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ADVOCACIA UMA QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA

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Academic year: 2021

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ADVOCACIA − UMA QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA

Sou advogado. Esclareço, aconselho e patrocino aqueles que me procuram. Ajudo-os a resolver problemas e faço tudo para que concretizem os seus legítimos objectivos, dentro do respeito pelos valores da minha profissão. Para isso, uso os meus conhecimentos, a minha capacidade e o meu tempo, ao serviço dos interesses das pessoas que contratam os meus serviços. Sou assim, além do mais, um prestador de tempo. Do meu tempo.

O tempo que dedico a um assunto já não volta, está gasto. Por isso, como a minha profissão única é a advocacia, não tendo outra fonte de rendimentos, eu subsisto da retribuição desse tempo que disponibilizo aos meus clientes.

Para viver, preciso de subsistir. Para poder dedicar tempo aos meus clientes, é preciso que aquele que despendi tenha sido pago. Embora na economia dos meus ganhos possa, de forma planificada, diferir alguns recebimentos para o futuro, não posso deixar de receber dos meus clientes o pagamento do tempo gasto, na medida do estritamente necessário para que possa subsistir e, assim, continuar a trabalhar e a ter disponibilidade mental para me dedicar aos assuntos dos meus clientes.

Essa medida do estritamente necessário – daquilo que tenho imprescindivelmente de receber no acto em que cedo o meu tempo – é o correspondente ao dinheiro de que necessito para viver, sem preocupações acrescidas. (Isto porque, como o meu trabalho é essencialmente mental, se eu tiver preocupações acrescidas, não estou em condições de o continuar a desempenhar eficazmente). E aquilo de que eu preciso para «viver, sem

preocupações acrescidas» é do dinheiro que chegue para prover à subsistência do meu

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contributivos e à minha estabilidade futura (dinheiro amealhado para quando já não puder trabalhar, ou para prover a alguma catástrofe, imprevisto ou incapacidade para o trabalho). Pelo menos isto.

Se tal não estiver assegurado, a minha profissão não satisfaz as minhas necessidades… Mas, acima de tudo, se tal não estiver assegurado, não posso prestar um bom serviço àqueles que profissionalmente me contratam.

É uma constatação que a nossa profissão, actualmente, não propicia à maior parte dos advogados um rendimento estável que lhes permita atingir estes objectivos. Mas, mais do que isso, começa a ser incontornável a constatação de que, no actual estado de coisas, a nossa profissão não permite a muitos advogados deste País auferir sequer os rendimentos mínimos de que carecem para o seu dia-a-dia.

Se, no último inquérito feito à profissão1, já mais de 40% dos advogados não conseguia auferir rendimentos mensais superiores a 1.000€ por mês, agora – quase uma década volvida – com o agravamento dramático das condições económicas do País, a sucessão de insolvências e despedimentos e o avolumar dos problemas do sistema judicial, é de admitir que mais de metade dos advogados portugueses não consigam auferir mais de 1.000€ por mês, ou seja, estejam perto do limiar da sua própria sobrevivência profissional. Grande parte dos advogados reconhece ter dificuldades em suportar sequer as despesas do escritório.

Ora, quando chegamos a este estado de coisas, é a própria dignidade da profissão que está em risco, é o futuro da Advocacia neste País que fica comprometido. E com ele, necessária e concomitantemente, o próprio Estado de Direito que fica em causa.

Impõem-se que esta reflexão se faça, serenamente, não só na óptica da necessidade de defesa dos interesses dos advogados que actualmente se encontram inscritos na Ordem (esta é sem dúvida uma atribuição nossa) mas também na óptica da defesa dos interesses dos cidadãos que recorrem à Justiça e, como tal, precisam dum aconselhamento isento, atento, sereno, dedicado e eficaz dum advogado (assegurar que assim seja é inquestionavelmente um dever da nossa Ordem enquanto tal).

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Por isso, é imperioso afirmar, sem ambiguidades nem eufemismos, que a advocacia caminha para uma proletarização, a qual se traduz no excesso da oferta em relação à procura e na retribuição da actividade intelectual a um ‘preço’ muito abaixo do seu valor, determinado pela concorrência desleal e pela necessidade de sobrevivência dos profissionais com menores recursos financeiros.

Além disso, muitos advogados são agora profissionais em part-time – melhor dizendo,

after-time – fazendo da profissão uma actividade intermitente ou desgarrada, ora

aconselhando juridicamente familiares, vizinhos e amigos, ora patrocinando esporadicamente causas próximas, nas horas vagas que lhes restam após outra actividade económica ou laboral.

Advogados há (façam ou não da advocacia a sua profissão única ou habitual) que dão a sua consulta jurídica em cafés ou colectividades, ou noutros espaços públicos, sem a necessária dignidade e sobretudo sem a necessária reserva de confidencialidade, que não têm meios para se actualizarem, nem recursos para assegurar a sua formação contínua, que têm por domicílio pouco mais do que um número de telemóvel. Contribuem para uma imagem cada vez mais desprestigiada da profissão. E vivem mal!

Convém ter sempre presente que um dos princípios basilares da advocacia é a independência:

A multiplicidade de deveres a que o advogado está sujeito impõe-lhe uma independência absoluta, isenta de qualquer pressão, especialmente a que possa resultar dos seus próprios interesses ou de influências exteriores. Esta independência é tão necessária à confiança na justiça como a imparcialidade do juiz. (…)2

O advogado, por sua própria condição, é uma pessoa proba, que abraça os valores e deveres da profissão. Está preparado para detectar e resolver com lisura qualquer conflito de interesses que lhe surja no decurso da sua actividade profissional, seja com as autoridades, com os tribunais, com outros clientes ou até com colegas seus.

Mas estará o advogado, nas actuais condições económicas de exercício da profissão, preparado para lidar com um eventual conflito de interesses entre os seus próprios interesses e os interesses do cliente que patrocina?

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Se o advogado não é uma pessoa livre e independente economicamente, pode aconselhar e patrocinar o cliente com total liberdade e autonomia, particularmente quando para si (para a sua subsistência) não é indiferente a propositura ou não de uma acção judicial, a continuação ou não dum pleito, a realização ou não de uma composição do litígio, ou até a natureza dos bens que o cliente vai receber em função do litígio, por exemplo?

Consegue o advogado discernir com razoabilidade o montante da provisão a pedir ao cliente, ou dos honorários a fixar a final, quando a sua sobrevivência profissional está em risco, ou quando as próprias despesas do seu escritório não estão asseguradas, quando precisa de manter a expectativa de continuar a ter clientes e processos para trabalhar?

Num quadro como o actual, estão criadas condições antitéticas para a proliferação da concorrência desleal, por um lado, mas também para o exagero ou a imoderação, por outro. E tudo isto prejudica o exercício da profissão, o bom nome da Advocacia mas, fundamentalmente, os interesses dos cidadãos, para quem o recurso à Justiça é imprescindível, num Estado que queremos de Direito.

Conclusões:

A progressiva degradação das condições económicas duma parte significativa dos advogados portugueses afecta a liberdade, independência e dignidade do exercício da profissão e, consequentemente, é susceptível de prejudicar a boa administração da Justiça e os legítimos interesses dos cidadãos que a ela recorrem.

O Congresso dos Advogados Portugueses deve manifestar a sua profunda preocupação com tal situação, bem como recomendar aos seus órgãos Conselho Geral e Conselhos Distritais que dediquem especial atenção a este problema, procurando identificar com precisão a dimensão do mesmo, equacionar e propor medidas concretas para o erradicar.

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Póvoa de Varzim, 19 de Outubro de 2011

João Mariz CP 2413-P

Largo de São Domingos, 14 – 1º 1169-060 LISBOA-PORTUGAL Tel. +351 21 8823556 | + 351 236 209 650

congressoadvogados@cg.oa.pt www.oa.pt

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