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DISTANCIAMENTO E COMPREENSÃO NA NOÇÃO DE TEXTO EM PAUL RICOEUR: UMA ANÁLISE DO CONCEITO DE APROPRIAÇÃO DE UMA PROPOSIÇÃO DE MUNDO.

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Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. GT0220

DISTANCIAMENTO E COMPREENSÃO NA NOÇÃO DE TEXTO EM

PAUL RICOEUR: UMA ANÁLISE DO CONCEITO DE APROPRIAÇÃO

DE UMA PROPOSIÇÃO DE MUNDO.

Lílian Franciene de Oliveira Mestranda Universidade Federal de Juiz de Fora

lilianfranciene@gmail.com GT 02 – RELIGIÃO COMO TEXTO: LINGUAGENS E PRODUÇÃO DE SENTIDO Resumo: A hermenêutica vem passando, ao longo da história, por vários questionamentos enquanto metodologia. Para Paul Ricoeur foi com o advento da obra de Friedrich Schleiermacher que ocorre o inicio de um novo modo de estudo dos textos, antes divididos em estudos filológicos e de exegese, mas é na tentativa de subordinar essas práticas de compreensão dos textos à uma problemática geral do compreender que a hermenêutica se torna moderna. Muito influenciado pela fenomenologia hursserliana, Ricoeur percebe a partir da filosofia de Heidegger uma nova questão fundamental à hermenêutica: qual é o modo de ser desse ser que só existe compreendendo. Com Hans-George Gadamer a hermenêutica dialoga com as ciências do espírito, porém, segundo Ricoeur, Gadamer não conseguiu unir de fato os horizontes da pertença e da distancia, e atribui a possibilidade de tal fato ser uma consequência do que podemos chamar de uma eficiência história, difundia, em relação à hermenêutica, nas considerações de Dilthey. Na tentativa de ultrapassar tal antimonia, Ricoeur estabelece uma teoria do texto, em outras pal O presente texto pretende estabelecer uma questão fundamental à hermenêutica, demonstrada por Paul Ricoeur, referente à relação dialética entre apropriação e distanciamento como característica típica da escrita, e, para tanto, apresentar o debate estabelecido pelo mesmo autor acerca do conceito de interpretação mantido pela hermenêutica romântica e a relação entre subjetividade e escrita no ato de compreender e interpretar o discurso, através de sua concepção. O método bibliográfico se dará a partir da leitura das obras de Paul Ricoeur, A Metáfora Viva, O Si Mesmo Como Outro e, como fonte principal, Interpretação e Ideologias, em especial do segundo capítulo A Função Hermenêutica do Distanciamento. O artigo será apresentado concentrando-se, primeiramente, em uma introdução elucidativa dos principais pontos defendidos pela hermenêutica romântica, atribuindo-se atenção especial às concepções de Gadamer acerca da oposição entre distanciamento alienante e participação por pertença e Dilthey sobre sentido e historicidade. Em seguida tentaremos desenvolver a crítica de Ricoeur à concepção de intuição imediata e do cogito cartesiano. Finalmente, apresentaremos a tentativa em Ricoeur de ultrapassar a alternativa deduzida da obra Verdade e Método de Gadamer em relação à atitude metodológica e atitude de verdade no processo hermenêutico. Concluiremos com o desenvolvimento da noção de apropriação e desapropriação apontada por Ricoeur na relação dialética entre subjetividade (o leitor) e objetividade (o texto) na obra. A crítica acerca da tríade compreensão-texto-conhecimento de si encontra-se fundamentalmente relacionada à crítica que Ricoeur estabelece ao cogito cartesiano e ao conceito de intuição imediata do sujeito no processo de conhecer-se a si mesmo. Segundo o autor, apenas nos (re)conhecemos através dos sinais de humanidade encontrados nas obras da cultura. O que se apropria na interpretação de um texto não está oculto por detrás dele, mas sim se encontra diante dele; é uma proposição de mundo. E, ainda, é o que Gadamer chamou de a coisa do texto e o que Ricoeur chama de o mundo da obra. Assim, compreender é compreender-se diante do texto. (referencias). Faz-se necessário então colocar no centro da questão da compreensão de si a dialética da objetivação e da compreensão a qual se faz referencia em relação à compreensão do discurso.

Palavras-chave: Hermenêutica, Distanciamento, Apropriação, Dialética ; Compreensão. Anais do V Congresso da ANPTECRE

“Religião, Direitos Humanos e Laicidade”

ISSN:2175-9685

Licenciado sob uma Licença Creative Commons

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Hermenêutica ricoeuriana

Que a hermenêutica é interpretação, que seu material é a linguagem e, nesse conjunto, a linguagem escrita tem um papel de destaque, não caracteriza uma novidade. A

hermenêutica de Ricoeur, segundo Japiassu (1990 apud RICOEUR, 1990, p.4)

trata-se de um pensamento que se propõe a adotar um método reflexivo capaz de romper todo e qualquer pacto com o idealismo. De forma alguma pretende negar sua relação com o vivido. Pelo contrário, tem em vista o esclarecimento, mediante conceitos, da existência. Esclarecer a existência é elucidar seu sentido. Por isso, o problema próprio de Ricoeur é o da hermenêutica, vale dizer, o da extração e interpretação do sentido. (JAPIASSU, 1990 apud RICOEUR, 1990, p4).

Como toda a modernidade se tornou interpretação, a grande preocupação do Ricoeur, mais que mentira, era a ilusão.

Toda crise atual da linguagem pode ser resumida na oscilação entre desmistificação e restauração de sentido. E o projeto de Ricoeur não é outro senão o de redescobrir a autenticidade do sentido graças a u esforço vigoroso de desmistificação. (...) O método usado por Ricoeur é o fenomenológico, tentando compreender o que descreve, para descobrir seu sentido. (JAPIASSU, 1990 apud RICOEUR, 1990, p.5).

Colocando em questão os temas religiosos da falta e da transcendência, Ricouer tenta suspender o juízo da falta original e demonstra sua eidética da vontade, que supõe a suspensão da consideração sobre os dogmas religiosos do pecado original e das relações do homem com Deus. Não é que Ricoeur desconsidere a tradição. Muito pelo contrário, ele eleva a tradição a sua posição intencional, em essência. A história é construída pelos homens que dela e nela se constroem a si mesmos. Essa relação entre subjetividade e objetividade é em Ricouer claramente dialética. Não há

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superposições e é, exatamente, com o intuito de esclarecer a natureza dialética dessa relação que Ricoeur suspende os dogmas na análise dos textos.

Realmente, não podemos interpretar ex nihilo, como se fossemos uma tela em branco preparada e capaz de absorver todo o sentido da coisa dada. Ricoeur levanta essa questão como no nível de um preconceito, mas não no sentido moderno, pejorativo, que acabou por nos impor uma diferenciação entre preconceito e pré-conceito. De qualquer maneira, Ricoeur assume mesmo a noção pós-moderna de preconceito quando pensa na suspensão de dogmas na interpretação. Assim, é necessário restituir o poder criativo da vontade humana em seus componente, a saber, o projeto, a execução e o consentimento. “Pois querer é, sempre, projetar um mundo, apesar ou contra os obstáculos”. (JAPIASSU, 1990 apud RICOEUR, 1990, p.5).

No entanto, isso não que dizer que o homem cria o real. Ricoeur reafirma a fenomenologia hursserliana assumindo que, no plano do conhecer, a primeira característica do objeto é a de aparecer, é claro, a uma consciência capaz de percebê-lo. A presença do objeto é sua característica principal. É essa presença que pode ser percebida de vários pontos de vista. Mas é apenas no âmbito da linguagem que podemos perceber coisas que não estão ali, que aparecem em sua ausência. É nesse sentido que a palavra transcende todos os pontos de vista. Como nos fala Japiassu, (1990 apud RICOEUR, 1990, p.6),

A realidade não se reduz ao que pode ser visto. Identifica-se, também, ao que pode ser dito. Há uma síntese do visto e do dito numa filosofia do discurso, mas que só se aplica à ordem das coisas. (...) O que importa, no final das contas é que o homem não se contente com sua linguagem primária para exprimir toda a sua experiência. Ele precisa chegar a uma interpretação criadora de sentido, a essa atitude filosófica do compreender. (JAPIASSU, 1990 apud RICOEUR, 1990, p.6).

Ricoeur afirma que o modo do Ser se dar ao homem é através de sequências simbólicas, sendo toda existência, como relação ao ser, já uma hermenêutica. E é a linguagem interpretativa, a linguagem filosófica, aquela capaz de revelar essa relação ontológica, pois a filosofia tenta alcançar o verdadeiro, o sentido, que só pode ser decifrado através da interpretação simbólica desmistificada.

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Ricoeur faz da fenomenologia de Hursserl um momento decisivo de sua reflexão filosófica, pois a superação do que foi separado pelo cogito refere-se, essencialmente, a uma volta aos fundamentos.

A Hermenêutica romântica

Ricoeur afirma ver a história recente da hermenêutica dominada por duas

preocupações: a primeira se dá pela desregionalização da hermenêutica; a segunda é o movimento de radicalização, pelo qual a hermenêutica se torna fundamental. A

polissemia de nossas palavras exige uma sensibilidade de contexto e uma atividade de discernimento, capaz de produzir um discurso relativamente unívoco com palavras polissêmicas e identificar essa intenção de univocidade na recepção das mensagens. São, como Dilthey as chamou, as expressões da vida fixadas pela escrita, aquelas que exigem um trabalho específico de interpretação já que, com a escrita, não se

preenchem mais os critérios da interpretação direta através do diálogo. Fazem-se necessárias, então, técnicas específicas que possam elevar a cadeia de sinais escritos ao nível do discurso.

O movimento de desregionalização da hermenêutica começa com Friedrich Schleiermacher que se defrontou com o problema da relação entre duas formas de interpretação, a saber, a “gramatical”, que se apoia nos caracteres do discurso que são comuns a uma cultura, e a “técnica” que se dirige a singularidade, a genialidade, da mensagem. (RICOEUR, 1990, P. 22). Segundo Ricoeur, (1990, p.22).

Trata-se de atingir a subjetividade daquele que fala, ficando a língua esquecida. A linguagem torna-se, aqui, o órgão a serviço da

individualidade. Essa interpretação é chamada positiva, porque atinge o ato de um pensamento que produz o discurso. (RICOEUR, 1990, P. 22).

Assim, essa segunda hermenêutica também comporta elementos técnicos e discursivos, pois, em Schleiermacher, a segunda interpretação, a técnica, é priorizada, dando um caráter advinhatório à interpretação e enfatizando seu caráter psicológico. Para Ricoeur esse é o embaraço dessa conclusão, a saber, a substituição do primeiro par de opostos, o gramatical e o técnico, por um segundo par, a adivinhação e a

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comparação. Novamente, por não elucidar a relação da obra com a subjetividade do autor e por insistir na busca das subjetividades subterrâneas, Schleiermacher, assim como outros autores da hermenêutica moderna, não consegue superar a dualidade dos pares. No entanto, é essa maior universalidade, provocada pela desregionalização da hermenêutica e, também, a mudança a qual Dilthey, posteriormente, fez passar a hermenêutica, subordinando a problemática filológica e exegética à problemática histórica, que prepara o caminho para o deslocamento da epistemologia em direção à ontologia, e tem seu ápice em Heidegger.

A hermenêutica romântica enfatizava a expressão da genialidade. (RICOEUR, 1990, p. 54). Dilthey, ainda próximo dessa maneira da experiência hermenêutica, fundava seu conceito de interpretação sobre a captação de uma vida estranha que se exprime através das objetivações da escrita e, assim, conserva o caráter psicologizante característico da hermenêutica romântica. Mas, por outro lado, foi Dilthey quem

percebeu “a necessidade de incorporar o problema regional da interpretação de textos no domínio mais amplo do conhecimento histórico.” (RICOEUR, 1990, P. 23). A história, considerada como o grande documento do homem, em termos de coerência, precede a coerência do próprio texto e, assim, vem à luz o grande problema da inteligibilidade do histórico e, de um modo mais genérico, a possibilidade real de fundamento científico das ciências do espírito. É essa questão que nos mostra a grande oposição encontrada ao longo da obra de Dilthey entre explicação da natureza e compreensão da história.

Dilthey, então, lança a noção de encadeamento, apoiando-se em Hursserl. Este último estabelecia o psiquismo caracterizado pela intencionalidade, ou seja, pela propriedade de visar um sentido suscetível de ser identificado. Dilthey, então, reforça seu conceito de estrutura psíquica pela noção de significação. No entanto, ao fazê-lo, assim como em Schleiermacher, é a filologia que fornece a etapa científica da

compreensão. (RICOEUR, 1990, P. 26). Dessa maneira, Dilthey não escapa ao psicologismo. Mesmo tendo mantido a afirmação de que a vida se apreende pela mediação de unidades de sentido que estão acima do fluxo histórico, apontada por ele, para levar adiante essa descoberta é necessário, como nos fala Ricoeur, (1990, p.29),

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que se renuncie a vincular o destino da hermenêutica à noção

puramente psicológica de transferência numa vida psíquica estranha, e que se desvende o texto (...) em direção ao seu sentido imanente e a esse tipo de mundo que ele abre e descobre. (RICOEUR, 1990, p. 29).

É a essa aporia entre explicar e compreender, a qual Japiassu chamou de “tão nefasto dualismo epistemológico”, que as categorias do texto vêm tentar resolver.

Se em Heidegger o Dasein, o ser-aí que somos nós, é enfatizado, não é porque ele assume, como fundamento, um sujeito para quem há um objeto, mas, de fato, assume-se aqui um modo de ser, um ser no ser. A pergunta, então, se transforma: não perguntamos mais sobre como compreendemos algo, mas sim, qual é o modo de ser desse ser que é compreendendo. Assim, é na explicitação desse ente em relação à sua condição de ser, que se encontra, em Heidegger, o desafio da filosofia hermenêutica. Em Ser e Tempo, a questão da compreensão está totalmente desvinculada do

problema da comunicação com o outro. Como afirma Ricoeur, (1990, p.32),

Não é de se estranhar, pois, que não seja por uma reflexão sobre o ser-com, mas sobre o ser-em, que possa começar a ontologia da

compreensão. Não se trata do ser-com o outro, que duplicaria nossa subjetividade, mas do ser-no mundo (...) Ao mundanizar, assim, o compreender, Heidegger o despsicologiza. (RICOEUR, 1990, p. 32).

O problema que permanece em Heidegger, para Ricoeur, é o de como seria possível “tomar consciência de uma função crítica em geral, no contexto de uma hermenêutica fundamental.” (RICOEUR, 1990, p. 36). E é em Gadamer que se apoia para responder tal questão.

Com a filosofia de Gadamer reaviva-se o debate das ciências do espírito, pois ela é a síntese de desses dois movimentos, a saber, a desregionalização da

hermenêutica e o caminho da epistemologia para a ontologia. Gadamer vê no

distanciamento alienante a pressuposição ontológica que assegura a conduta objetiva das ciências humanas. A metodologia das ciências implica esse distanciamento. No entanto, sua consequência mais fundamental para Gadamer, segundo Ricoeur, é a

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relação do conhecimento com o que Gadamer chamou de participação de pertença. Assim, o problema,

consiste em saber se a filosofia de Gadamer conseguiu ultrapassar o ponto de partida romântico da hermenêutica, e se sua afirmação, segundo a qual o ser homem encontra sua finitude no fato de situar-se, antes, no seio das tradições, consegue escapar ao jogo das reviravoltas, no qual ele vê o romantismo filosófico encerrado, face às pretensões de toda filosofia crítica. (RICOEUR, 1990, p. 38).

A reflexão de Gadamer culmina em uma teoria da consciência histórica a qual ele da o título de consciência-da-história-dos-efeitos. Essa categoria depende da consciência reflexiva de uma metodologia, da consciência de ser exposto à história e à sua ação. (RICOEUR, 1990, p. 40). Assim, a consciência da história eficiente possui, em si mesma, um elemento de distancia que estabelece uma tensão entre o longínquo e o próximo, essencial à consciência histórica. Esse é o primeiro indício da dialética entre participação e distanciamento.

O segundo indício e a teoria de Gadamer sobre a fusão de horizontes. O

conhecimento se dá a distancia e apenas por ela se torna possível. Nunca poderemos entrar em um horizonte diferente do nosso, porém é na fusão deles, no seu ponto de encontro, que se estabelecem as condições para o conhecimento. Assim, cito Ricoeur (1990, p.41),

Onde houve situação, haverá horizonte suscetível de se estreitar ou se ampliar. Devemos a Gadamer essa Idea muito fecunda sobre a qual a comunicação a distancia entre duas consciências diferentes situadas faz-se em favor da fusão de horizontes, vale dizer, do recobrimento de suas visadas sobre o longínquo e o aberto. Mais uma vez, é pressuposto um fator de distanciamento (...) significa que não vivemos nem em horizontes fechados, nem num horizonte único. (RICOEUR, 1990, p. 41).

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Concluindo, vemos como um caráter mais positivo do distanciamento está contido no próprio texto, na consciência ao se dar ao processo do entendimento, assim como, na experiência hermenêutica geral.

Intuição imediata e cogito cartesiano em Paul Ricoeur

Se a filosofia de Ricoeur parte do cogito cartesiano, de maneira alguma tenta elaborar uma filosofia da consciência, mas, ao invés disso, seu projeto é uma filosofia da tomada de consciência através da desmistificação da própria consciência como ilusão. Depois do cogito cartesiano, os problemas de fundamento e origem tratados pela filosofia se dividiram em duas questões separadas: de um lado, a questão do ser, da natureza e de Deus e, do outro, a questão do homem, o que significou um

dilaceramento do campo ontológico. A hermenêutica de Ricoeur só entende o cogito a partir da mediação dos signos. “A consciência não é imediata, porém mediata.”

(JAPIASSU, 1990 apud RICOEUR, 1990, p.10).

Quando Ricoeur nos fala que o símbolo da a pensar, ao mesmo tempo, também nos impõe a questão de como pensar segundo os símbolos. É aqui que se encontra com a psicanálise freudiana, mas não como pratica, e sim, como material escrito

através do qual uma exegese nos leva a um método de interpretar a linguagem humana que dissolve a velha filosofia do sujeito, já que a interpretação dessa linguagem nos apresenta os símbolos como estrutura da própria consciência, a essência de sua própria expressão, dissolvendo as ilusões da consciência imediata. Como afirma Japiassu, “podemos caracterizar o pensamento de Ricoeur como uma tentativa de acesso às fronteiras do saber, mas sem transpor seus limites.” (JAPIASSU, 1990 apud RICOEUR, 1990, p.6).

Relação metodológica e atitude de verdade no processo hermenêutico: a função hermenêutica do distanciamento.

Para erigir o debate hermenêutico significativo para as ciências semiológicas e exegéticas, Ricoeur tenta superar a antimonia contida na obra de Gadamer, a saber, a oposição entre distanciamento alienante e participação de pertença, pois, segundo ele, esta suscita uma alternativa insustentável já que este distanciamento, que condiciona o

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estatuto científico das ciências humanas, também, por outro lado, é o movimento que “arruína a relação fundamental e primordial que nos faz pertencer e participar da realidade histórica que pretendemos erigir como objeto.” (RICOEUR, 1990, P. 43). Segundo ele, a questão imprescindível que se dá a partir do conceito de eficiência histórica, em Gadamer, é a de,

Como é possível introduzir qualquer instância crítica numa consciência de pertença expressamente definida pela recusa do distanciamento? A meu ver, isso só pode ocorrer na medida em que essa consciência histórica não se limitar a repudiar o distanciamento, mas de forma a também empenhar-se em assumi-lo. (RICOEUR, 1990, p. 40).

Então, Ricoeur apresenta a questão central de sua tese. Se não procuramos mais pelas intenções psicológicas do outro, que se dissimulam por traz do texto, e se não admitimos a hermenêutica como um processo de desconstrução de estruturas, então, o que poderíamos manter em termos de interpretar é o movimento de explicitar o tipo de ser-no-mundo que se manifesta, na verdade, diante do texto, e não escondido nele. Assim, Ricoeur segue na mesma direção tomada por Heidegger, em Ser e Tempo, quando desvincula da teoria da compreensão a base estabelecida na compreensão do outro, retendo a análise heideggeriana de “projeção dos possíveis mais próximos” para aplica-la a teoria do texto. (RICOEUR, 1990, P. 56).

Assim, segundo Ricoeur (1990, p. 56),

De fato, o que deve ser interpretado, num texto, é a proposição de

mundo, de um mundo tal como posso habita-lo para nele projetar um de

meus possíveis mais próprios. È o que chamo de mundo do texto, mundo próprio a este texto único. (RICOEUR, 1990, P. 56).

Ele, então propõe que a problemática seja organizada em torno traços que constituem os critérios do texto. Primeiramente, na efetuação da linguagem como discurso, ele apresenta uma dialética entre evento e significação, um traço de distanciamento primitivo. O discurso se dá como evento no sentido de que,

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primeiramente, é realizado temporalmente no presente, a “instancia do discurso”; em segundo lugar, o discurso é sempre auto-referencial, pois, na medida em remete a seu locutor, o caráter de evento vincula-se à pessoa que fala; e, finalmente, o discurso sempre fala, à alguém, sobre alguma coisa. Nesse terceiro sentido, o evento é “a vinda à linguagem de um mundo mediante o discurso.” (RICOEUR, 1990, P. 46). A

significação é a maneira como tal discurso é compreendido, pois, assim como a língua, ao articular-se como discurso, ultrapassa-se e realiza-se como evento, o discurso, ao se ultrapassar como evento, realiza-se como significação. Segundo Ricoeur, (1990, P. 47).

O que pretendemos compreender não é o evento, na medida que é fugidio, mas sua significação que permanece (...) É na linguística do discurso que evento e sentido se articulam um sobre o outro.

(RICOEUR, 1990, P. 47). E ainda,

Dou aqui ao termo significação, uma acepção bastante ampla, recobrindo todos os aspectos e todos os níveis da exteriorização

intencional que torna possível, por sua vez, a exteriorização do discurso na obra e nos escritos. (RICOEUR, 1990, P. 49).

Assim ele propõe três traços distintivos da noção de obra, resultado da

ultrapassagem do discurso. Primeiramente, uma obra apresenta um problema novo de compreensão, relativo à totalidade constituída pela natureza da obra. Em segundo lugar a obra se constitui sob uma forma de codificação que classifica o discurso (literário, poético etc), ou seja, nos aponta seu estilo. Ao impor uma forma à matéria, tornamos o discurso como obra em objeto de uma práxis e uma techné. A obra literária é o

resultado de um trabalho que, ao organizar o discurso, opera uma determinação prática de uma categoria de indivíduos, a qual Ricoeur chamou de “obras de discurso”. “A noção de estilo permite um novo enfoque da questão do sujeito na obra literária.” (RICOEUR, 1990, P.50).

O distanciamento produzido pelo mundo do texto se dá entre o real e si mesmo, pois o referente da ficção (relato, poema, conto etc) é, ele mesmo, uma ruptura com a

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linguagem cotidiana e possui duas propriedades interessantes: primeiramente, é aberto, em sentido mais amplo, a qualquer um que possa ler, o que amplia os horizontes de alcance do texto em relação ao discurso oral, fechado em seu acontecimento espaço-temporal; em segundo lugar, ao provocar a ruptura com a linguagem cotidiana provoca, também, uma ruptura com o real, que suspende a realidade e, assim, abre novas possibilidades de ser no mundo. “Ficção e poesia visam ao ser (...) mas sob a maneira do poder-ser.” (RICOEUR, 1990, P. 56).

Conclusão

De forma alguma Ricoeur tenta impor ao texto uma capacidade finita de compreendê-lo. Na verdade, a autonomia faz com que uma obra seja considerada como algo que se dá aos leitores, criando o seu próprio vis-à-vis subjetivo. O problema da apropriação, aqui, deve ser considerado de uma maneira diversa do que foi pela tradição hermenêutica. Primeiro, a apropriação está ligada dialeticamente ao

distanciamento típico do texto; ela é a compreensão pela distancia. Segundo, a

apropriação está dialeticamente ligada à objetivação fundamental da obra. Em terceiro lugar, e não menos importante, aquilo de que me aproprio no texto é uma preposição de mundo. Conheço-me pelo texto, compreendendo-me diante dele com aquilo que a obra revela. Aqui se fundamenta a refutação da dicotomia em Dilthey entre

“compreender” e “explicar”. A partir da objetivação do discurso em obra, o caráter estrutural da composição, o distanciamento pela escrita e o texto como mediação da compreensão de si mesmo são as grandes contribuições da crítica à hermenêutica de Ricoeur. Como afirma Japiassu, (apud RICOEUR, 1990, p.9),

ao passarmos da frase ao discurso propriamente dito (poema, ensaio e filosofia), abandonamos, enfim, o nível semântico e ingressamos no nível hermenêutico. O que está em questão, nesse nível, não é mais a forma da metáfora (como para a retórica), nem tampouco seu sentido (como para a semântica), mas sua referência. (JAPIASSU, 1997, apud RICOEUR, 1990, p.9).

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Para Ricoeur, a linguagem metafórica, possuindo todas as características do distanciamento, é a mais apropriada na expressão da verdade de um discurso. Cito, Ricoeur, (1990, p. 56),

(...) tomando o exemplo da linguagem metafórica, a ficção é o caminho privilegiado da descrição da realidade, e a linguagem poética é aquela que, por excelência, opera o que Aristóteles, refletindo sobre a tragédia, chamou de mimesis da realidade. (RICOEUR, 1990, p. 56).

A tragédia imita a realidade através de mythos e, para Ricoeur esse tipo de distanciamento é o que a experiência hermenêutica deve incorporar. No entanto, a partir do momento que se entende o distanciamento como parte fundamental da natureza do próprio texto, não se pode mais considerar as visões de caráter

historicizantes e psicologizantes da hermenêutica romântica. É na analise da própria estrutura da obra como tal que se encontra seu sentido desvelado e revelado no mundo do texto. O referencial do discurso como texto não está, como no discurso oral, no aqui e agora, revelado no espaço tempo do acontecimento, ou melhor, naquilo que se pode ver. Com a escrita, não há mais o conceito de situação comum entre escritor e leitor. O discurso fictício, ao abolir o referencial de primeiro nível, nos possibilita buscar um referencial totalmente original da obra, o do mundo da obra, dando ao texto autonomia e tendo acesso nele àquilo que Gadamer chamou de “a coisa do texto”. “Compreender é compreender-se diante do texto”. (RICOEUR, 1990, P. 58).

Assim, como a metáfora tem o poder de redescrever a realidade, ela, também, tem o poder, por pura necessidade, de levar à uma tomada de consciência tanto quanto da pluralidade dos modos de discurso quanto da especificidade do discurso filosófico. O distanciamento é e está já no texto e minha pertença, assim como do autor, se

encontram nele. Para fazer da hermenêutica uma disciplina uma disciplina com o rigor típico das ciências não precisamos assumir o distanciamento, mas precisamos assumi-lo para, realmente, fazer hermenêutica.

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Referenciais

RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S/A, 1990.

______. Da Interpretação: ensaio sobre Freud. Rio de Janeiro : Imago Editora Ltda, 1977.

______.Existência e hermenêutica, in O conflito das interpretações: ensaios de hermenêutica. Rio de Janeiro : Imago Editora Ltda, 1979.

______. A metáfora Viva. São Paulo : Edições Loyola, 2000.

Referências

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