesse ponto, pensando, sobretudo no Egito antigo” (TAYLOR, 2014, p. 228). Este objeto já guarda, de início, mesmo que inconscientemente, as formas do entendimento: nas linhas retas das pirâmides e de todo o arsenal de objetos produzidos por esta religião egípcia.

Deste modo, ao fim da última etapa desta religião, o artesão produz um deus objeto que mistura a forma humana com a forma de animais: é a esfinge, que guarda em si o segredo da linguagem, e que representará, enfim, para o desenvolver das determinações da consciência religiosa, o doloroso nascimento do

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pensamento e do discurso. A esfinge fala; lança o enigma cuja reposta será o homem.

Está claro, em todo caso, que no início do desenvolvimento religioso o absoluto ainda vale para consciência humana como natureza: com razão, Hegel vê na adoração de animais de hindus e egípcios, por exemplo, uma expressão para o fato de o ser humano não ter compreendido ainda a si mesmo como o que há de mais alto na natureza (HÖSLE, 2007, p. 708).

Finalmente, quando o artesão passa, depois de um lento e gradual processo, a representar a si mesmo, fazendo do seu si o próprio objeto de sua obra, este deixa de ser artesão e passa a ser artista. A religião, então, deixa de ser religião natural e passa a ser religião da arte. Essa é a experiência que a consciência faz dentro do âmbito da religião natural. Portanto, ela na sua experiência encontra o sagrado (deus), na luminosidade, nas plantas, nos animais e na produção artística, misturando a forma humana com a forma dos animais (antropozoomorfismo), próprio dos povos egípcios.

II - Religião da arte

A experiência religiosa que a consciência faz na religião da arte, dentro da figura da religião, é justamente este momento em que a essência divina deixa de ser representada por objetos naturais, como o era na religião natural, e passa a ser representada por formas humanas. Neste ponto, “os seres humanos veem o absoluto sob o aspecto de um ser antropomórfico, como eminentemente representável por uma estátua com forma humana” (TAYLOR, 2014, p. 229).

A religião grega, que é a religião da arte, começa onde termina a egípcia, pois agora os deuses vão tomar definitivamente a forma do indivíduo humano, visto que, os egípcios ainda combinavam a forma humana com a forma animal. O deus grego é um ser humano individual; um indivíduo humano representado pela arte religiosa deste povo. O povo grego, no qual a religião da arte pudera florescer, não estava mais preso a uma força que os hierarquizasse naturalmente, como acontecia em povos submetidos a um regime de castas; neste sentido, o povo grego, que

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passa a representar seus deuses como um reflexo de seu si individual, já pode ser dito um povo muito mais livre do que os de outrora.

A religião da arte se separa, portanto, da substância natural; vai em direção ao individual, é isso que a consciência agora experimenta. Em outras palavras, mesmo enquanto o povo grego ainda se agarrava a um costume, já via o seu si individual na figura de seus deuses. Desse modo, a obra de arte deixa de ser neste mundo instintivo trabalho, um algo imerso na natureza; igualmente, é um trabalho que se ergue (mesmo que ainda imediatamente) para o individual do artista que se retrata em sua obra como se estivesse retratando ao seu deus. “Em resumo, a escultura e a arquitetura são as duas formas artísticas pelas quais a consciência religiosa grega representa seus deuses, sua essência divina” (THIBODEAU, 2015, p. 141).

Essas duas formas de representar o divino não satisfaz a consciência, pois são divindades mortas, desprovidas de interioridade e pensamento. Para tanto, a consciência recorre à linguagem do hino, porém, o hino também é ineficaz por não expressar de forma perfeita a essência da divindade. “De fato, se as estátuas e as construções arquiteturais apenas fazem aparecer a figura exterior e imóvel de suas divindades, a palavra dos hinos, ao contrário, exprime apenas sua consciência de si e sua interioridade” (THIBODEAU, 2015, p. 142). Esse fato leva a consciência à prática cultual, como outra forma de representar o sagrado buscando aproximar e unificar o divino e o humano.

Esse processo de divinização e humanização das figuras divinas ganha uma linguagem mais própria na epopeia, na tragédia e na comédia. Porém, na epopeia e na tragédia o divino e o humano, ainda se encontram separados e somente na comédia eles se unificarão.

Portanto, as diversas formas de religiosidade que a consciência experimenta no contexto da religião da arte grega encontra seu fim na comédia onde o si individual progride, eleva-se na dialética da religião em geral uma nova forma de religião: a religião manifesta. Forma esta que como a linguagem da comédia, levará em conta a descida da essência universal para o individual (Deus que se fez

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homem). “Esta nova consciência religiosa ou nova religião será o cristianismo” (THIBODEAU, 2015, p. 146).

III - Religião Manifesta

Ao analisar o conteúdo da religião manifesta, compreendemos o cristianismo como autoconsciente, isto é, ele se manifesta na linguagem de uma comunidade ao nível da representação. Nela, a consciência finita (ser humano) conhece Deus apenas na medida em que Deus se conhece a si próprio. Na comunidade revela-se o que Deus é. Ele já não é mais um para além, um desconhecido, porque foi manifesto ao ser humano naquilo que Ele é, através da experiência religiosa da consciência, como diz Hyppolite:

Essa é a forma suprema da religião, porque nela o espírito será dado a si mesmo como ele é em sua essência, porque a encarnação efetiva de Deus, sua morte e sua ressurreição na comunidade serão o próprio ser-aí do espírito que se sabe tal como ele é (HYPPOLITE, 1999, p. 567).

Hegel entende o nascimento dessa comunidade religiosa, a partir da morte e ressurreição de Cristo, como o lugar em que cada dia o mesmo morre e ressuscita. Segundo Hegel, essa acessibilidade se dá somente pelo cristianismo, pois é pela religião manifesta que é possível encontrar Deus na forma do ser humano, que a consciência religiosa pode experimentar sua essência, não antes. Pois:

As religiões mais antigas jamais chegaram à noção crucial de que Deus enquanto espírito é ser humano; elas nunca passaram do ponto de ver o divino aparecendo em várias epifanias – e estas ocorriam em animais, lugares, etc., tanto quanto em seres humanos. Consequentemente, para o cristianismo, Deus realmente “é aí”, como um ser humano real, em certo sentido, sem precedentes (HEGEL, 2002, p. 511; TAYLOR, 2014, p. 237).

Assim, na experiência religiosa que a consciência agora faz, concebe seu deus como um ser que expressa o infinito e o absoluto, contudo, ao mesmo tempo, trata-se de um homem que se manifestou, que se revelou se revestindo de propriedades da finitude humana, ou seja, “a essência divina assume a natureza

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humana” (HEGEL, 2002, p. 522). Se antes a consciência havia experimentado o sagrado nas plantas e nos animais: antropozoomorfismo (religião natural) e nas deidades antropomórficas (religião da arte), agora, na religião manifesta, Deus divide sua natureza com ela, uma vez que Ele mesmo se encarnou no homem. Se outrora a experiência religiosa levava a consciência experimentar Deus fora de si, agora tal experiência possibilita a consciência experimentar Deus em si mesma. Essa é, por fim, a realização completa e acabada das experiências religiosa da consciência que, agora, se experimenta a si mesma como autoconsciente.

Conclusão

A estrutura apresentada acima nos remeteu a tríade hegeliana, na qual se firma seu método dialético, onde a arte é suprassumida pela religião que encontrou sua verdade no pensamento filosófico. Em suma, a arte expressa a ideia sob a forma da intuição, do imediato, do objetivo; a religião representa apenas sob a forma abstrata, subjetiva vazia de conteúdo. Neste jogo, se transfere a objetividade da arte para a interioridade do sujeito. Estas duas formas são consideradas insuficientes, contudo, “segundo Hegel, são elas que conduzem à suprassunção na filosofia, no que ele designa igualmente a ciência” (THIBODEAU, 2015, p. 164). Portanto, é a insuficiência argumentativa que nos levou de um momento ao outro da dialética.

A Fenomenologia do Espírito propõe a partir da nossa consciência comum das coisas nos conduzir ao saber absoluto, por meio do método dialético. Neste âmbito, a religião, pensada a partir da epistemologia, não deve ser objeto de julgamento, mas de questionamento: do questionamento e da transformação da própria consciência que faz a experiência religiosa.

Referências

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Trad. Paulo Menezes. 3. ed. Petrópolis. Vozes e Editora Universitária São Francisco, 2002.

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HYPPOLITE, Jean. Gênese e estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel. São Paulo: Discurso, 1999.

HÖSLE, Vittorio. O sistema de Hegel: O idealismo da subjetividade e o problema da intersubjetividade. Trad. Antônio Celiomar Pinto de Lima. São Paulo. Loyola, 2007. TAYLOR, Charles. Hegel: sistema, método e estrutura. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: É Realizações, 2014.

THIBODEAU, Martin. Hegel e a tragédia grega. Trad. Agemir Bavaresco e Danilo Vaz-Curado. São Paulo: É Realizações, 2015.

Referências

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