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Cooperativismo e Economia solidária: capitalismo reformado ou alternativas sócio-econômicas

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Anais do IV Simpósio Lutas Sociais na América Latina ISSN: 2177-9503

Imperialismo, nacionalismo e militarismo no Século XXI

14 a 17 de setembro de 2010, Londrina, UEL GT 6. Socialismo no Século XXI e problemas da transição

Cooperativismo e Economia

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Edson Elias de Morais∗ e Fábio Lanza∗∗

O grande projeto do socialismo do século XIX foi eliminar as classes sociais, e propor uma nova sociedade justa e igualitária, em que não houvesse a exploração do homem pelo homem, ou uma classe pela outra, marca da história da humanidade como afirmam Marx e Engels: “A história de todas as sociedades até os nossos dias é a história de luta de classes (Marx

e Engels, 2007:47)2. Como já se sabe, na concepção marxiana as classes só

serão eliminadas mediante o fim da propriedade privada. Na sua época (séc. XIX) em pleno desenvolvimento da segunda Revolução Industrial a mobilização dos trabalhadores apresentava-se como a maior contradição

1 Artigo oriundo das pesquisas realizadas junto ao Projeto de Pesquisa “Responsabilidade social e direitos dos trabalhadores: a relação das multinacionais e as organizações da sociedade civil em Londrina” e ao Grupo de Estudos sobre Novas Tecnologias e Trabalho (GENTT), vinculados à Universidade Estadual de Londrina (UEL) e ao CNPq.

∗ Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Sul Americana; Acadêmico em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina. Bolsista de Iniciação Científica UEL/Fund. Araucária. Participante do GENTT. End. eletrônico: Edson_londrina@hotmail.com

∗∗ Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL) . End. eletrônico: lanza1975@gmail.com

2 Vide texto na íntegra disponível em:

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frente a indústria capitalista e seus proprietários, em suas análises, a classe trabalhadora possui o potencial revolucionário em suas ações políticas para a tomada do poder de Estado, instalação da ditadura do proletariado como período transitório para o Comunismo e, enfim, a eliminação das classe sociais.

O que está em jogo nessa perspectiva é posse dos meios de produção, pois a partir daí é possível fazer uma análise estrutural da sociedade, que não se pode confundir com estratificação social. Esta se refere às aparências de uma estrutura social, onde é posto em uma ordem hierárquica o prestigio, seja racial, econômico ou de gênero, portanto, esse conceito permite fazer apenas descrições3 e não análise estrutural. Por sua vez, classe social, na abordagem marxiana, permite analisar e explicar as contradições da sociedade, pois como afirma Stavenhagen, classe social é um “fenômeno real, o que lhe permite dá justamente seu valor como conceito analítico” (STAVENHAGEN, 1977: 148).

Numa perspectiva de reflexão e abstração marxiana, a sociedade está cindida em duas classes fundamentais, a burguesia, proprietária dos meios de produção, e o proletariado, proprietário da força de trabalho que é vendida para o capitalista, sendo toda sua produção alienada à propriedade do capitalista, restando apenas o salário para o trabalhador, como forma de pagamento pela venda da sua força de trabalho. Enquanto o burguês

enriquece as custas da exploração do trabalhador4 na produção e no lucro da

circulação, o trabalhador recebe somente seu salário, caracterizando essa relação de exploração, antagonismo e complementaridade dentro da sociedade capitalista5.

3 Por meio do exercício de estratificação social a partir da distribuição do poder econômico, inspirado na teoria weberiana e os tipos ideais de análise, é possível agrupar os indivíduos de uma dada sociedade e descrever cada segmento ou estrato de inúmeras formas: classe A, B, C, D a partir da mensuração da renda mensal; classe de alto poder aquisitivo, médio ou baixo, entre outros.

4 Essa é a manifestação perversa do capitalismo, a qual Marx irá afirmar que: “Este tipo de intercambio entre o capital e o trabalho é o que serve de base à produção capitalista, ou ao sistema de salariado, e tem que conduzir, sem cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista como capitalista. [...] A renda territorial, o juro e o lucro industrial [...] não provêm do solo como tal, nem do capital em si; mas o solo e o capital permitem a seus possuidores obter a sua parte correspondente na mais-valia que o empregador capitalista extorque ao operário. É o empregador capitalista quem extrai diretamente do operário esta mais-valia, seja qual for a parte que, em última análise, possa reservar para si. Por isso desta relação entre o empregador capitalista e o operário assalariado dependem todo o sistema do salariado e todo o regime atual de produção”. (MARX, 1974: 89-92. Grifo do autor). A mais-valia é extraída sob duas formas: mais-mais-valia absoluta que é permitida pelo prolongamento das horas da jornada de trabalho, porém essa sendo limitada pelo esgotamento físico do trabalhador. E a mais-valia relativa é a redução da jornada de trabalho, no entanto mediado pela maquinaria, portanto a produção é intensificada em menos tempo, podendo o capitalista extrair maior mais-valia.

5 Para melhor compreensão sobre a diferença entre estratificação social e classe social ver: STAVENHAGEN, Rodolfo. Estratificação Social e Estrutura de Classe. In: VELHO, Otávio; PALMEIRA, Moacir; BERTELLI, Antônio (orgs). Estrutura de classes e estratificação social. 2 ed. Rio de Janeiro,

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Desde a Revolução Industrial (XVIII e XIX) o movimento socialista procurou desenvolver estratégias que subvertesse o sistema capitalista, e propôs um modelo de produção em que as sobras, e não salários, fossem partilhadas pelo grupo, ou cooperados, não havendo assim expropriação da mais-valia para o empresário capitalista. E nisso está a diferença entre o marxismo, denominado de Socialismo Científico, e o Socialismo Utópico. Para este é possível uma forma de organização de trabalho não-capitalista, utilizando do modelo de produção industrial e economia de mercado. Para aquele é impossível uma sociedade justa sem eliminar com todo resquício de mercado e consequentemente o capitalismo. Nas palavras de Mészáros:

O objetivo estratégico e real de toda transformação socialista é, e continua sendo, a radical transcendência do próprio capital, em sua complexidade global e na totalidade de suas configurações históricas dadas e potenciais, e não meramente dessa ou daquela forma particular de capitalismo mais ou menos desenvolvido (subdesenvolvido) (Mészáros, 2009:78).

Ou seja, se faz necessário uma organização política e uma ação revolucionária por parte da classe trabalhadora, atitudes que Marx não via nos primeiros socialistas – intitulados de utópicos, sendo sua crítica contundente:

Suas proposições referentes à sociedade futura – como supressão do antagonismo entre cidade e campo, abolição da família, do lucro privado e do trabalho assalariado, proclamação da harmonia social e transformação do Estado numa simples administração da produção – todas essas proposições nada fazem do que anunciar o desaparecimento do antagonismo das classes, antagonismo que começa somente a se desenhar e que os inventores de sistemas só conhecem suas primeiras formas indistintas e confusas. Por isso essas proposições têm somente um sentido puramente utópico (Marx e Engels, 2007:86).

Zahar, 1969, p. 117-146. É verdade que há um profundo debate dentro da tradição marxista sobre a teoria das classes sociais, como forma de esclarecimento ver SANTOS, Theotônio. Conceito de Classes Sociais. Petrópolis RJ, Vozes, 1982. Nesse sentido é possível ter apoio nas análises de Ridenti: “é visível que Marx usa [...] o termo classe com muita abrangência, no sentido de classificar os tipos de trabalho dentro das fábricas, pois ele chama de ‘classes principais’ os ‘ocupados com as máquinas-ferramentas’ e os ‘meros ajudantes’; fala também em uma ‘classe mais elevada de trabalhadores’ que estaria ‘ao lado das classes principais’, só ‘agregada’ aos operários, ‘externa’ a seu círculo, quando se refere a engenheiros, mecânicos e outro pessoal ‘numericamente insignificante’ que se ocupa com o controle e a reparação do conjunto da maquinaria. [...] Torna-se possível interpretar que os membros de uma ‘classe mais elevada de trabalhadores’ comporiam uma das frações possivelmente constituintes da classe trabalhadora (classe dos trabalhadores assalariados), classe que necessariamente aparece estilhaçada em fragmentos pela dinâmica de funcionamento do capitalismo. Mas também fica em aberto a hipótese de que pelo menos uma parte dessa ‘classe mais elevada’ possa constituir-se no que certos autores chamam de nova classe média, típica do capitalismo, como seria o caso de supervisores, engenheiros, cientistas, gerentes etc (RIDENTE, 1994:72-73).

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Mas, há que se lembrar que existem processos distintos, um é de organizar politicamente trabalhadores empregados, outro é de proporcionar uma forma de trabalho não-capitalista dentro do sistema capitalista para aqueles que estão desempregados, ou a margem do sistema social e produtivo. Ou seja, responder as necessidades imediatas com vista a projeções futuras, segundo afirma Maria Nezilda Culti: “para amenizar a questão do desemprego e oferecer oportunidades para aqueles que estão socialmente excluídos, é importante criar alternativas reais de reinserção na economia por sua iniciativa individual ou coletiva” (CULTI, 2000:118). Uma das questões posta pelos sujeitos vinculados a perspectiva do Socialismo Utópico é romper com a separação do capital/trabalho imposta pelo sistema capitalista. Portanto era um projeto de subversão ao capitalismo, criar meios para que o trabalhador seja proprietário dos meios de produção e dos resultados obtidos do processo produtivo. Havia uma necessidade que precisava ser suprida, e também uma preocupação político-econômica urgente que não poderia esperar uma articulação mundial de uma grande transformação (o processo revolucionário). Sobre isso Singer afirma que

A economia solidária foi inventada por operários, nos primórdios do capitalismo industrial, como resposta à pobreza e ao desemprego resultantes da difusão “desregulamentada” das máquinas-ferramenta e do motor a vapor no início do século XIX. As cooperativas eram tentativas por parte de trabalhadores de recuperar trabalho e autonomia econômica, aproveitando as novas forças produtivas. Sua estruturação obedecia aos valores básicos do movimento operário de igualdade e democracia sintetizado na ideologia do socialismo (SINGER, 2005:83)

Os experimentos e organizações dentro da perspectiva da economia solidária surgiram como proposta de suprimir a desigualdade social, fenômeno característico-essencial do sistema capitalista, para que haja a reprodução do próprio sistema é necessário que haja esse antagonismo, portanto a desigualdade social e exploração são inerentes a lógica capitalista. Sua forma mais extrema é representada pela necessidade de um “exército

industrial de reserva, ou superpopulação relativa6” (MARX, 1992:125). Estes

são trabalhadores sem trabalho, ou seja, desempregados, que foram “para as fileiras de supérfluos” (MARX, 1992:126) devido ao progresso industrial que expulsa os trabalhadores em períodos de crise, e os reabsorve em tempos de expansão, ficando, assim, a mercê dessas oscilações. No entanto, devido às necessidades imediatas, esses trabalhadores, se submetem a vender sua força de trabalho por remunerações mais baixas e a aceitam atividades precárias, aumentando a taxa de mais-valia (exploração) para o empregador capitalista. Essa superpopulação relativa força a redução de salário e tende a

6 Segundo Marx o exército industrial de reserva ou superpopulação relativa é composto por três categorias: A) Os aptos para o trabalho; B) Órfãos e filhos de indigentes; C) Degradados, desmoralizados e incapazes de trabalho (MARX, 1992:128).

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desarticular a classe dos trabalhadores uma vez que intensifica a concorrência entre os mesmos na busca de postos de trabalho.

As estratégias de organização produtiva que surgiram a partir do Socialismo Utópico e das formas cooperativas fizeram frente a toda essa realidade nos idos do século XIX, propondo a muitos trabalhadores nova possibilidade de trabalho não explorado, oferecendo-lhes aspectos que foram expropriados pela produção especificamente capitalista. Nessa nova prática econômica, os trabalhadores puderam experimentar os princípios da democracia e igualdade, equidade e solidariedade, e de serem donos de sua própria produção. Além das primeiras cooperativas nascidas na Inglaterra e França como frutos da Revolução Industrial, a Itália experimentou essa forma de organização, inédita na época, chegando a possuir 2.351 cooperativas em 1919, em sua maioria no ramo da construção, eram pedreiros, britadores, carregadores que trabalhavam autonomamente

sem intermediários (conf. CULTI, 2000:121). Zardo apresenta

algumas cooperativas italianas que merecem ser destacadas:

A fábrica de vitrais artísticos de Altere, fundada em 1850; a fábrica de locomotivas, caldeiras, barcos a vapor etc., fundada em 1883 pelos grevistas do Estabelecimento Ansaldo; a cooperativa dos pedreiros de Milão, fundada em 1887, que contava com 715 sócios, ficando logo famosa por muitos trabalhos executados, entre estes o cemitério de Musocco (ZARDO apud CULTI, 2000:121).

Esse quadro, acima apresentado, demonstra a emergência de um novo tipo de organização: o cooperativismo augestionário e suas relevâncias diante de um período marcado pela precarização do trabalho e da vida de milhares de trabalhadores testemunhas da Revolução Industrial no século XIX. Mas que, no entanto, perdeu fôlego e muitas cooperativas não duraram por muitos anos. Isso devido a “feroz reação da classe patronal e pela declarada hostilidade do governo” (LECHAT, 2002), e também pelas propostas políticas do New Deal após a crise de 1929, desenvolvidas por Roosevelt fundamentadas a partir da teoria keynesiana, que preconizava uma política de emprego além do controle econômico pelo Estado, e que após a Segunda Guerra Mundial foi retomada como propostas do Welfare State até meados da década de 1960. Alain Bihr afirma que o “compromisso fordista” desenvolvido no inicio do século XX garantiu os direitos formais e reais da classe proletária prometendo eliminar a “condição proletária” marcada pela: miséria, instabilidade, incerteza do futuro e opressão desenfreada (Conf. BIHR, 1998)7. João Roberto Lopes Pinto afirma que a

7 Bihr (1998) afirma que a lógica do desenvolvimento do capitalismo impôs tanto ao proletariado quanto a patronato um acordo tácito que denominou de “compromisso fordista”, onde o proletariado “renunciou

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concorrência dos empreendimentos capitalistas e o excesso de burocratização promoveram uma descaracterização das cooperativas, transformando-as em empresas capitalistas, assalariando a maioria da força de trabalho (PINTO, 2006:29).

Como se pode perceber o avanço do ideário cooperativista autogestionário ocorreu em momentos de crise do capital, como as de 1873-98, 1929-32, 1970 e 2008, caracterizados por grande taxa de desemprego. Esse processo é pertinente a própria lógica do capital, uma vez que seu objetivo é o lucro, e tão somente ele, promove reestruturação da produção e gerenciamento organizacional com o intuito de recuperar a taxa de lucratividade e para tal objetivo investe em novos modelos de produção. Manuel Castells esquematiza quatro pontos de concordâncias entre as várias análises feitas sobre a crise de 1970 que promoveu novo paradigma de produção capitalista, afirma ele:

1) Quaisquer que sejam as causas e origens da transformação organizacional, houve, de meados dos anos 70 em diante, uma divisão importante (industrial ou outra) na organização da produção e dos mercados na economia global. 2) As transformações organizacionais interagiram com a difusão da tecnologia da informação, mas em geral eram independentes e precederam essa difusão nas empresas comerciais. 3) O objetivo principal das transformações organizacionais em várias formas era lidar com a incerteza causada pelo ritmo veloz das mudanças no ambiente econômico, institucional e tecnológico da empresa, aumentando a flexibilidade em produção, gerenciamento e marketing. 4) Muitas transformações organizacionais visavam redefinir os processos de trabalho e as práticas de emprego, introduzindo o modelo da “produção enxuta” com o objetivo de economizar mão-de-obra mediante a automação de trabalhos, eliminação de tarefas e supressão de camadas administrativas (CASTELLS, 1999:210)8

Essas foram atitudes que redefiniram a produção industrial e que se

tornou modelo mundial, sob o título de reestruturação produtiva9.

Enquanto esse processo tenta salvar a lucratividade das empresas, sua aventura histórica” em troca das garantias da seguridade social. E o capitalista por um lado neutraliza o conflito proletário, no entanto está posto que sua dominação não é absoluta. Sendo esse compromisso arbitrado pelo Estado. Tal compromisso ofereceu quase três décadas de crescimento econômico ininterrupto, tanto que o modelo de Ford tornou-se paradigma para a produção industrial. No entanto a “ruptura do compromisso” é provocada pela crise do capital, ao qual Bihr irá indicar quatro fatores: a) diminuição dos ganhos de produtividade; b) Elevação da composição orgânica do capital; c) Saturação da norma social de consumo. d) desenvolvimento do trabalho improdutivo.

8 Castells se baseia nas análises de Piore e Sabel (1984), Harrison e Storper (1994), Coriat (1990) e Tuomi (1999).

9 “Entende-se estrutura produtiva a distribuição das atividades produtivas por setores específicos que caracterizam a especialização de cada economia. A reestruturação produtiva, por sua vez, é entendida como o conjunto das transformações na estrutura produtiva das empresas [...] em busca de modernizar e diminuição de custos” (Dall’Acqua, 2003:33).

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concomitantemente causa um desastre no mundo do trabalho. Devido a esse processo muitos direitos conquistados pelos trabalhadores são modificados, níveis dos salários são reduzidos, leis de proteção ao trabalhador são remodeladas, fazendo surgir empregos de tempo parcial, terceirizações, trabalhos temporários e informais, ou seja, ampliação da precarização do trabalho, além da alta taxa de desemprego. No entanto, esse é um movimento lógico do capital, pois como afirma Mészáros:

O capital, quando alcança um ponto de saturação em seu próprio espaço e não consegue simultaneamente encontrar canais para nova expansão, na forma de imperialismo e neocolonialismo, não tem alternativa a não ser deixar que sua própria força de trabalho local sofra as graves consequências da deterioração da taxa de lucro (MÉSZÁROS, 2009:70) E a consequência dessa deterioração se resolve com o “enxugamento da empresa”, ou transferências dos pólos produtivos para localidades onde a força de trabalho é mais barata, ou possui menor regulamentação legal, tudo isso vinculado às demissões em massa e aos programas de demissão voluntária (PDV). Portanto para Mészáros o desemprego é a característica dominante do sistema capitalista, porque está configurado como uma característica estrutural. Nessa fase atual a onda de desemprego não está restrita tão somente aos países periféricos, ou trabalhadores desqualificados, mas todos estão no fio da navalha. Já na década de 1970 Mészáros afirmava que

Como resultado dessa tendência, o problema não se restringe à situação dos trabalhadores não-qualificados, mas atinge também um grande número de trabalhadores altamente qualificados, que agora disputam, somando-se ao estoque anterior de desempregados, os escassos – e cada vez mais raro – empregos disponíveis. Da mesma forma, a tendência da amputação “racionalizadora” não está mais limitada aos “ramos periféricos de uma indústria obsoleta”, mas abarca alguns dos mais desenvolvidos e modernizados setores da produção (MÉSZÁROS, 2006:29, grifo do autor).

Tem ocorrido desde o final do século XX uma globalização do desemprego estrutural, seja em países centrais de capitalismo avançado, onde sempre houve a promessa do pleno emprego mediante as benesses do liberalismo político e econômico, seja em países “pós-capitalistas”, ou ainda, nos países periféricos. Por exemplo, há mais de 40 milhões de desempregados nos países industrialmente mais desenvolvidos, a Europa possui mais de 20 milhões e a Alemanha ultrapassa os 5 milhões; na Índia os números chegam a 336 milhões de desempregado; na Hungria 5 mil, e a China com estimativas de 268 milhões de desempregados (MÉSZÁROS, 2006:30).

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No Brasil a onda de desemprego em massa é uma realidade desde a década de 1990, período em que o Brasil assumiu a agenda do neoliberalismo, portanto um compromisso com o livre mercado, desregulamentação das leis trabalhistas e, consequentemente desestruturação do mercado de trabalho como parte do processo de reestruturação produtiva, nos moldes vistos acima. Márcio Pochmann (2006) compreende o fenômeno do desemprego no Brasil como estrutural, assim como Mészáros, e não decorrente de competitividade empresarial, alto custo de contratação e/ou qualificação inadequada dos trabalhadores, explicação oficial acerca do fenômeno. Em concordância, Paula Marcelino afirma que

a década de 1990 significou para o Brasil uma ofensiva neoliberal de peso. Sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso durante dois mandatos consecutivos, o país obedeceu às coordenada econômicas do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial: controle da inflação através da recessão, desregulamentação do mercado e da força de trabalho, queda progressiva – mas rápida das tarifas sobre importações, desestatização da economia (MARCELINO, 2004:111).

Para Pochmann o desemprego estrutural está relacionado a persistência de baixas taxas de expansão da economia brasileira e a evolução de um novo modelo econômico desde 1990. Segundo o referido autor, o Brasil possui uma economia instável, que oscila constantemente em sua produção, podem ser observados períodos de recessão (1981-1983, 1990-1992, 1998-1999, 2002-2003), fases de recuperação (1984-1986, 1993-1997), e de estagnação (1987-1989, 2002), ou seja, o capitalismo em crises de taxas de produção e lucro constantes, a solução é a reestruturação, que redundou, segundo os dados de Censo de 2000 do IBGE, em 11,5 milhões de desempregados. O que há de novo na composição econômica brasileira é que, diferentemente de outros momentos históricos, em períodos de recuperação da economia, como em 1993 e 1997, a taxa de emprego formal não aumentou, decorrente da terceirização e informalização do trabalho. Esse processo fez o Brasil subir no ranking do desemprego, enquanto que em 1986 o Brasil ocupava a 13° posição do desemprego mundial, em 2002 subiu para 4° posição, sendo essa a maior crise do emprego da história Brasileira (POCHMANN, 2006).

A conclusão de Pochmann é de que o desemprego no Brasil possui um caráter estrutural e também desigual referente as classes de rendimentos, gênero, raça e nível de escolaridade. Os dados apresentados mostram que o desemprego é maior nas faixas mais baixas de renda. Entretanto não se restringe a essas camadas, acompanhando a dinâmica mundial atinge também os trabalhadores com rendimentos mais elevados. Referente a escolaridade não há garantias de emprego, ao contrário a população pobre com curso superior a taxa de desemprego é ainda maior. Na população negra quanto maior o nível da renda, maior é o índice de desemprego, e

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entre as mulheres a maior taxa de desemprego é em níveis mais baixos de rendimento (POCHMANN, 2006:72).

Todo esse processo de desemprego estrutural e a incapacidade de absorção da massa da população pelo sistema capitalista no mundo do trabalho associado a precarização da reestruturação produtiva e flexibilização dos direitos trabalhistas é uma mistura explosiva para qualquer tipo de organização de classe dos trabalhadores. Todas essas relações objetivas sendo alimentada pelas ideologias do capitalismo que valoriza o individualismo extremado e a competitividade a qualquer custo interferindo diretamente na subjetividade dos indivíduos naturalizando relações de dominação e exploração, tornando latente uma classe trabalhadora fragmentada, dificultando a formação da consciência de classe e consequentemente sua luta política.

É diante desse quadro de crise do capital, associado à crise estrutural do emprego e fragmentação da classe proletária que surge a reinvenção do ideário cooperativista autogestionário. Este nasce em período de crise do capital e grande pobreza, depois experimenta um período de declínio motivado pela expansão do capital e reabsorção da força de trabalho, e voltando a ressurgir mediante as novas crises do capital. No entanto, como visto acima, mesmo com uma próxima expansão do capital a tendência será de continua elevação da taxa de desemprego, o que exige mais do que nunca uma nova economia.

As análises que apontam essa possibilidade, novas formas de produção cooperativista e autogestionada, também intitulada por sócioeconomia ou economia solidária, não são únicas e muito menos consensuais. Para outros as estratégias dessa forma de organização produtiva inspirada na socialização da propriedade privada e das sobras oriundas de todo o processo (custeio, impostos, investimentos tecnológicos e de formação dos cooperados, aluguéis, etc) se trata de uma forma de “capitalismo reformado”, de pequenas e médias unidades que servem ao grande capital, tendo em vista sua posição na cadeia produtiva ou a sua dependência dentro da economia capitalista.

Pautados numa abordagem analítica que privilegia a percepção das contradições e a valorização das mesmas, é possível concluir que os apontamentos críticos a essa nova perspectiva econômica vêem contribuir para o aprimoramento das análises e do próprio processo produtivo. Nesse contexto, parafraseando o dramaturgo e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, “toda unanimidade é burra”.

Na conjuntura nacional do início do século XXI, em que há uma combinação de elevação da taxa de desemprego e desemprego estrutural, de precarização das condições de trabalho, de reformas trabalhistas que

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promovem a terceirização e a subcontratação da mão-de-obra, consequentemente com a ampliação da informalidade e do estímulo às estratégias de “empreendedorismo empresarial” em que o trabalhador passa a ser o único responsável pelo sucesso ou fracasso do seu novo-negócio, em que a classe trabalhadora no geral não está articulada em sindicatos combativos e que busquem a radical transformação a partir do capitalismo, a perspectiva cooperativista abordada (autogestionária, socioeconômica, solidária) tornou-se:

a) uma via de sobrevivência para muitas pessoas que já estavam à margem do sistema produtivo capitalista (como por exemplo no segmento dos trabalhadores da coleta seletiva e reciclagem ou assentados rurais do programa de Reforma Agrária);

b) um campo de formação de uma nova cultura, em que os participantes por livre adesão, rompem com a hegemonia individualista norteadora dos dias atuais, em que ocorre a adesão ao processo sócio-educativo oriundo da vida coletiva, da participação nas assembléias ou mesmo do contato com os profissionais (administradores, agrônomos, assistentes sociais, contadores, sociólogos, pedagogos, profissionais da saúde ...) que atuam nas políticas públicas de fomento e assessoria dos experimentos de economia solidária;

c) um micro-espaço de formulação de uma contra-hegemonia capitalista, que poderá vir-a-ser significativos para a instalação de um outro projeto societário, em que as relações sociais produtivas estejam subordinadas às demandas sociais e ambientais e não ao lucro individualizante e concentrador.

d) uma estratégia a partir dos subalternizados, e não dos incluídos nos benefícios do lucro e da condição de estratos médios da sociedade, de possibilidade de mudança a longo prazo do panorama atual de descrença absoluta no ser humano e na sua capacidade de reflexão, mobilização e viabilização de novos projetos e utopias.

Essa busca de sobrevivência e novas formas de vivência e educação é relevante! Os homens e mulheres simples estão cristalizando uma nova sociabilidade. Estimular essas novas formas de organização e produção cooperativista (autogestionário, socioeconômico ou solidário) está em consonância com o que

Sugere Lefebvre e concorda Heller, a revolução implica mudar a vida. A revolução de modo algum se confunde com o golpe de Estado, com a chamada “tomado do poder”. Como já se viu, é possível tomar o poder e não revolucionar nada. Ou melhor, a sociedade toma o poder quando

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arrebata o Estado, direitos e possibilidades, e também responsabilidades, que lhe foram confiscados por ele, quando assume e realiza por si mesma, sem intermediários, a compreensão e a gestão de suas necessidades. Isso implica profundas mudanças na vida, isto é, no viver, no modo de viver. É aí que se situa o núcleo da criatividade social, da invenção do novo a partir das possibilidades abertas pela práxis. (MARTINS, 2000:163)

Nesse sentido estudar, conhecer, analisar e interpretar os experimentos que se desenvolvem no campo do referido cooperativismo é também, um exercício teórico-prático que colabora e difunde uma nova consciência, um novo saber e estimula a participação dos sujeitos no processo histórico emancipatório e criador. Essa criação social, contrária aos processos de reprodução social do status quo,

depende de que o homem [e a mulher] se apropie[m] de seu destino, de algum modo, ainda que limitado, segundo as possibilidades do momento histórico. O homem se produz na História, produzindo sua sociedade, suas relações sociais, insurgindo-se contra os poderes que o subjugam: a dominação e o cerceamento políticos, a pobreza, os bloqueios no acesso às grandes inovações culturais referidas à universalidade do gênero humano. (MARTINS, 2000:163)

O debate nessa encruzilhada da produção do conhecimento e frente a essas novas formas de produção e organização da vida, implicam ampliar e mediar o conceito de revolução social contra o capitalismo. José de Souza Martins colabora frente a essa empreitada epistemológica e indica que

Toda apropriação das conquistas do gênero [humano], toda luta contra sua privatização, contra sua conversão em privilégio, é revolucionária e transformadora. Toda luta pela educação de boa qualidade, pela escolarização, pelo acesso ilimitado aos bens culturais, aos monumentos reais e simbólicos, é uma luta revolucionária e libertadora. [...] Todo ato de luta contra a pobreza, contra a exploração de quem trabalha, contra a privação de vida e dignidade, é um ator em favor da mudança na vida, é um ato revolucionário. De modo que o novo e a inovação se põem diante de cada um de nós de diferentes modos e sob diferentes temas. (MARTINS, 2000:163)

Assim, diante de todo o exposto acima, podemos concordar com Singer ao afirmar que

a economia solidária constitui um modo de produção que, ao lado de diversos outros modos de produção, compõe a formação social capitalista , que é capitalista porque o capitalismo não só é o maior modo de produção, mas molda a superestrutura legal e institucional de acordo com os seus valores e interesses. Mesmo sendo hegemônico, o capitalismo não impede o desenvolvimento de outros modos de produção, porque é incapaz de inserir dentro de si toda população economicamente ativa (SINGER, 2005: 86).

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Desta maneira, sob nossa ótica analítica, é necessário compreender que os sujeitos sociais envolvidos nos processos de cooperativismo (autogestionário, sócioeconômico ou solidário) compõem um processo de busca na contramão do processo histórico capitalista e por isso, é necessário aprofundar o debate entorno da temática, bem como, dessa perspectiva reinventada da Economia Solidária.

Bibliografia

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Referências

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