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Uma experiência de pesquisa e ensino na escola pública: do aprender a observar ao observar para aprender

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Academic year: 2021

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Uma experiência de pesquisa e ensino na escola pública: do aprender a observar ao observar para aprender

Introdução

Este relato é fruto de uma experiência de pesquisa1 e ensino vinculado ao projeto Ensino-aprendizagem de textos argumentativos: formulando e reformulando práticas de sala de aula na Educação Básica, coordenado pela professora Daniela Favero Netto, que me orientou em parceria com os professores Adauto Locatelli Taufer e Magali Lopes Endruweit. O projeto é resultado de um novo questionamento levantado por Netto (2017), em sua tese de doutorado, defendida em janeiro de 2017, no Instituto de Letras da UFRGS. Entre as observações de Netto (2017), interessou para esta pesquisa o seguinte: o aluno, ainda que tenha propriedade para discorrer sobre certos conhecimentos, lança mão de referências externas para falar sobre o assunto; assim a escola parece ensiná-lo a fazer.

Os questionamentos levantados a partir dessa observação foram os seguintes: por que isso acontece? Essa característica se manifestaria em textos narrativos, visto que os textos analisados anteriormente eram argumentativos? Uma nova investigação, uma nova pesquisa e um retorno para a sala de aula se deram com o intuito de responder a essas questões.

Através da possibilidade da oferta de disciplinas eletivas2 no Colégio de Aplicação da UFRGS (CAp-UFRGS), oferecemos para as turmas de terceiro ano a disciplina Produção textual: o depoimento pessoal como fio condutor para a organização de ideias. Este lugar serviria, além de gerar dados para a pesquisa, como uma experiência de docência para mim, e de produção de conhecimento para todos os envolvidos – pesquisadores e alunos.

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Para realização dessa pesquisa, recebi bolsa do CNPq de julho de 2017 a agosto de 2018.

2 A eletiva faz parte de um grupo de disciplinas que podem ser escolhidas pelos estudantes. E, juntamente

com as disciplinas regulares, elas compõem o currículo escolar no Ensino Médio na referida escola. Cursar eletivas é obrigatório para os alunos, mas, pelo fato de eles poderem optar entre diversas possibilidades que lhes são oferecidas, elas recebem este nome: disciplinas eletivas.

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A organização desta disciplina seguiu os moldes de produção textual propostos por Guedes (2009). Os textos narrativos produzidos foram norteados pelas qualidades discursivas – unidade temática, questionamento, concretude e objetividade –, e as aulas, ministradas por mim, conjuntamente com o professor Adauto Locatelli Taufer (regente da turma), ofereceram aos alunos a possibilidade de leitura pública de seus textos.

Durante o período de um semestre, nos encontramos – Adauto, os alunos e eu – semanalmente para discutir sobre escrita. Em um primeiro momento, os alunos eram apresentados à proposta, fazíamos análises de textos modelos apontando a presença ou ausência das qualidades discursivas e pensando em ideias para os próprios textos. Em um segundo momento, os alunos escreviam o texto – em casa – para ler em sala de aula. As leituras resultaram nos momentos mais produtivos, pois davam espaço para os alunos falarem sobre si e sobre os textos uns dos outros.

Entretanto, para além dos pontos positivos do trabalho, identificamos dificuldades que deveriam ser superadas, especialmente em relação às qualidades discursivas concretude e questionamento. Neste relato, buscarei mostrar um pouco sobre a produção textual desses alunos a partir de um texto, em especial, que foi uma espécie de marco para o redirecionamento da minha prática docente durante o período em que ministrei a disciplina eletiva.

Desenvolvimento e análise

Para iniciar esta sessão, retomo a proposta de produção textual de Guedes (2009). Anteriormente, menciono textos narrativos, mas é importante fazer a ressalva de que os textos produzidos não são literatura ou ficção. Pelo contrário, trata-se de relatos, histórias, depoimentos de algum momento da vida que seja válido para uma reflexão. Os temas propostos para escrita de narração são apresentação pessoal, relato de um aspecto do cotidiano, relato de uma emoção forte e relato de um

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acordado que a quarta proposta poderia ser uma escolha entre aprendizado ou tema livre, de acordo com o que desejassem narrar.

Quanto às qualidades discursivas, explico-as brevemente: unidade temática trata, especialmente, sobre a escolha de um aspecto, e um apenas, para ser tratado. A

objetividade se coloca em oposição à subjetividade, diz a respeito da habilidade do

autor em ver-se de fora e antecipar possíveis dúvidas que venham a surgir para o leitor, ao fornecimento de dados necessários para que seja possível a compreensão do que se conta. A objetividade está estritamente relacionada com concretude, que se responsabiliza por mostrar ao leitor os dados, as respostas para as dúvidas que possam surgir durante a leitura; é dar mais do que sua palavra para o autor, é dar provas. Por último, o questionamento. Essa qualidade exige que o texto equacione um problema, do qual o leitor poderá participar. Não contamos uma história apenas por contar, contamos com o propósito de discuti-la, de refletir sobre ela e entendê-la. O texto deve responder às seguintes perguntas: de que assunto tratar? (unidade temática); por que tratar desse assunto? (questionamento); o que é preciso contar sobre ele? (objetividade); como vou contar o que preciso contar? (concretude).

A primeira proposta – apresentação pessoal – foi apresentada aos alunos de forma menos aprofundada. Na primeira aula, fizemos uma dinâmica de apresentação pessoal em que os alunos disseram seus nomes, idades e planos para depois da formatura. Com essas informações apresentadas oralmente, elas não precisariam estar presentes nas produções, exceto se fossem relevantes para o texto. Para a reescrita dessa proposta, no entanto, apresentei aos alunos os conceitos das qualidades discursivas, as quais eles precisariam buscar contemplar no próximo texto.

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As outras propostas foram apresentadas a partir da leitura de textos retirados do livro Da redação à produção textual, entre outros. Esses textos eram analisados juntamente com os estudantes da disciplina eletiva quanto à presença ou à ausência das qualidades discursivas nas produções textuais. Também era discutido, por exemplo, se o texto fosse um relato de um aspecto do cotidiano, o que faria nele trazia a relação com o cotidiano. Além disso, tarefas adicionais eram desenvolvidas com os alunos conforme eles apresentassem dificuldades quanto às qualidades discursivas.

Tendo entendido a proposta de escrita que norteou a produção textual dos alunos, podemos então, discutir sobre alguns aspectos das produções foram responsáveis por alguns redirecionamentos na disciplina. Como exemplo, tomo o texto de um aluno, que apresentou no seu texto dificuldades em cumprir com a proposta de texto acima descrita:

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Esse texto, um relato de um aspecto do cotidiano, foi um marco na disciplina, pois mostrou acentuadamente uma característica dos textos de vários alunos, qual seja o viés literário. Além disso, retomamos a pergunta que deu origem à pesquisa: por que os alunos falam do que está longe quando há o que se falar sobre o que está perto? No texto acima, o autor usa muitas metáforas, no entanto, não fala sobre si. Não chega a contar, a fazer uso da narração a serviço de um relato pessoal.

Além disso, vemos que o texto, por fazer uso de construções metafóricas que não estão servindo para falar de um assunto definido, evidencia falta de concretude. Ficamos sem saber o que significa um ser humano “minhocar” ou “vermear”, apesar da obviedade de que não poderíamos tomar esses termos como literais. O autor se vale do assunto locomoção como ponto de partida, e este é parte de um assunto maior: a rotina. No entanto, o texto não consegue fazer um recorte mais específico do assunto para dar chance ao leitor de entender do que ele está falando, ou seja, não há unidade temática. Ao finalizar o texto, o leitor fica confuso e sem ter podido participar de uma discussão sobre a qual, a princípio, se dispôs a travar com o autor.

Dessa forma, o questionamento também não foi atingindo. A ausência da objetividade no texto é confirmada também pela ausência das outras três qualidades discursivas. O autor não conseguiu enxergar seu assunto objetivamente, e por isso fica difícil para o leitor acompanhar o que o texto quer dizer.

Trago esse texto para este relato para falar mais precisamente sobre a prática docente, pois embora a oferta da disciplina estivesse relacionada à pesquisa, pesquisadora e professora não se separam. Ao ler os textos para dar encaminhamentos de reescrita aos alunos, o trabalho de análise é inseparável. É também essa leitura a norteadora dos próximos encaminhamentos da aula. Como disse, esse texto foi um marco. A partir dele, foi necessário retomar o que entendíamos por narração e por que o viés literário não poderia corresponder à proposta, isto é, retomamos conceitos que imaginávamos consolidados para alunos de

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terceiro ano do Ensino Médio e buscamos estratégias de estudo de texto com vistas à construção do que se entende por relato pessoal.

Considerações finais

A experiência docente relatada aqui, apesar de ser um recorte, aponta para a necessidade de aprofundar e diversificar maneiras para o trabalho com as qualidades discursivas na sala de aula da Educação Básica. Além disso, como mostrado com o texto acima, os alunos apresentaram grande dificuldade em relatar suas próprias experiências para dizer algo. Isso reforça ainda mais a necessidade de se trabalhar com escrita de narração na escola desde os primeiros textos produzidos pelos estudantes. Uma disciplina eletiva, com duração de um semestre, com 1h30 por semana de aula, evidentemente não dá conta de modo integral de um trabalho que deve ser construído ao longo da vida escolar, mas a prática me mostrou um caminho importante: é necessário revisitar conceitos que imaginávamos consolidados ainda que o aluno esteja finalizando sua estada na escola.

Além de mim e dos meus orientadores, a pesquisa contou com a presença de

quatro alunos do 9º ano do Ensino Fundamental como Bolsistas Júnior3. A presença

dos bolsistas, durante as aulas da disciplina eletiva, era muito importante, pois eles também tomavam notas das aulas, as quais compartilhavam comigo em ambiente virtual, e, além de estudarem sobre texto, também contribuíam para o andamento da disciplina e para o meu planejamento, posto que eram observadores das minhas aulas. Para eles, essa participação também foi importante, pois preparou-os melhor para o Ensino Médio, conforme os relatos abaixo:

Minha experiência na bolsa do projeto de pesquisa foi a melhor possível. Adorei fazer parte deste projeto e aprender sobre qualidades discursivas e outra maneira de escrever textos. Aprendi que se eu souber falar de um assunto, não preciso ir atrás de outras fontes a não ser a minha

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para escrever um bom texto. A turma da eletiva se mostrou muito interessada em aprender e em participar da aula, desde o primeiro dia. Os alunos, no inicio, escreviam textos sem bronca ou objetividade e com o decorrer das aulas foram mudando e escrevendo textos cada vez melhores, e até o final da eletiva escreviam textos com tudo que era pedido, bronca, concretude, objetividade e fontes próprias. Fazer parte do projeto além de ser uma experiência incrível, me ensinou coisas que vou usar para sempre.

Isabelle Borges Gonzaga

No ano de 2017 comecei a fazer parte de um projeto de pesquisa, “Ensino aprendizagem de textos argumentativos”. A minha primeira aula foi no dia 16/06/17, nos primeiros momentos fiquei muito feliz e curioso com os distintos temas que iriam ser abordados em aula. Os alunos que eu acompanhava eram do 3 ano do ensino médio, no início foi muito desafiador para mim me acostumar com o ritmo da aula e o nível de discussões que eram abordados pelos professores. Mas com o desenvolver do tempo e com muitas anotações e estudos, pude me adaptar com os temas discutidos em aula. Para mim cada momento daqueles dias representavam mais uma evolução acadêmica e também como conhecimento ou algo mais cultural.

No decorrer do ano novos assuntos eram abordados e eu me interessava pela maioria dele., A bolsa me ensinou muitas coisas e também me preparou melhor para o ritmo de aula dado no ensino médio, o que fez eu ficar mais natural para o 1 ano e mais adaptado a assuntos mais evoluídos. A experiência que tive no projeto foi simplesmente incrível, e nada poderia ser melhor para meu ensino escolar do que aprender com pessoas mais velhas temáticas tão desenvolvidas.

Pedro Henrique Kowalczuk Amine Para mim, foi um enorme prazer participar da pesquisa e ter a chance de trabalhar com ensino da escrita, que tem sido meu interesse de pesquisa desde 2015. Este relato visou mostrar um pequeno recorte das aulas, e como a produção textual e o desempenho dos alunos está estreitamente relacionado com tomadas de decisões do professor em conjunto com a turma. Por muitas vezes, teremos que buscar novos recursos para explicar com maior clareza o que queremos dizer aos alunos, assim como pretendemos que eles o façam em suas produções textuais. Nem sempre uma

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explicação clara para o professor e para parte dos alunos atingirá toda a turma; cabe ao professor-pesquisador, portanto, estudar e buscar diferentes estratégias.

Por fim, ressalto, a partir dessa experiência, que o aluno da licenciatura, muito embora esteja se formando para ser professor, deve, justamente por isso, buscar se construir também como um pesquisador que devolve um olhar reflexivo sobre sua própria prática.

Referências

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