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AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA PREVISTAS NA LEI MARIA DA PENHA COMO CONSAGRAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA

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AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA PREVISTAS NA LEI MARIA DA PENHA COMO CONSAGRAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA

PESSOA

Maria Paula de Azevedo Nunes da Cunha Bueno1 Marcos Nassar2 Rejane Alves de Arruda3

RESUMO:

O presente estudo versa sobre as medidas protetivas de urgência como consagração do princípio da dignidade da pessoa humana. Tem, como objetivo principal, a análise desse princípio, como sendo base para a aplicação das referidas medidas previstas na Lei Maria da Penha. A partir de uma pesquisa emanada de um método dedutivo, eminentemente bibliográfica e documental, e de um paradigma pós-positivista com enfoque em valores, percebe-se a riqueza da discussão existente acerca da matéria. Destarte, por estar a violência doméstica contra a mulher ligada a um esteriótipo muito antigo da mulher como sendo menor e subjugada, e por ter sido, no século XX, reconhecida como violação aos direitos humanos, tal prática vem sendo bastante discutida na comunidade internacional e, recentemente, de forma mais enfática, no Brasil, assim como a dignidade da pessoa humana, que assume várias faces e valorações a cada geração de direitos humanos estabelecida por Karel Vazak, o que está intrinsecamente ligado à evolução dos direitos da mulher e, consequentemente, à necessidade de protegê-las de agressões de gênero.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Dignidade. Violência doméstica. Lei Maria da Penha.

Medidas Protetivas de Urgência.

ABSTRACT

The present study deals with urgent protective measures as a consegration of the principle of the dignity of the human person. It has, as its main objective, the analysis of this principle, as a basis for the application of the measures provided for the Maria da Penha Law. From a research emanating from a deductive method, eminenty bibliographical and documentary, and from a post-positivist paradigm with a focus on values, it is noticed the richness of the existing discussion about the matter. Thus, because domestic violence against women is linked to a very old stereotype of woman as minor and subjugated and

1 Mestranda em Direito – área de concentração em Direitos Humanos - pela Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

2

Mestrando em Direito – área de concentração em Direitos Humanos - pela Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

3 Professora Doutora em Processo Penal na Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e na Universidade Católica Dom Bosco.

Anais do XVI Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

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because it was recognized in the twentieth century as a violation of human rights, this practice has been widely discussed in the international community and, recently, more emphatically in Brazil, as well as the dignity of the human person, which assynes several faces and values for each generation of human rights established by Karel Vazak, which is intrisically linked to the evolution of women’s rights and, consequently, the need to protect from the gender-based aggression.

Keywords: Human Rights. Dignity. Domestic violence. Maria da Penha Law. Protective

Measures of Urgency.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo versa sobre a aplicação das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha como consagração do princípio da dignidade da pessoa humana e tem, como objetivo principal, a análise desse princípio, como sendo base para a aplicação das referidas medidas, tudo por meio de uma pesquisa dedutiva, eminentemente bibliográfica e documental e de um paradigma pós-positivista com enfoque em valores.

Justifica-se a presente pesquisa pela dimensão epidêmica da violência doméstica, bem como pela importância da dignidade da pessoa humana para a compreensão da evolução dos direitos humanos, que, por sua vez, está intrinsecamente ligada ao avanço dos direitos da mulher.

Objetivando o esclarecimento da temática, abordar-se-á, inicialmente, a conceituação do princípio da dignidade da pessoa humana, com enfoque na evolução deste princípio/valor, bem como de seus fundamentos jus-filosóficos.

Num segundo momento, será abordada a ligação da dignidade da pessoa humana com os direitos humanos e a caracterização da violência doméstica contra a mulher como violação aos direitos humanos.

Por fim, serão analisadas as medidas protetivas de urgência como consagração ao princípio da dignidade da pessoa humana e como forma de efetivar a proteção da mulher em situação de violência doméstica.

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2. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SEUS FUNDAMENTOS JUS-FILOSÓFICOS

A dignidade da pessoa humana é um valor e um princípio universal, inerente a toda a pessoa, e foi assim compreendida a partir da Segunda Guerra Mundial. Para entender os fundamentos desse valor, é necessário se valer de filósofos e juristas que pensaram o assunto – o que se pretende realizar nos subtópicos seguintes.

2.1 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PESSOA HUMANA

Muito se tem falado sobre dignidade da pessoa humana. Pode-se pensar que a expressão “pessoa humana” é redundante, mas é certo que ela procura dar ênfase para uma conquista da sociedade pós Segunda Guerra Mundial, que viu a dignidade como um valor e um princípio universal, decorrente de atributo inerente a toda pessoa física - natural. (AVANCINI, 2013, pp. 77-78).

Antes de se falar em dignidade da pessoa humana, lançando mão das ideias de Fábio Konder Comparato (2015, p. 31), é importante fazer um apanhado das diferentes formas já assumidas pela expressão “pessoa humana”, o que enfatiza, inclusive, a historicidade dos Direitos Humanos. O autor, de maneira didática, divide tal evolução em cinco principais etapas.

Segundo ele, a primeira etapa é marcada pela especulação acerca da identidade de Jesus Cristo, que tinha sua natureza interpretada de duas formas: ou divina ou carnal, o que só fora solucionado no concílio ecumênico realizado em 325 depois de Cristo, em que se decidiu por sua natureza dupla – humana e divina. Além disso, as bases bíblicas fazem do homem um ser especial, pois criado à imagem e semelhança de Deus. (COMPARATO, 2015, p. 31).

A segunda etapa, por sua vez, teve início no século VI com Boécio, que influenciou o pensamento medieval com seus estudos. Para ele, dizia-se pessoa a substância individual da natureza racional – a substância é a característica intrínseca de um ser. Suas ideias foram recepcionadas por Santo Tomás de Aquino e difundidas pela renascença e pelo iluminismo, e se traduziu na compreensão do significado de dignidade

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como sendo a possibilidade de o indivíduo construir de forma livre e autônoma sua própria existência. (COMPARATO, 2015, pp. 31-33).

A terceira fase se consubstanciou na filosofia de Immanuel Kant, que considera a pessoa como um ser considerado e tratado como um fim em si mesmo. O autor entende que em razão de sua vontade racional, só o ser humano vive em condições de autonomia, como ente capaz de agir de acordo com as leis que edita. (COMPARATO, 2015, pp. 33-38).

A propósito, explicitando o imperativo categórico, Kant apud Comparato (2015, p. 33) preleciona que “o princípio primeiro de toda a ética é o de que o ser humano e, de modo geral, todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio do qual esta ou aquela vontade possa servir-se a seu talante”.

A quarta etapa, por sua vez, resulta da compreensão de que a pessoa é a única capaz de dirigir sua vida em função de suas preferências valorativas, sujeitando-se, de forma voluntária, às normas valorativas criadas por ela mesma. (COMPARATO, 2015, pp. 38-39).

A quinta etapa por fim, fixa-se a partir da filosofia da vida e do pensamento existencialista da primeira metade do século XX. Com a Revolução Industrial, a vida em sociedade passou a ser mecânica e burocrática, motivo pelo qual a filosofia existencialista busca enfatizar o caráter único e irreprodutível da personalidade individual. Decorre desse caráter singular da existência a dignidade da pessoa em todo indivíduo. (COMPARATO, 2015, p. 39).

2.2 FUNDAMENTOS JUS-FILOSÓFICOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Percebe-se que a pauta acerca do valor da pessoa humana tem início tanto no pensamento clássico quanto nas discussões teológicas, pelo que biblicamente se considera o homem como ser de valor, pois criado à imagem e à semelhança de Deus.

Com o tempo, ocorreu uma mudança de paradigma e o pensamento passou a ser secular e racional, o que colocou a liberdade moral como característica humana que fundamenta a dignidade da pessoa humana, e não mais a natureza humana em si.

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Com efeito, é do senso comum que a partir de Kant é que o processo de secularização foi consolidado, pois esse filósofo entendia a dignidade enquanto manifestação da autonomia ética da pessoa humana, como já se alardeou.

Entretanto, é importante ressaltar, ainda nesse aspecto, como assevera Javier Orlando Aguirre-Pabón (2011, p. 49), que a nossa noção atual de dignidade da pessoa humana não é exatamente a que Kant passava em seus textos, tendo em vista que, para o filósofo, o termo dignidade se caracterizava por três tendências.

Em primeiro lugar, o filósofo não resumia a dignidade ao termo “Menschenwürde” (dignidade do ser humano), mas também aos seguintes: “Würde der Pflicht (dignidade do dever), “Würde des Gebots (dignidade da lei), “Würde der Sittlichkeit” (dignidade da moral), “Würde eines vernünftigen Wesens” (dignidade de um ser racional) e “Würde der Menschheit” (dignidade da humanidade). (AGUIRRE-PABÓN, 2011, p. 49).

Além disso, o termo dignidade, especialmente como dignidade de um ser racional, somente tem importância no texto Fundamentação da Metafísica e dos Costumes, pois, na

Crítica da razão prática e da metafísica dos costumes, tal termo parece não ter qualquer

protagonismo. (AGUIRRE-PABÓN, 2011, p. 50).

E, por fim, a noção kantiana de dignidade da pessoa humana, em contraste com nossa noção moderna, se encontra, em sua maioria, ausente de todas as obras importantes de Kant sobre filosofia política e legal. (AGUIRRE-PABÓN, 2011, p. 50).

Daí porque, para Aguirre-Pabón (2011, p. 50), a noção de Kant de dignidade é, com efeito, uma noção política e legal, pertencente à sua época, bastante ligada à nobreza, e não à pessoa humana, como se tem atualmente. Então, como assevera Habermas apud Aguirre-Pabón (2011, p. 72), o conceito de dignidade humana não adquiriu importância sistemática em Kant, visto que a razão descansa na explicação filosófico-moral da autonomia.

É importante ressaltar essas nuances para deixar de vincular o conceito atual de dignidade da pessoa humana somente à Kant, visto que, como salienta Jürgen Habermas (2010, p. 17), foi a partir das discussões medievais sobre a criação dos seres humanos à imagem e à semelhança de Deus que se percebeu que todos teriam de enfrentar um Juízo Final como pessoas únicas e insubstituíveis, o que foi traduzido pela filosofia com o

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entendimento de que as bases da dignidade da pessoa humana estão na individualização e no valor único de cada ser humano.

Apesar da importância dessas discussões, salienta-se que, como explica Fábio Konder Comparato (2010, p. 44), as reflexões da filosofia secularizada somadas à evolução dos fundamentos científicos da biologia fortaleceram o caráter histórico dos direitos humanos, tornando desnecessário o embate entre as duas bases existentes, quais sejam, a do direito natural imutável e a do positivismo jurídico, que vê no Estado a única possibilidade da existência do direito.

Em outras palavras, é muito mais viável um diálogo entre as bases, com vistas a efetivar a dignidade da pessoa humana, considerando que, como assevera Norberto Bobbio (2004, p. 17), “o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político.”

E, também, que “não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los (...).” (BOBBIO, 2004, p. 17).

Mesmo porque encontrar um fundamento último para os direitos humanos, e, consequentemente, para a dignidade da pessoa humana, não é interessante, porque nenhum seria capaz de abarcar o grande espectro deles. Ou seja, “(...) não se trata de encontrar um fundamento absoluto – empreendimento sublime, porém desesperado –, mas de buscar, em cada caso concreto, os vários fundamentos possíveis” (BOBBIO, 2004, p. 16), visto que esses fundamentos plurais não terão qualquer importância histórica se sua busca não for acompanhada pelo estudo das condições, dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado. (BOBBIO, 2004, p. 16).

Nessa toada, Ingo Sarlet (2003, p. 113) afirma que a dignidade da pessoa humana deve ser entendida como uma “categoria axiológica aberta”, já que a ideia de um conceito fixo prejudicaria uma série de valores existentes numa sociedade plural que tem por base o mesmo respeito à dignidade.

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3. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER COMO VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Feita, no tópico anterior, uma digressão acerca da importância de se entender os fundamentos da dignidade da pessoa humana, até mesmo pela condição histórica dos direitos humanos, faz-se necessário tecer comentários acerca de dois outros aspectos, quais sejam: a ligação da dignidade da pessoa humana com os direitos humanos e com a violência contra a mulher.

3.1 DIGNIDADE HUMANA E DIREITOS HUMANOS

A noção de dignidade humana é considerada um conceito chave no tratamento do discurso dos direitos, até porque, segundo Jürgen Habermas, a dignidade humana constitui a fonte moral de que todos os direitos fundamentais derivam seu sustento. (AGUIRRE-PABÓN, 2011, p. 48).

Ademais, para Habermas, ainda que de forma implícita ou explícita, sempre existiu um vínculo conceitual interno entre a dignidade humana e os direitos humanos, até porque a dignidade humana configura o portal através do qual o substrato igualitário e universalista da moral se translada para o âmbito do direito. (HABERMAS, 2010, p. 16). A propósito:

La ideia de la dignidad humana es el eje conceptual que conecta la moral del respeto igualitário de toda persona com el derecho positivo y el proceso de legislación democrático, de tal forma que su interacción puede

dar origen a um orden político fundado em los derechos humanos.4

(HABERMAS apud AGUIRRE-PABÓN, 2011, p. 73).

Tal a importância da dignidade da pessoa humana para a compreensão dos direitos humanos que está estampada nos principais documentos do sistema internacional dos direitos humanos, como a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e em demais documentos de jus cogens (hard law).

4Tradução livre dos autores: “a ideia de dignidade humana é o eixo conceitual que liga a moral do respeito igual de cada pessoa com o direito positivo e o processo de legislação democrática, de tal modo que sua interação possa dar origem a uma ordem política baseada em direitos humanos.”

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No Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana também rege o Estado. Além de seu reconhecimento como princípio e valor, está estampado no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República de 1988, e é compreendido como núcleo essencial da República Federativa do Brasil, traduzindo-se no reconhecimento do valor do indivíduo como limite e fundamento da organização política da sociedade, como fundamento de validade que harmoniza e inspira todo o ordenamento constitucional vigente, informando a base do ordenamento republicano e democrático. (CANOTILHO, 1998, p. 219).

3.2 DIREITOS HUMANOS E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

Com olhos fitos nessa digressão acerca da ligação dos direitos humanos com a dignidade da pessoa humana e da sua positivação no âmbito internacional e brasileiro, salienta-se que, pelas ideias Norberto Bobbio (2004, p. 9), os direitos humanos não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Daí decorre a complexidade do estudo dos seus avanços e mudanças, que acompanham as conquistas sociais, econômicas e políticas realizadas internacional, regional e internamente nos Estados.

Por sua vez, os direitos das mulheres, igualmente, também advêm de um movimento feminista plural, marcado por diversos momentos de lutas e conquistas. A propósito:

Enquanto um construído histórico, os direitos humanos das mulheres não traduzem uma história linear, não compõem uma marcha triunfal, nem tampouco uma causa perdida. Mas refletem, a todo tempo, a história de um combate, mediante processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana, como invoca, em sua complexidade e dinâmica, o movimento feminista, em sua trajetória plural. (PIMENTEL; PIOVESAN, 2011, p. 101).

Com efeito, a luta das mulheres sempre foi muito plural, pois, em cada tempo, buscou-se alcançar determinado direito – sempre tendo como pano de fundo a igualdade de gêneros. O reconhecimento da violência doméstica como uma violação dos direitos humanos faz parte desse movimento, de busca de igualdade material.

Em outras palavras, pela busca da igualdade, foi necessário elevar a violência doméstica contra a mulher ao status de violação aos direitos humanos, pois não bastou a

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revolução feminina ter marcado o século anterior, já que o avanço das mulheres em várias áreas e setores não conseguiu encerrar a cruel sequela da discriminação de que ainda são vítimas. (DIAS; REINHEIMER, 2011, p. 195).

E essa luta por igualdade de direitos foi travada pelas mulheres, gerando um conteúdo feminista, que Carmen Hein de Campos (2011, p. 1) chama de teoria feminista do direito. A primeira crítica feminista foi às dicotomias modernas, que colocaram as mulheres como inferiores ao homem, identificando o direito apenas com o polo masculino. (OLSEN, 1995, p. 473).

Como demonstração dos efeitos do pensamento moderno pode ser citada a primeira Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que só faz referência a um único gênero como sujeito de direitos, qual seja, o homem – vocábulo neutro, mas que indica uma exclusão da mulher, o que gerou, em resposta, a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, no ano de 1791.

Com efeito, o processo histórico de conquista, pelas mulheres, de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais ganhou maior ênfase no século XX, com a ação organizada de movimentos sociais que contribuiu pra a aplicação da cidadania e a incorporação das mulheres como sujeitos de direitos.

O acolhimento desses novos atores – como as mulheres – redefiniu as dimensões de direitos para além da liberdade e igualdade formais, ressaltando direitos do campo da saúde, educação, dentre outros, marcando a indivisibilidade dos direitos inerentes à pessoa humana. (BARSTED, 2011, p. 13). São esses novos direitos os de solidariedade, ou de terceira geração, segundo Karel Vazak.

Importante ressaltar, ainda, que a busca pelos direitos da mulher se iniciou na comunidade americana antes mesmo de o ser no âmbito da ONU. Em 1928 ocorreu a 6ª Conferência Internacional Americana, em que fora criada a Comissão Interamericana de Mulheres. Em 1933, na 7ª Conferência, foi lançada a Convenção Interamericana sobre Nacionalidade da Mulher.

Em 1938, na 8ª Conferência, surgiu a Declaração de Lima sobre os direitos da Mulher e, na 9ª Conferência, cinco anos depois, a Convenção Internacional sobre a Concessão de Direitos Civis à Mulher. Em paralelo, ocorria a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no âmbito da ONU.

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Após várias conquistas, em 1979, lançou-se, na esfera internacional, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (internalizada no Brasil através do Decreto Lei nº 93/1983); e, em 1993, na II Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU se reconheceu, pela primeira vez, a violência de gênero como sendo uma violação aos direitos humanos.

Um ano depois, encampou-se a Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradical a Violência Contra a Mulher, internalizada no Brasil pelo Decreto 1973/1996.

Em face de todos esses avanços e diante da situação de total injustiça de Maria da Penha – que dá nome à lei brasileira e que foi mulher vítima de graves violências domésticas praticadas por seu companheiro, que saiu praticamente ileso –, o feminismo brasileiro demonstrou que se distanciou da dicotomia do pensamento moderno e que, de fato, se aproximou da busca pela igualdade de gêneros, motivo pelo qual alcançou, por meio de advocacy feminista bem-sucedida, a promulgação da Lei Maria da Penha, em face da condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Cumpre ressaltar, ainda, que a Lei Maria da Penha reconhece e reforça o caráter de violação aos direitos humanos que tem a violência doméstica contra a mulher, mostrando que o país está alinhado às diretrizes internacionais.

4. DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA COMO CONSAGRAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A partir de uma análise perfunctória dos textos de Norberto Bobbio e Fábio Konder Comparato, infere-se que a efetivação dos direitos humanos importa muito mais do que a sua conceituação ou do que encontrar um fundamento último para eles.

Com base nessa ideia, a fim de proteger o direito humano à não-violência de gênero, as medidas protetivas de urgência vieram previstas na Lei Maria da Penha, como forma de dar efetividade a esse ideal. Até porque, na grande parte dos casos, a violência vem de casa e a mulher, não fossem as medidas protetivas de urgência, teria de voltar para aquele ambiente após eventual registro de ocorrência, o que seria perigoso e inconcebível.

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Com efeito, Rosane M. Reis Lavigne e Cecilia Perlingeiro (2011, p. 293) salientam que tais medidas representam o maior acerto da Lei Maria da Penha, sendo sua eficácia e inovação elogiadas na doutrina até mesmo por autores que oferecem críticas à conquista das mulheres, mesmo porque a ordem jurídica atual torna evidente o dever do Estado de salvaguardar em sede de cognição sumária a liberdade de ação da mulher e de seus filhos e familiares envolvidos na situação de risco.

As medidas protetivas de urgência, por sua vez, estão previstas no artigo 18 e seguintes da Lei Maria da Penha, e, por se tratarem de medida de urgência, a vítima poderá solicitá-las por meio da autoridade policial – normalmente quando do registro do boletim de ocorrência – ou do Ministério Público, que, em ambos os casos, encaminharão o pedido ao juiz, que deverá decidi-lo no prazo de 48 horas.

Exceção a essa regra consta na nova Lei 13.827/2019, que prevê possibilidades excepcionais em que, visando à proteção imediata da mulher, o delegado ou o policial poderão decretar as medidas protetivas de urgência em favor da mulher.

Com efeito, os artigos 18 a 21 da Lei explicitam os procedimentos a serem realizados para garantir a proteção contra risco à integridade da mulher e de seus familiares, mas não estabelece rito específico, motivo pelo qual há controvérsias quanto à natureza e à forma de processamento.

Partilha-se, quanto a esse ponto, das ideias de Alice Biachinni, que entende que a natureza jurídica é sui generis, o que acabará por influenciar diversos outros fatores, como a possibilidade de decretação de prisão por descumprimento de medida protetiva ou a desnecessidade de Inquérito Policial instaurado para a sua determinação, dentre outros.

Mesmo porque se vislumbra mais adequado o rito simplificado e de tramitação célere, com padrão acessível a todas as vítimas, de modo que essas, seus representantes legais ou parentes possam solicitar. (LAVIGNE; PERLINGERO, 2011, p. 294). Não fosse assim, as medidas protetivas de urgência seriam belo instituto, porém morto e sem qualquer eficácia.

Feitas essas considerações, cumpre salientar, por fim, que as medidas protetivas de urgência previstas na Lei podem ser organizadas, didaticamente, da seguinte forma: medidas dirigidas ao agressor (art. 22), dirigidas à vítima (arts. 23 e 24) e medidas assistenciais (art. 9º). O rol legal é apenas exemplificativo e não há um número mínimo e

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máximo de medidas protetivas a serem aplicadas a determinado caso, devendo o juiz – ou a autoridade policial, no caso da novidade legislativa – analisar o caso concreto.

No que tange às medidas protetivas dirigidas ao agressor, a lei prevê, de forma exemplificativa, a possibilidade de suspensão da posse ou restrição do porte de armas, de afastamento do lar ou local de convivência com a ofendida, de proibição de determinadas condutas tais como aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas (fixando-se, neste caso, limite mínimo de distância entre as partes), de contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas, de freqüentação de alguns locais, de restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores e de prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Em relação a essas medidas, dirigidas ao agressor, pode-se concluir que o direito à segurança, reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos – que tem por base a dignidade da pessoa humana, como já se salientou - é o que mais se procura garantir.

Daí porque é possível ao juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial a fim de assegurar o cumprimento das medidas protetivas de urgência determinadas, conforme dispõe o parágrafo terceiro do artigo 22.

Noutro vértice, em relação às medidas protetivas dirigidas à vítima, a lei propõe as seguintes ações: encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou atendimento; recondução da ofendida e dependentes ao domicílio após afastamento do agressor; afastamento da ofendida do lar (sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos); e determinação da separação de corpos.

Ainda em relação à ofendida, mais especificamente visando à proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, em caráter liminar, as seguintes medidas: restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor; proibição temporária para a celebração de atos e contratos em relação à propriedade comum; suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor e prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. Anais do XVI Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

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Por fim, o artigo 9º da Lei Maria da Penha prevê medidas assistenciais, tais como a inclusão da mulher no cadastro de programas assistenciais do governo ou até o acesso prioritário à remoção quando servidora pública ou mesmo a manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

Nota-se, então, que todas as medidas protetivas, tanto as dirigidas ao agressor, quanto as dirigidas à vítima e as assistenciais buscam preservar, em especial, o direito à vida, bem como o direito de não discriminação perante a lei, ambos reconhecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Desta forma, nota-se que a dignidade da pessoa humana é observada quando se trata das medidas protetivas de urgência, visto que a mulher encontra, na Lei e no Estado, respaldo para denunciar e levar uma vida sem violência de gênero e com seus direitos humanos preservados.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante o estudo das medidas protetivas de urgência, sob o olhar da dignidade da pessoa humana e dos direitos humanos, pois, apesar das diferentes nuances que os envolvem, a pesquisa acaba por se apresentar de forma mais completa.

Como cediço, em um período no qual se buscava mudar todo um pensamento aceito, à época, na maioria dos países, que era o da dicotomia moderna, que colocava a mulher como pior que o homem, a luta feminista começou a ganhar espaço, a fim de conquistar a igualdade material, sendo a Lei Maria da Penha fruto de muito esforço das bravas lutadoras no âmbito internacional e nacional.

Em outras palavras, a fim de dar efetividade à intenção de proteção das mulheres, a Lei Maria da Penha previu a possibilidade de decretar medidas protetivas de urgência em favor da vítima e de seus familiares.

Mesmo assim, apesar de toda a tentativa que se tem feito de proteger a mulher de violência de gênero dentro de seu convívio, é importante ressaltar que um grande número nem sequer denuncia ou requer medidas e, a “ponta do iceberg” que denuncia, acaba por não ser satisfatoriamente atendida em algumas oportunidades.

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Daí porque o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher ainda tem de ser tão fortalecido pela comunidade internacional, por meio da elaboração de convenções e pela criação de órgãos fiscalizadores, e, no Brasil, que é um país com alto índice de violência doméstica, passou a ser mais veementemente combatida na última década, por meio da internalização de documentos internacionais e da criação da Lei Maria da Penha.

A luta, contudo, deve aumentar e jamais pode parar, até que haja uma mudança de paradigma quanto à igualdade de gênero, o que só poderá ocorrer com o empenho da comunidade internacional e do Brasil para enfrentar e reprimir essa prática com políticas públicas eficazes.

6. REFERÊNCIAS

AGUIRRE-PABÓN, Javier Orlando. Dignidad, Derechos Humanos y La Filosofía

Práctica de Kant. In: Vniversitas, Bogotá (Colômbia), nº 123, f. 45-74, julio-diciembre de

2011.

AVANCINI, Helenara Braga. A dignidade da pessoa humana e a incorporação do

direito internacional dos direitos do homem no direito interno luso-brasileiro. In:

PIDCC, Aracaju, Ano II, Edição nº 04/2013, p. 76 a 98 (outubro de 2013).

BARSTED, Leila Linhares. Lei Maria da Penha: uma experiência bem sucedida de advocacy feminista. In: CAMPOS, Carmen Hein de (org). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, pp. 13-37.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 1909; tradução de Carlos Nelson Courinho – Nova Edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

CAMPOS, Carmen Hein de. Teoria Feminista do Direito e Lei Maria da Penha. In: CAMPOS, Carmen Hein de (org). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, pp. 1-12.

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 10ª edição comemorativa. São Paulo: Saraiva, 2015.

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DIAS, Maria Berenice; REINHEMER, Thiele Lopes. Da violência contra a mulher como

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Referências

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