Rev. Inst. Med.
top.
São Paulo 2?(3);150-156, maio-junho, 1985AMEBAS DE VIDA LIVRE NO INTESTINO HUMANO EV¡DÊNCIAS DE PARASITISMO
HéÌcules de MOUEA (1), Homero Coutinho SALAZAA (2), Octavto FERNANDES (3), Denise Costa LISBOA (4) e Franciscâ Gonçalves de CARVALIIO (5)
RESUMO
Foram cultivadas fezes
de
620 indivÍduospara
a
pesquisade
amebas devida livre, sendo 514 pacientes
do
Hospital Universitário Pedro Ernesto (UERJ)e
106 crianças e adultos deum orfanato.
Foram positivas ?0 amostras (Ll,Zt/o) sendo 55 provenientes de paeientesdo
HU-UER.Ie
15 de internosdo
orfanato.Foram isoladas 60 amostras
de
Acanthamoeba,6
de
Vahlkampfia,5
de
Hart.mannella e 1 Echinamoe.ba. Alguns indivÍduos tiveram cultura de fezes
repetida-mente positiva para Acanthamoeba durante dois meses de observação. Das
amos-tras
de Acanthamoeba isoladas, 28foram
inoculadasem
camundongospor
via intranasal, tendo sido reisoladas L6 (57 Lt/o) amostras àpartir
de cérebroe
(ou)pulmões dos animais.
O
estudo histopatológico deq'nonstrou processoinflama-tório
agudo com presença de polimorfonucleares e amebas no cérebro e pulmõesde alguns animais. O encontro de amostras patogênicas em fezes humanas
refor-ça
a
hipótesedo
eventual desenvolvimento,em
indivíduos portadores,de
me-ningoencefalite amebiana granulomatosa, como infecçáo oportunística de origem endógena.cDU
6t6.99! .12TNTRODUÇ.õ,O
A hipótese de que as amebas de vÍda
livre
Tais protozoários são comumenteencontra-(AVL)
fossem agentes de infecçáo parao
ho-
dos em diversos tipos de coleções de água emm€m e animais foi primeiramente aventada
por
todoo
mundo, e, no Brasil, têm sido isoladas CULBERTSON&
col.4,s. PosteriormenteFOW-
apartir
de água mineral, de chafarizes, lagos,LER''& CARTER'7 e
BUT'I'
descreveram ospri-
piscinase
da"rêde de distribuição urbana do meiros casos
de
MeningoencefatiteAmebiana
;r;;;-r;;o,,*,r.
Primária (MEAP).
Hoje sabemos que as amebas dos
gêneros
A determinaçáo da patogenicidade de amos-Naegleria e Acanthamoeba sáo agentesinfeccio-
tras de AVL, isoladas a part'ir de materialbio-sos para
o
homem,a
primeira causandorne-
lógicoou
de ambiente,é
assunto controverso ningoencefalite aguda e quase sempre fatal, e¿
devidoaos
diferentescritérios
¿dqf¿c19s2,6,13, segunda quadros diversos, comopneumonias,
mas, após instilaçáo nasal em camund.ongos, o dermatites, úIceras de córnea, além demenin-
acessodos
protozoáriosao
sistema nervosogoencefalite granulomatosa (MEG)
tz.
central ocorre através do nervo olfativo ouain-i
I
Trabalho realizado na Disciptina de Patasitologia, Depertamento de Patologia e Laþoratórios da Facutdad.e de ciências Médicas
- universidade do Estado do Rio de Janeiro. Financiad.o em parte pela FINEP - ptocesso n.o 4BB2/ozlo-W
(1) Professor Auxiliar
- Disciplina de Parasitologia. Faculdade de Ciências Médicas
- UEzu, Bmsil (2) Professor ¡'diunto - R'esponsável pela Disciplina de Parasitologia
- Faculdade de Ciências Médicâs - uERJ (3) Acadêmico de Medicina
- Estagiário - Disciplina d.e Parasitotogia - Faculdade de ciências Médicas - uERJ (4) Bióloga
- Estagiária - Disciplina de Parasitologia - Facutdade de Ciências Médicas - UERJ (5) Médica - Hospital dos servidotes do Estâdo (INAMps) e Hospital do IASERJ
MouR'A, H. de; SALAZAR., H. c.; FE&NANDES, o.; LIsBoA, D. c. & cAa,vALHo, F. G. de - Amebas de vida liv¡e
no intestino humano. Evidôncias de pdrasitismo. Rev. rnst. Med. trop. São paulo 2?:150-156, 19g5.
da
por
disseminação hematogêniea apartir
de foco pneumônico 13,O
encontro das amebasde
vidalivre
em fezes humanas vem sendo assinalado desde oinício
do
século 18,mas
desdeque
SCHAUD-DINN estabeleceu quea
única ameba patogê-nica para o homem seria Entamoebahistolyti-ca, tais achados foram interpretados como ca-sos de pseudoparasitismo.
O objetivo do presente trabalho é relatar o
rsolamento de AVL
a partir
de fezes de doisgrupos estudados no Rio de Janeiro, assinalar
a eliminaçáo intermitente dos protozoários por
alguns indivíduos acompanhados durante dois meses após
o
primeiro isolamento, bem cornorelatar os estudos feitos, com algumas
amos-tras isoladas, para
a
demonstraçáo da patoge-nicidade para animais de laboratório.MATERIAL E MÉTODOS
Foram cultivadas fezes de 514 pacientes do Hospital Universitário Pedro Ernesto (UER^I), sendo a amostragem feita
por
sorteio à partir de material recebido para dia,gnóstico. Osou-tros
indivíduos pesquisados eram internos efuncionários de um o,rfanato localizado na zona norte do Rio de Janeiro, em que foram
colhi-das as fezes de 86 crianças e de 20 adultos. Os
indivíduos positivos
do
orfanato tiveram suas fezes cultivadas por mais três vezes,a
cada 7-cdias.
Cerca de 29 de fezes foram diluídas em água destilada esterilizada e colocadas empla-cas de Petri contendo ágar não nutriente e re'
cobertas com tapetes de suspensã,o de
Aerobac-ter
aerogenesmorto
pelocalor
(ANNA).
Asplacas
foram
incubadasàs
temperaturas de 37'C, 40'C e 45'C e no 5."e
10.' dias foramin-vertidas e observadas em microscópio comum.
Para o isolamento e identificaçáo das amostras
foi
utilizada a metodologia de MOLET & KRE-IVIEFù ls, PAGÏ.: tz e MOUIìA 16.Foram realizados testes de patogenicidade com algumas amostras de Acanthamoeba
iso-ladas.
Cada uma das amostras testadas, após crescimento em meio ANNA. durante 24a
36horas
a
37'C,foi
recolhidae
concentrada porcentrifugação
a
1500rpm
durante 10 minutos,tendo sido
a
concentraçãofinal
de suspensáo ajustada entre 10 a e 10 ó trofozoÍtospor
milili-tro.Foram utilizados camundongos albinos,.out_ bred" pesando entre 10
e
15 gramas. Osani-rnais, em grupos de 5, foram inoculados por via
intranasal com 0,02
a
0,04m1 de suspensã,o de amebas e observados por B0 dias. Após a mor[eou
sacrifício dos animais, fragmentode
cére-bro e pulmões foram retirados e colocados em
placas com ANNA, incubados a B?.C e observa-dos até o 10., dia.
Para estudo anátomo-patológico os órgáos
foram fixados em pBS
-
formola
L},Vo,incluí-clos em parafina, clivados
e
corados com He_ matoxilina-Eosina.RESULTADOS
Na Tabela
I
observamos que l0% das fezes provenientes de pacientesdo
HU-UER^I forampositivas para ameloas de vida livre dos gêneros Acanthamoeba, Echinamoeba
e
Vahlkampfia e que 52Vo das amostras de Aeanthamoeba,quan-do inoculadas em carnundongos, foram reisola-clas de seus órgáos, enquanto que 14% dos
in-divíduos do orfanator tiveram suas fezes positi-vas para Acanúhamoeba, Ilarúmannella e Vahl-ka,mpfia.
Quanto a,s amostras provenientes dos in-divíduos
do
orfanato Joram cultivadas outrastrês vezes
foi
observado o isolamento de Acan-thamoeba (Figs. 1 e 2) na segunda amostra de dois indivíduos. Seis indivíduos, inclusiveaque-les
positivosna
segunda amostra,apresenta-ram positividade na terceira, enquanto que na quarta amostra apenas dois continuaram elimi-nando o protozoário.
Apesar de não
ter
sido proposþ neste es-tudo, em nenhum mornento foram r'observados,nos indivíduos estudados, episódios sugestivos de doença intestinal
por
estes p-rotozoários.Na Tabela
II
estão relacionad4s asamos-tras
de Acanthamoeba inoculadas em camun-dongos, o tempo de sobrevivência dos animaisapós a inoculação e os órgãos de onde os
pro-tozoários foram reisolados. Das 19 amostras iso-ladas de fezes de pacientes do HU-UER.I, quatro
foram reisoladas somente a partir dos pulmões,
uma somente a
partir
de cérebro e cinco foram reisoladas de cérebroe
pulmões.
A
sobrevi-vência dos animais
foi
bastante variâda, sendo que a amostral'
401 causou a morte de todosainda na primeira semana após a inoculação. tÐr
MOUR'A, H. de; SALAZAR', H. C.; FERNANDES, O.; LISBOA, D. C. & CAAVAI,HO, F. G. de
- Amebas de viale ¡ivro no intestino humano. Evidências de parasitismo. Rev. Insú. Med. trop. São paulo 2?:150-156, 1985.
ser avaliados com cautela. A hipótese de
pseudo-parasitismc deve ser considerada, mas náo po-demos deixar de valorizar
o
achado decultu-ras de fezes positivas para Acanthamoeba em
alguns indivÍduos por duas e até três vezes no intervalo de dois meses.
Tais achados, aliados aos da literatura s,tr, 12'14
¡es
levamà
suposição de que as amebas isoladas sejam, na realidade, habitantes dotu-bo digestivo com capacidade de, em determina-das condições, invadir os tecidos do hospedeiro,
o
que encontra respaldonos
resultados dos testes de patoìgenicidade realizados em camun-dongos.O
encontro de amebas de vidalivre
pato-gênicas em fezes humanas reforça
a
hipótese de eventual desenvolvimento, em indivíduos por-tadores, de infecções extra-intestinais de origem endógena, como a meningoencefalitegranuloma-tosa.
6.
SUMMARY
Free-living amoebae
in
human bowel: Evidenceof
parasitism
,
,
Culturesfor
free-living amoebae were made from feces of 620 individualsof
whioh 514 were patientsfrom
the
University Hospital Pedro Ernesto(lìio
de Janeiro) and, 106 \Mere chil-dren and adultsof
anorphanage.
e. Positive resulLs were obtained
in
70speci-mens (112'0/o), 55
from the
hospital patients,and 15
frorn
the orphanage. 60 Acanthamoeba, 10. 6 Vahlkampfia, 5 ltrartmannella and, 1 Echina. moeba were isolated.Some individuals were repeatedþ positive
for
Acanthamoeba rluring the 2 monthsof
ob-servation.
1r.Of the isolated Acantharnoeba, 28 were ino-culated intranasally. 16 Strains (5?.10/o
) were
12.reisolated
from
brain andor
|ungsof
theani-mals.
The histopatholqgy revealed an acute in-flammatory processwith
polymorphonuclear
rr neutrophils and amoebae in the brain and lungs of some of the animals.The isolation of pathogenic strains of
Acan.
t4'thamoeba
from
human feces supports the hy-pot,tresisof
eventual development,in
carriers,of
granulomatous amebic meningoencephalitisas an opportunistic endogenous infection.
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