Ao final desta aula, você deverá:
• reconhecer o papel de uma teoria;
• identificar a função e a natureza da literatura;
• fazer a distinção entre um texto literário e um
não-literário.
Aprender como se configura a literatura e a
importância de seu estudo.
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Aula
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AULA I
NATUREZA E FUNÇÃO DA LITERATURA
1 INTRODUÇÃO
O termo “literatura”, derivado do latim litteratura, e mais remotamente littera, tem no significado das letras sua mais remota significância. Ao longo do tempo, o termo foi adquirindo significados diferentes, culminando com a forma que encontramos atualmente. Mesmo o sentido dado à literatura nos dias de hoje, encontra formidável expansão, influenciado pelas novas tecnologias e novos modos de ver o mundo.
Nesta aula, você estudará, primeiramente, a função de uma teoria, bem como o surgimento e o condicionamento de literatura ao longo do tempo. Para tanto, conhecerá os mecanismos utilizados para o estudo da literatura, inclusive na sua autorização como disciplina. Outrossim, verá a natureza da literatura, ou seja, o que faz com que um texto literário se diferencie de um não-literário.
Tácito é tudo aquilo
que não é explícito, que não é mostrado, que existe, mas está
escondido.
FIGURA 1
UAB/UESC
FIGURA 2 - Os estudiosos,
doutrinadores, criam os princípios que regem a literatura, aos quais
chamamos de teoria.
Fonte: www.sxc.hu/
photo/1030727
Foto: Kriss Szkurlatowski
2 LITERATURA: PARA QUE UMA TEORIA ?
Você, que começa este estudo, deve estar se perguntando: para que tenho que estudar uma teoria sobre literatura, se ainda não sei o que é literatura realmente? Se ainda não sei o que é uma teoria?
A teoria é um conjunto de pressupostos ou princípios gerais sobre determinada ciência ou arte. Ou seja, são regras convencionalizadas que regem determinado tema ou assunto.
2.1 Quem faz a teoria?
Devemos ter em mente que a teoria é ditada por estudiosos do assunto que, após longo percurso e aprofundamento, acabam por elaborar determinados preceitos e normas. Estas normas constituem princípios e são aceitos por toda uma sociedade que lida com aquele assunto. Deste modo, não há nenhuma lei que normatize o assunto, e sim princípios aceitos por uma maioria, os quais podem ser modificados
ou mesmo confrontados ao longo do tempo.
Com a literatura não é diferente. Os estudiosos passam a teorizar sobre o fato literário, criando um corpo de princípios e regras
tácitas, ou seja, regras
que não se configuram como leis.
As primeiras teoriza-ções sobre literatura têm início na Grécia Antiga, mais ou menos entre os séculos V e IV a.C., quando a filosofia helênica alcançou grande desenvolvimento. Neste período, Sheylla T.
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destacou-se o filósofo grego Aristóteles, especialmente por duas obras: a Arte Poética e a Arte Retórica. Nestas duas obras, que ainda hoje são referências sobre o estudo da literatura, Aristóteles expõe alguns conceitos que são fundamentais para o entendimento do processo e da realização da obra literária, tais como: catarse, gêneros, tempo, espaço etc.
Aristóteles, filósofo
grego, que viveu entre 350 e 322 a.C. e formulou algumas das regras
fundamentais em termos de arte e literatura. Seus estudos sobre a tragédia e a comédia
são primordiais para o entendimento da literatura. Além de a
Arte Poética e a Arte Retórica, destacam-se, também, as obras A Metafísica e Dos Argumentos Sofísticos. ATENÇÃO
Há uma diferença fundamental entre conceito e definição. O conceito é uma verdade legitimada, mas subjetiva, pois pode ser aceito por uma maioria, mas não necessariamente por todos. Por exemplo, o conceito de “liberdade” pode ser diferente para várias pessoas, cada uma pode ter seu próprio conceito. A definição, por sua vez, é uma verdade legitimada e aceita por todos, é universal. Por exemplo, a definição de “água”, expressa na fórmula H2O, independe do que eu acho ou outras pessoas acham sobre a água; ela é válida para todos da mesma maneira.
FIGURA 3 UAB/UESC
FIGURA 4 UAB/UESC
CONCEITO DEFINIÇÃO
Os gregos, em geral, através de seus primordiais filósofos, tais como Aristóteles e Platão, passaram a se preocupar com vários aspectos do que chamamos literatura, a começar pela própria especulação de obra literária, bem como a distinguir o que é ou não literatura. Assim, a teorização sobre literatura começa com o próprio entendimento do fato literário. E é isso que você verá na próxima seção.
Platão, filósofo
grego, que viveu entre 427 e 347 a.C.
e formulou algumas das preocupações dos seres humanos,
envolvendo a arte, a literatura e a cultura. Entre suas obras, destacam-se:
O Banquete, Fédon, Sofista e Político.
3 LITERATURA: O QUE É?
A primeira observação que devemos fazer é que ser ou não considerado literário implica dizer que a obra expressa formas diferentes de realidade. Na prática, não nos parece haver dificuldade em distinguir uma obra literária de uma não-literária, pelo menos se considerarmos os textos tradicionais. Mas numa observação mais atenta, própria do estudioso em Letras, do especialista e mesmo de um leitor mais exigente, teremos que notar algumas características fundamentais dessa distinção, entre o literário e o não-literário.
A primeira distinção é a que se refere à expressão da realidade. Um poeta expressa a realidade de uma forma pessoal, bastante subjetiva, quando, por exemplo, confessa seu amor à mulher amada; já um físico, quando elabora a equação de uma fórmula que mede a velocidade média de um carro, expressa a realidade de maneira distinta, pois reflete uma objetividade científica.
Nesses dois casos, a obra que se produzirá, um poema, no primeiro caso, e um tratado, no segundo, expressa realidades, mas de formas distintas, configurando o primeiro a literatura, e o segundo, a não-literatura.
Entre os Gregos, Aristóteles, na sua Poética, procura distinguir o que é ou não-literatura e, para isto, faz a comparação entre o poeta e o historiador: enquanto o historiador apreende a realidade como ela é, o poeta apreende-a como ela deveria
Tratado: estudo ou
obra desenvolvida a respeito de uma ciência, arte etc.
FIGURA 5 - A obra literária geralmente encontra no livro sua principal materialização.
Fonte: http://www.sxc.huphoto149861
FIGURA 6 - A obra não-literária possui distinções básicas, que são mais visíveis quanto mais forem tradicionais as suas produções, como o jornal.
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ser; enquanto um narra acontecimentos, o outro, fatos que podiam acontecer.
3.1 A palavra é “Poética”
Entre os gregos antigos, essa palavra se consolidou como disciplina dedicada ao estudo de literatura. Particularmente, em Aristóteles, “poética” foi associada a toda e qualquer reflexão filosófica sobre a arte literária,
tendo tido, ao longo do tempo, várias acepções que deram amplitude e, em certo sentido, modificaram esse primeiro entendimento. Assim, hoje, a poética é frequentemente associada a uma teorização sobre objetos dos mais variados. Por exemplo, há a poética da pintura, a poética da cidade, a poética do moderno...
4 DA NATUREZA DA LITERATURA
A obra literária possui particularidades que a distingue de outras produções, principalmente no tocante à forma de expressar a realidade. Mas não é somente neste aspecto que podemos distinguir uma obra literária de uma não-literária. Há outros que, somados em seu conjunto, podem assegurar uma opinião mais precisa. Deste modo, passemos a descrever outros aspectos que caracterizam e dão contorno final à obra literária.
Podemos descrever uma primeira caracterização da obra literária quanto ao seu conteúdo. Sim, pois a obra literária possui um conteúdo natural, ou seja, que é encontrado na realidade, na natureza, em última análise ficcional, que abrange os tipos comuns das pessoas. Diferentemente de uma obra-não literária, que possui um aspecto, objetivo, universal e não-ficcional.
Figura 7: Grécia Antiga, berço da civilização ocidental. Fonte: http://www.sxc.hu/photo/ 793328 Ficcional: deriva de ficção, termo proveniente do grego, chegando-nos a partir do latim, fingere; tem o significado de fingimento, criação de fantasia. Assim, está associado ao caráter imaginário que a literatura assume.
Outra característica da obra literária diz respeito à forma, a que chamamos literária. Ela se caracteriza pelo texto escrito, aliás, sua própria concepção inicial origina-se do termo latino littera, que quer dizer escritura, instrução, cultura. Deste modo, historicamente, a forma literária, por excelência, está relacionada à obra escrita, embora, em virtude de circunstâncias sociais e históricas ao longo do tempo, observemos modificações que põem em xeque essas especificações. É assim que se instala a concepção de literatura oral, o que vem demonstrar que apenas uma caracterização não dá conta de conceituar a literatura.
Daí termos que partir para outros elementos que possam nos ajudar nessa caracterização. E outro aspecto dos mais importantes que dão contornos definitivos à ideia é a linguagem. Ora, a linguagem literária é marcada por uma diversidade na sua concretização que nos dá a medida do quanto é uma expressão diferente, visto que é uma linguagem ficcional, inventada. Assim, utiliza-se de recursos dos mais variados, tais como as figuras de linguagem e figuras de pensamento, que assumem diferentes graus de entendimento, dão especificidade própria à obra literária.
5 PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE O QUE É
LITERATURA
Você deve ter percebido que a literatura se caracteriza por um conteúdo especial que assume também uma forma especial de conhecimento do mundo. Deste modo, a caracterização essencial diz respeito ao caráter de ficção, que pode ser entendido como o que não é real, imaginário, mas que apreende o real nas suas elementares especificidades. Dessa maneira, a literatura se revela através de um texto com modos específicos que o distinguem de outros textos, sejam eles jornalísticos, científicos, religiosos etc.
Então, afinal, o que é literatura? A literatura ou arte literária se define pela arte da palavra. Também neste quesito Aristóteles cuidou de estabelecer as premissas fundamentais. Pois, assim como temos a arte visual, que explora cores através da pintura, volume através da escultura, temos a arte
Figuras de linguagem: consiste
na associação de imagens, por vezes
inusitadas, com a intenção de reforçar a expressividade do texto, tornando-o mais criativo e original. Eis algumas: zeugma, polissíndeto, anacoluto, pleonasmo.
Figuras de pensamento: ideias
com efeito diverso: antítese, ironia, eufemismo, hipérbole, prosopopeia ou personificação. Fonte: www. portalsaofrancisco. com.br/.../figuras-de-pensamento.php PREMISSA: originário do latim praemissa, designa
a ideia ou fato inicial de que se parte para formar um raciocínio
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da música, que explora as manifestações do som, dando a associação de sons distintos, os chamados ritmos e harmonia; temos a arte literária, que se utiliza da palavra para, através da sua associação, dar sentido e expressar o mundo.
6 O TEXTO LITERÁRIO
A evolução do conceito de literatura está relacionada a sua própria origem. Se no início significava o ensino das primeiras letras, littera, com o tempo passou a designar a arte da palavra ou das belas artes. Neste
sentido, podemos constatar que a literatura sempre esteve associada à palavra escrita, sendo o não registro escrito uma exceção ao rigor do sentido.
A noção de texto está relacionada à condição da leitura. Em princípio, todo texto pode assim ser chamado se encerra a capacidade de leitura. Portanto, o início do processo leitor sobre a escrita pressupõe uma condição para o fazer literário. Modernamente, a noção de texto se ampliou em virtude das tecnologias cada vez mais avançadas. Assim, o texto, hoje, é tudo aquilo que pode ser lido, inclusive em sentido figurado, de forma que podemos ler cartazes, ler filmes, ler pinturas...
Mas você deve estar se perguntando: o que isso tudo tem a ver com a literatura? Muito simples. Há vários tipos de texto, mas o que caracteriza um texto literário é: primeiro, a forma escrita; depois, outros tantos aspectos que julgamos dos mais importantes, como é o caso da polissemia do texto, bem como a literariedade, que será estudada na próxima aula.
Agora que você já sabe o que é literatura e o que é um texto literário, vamos às atividades!
FIGURA 7 UAB/UESC Polissemia: diz-se da capacidade de as palavras assumirem sentidos diferentes das usualmente conhecidas. É o caso de uma palavra
como “casa”, que pode ser empregada
no sentido de dar segurança, de estar
A
TIVIDADE
1. Leia os textos I e II e, em seguida, responda as questões:
TEXTO I: A metamorfose
Certa manhã, ao despertar de sonhos intranqüilos, Gregor Sansa viu-se em sua cama metaforseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça, e ao erguer um pouco a cabeça viu o seu ventre marron, abaulado, dividido em saliências arqueadas, em cima do qual o cobertor, quase escorregando, mal se mantinha. As sua muitas pernas, lastimavelmente finas em comparação com a largura do seu corpo, tremulavam desamparadas diante de seus olhos.
Fonte: http://www.culturabrasil.org/ametamorfose.htm
TEXTO II
Em biologia, metamorfose ou “alomorfia” (do grego metamórphosis) é uma mudança na forma e na estrutura do corpo (tecidos, órgãos), bem como um crescimento e uma diferenciação, dos estados juvenis ou larvares de muitos animais, como os insetos e anfíbios (batráquios), até chegarem ao estado adulto. Depois do nascimento, os animais podem sofrer dois tipos de desenvolvimento: direto, ou indireto. No desenvolvimento indireto os animais que nascem diferem significativamente da forma adulta, assim os indivíduos passam pela metamorfose. Já no desenvolvimento direto, os animais já nascem com a forma definitiva, pois são muito semelhantes aos adultos, como, por exemplo, o ser humano.
Fonte: www.wikipedia.org/wiki/Metamorfose.
1.1 Qual deles é literário? E qual não é? 1.2 Para justificar, responda ainda:
1.2.1 O conteúdo dos dois textos nos dá um conhecimento ficcional de mundo?
1.2.2 Os dois textos consideram o aspecto formal para informar?
1.2.3 Há palavras, em ambos os textos, que assumem uma capacidade polivalente, diversa daquela usualmente utilizada? Se houve, exemplifique.
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LEITURA RECOMENDADA
Na próxima aula... você estudará o conceito de literatura através dos
tempos, com suas principais modificações. Até breve!
RESUMINDO
Nesta aula, você aprendeu que há uma ciência que se ocupa dos textos literários, que é a teoria da literatura. Também viu que o conceito de literatura tem origem na Grécia antiga, que a literatura tem uma natureza distinta dos textos não-literários, sobretudo na utilização da linguagem.
Para complementar esta aula, recomendo a leitura de ARISTÓTELES, HORÁCIO E LONGINO. Apresentação e introdução de Jaime Bruna. A poética clássica. São Paulo: Cultrix, 1981 e EAGLETON, Terry. Teoria da
AMORA, Antonio Soares. Introdução à teoria da literatura. São Paulo: Cultrix, 2004.
GOMES, Heidi Strecker. Análise de texto: teoria e prática. 10. ed. São Paulo: Atual, 1991.
JOBIM, José Luis. Introdução aos termos literários. Rio de Janeiro: Eduerj, 1999.
MOISÉS, Massaud. A criação literária. São Paulo: Melhoramentos, 1973.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. 5. ed. Coimbra: lmedina, 1986.