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Fatores de socialização pré-universitários e a entrada na carreira de pesquisa: trajetórias femininas na UFABC

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Fatores de socialização pré-universitários e a

entrada na carreira de pesquisa: trajetórias

femininas na UFABC

GT 02 – Gênero, ciência e tecnologia: uma articulação desafiadora Gabriela Boechat Maria Caramez Carlotto

Resumo: A desigualdade de gênero subsiste em várias instâncias da sociedade, uma delas é a academia. A entrada tardia das mulheres nas universidades, espaços antigamente considerados masculinos, traz inúmeras consequências ao presente. Por mais que hoje as mulheres sejam maioria nos cursos de graduação (embora estejam concentradas em cursos específicos), elas ainda não conseguem alcançar os altos círculos de poder. O que acontece no meio do caminho? O objetivo deste trabalho é contribuir para a pesquisa das origens das desigualdades de gênero na academia com foco na socialização pré-universitária e universitária das mulheres que ingressam na universidade. Para tanto, a pesquisa foi desenhada de forma que acompanhe uma amostra de estudantes ao longo da sua trajetória acadêmica, tentando identificar os diferentes fatores sociais que condicionam a escolha das carreiras, em particular a escolha da carreira científica. Assim, foram selecionados mulheres e homens ingressantes na Universidade Federal do ABC para serem entrevistados. O questionário utilizado nessas entrevistas foi construído buscando resgatar a socialização familiar e a socialização escolar dos alunos. Esse trabalho tem como objetivo amplo contribuir para uma melhor compreensão do “teto de vidro”, circunstância em que segundo a qual haveria uma barreira simbólica impedindo que as mulheres chegassem largamente a postos melhores em diferentes fatias do mercado de trabalho.

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1. Introdução

Um dos principais avanços na questão de igualdade de gênero no Brasil nas últimas décadas foi a entrada progressiva das mulheres no ensino superior. Ao observar quem produziu conhecimento ao longo da história, nota-se que, desde a sua institucionalização, a ciência fora considerada um espaço masculino. No âmbito do direito à educação, as mulheres conseguiram obter direitos que as colocaram, perante a lei, como iguais em relações aos homens.

A transformação foi tão importante que, atualmente, no Brasil, há uma predominância feminina no ensino superior. O resultado é que o percentual de mulheres com diploma em relação ao total é de 12%, enquanto a de homens é de apenas 10%. Esses dados fazem parte do relatório publicado pela OCDE (Organização para Cooperação e o Desenvolvimento) em 2012, intitulado “Education at a Glance”. O relatório mostra, no entanto, que embora as mulheres sejam maioria na conclusão de cursos superiores, os homens ainda ocupam a maior parte das vagas de trabalho (OCDE, 2012).

Esse não é um fenômeno circunscrito. Atualmente, as mulheres são minoria em vários departamentos e colegiados acadêmicos, em congressos científicos, em simpósios e em alguns eventos. Mesmo com o crescimento das mulheres nas carreiras científicas, as pesquisas indicam que elas ainda estão sub-representadas nos cargos administrativos das universidades e nas altas posições da carreira científica (MOSCHKOVICH, 2012; Carlotto, 2014; Carlotto & Garcia, 2015). No caso do Brasil, ao se avançar na hierarquia acadêmico-científica, o número de mulheres diminui expressivamente (MCT, 2010).

Em 2016, as mulheres eram maioria em todos os níveis de treinamento pelo CNPq1. Na graduação, eram 60%. No mestrado stricto sensu, eram 58,9%. No doutorado, 56,3%. Esses dados poderiam ser interpretados como uma superação dos desafios de gênero na carreira acadêmica, entretanto, ao analisar a condição de liderança2 entre os sexos masculino e feminino, é possível notar que há uma vantagem masculina histórica e significativa.

1 Dados retirados do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil Lattes. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/web/dgp/por-nivel-de-treinamento-e-sexo> Acesso em: 09 de setembro de 2017.

2 Dados retirados do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil Lattes. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/web/dgp/por-lideranca-e-sexo> Acesso em: 09 de setembro de 2017.

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Nota-se, também, que por mais que as mulheres recebam mais bolsas para pós-doutorado, pós-doutorado, mestrado e iniciação científica do que os homens, as bolsas de produtividade em pesquisa (PQ) oferecida pelo CNPq, definida como “bolsa destinada a pesquisadores que desfrutam de alto reconhecimento entre seus pares”, têm como beneficiários, em sua maioria, homens, como pode ser observado na tabela abaixo:

Bolsas de Produtividade em Pesquisa por categoria/nível segundo o sexo do bolsista -2013-2015 Categoria/ Nível %feminino %masculino 2013 2014 2015 2013 2014 2015 SR 24,4 23,7 24,2 75,6 76,3 75,8 1A 23,7 24 24,6 76,3 76,0 75,4 1B 32 31,5 31,7 68,0 68,5 68,3 1C 34 35,9 36 66,0 64,1 64,0 1D 34,3 35,3 35,8 65,7 64,7 64,2 2 38,6 38,4 37,9 61,4 61,6 62,1 2F 29,5 - - 70,5 - -Total 35,6 35,6 35,5 64,4 64,4 64,5

Fonte: CNPq/AEI. Elaboração própria.

Além disso, os desafios das mulheres também partem da “territorialidade” do conhecimento. Ao analisar as grandes áreas, pode-se observar que os homens predominam nas Engenharias; nas Ciências Exatas e da Terra, nas Ciências Agrárias e nas Ciências Sociais Aplicadas. Em contrapartida, as mulheres são maioria nas áreas de Linguística, Letras e Artes, Ciências Humanas, Ciências da Saúde e Ciências Biológicas.

Dessa maneira, além da segregação vertical, em que há menos presença de mulheres nas posições de prestígio, há também uma segregação horizontal, que faz com que as mulheres se concentrem nas áreas de humanidades, saúde e ciências sociais. Essa “segregação horizontal” também é considerada um obstáculo à igualdade de gênero. Sobretudo porque, segundo o CNPq, as áreas que recebem mais investimento são aquelas relacionadas às ciências exatas e às engenharias, predominantemente masculinas.

Silvia Yannoulas, ao concluir sua pesquisa sobre “Mulheres e Ciência”, apresenta um dos pressupostos para se rejeitar medidas específicas que fomentem relações de gênero

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igualitárias entre os cientistas: “os preconceitos de gênero são gerados antes da entrada dos jovens na universidade e, portanto, caso alguma medida seja recomendada, deveria estar destinada aos primeiros momentos do sistema escolar ou ao momento da eleição do tipo de curso superior” (2007, p.7).

Partindo desse debate, a pesquisa realizada tem por objetivo auxiliar na compreensão do chamado “teto de vidro” 3, buscando identificar fatores de socialização pré-universitários que podem ou não condicionar a escolha de carreira realizada pelas mulheres. Pierre Bourdieu (1999) explicita, em “A Dominação Masculina”, que tanto o sistema de ensino quanto de cultura se origina de uma estrutura que hierarquiza o masculino em relação ao feminino, de modo que ficam configuradas dominações simbólicas permanentes, sendo reproduzidas inconscientemente nas relações sociais.

Isto posto, uma das hipóteses possíveis é a de que, a segregação encontrada nas hierarquias acadêmico-científicas está associada, antes de qualquer coisa, à escolha da carreira e, portanto, só pode ser pré-universitária. Isso aponta para a importância de se estudar o processo de construção do gênero, como um habitus, no sentido do Bourdieu, ou seja, uma matriz de ação que define escolhas e práticas (Bourdieu, 2007).

Assim, procuramos desenhar uma pesquisa que tinha por objetivo geral compreender o impacto de fatores pré-universitários na escolha da carreira de pesquisa, o que nos obrigou a considerar a chamada “socialização primária” de mulheres universitárias. Para tanto, foram selecionadas aleatoriamente 20 mulheres ingressantes em 2016 na Universidade Federal do ABC com as quais realizamos entrevistadas em profundidade, com a proposta de entender, inicialmente, os fatores de socialização pré-universitários que incidiam nas suas escolhas propriamente universitárias.

2. A Universidade Federal do ABC no espaço do ensino superior paulista

3 Metáfora do teto de vidro, segundo a qual haveria uma barreira invisível impedindo que as mulheres chegassem largamente a postos melhores em diferentes fatias do mercado de trabalho. (MOSCHKOVICH, 2012).

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A universidade que constitui o objeto empírico desta pesquisa, a Universidade Federal do ABC, é uma instituição pública federal, localizada na região do ABC paulista, a cerca de 10 quilômetros da cidade de São Paulo. Dentro do universo do ensino superior brasileiro, é uma instituição recente, fundada em 26 de junho de 2005, tendo suas primeiras atividades didáticas iniciadas em setembro de 2006. Atualmente, a UFABC pode ser considerada uma universidade relativamente consolidada, com aproximadamente onze anos e reconhecimento nacional e internacional, tendo ocupado o primeiro lugar entre as universidades brasileiras no

Ranking SCImago, nos quesitos de “Excelência em Pesquisa”, “Publicações de alta

qualidade” e “Impacto normalizado das suas publicações”.

A UFABC se propôs a implementar uma estrutura inovadora, contando por ora com apenas dois cursos de ingresso, definidos como “bacharelados interdisciplinares”, são eles: o Bacharelado em Ciência e Tecnologia (BC&T), criado em 2006, e o Bacharelado em Ciências e Humanidades (BC&H), aberto em 2010. Após cumprir as matérias obrigatórias desses cursos de ingresso, é possível optar por um curso específico, em licenciatura e/ou bacharelado, nas áreas de ciências sociais, humanidades, engenharia, ciências exatas ou biológicas.

Atualmente, a UFABC conta com dois campi, um mais antigo, localizado na cidade de Santo André e basicamente ligado às engenharias e ciências exatas, e outro, mais novo, sediado em São Bernardo do Campo, com um perfil misto formado tanto por cursos de engenharia e ciências exatas quanto de ciências sociais aplicadas e humanidades.

Para o problema que interessa a esta pesquisa, é importante frisar que em uma análise mais ampla, a Universidade Federal do ABC pode ser considerada a universidade pública paulista mais masculina, dada a composição do seu corpo discente, como é possível verificar na tabela abaixo:

Porcentagem de ingressantes separados por sexo nas universidades públicas paulistas no ano de 2016 (ano base: 2015)

Masculino Feminino

UNIFESP 45,41% 54,59%

UNESP 47,61% 52,38%

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UNICAMP 54,90% 45,09%

USP 57,60% 42,30%

UFABC 69,54% 30,46%

Fonte: UFABC. Elaboração própria.

Mesmo analisando os dados dos últimos seis anos, é possível verificar que não houve mudanças significativas na distribuição de gênero dos ingressantes ao longo do tempo, como mostra o gráfico abaixo:

2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

70,14% 69,92% 66,72% 68,46% 66,74% 68,46% 69,54%

29,86% 30,38% 33,38% 31,54% 33,26% 31,54% 30,46%

PORCENTAGEM EM RELAÇÃO AO TOTAL DE INGRESSANTES (2010-2016)

Masculino Feminino

Fonte: UFABC. Elaboração própria.

Analisando cada curso de ingresso separadamente, pode-se notar que a concentração masculina ocorre, sobretudo no BC&T, ou seja, o Bacharelado em Ciências e Tecnologia. Nesse curso, há aproximadamente três vezes mais homens do que mulheres ingressantes durante os últimos seis anos. No BC&H, a proporção entre homens e mulheres é relativamente mais equânime, como é esperado para a área de Ciências Sociais e Humanidades. Ainda assim, é importante frisar que também nesse curso, observamos um maior percentual de homens do que mulheres entre os alunos ingressantes, o que pode estar relacionado ao fato de que a maioria dos cursos posteriores ao BC&H, como Economia, Relações Internacionais e Políticas Públicas, serem da área de ciências sociais aplicadas, marcadamente mais masculina, como dito anteriormente.

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Assim, observando a distribuição de gênero nos dois bacharelados de ingresso, conforme o gráfico abaixo, é possível constatar que, de fato, a UFABC é uma universidade majoritariamente masculina. É provável, analisando esses dados mais amplos, que essa predominância masculina esteja relacionada ao perfil da maioria dos cursos e vagas da universidade, que estão concentrados nas áreas de ciências exatas e engenharia e, ciências sociais aplicadas, estruturalmente, mais masculinas.

Fonte: UFABC. Elaboração própria.

2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

71,12% 71,77% 69,20% 72,11% 70,23% 70,72% 73,22%

28,87% 28,22% 30,79% 27,88% 29,76% 29,27% 26,77%

RELAÇÃO DE GÊNERO - INGRESSANTES BC&T (2010-2016)

Masculino Feminino

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2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 62,69% 53,46% 57,21% 54,27% 54,67% 59,54% 55,76% 37,30% 46,53% 42,78% 45,72% 45,32% 40,45% 44,23%

RELAÇÃO DE GÊNERO - INGRESSANTES BC&H (2010-2016)

Masculino Feminino

Fonte: UFABC. Elaboração própria.

A partir dos dados levantados, pudemos caracterizar a UFABC, no espaço do ensino superior público paulista, como uma universidade predominante masculina, o que tornou ainda mais interessante a análise de trajetórias universitárias e pré-universitárias de mulheres ingressantes nesta instituição.

3. Mulheres ingressantes na UFABC: elementos da socialização pré-universitária

Conforme dissemos, a presente pesquisa selecionou aleatoriamente 20 mulheres ingressantes na UFABC em 2016, mais especificamente no Campus de São Bernardo, sendo 7 do BC&T e 13 do BC&H. Entre novembro de 2016 e abril de 2017realizamos, assim, 20 entrevistas em profundidade, abordando temas como socialização familiar, socialização escolar pré-universitária e as primeiras impressões do ensino superior.. Também foram realizadas 13 entrevistas com homens ingressantes do BC&T e do BC&H que, no entanto, não serão analisadas neste trabalho.

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Durante as entrevistas, uma primeira dimensão que chamou a atenção foi o fato de que todas as entrevistadas se consideravam “feministas”. Além disso, todas tinham algum interesse em realizar pesquisa científica, mesmo que não pretendessem ou estivessem em dúvida sobre seguir ou não a carreira acadêmica. Esse interesse pela pesquisa pode estar relacionado ao forte incentivo à pesquisa presente no projeto pedagógico da UFABC. Isso se reflete em um programa inovador chamado “Pesquisando Desde o Primeiro Dia”, em que a universidade concede bolsas de estudo para incentivar os alunos a se envolverem com pesquisa científica desde o início da graduação. Dessa forma, a cultura e a ideia da pesquisa acaba sendo relativamente forte entre ingressantes na universidade. Embora essa seja uma hipótese não desprezível, vamos explorar neste artigo outra dimensão.

Embora as entrevistas tenham nos permitido acessar diferentes elementos da socialização pré-universitária dessas alunas, para fins deste artigo, selecionamos um que esteve marcadamente presente em quase todas as entrevistas: a influência que outras mulheres têm sobre decisões essenciais como a escolha do curso, a opção pelo prolongamento do estudo com o ingresso no ensino superior e a escolha pela carreira de pesquisa. Dessa maneira, tornou-se perceptível a importância da família e o indispensável suporte que ela oferece aos estudos das mulheres.

Durante o desenvolvimento do individuo, a infância e a adolescência tem um papel fundamental, uma vez que são nesses períodos que os aspectos de sua personalidade são desenvolvidos. A família tem significativa importância nessa construção social do indivíduo, pois a primeira vivência do ser humano acontece em família, independente de sua vontade ou da constituição desta (SOUSA, 2012). É pela família que são passados valores culturais, religiosos, responsabilidades, compromissos e dos estudos. Não por acaso, a socialização familiar merece destaque nos trabalhos de sociólogos de Pierre Bourdieu, sendo centrais para a sua noção de habitus.

Alguns relatos das entrevistas mostram que, apesar da maioria das avós não terem terminado o ensino médio, a maioria das mães não terem completado o ensino superior e serem, basicamente, “donas de casa”, o maior incentivo para que as filhas estudem e entrem

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no ensino superior parte principalmente da avó e da mãe, como é possível notar nesses trechos de entrevistas selecionados:

“Dos meus seis anos de idade eu fui morar com a minha mãe e eu comecei a estudar, porque minha avó queria que eu estudasse” (ENTREVISTADA 1, BC&T, filha de dona de casa sem estudo)

“Para a minha mãe, (entrar no ensino superior) é uma coisa que vai te dar possibilidade de conseguir um futuro bom, é a profissão que você vai se formar, então, se você entrar em uma faculdade boa, fazer um curso bom, você vai ter uma vida próspera” (ENTREVISTADA 2, BC&H, filha de dona de casa com ensino médio completo)

“Minha mãe sempre me falou que a pá é muito mais pesada que a caneta, que é no sentido de que trabalhar é muito mais difícil que estudar.” (ENTREVISTADA 3, BC&H, filha de secretária com técnico completo)

“Minha mãe sempre falou que era para eu fazer ensino superior, ela não teve essa oportunidade, então queria dar toda oportunidade para os filhos dela” (ENTREVISTADA 4, BC&H, filha de dona de casa com ensino médio completo)

“A minha mãe sempre foi dona de casa, ela sabe o quão difícil é, ela sempre me disse ‘vai estudar, vai ter o que é seu, vai ser independente”. (ENTREVISTADA 5, BC&H, filha de dona de casa com ensino médio incompleto)

É importante notar que como resultado das políticas de inclusão no ensino superior implementadas no último período, como as que estabelecem 50% de cota para a escola pública no ENEM, o perfil social dos alunos da UFABC faz com que 06 das entrevistadas integrem a primeira geração da família a entrar na universidade, como é possível observar pelo grau de escolaridade das mães das entrevistadas acima. Mas mesmo quando as mães

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possuem ensino superior completo ou quando há menções à baixa escolaridade da mãe, é possível observar, também, que as entrevistadas enfatizam que o maior apoio para a sua trajetória universitária parte das mulheres da sua família:

“Minha mãe ficou muito feliz, muito mesmo, eu lembro que quando eu contei que tinha entrado (na universidade), ela ficou mais feliz do que eu (...). Minha avó também, ela contou para todo mundo que eu faço faculdade” (ENTREVISTADA 6, BC&H, filha de proprietária de uma escola com superior completo)

“Todo mundo ficou muito feliz. Minha mãe combinou com uma amiga para fazer uma festa surpresa quando soube (que entrei na faculdade)” (ENTREVISTADA 7, BC&T, filha de dentista com superior completo)

“Minha mãe contou quase para a praia inteira que eu tinha passado na federal do ABC!” (ENTREVISTADA 4, BC&H, filha de dona de casa com ensino médio completo)

“Minha mãe, dá para sentir mesmo, que ela fica com orgulho sempre que ela vai falar (que entrei na faculdade), dá para sentir na voz dela” (ENTREVISTADA 8, BC&T, filha de prestadora de serviços com ensino médio completo)

Há também uma grande influência das mulheres da família na escolha do curso ou da carreira, mesmo que muitas vezes essas expectativas não sejam atendidas:

“Minha tia (engenheira) disse que engenharia não é valorizada, que o meio é machista, que é explorado, que não tem prestigio. (...) Minha mãe queria que eu fizesse medicina” (ENTREVISTADA 9, BC&T, filha de dona de casa com superior incompleto)

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“Eu tinha um primo que fazia ITA e que recebi um salário, uma bolsa. E aí minha mãe quis que eu fizesse ITA e aceitei, porque não sabia o que era ITA. (...) Minha mãe não queria que eu fizesse moda.” (ENTREVISTADA 8, BC&T, filha de prestadora de serviços com ensino médio completo)

“Minha tia falou que eu não iria me dar bem na área de humanidades, me incentivou a ir para a física” (ENTREVISTADA 10, BC&T, filha de mãe falecida e tia engenheira)

“O sonho da minha mãe é que eu fosse advogada, ou que eu tivesse uma profissão tradicional. Ela entende profissões como direito, medicina, enfermagem” (ENTREVISTADA 11, BC&H, filha de costureira sem estudo)

“Minha mãe queria que eu fizesse medicina. Queria me chamar de doutora. Mas aí ela percebeu que poderia me chamar de doutora de outras formas. (...) Eu escolhi economia porque via minha mãe mexendo com dinheiro quando era pequena” (ENTREVISTADA 3, BC&H, filha de secretária com técnico completo)

“A minha avó queria que eu fizesse direito, por causa do meu avô, sabe?” (ENTREVISTADA 7, BC&T, filha de dentista com superior completo)

“Eu pretendo ir pra área de próteses, o que fez me interessar por essa área foi justamente a minha mãe, porque ela vai ter que fazer uma cirurgia e colocar uma prótese.” (ENTREVISTADA 7, BC&T, filha de dentista com superior completo)

A influência se apresenta de maneira sutil, porém, é possível supor que um dos fatores determinantes na escolha do curso e da carreira para o gênero feminino, é a base que a família

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dá aos estudos, em especial as mães, avós, tias e irmãs, que aparecem muito mais mencionadas nas entrevistas do que os homens da família. Essa dimensão, da influência das mulheres sobre a escolha pelo estudo tem sido relativamente pouco explorada pela sociologia da educação e da ciência, embora o feminismo aponte a importância desse tipo de influência por parte das mulheres, uma vez que são as que mais sofrem com a desigualdade de gênero.

Podemos encontrar essa dimensão dentro do feminismo contemporâneo, no âmbito ético, político e prático. A sororidade, palavra recente que não existe na língua portuguesa, mas pode ser pensada como sinônimo de fraternidade, é um princípio de relação entre todas as mulheres e um recurso para enfrentar os conflitos que podem surgir entre elas e com elas, eliminando a misoginia (RÍOS, 2009). Essa relação pode se dar em amizades, relacionamentos e como vimos neste artigo, em parentes. Uma hipótese plausível que o este trabalho levanta é a de que as mulheres que estão em uma posição de submissão e desejem mudanças para as próximas gerações vejam como fator essencial o estudo das gerações mais novas da família, em especial as filhas. Outra hipótese a ser explorada é qual a influência desse apoio no aumento da escolarização feminina em comparação com a masculina que observamos no país (IBGE, 2014).

4. Considerações finais

Os dados obtidos das entrevistas e aqui apresentados reforçam a importância da socialização primária na construção da identidade de gênero, em especial, o papel da família, vista aqui não como bloco, mas considerando suas diferenças internas de gênero. Além disso, o estudo dentro do âmbito do “teto de vidro” sugere que a solidariedade entre as mulheres pode ser um elemento importante que ajuda a construir uma rede de apoio que incentiva o ingresso na universidade e o prolongamento dos estudos.

Para tentar avançar nesse sentido, procuramos mostrar como o feminismo pode fornecer conceitos para a teoria social, como o de sororidade, um conceito macro de experiências subjetivas entre mulheres na busca por relações positivas e saudáveis, na construção das alianças existenciais e políticas com outras mulheres, contribuindo para a

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eliminação de todas as formas de opressão e ao apoio mútuo para alcançar o empoderamento individual e coletivo (MARUO et al., 2017).

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