• Nenhum resultado encontrado

Quando-Os-Lobos-Uivam-Aquilino-Ribeiro.pdf

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Quando-Os-Lobos-Uivam-Aquilino-Ribeiro.pdf"

Copied!
166
0
0

Texto

(1)

Quando os Lobos Uivam Aquilino Ribeiro BERTRAND EDITORA

Digitalização e Arranjo Júlia Vieira

Este livro foi digitalizado para ser lido por Deficientes Visuais

OBRAS COMPLETAS DE AQUILINO RIBEIRO QUANDO OS LOBOS UIVAM 9.ª Edição

BERTRAND EDITORA VENDA NOVA 1999

© 1963, by BERTRAND EDITORA, LDA., Lisboa Direitos de tradução e reprodução reservados

Impressão e acabamento: GRAFITEXTO em Maio de 1999

Comece o seu inquérito por Aquilino. É um inimigo do regime. Dir-lhe-á mal de mim, mas não importa: é um grande escritor.

António de Oliveira Salazar

...como as estrelas na corte celeste e os vidros no caleidoscópio, caem as suas palavras sempre justas em seus inesperados desenhos, misturados calhaus e pedras finas, densidades e luzes, em estruturas súbitas e poderosas.

Cecília Meireles

Aquilino, que veio dos contrafortes da Beira até à Sorbonne de Richelieu, numa curva ascensional, é hoje um dos maiores escritores de raça latina, pela altitude da sua criação, pela sua intensidade verbal, pela

introspecção das suas personagens latejantes de portuguesismo. Correia Da Costa

Se Maria Benigna tem a data: Vigo, 1931, Antecipação é datada:

Romarigães, Setembro de 57. Estes vinte e seis anos parecem ter decorrido como os mil da lenda do Monge e do Passarinho, isto é: como se nada

(2)

fosse. A prosa é a mesma brilhante armadura de sempre a revestir um

corpo, não diremos jovem, mas viril, em plena pujança, a ressumar seivas, pronto para todos os combates, sob o signo de Marte ou de Vénus, pela liberdade, que é espírito, ou pela volúpia, que ó o corpo divinizado. Jaime Brasil

Assim eu o vejo arrancado da terra, igual ao povo, e ao pélago da vida, escorrendo húmus e seivas abissais, enorme e agreste, crispado e

inebriado pelo óculo das alturas. Jaime Cortesão

Creio que até os que pessoalmente menos estimam a arte de Aquilino (e, em se tratando de preferências pessoais, sem pretensões a crítica, decerto pode cada um ter as suas) nele sentem um Mestre.

José Régio

Aquilino, clássico vivo, mestre admirável, ainda agora, com a Casa Grande de Romarigães, levantou um monumento imperecível à glória da língua

portuguesa. Júlio Dantas

Desde o Jardim das Tormentas, que data do ano de 1913, até à Casa Grande de Romarigães, uma das últimas obras e talvez a mais prodigiosa pelo saber que tem a sadia vetustez, ao sabor ganho no ofício, desde a

primeira à última página, o caminho percorrido é como um largo e luminoso rasto de beleza, de energia criadora, de originalidade incomparável, de varonia pelos próprios, actos nobilitada, decerto um dia madre de uma nova estirpe.

Manuel Mendes

A prosa aquiliana tem ganho com o tempo a nobreza de um bronze antigo, e a obra com ela construída ergue-se perante o futuro como monumento

esplêndido da arte literária em Portugal. Raul Rego

A força, plástica e musical do mundo aquiliano é admirável. A serra portuguesa, a aldeia patriarcal, o rebanho transumante vivem nos seus livros como a vida flamenga e holandesa nos quadros dos grandes pintores dos Países Baixos.

Vitorino Nemésio

Ao Dr. Francisco Pulido Valente

O meu dia caminha para o ocaso. Dei bem conta quando cheguei ao fim deste trabalho. O amor, razão primordial de tudo, alegria do mundo, encanto da

(3)

obra de arte, força da natureza, divindade munífica que dotou o grilo com a caixinha de música que lhe vemos às costas, e a borboleta com o motor subtil com que voa da couve galega para uma rosa, passageiro ou apenas fortuito papel desempenha nas suas páginas. É a seiva criadora em transe de estancar.

Todavia continuo a produzir como se me penetrasse um ardente e fecundo Verão. Obriga-me uma espécie de sina, e fugir-lhe seria negar-me. Por isso hei-de morrer com a enxada em punho.

A meia grosa de livros que escrevi foram de facto para mim, em tanto que obra de criação e exalçamento, como igual número de vinhas que plantasse. Nesta faina exaustiva tive de desatender à vida de relações, não cultivar como devia a amizade, remeter os meus à vis própria quando poderia com um pouco de arte, salamaleque, e o quantum satis da desvergonha cívica

nacional, consagrada e triunfante, guindá-los a ministros ou banqueiros. Permiti ainda, levado na minha obsessão, que os gatunos oficiais e de mister me metessem as mãos nas algibeiras, os pirangas me ludibriassem, e toda a canzoada humana me ladrasse impunemente. Numa palavra, a vida utilitária, o arranjinho, a conveniência mundana nunca me roubaram um minuto de labor.

7

Valeu a pena toda esta existência de sacrifício, de que ninguém se

apercebeu, que ninguém me agradece, de que aliás ninguém me encomendou o sermão? Em minha consciência não sei responder.

Nesta peregrinação a Compostela, que é a vida, esgotou-se-me o bornal de romeiro e a cabacinha, ou está por pouco. A jornada foi longa e muitos dos que tinham rompido marcha comigo ficaram no percurso, alma em pena e clamorosa. Alguns, vítimas pela liberdade. Quando teremos nós ensejo de prestar honras fúnebres a esses nobres caminheiros?

Dos poucos que vejo de pé, o Professor Pulido Valente é um deles. E antes de mais nada aqui rendo preito ao preux chevalier, que se traduz na

linguagem de hoje por gentil amigo. Eu me declaro orgulhoso de há dezenas de anos me ver a seu lado, homem forte que é, extremoso de solicitude, inquebrantável de carácter e sólido de espírito, embora na sua cabeça tenha pousado com a auréola do jubileu a primeira neve do Inverno. A prova do meu asserto está no vigor físico e mental que lhe permite prosseguir na mais intensa actividade, iniciada desde longe, através do longo magistério, nada menos de 35 anos, na Escola Médica de Lisboa, compreendido o entreacto em que dirigiu na primeira Grande Guerra um sector clínico do Corpo Expedicionário Português. Pulido Valente foi um dos que mais contribuíram a elevar a Faculdade ao nível dignamente europeu que manteve durante largo espaço, jamais atingido pelos

estabelecimentos docentes nacionais. Ali, devido mais que tudo ao seu influxo, formou-se um corpo de médicos, que são o escol do nosso meio. Era de prever que assim acontecesse com um mestre em que se conjugavam as qualidades sumas da inteligência, como poder de coordenar e de análise, intuição, essa filha primogénita do génio, se não indispensável, de importância primacial em carreiras do teor da medicina. Graças a esses dons, magnificados por uma vasta cultura, tanto literária como

científica, força de vontade, 8

instinto renovador e a mais invejável das memórias, era natural que exercesse o professorado com insólito sucesso. E de facto exerceu, com o

(4)

melhor fruto e exemplo. Nele, se por vezes acontecia mostrar-se

peremptório, nunca deixou de ser o mais compreensivo que é possível com os alunos, do mesmo modo que humaníssimo com os doentes. Uns e outros se consubstanciavam ao que a ética lhe impunha como capital na sua vida. Verdade que os estudantes o temiam, e temiam-no quanto o consideravam. Temiam sobretudo não poder elevar-se à altitude que punha no ensino e, consequentemente, ao nível a que devia operar-se toda a praxis medical. Mas dada a proficiência e lucidez das suas prelecções — palavra límpida e sugestiva, raciocínio da lógica mais suasória — os receios depressa se dissipavam. Os seus discípulos haviam de ficar-lhe pela vida fora, além de discípulos, amigos leais verdadeiros.

Nada faltava a Pulido Valente para poder desempenhar à perfeição um grande papel na medicina portuguesa e seu magistério. O que o professor da Faculdade de Medicina de Estrasburgo, Leriche, chamou «casos

privilegiados» ninguém como ele sabia discerni-los no meio, não raro, duma sintomatologia complicada, com fazer ressaltar por vezes o ponto em aparência insignificante que encerrava a chave do problema. Nesta

recherche de la vérité aconteceu-lhe colocar-se em oposição, singularmente, com tal e tal conceito estabelecido.

Que as suas atitudes clarividentes e revolucionárias lhe criassem incompreensões pouco o incomodava, de resto. Na carta do professor Wohlwill a Pulido Valente, publicada no Livro de Homenagem, lê-se: Uma pessoa da sua índole não podia deixar de ter inimigos, e este conceito vale uma escritura. A escola, para ele, foi sempre, porém, terreno neutro quanto a política. O seu escopo essencial estava em subir o nível da cultura médica, começando pelos discípulos, e nesse empenho procedia como quem exerce um apostolado sem se importar com o resto, chuva ou vento, reacções e entraves.

9

A vocação didáctica sacrificou em Pulido Valente o cientista, como não podia deixar de ser. Iahnel, sábio biologista de Munique, autor de

trabalhos muito falados sobre sífilis experimental, dizia ao Dr. Oliveira Machado, um dos discípulos dilectos de Pulido, a propósito da notável tese que o seu mestre apresentara a concurso sobre paralisia geral, que era pena que o autor se não houvesse consagrado à investigação.

Investigação? É sabido que o nosso meio não é favorável à vida

especulativa mormente no domínio das ciências. Por falta de aptidão dos portugueses? É discutível. Toda a actividade dentro da família humana supõe uma experiência, sucedendo-se como os elos na cadeia. Mas os

laboratórios e sua custosa instrumentação estão banidos dum país que anda descalço. E que galardão compensaria entre nós uma existência de

sacrifício, que tal é a dos que se dedicam a semelhantes empresas, de que o indivíduo acaba possesso, endemoninhado contra a família, a vida de relações, os interesses elementares? E mereceria esses holocaustos uma sociedade que aceita viver há tanta soma de anos no fundo duma cisterna? Apartado tão estúpida como iniquamente da cátedra, Pulido Valente que criou em Medicina uma moral superior, e é certo que na vida das relações outra, a da vera e combativa dignidade humana, continuou fora da Escola a sua obra maravilhosa.

É particularmente ao amigo e ao homem enamorado das artes e letras, cultor exímio de música no seu lar, lido em todas as literaturas, que eu consagro este romance mal alinhavado. Admiro a sua irredutível

compleição, intransigentemente liberal, que nada faz arredar da linha da firmeza e coerência que se traçou. Admiro não menos em si o alentejano da

(5)

fronteira, erecto de cabeça como de consciência, caldeado de sangue espanhol, que, todos reconhecem, avulta corno o representante duma altivez ibérica que vai passando à história. Incapaz de seguir por trilhos ínvios, na vida particular e não menos na vida política de que tem sido mais o espectador puro, ideal mente interessado,

10

do que militante afogadiço, ninguém o supera na bondade e altruísmo. Os amigos são objecto, a cada momento, da sua extremada e rara dedicação. Que horas de carinho e angústia não passou à cabeceira de Carlos Amaro, Bento Caraça, José Cutileiro, Carlos Olavo, naturezas superiores?! Quanto lhe devem, além dos colegas e amigos de todo o quadrante, cá os da sua roda, e que lhe não devo eu?!

Pulido Valente é ainda o homem de são conselho e rectilíneo proceder na plana social. Nesta hora, em que andamos todos com grilhões nos pulsos, fique o seu nome como o de Hermes no marco miliário da estrada e a

legenda: adiante, e consideremos que para chegar a bom termo da viagem é preciso ser livres!

Lx. Dez. 1958. 12

I.

MANUEL LOUVADEUS de um galão subiu os degraus. Em cima, no patamar, topou a porta fechada e deteve-se, quando ia para bater, como quem toma fôlego. Com a breca, achava tudo tal qual! Os dez anos de ausência apagaram-se como um sopro perante a obsessiva eternidade que se lhe oferecia ao lance de olhos. Tudo na mesma, a velha aldraba, puída de tanto se lhe pegar, o espelho da fechadura escantilhado a uma banda, a couceira de lenho

fibroso e terso, não chamassem ao castanho os ossos de Portugal. Quer à roda, o alpendre de telha-vã e os esteios esgrouviados, a pedra negra da parede em que o musgo pastava seus herpes lucilantes, e ainda o silêncio, ah, este silêncio da moradia rústica, a desoras, humilde, suspicaz e atento como um rafeiro no ninho, quer por largo, os carvalhos do vale e os telhados próximos, se envolviam na antiga paz vesperal do céu e da terra,

13

fusca e intáctil como a cobertura duma gare. Que distância, anos e anos que correram na levada do tempo, e as coisas conservarem-se ali

iguaizinhas, estáticas, teimosas no seu ar de encantamento! Talvez mais velhas... Sim, mais velhas, ferradas mais fundo pelos dentes da morte e a despenhar-se na voragem como as telhas do beiral. E haviam, porventura, de resistir aos vaivéns mais que o coirão de um homem, entretanto que se fartava de dar tombo por esses mundos de Cristo?! Este sentimento, a transudar amargor, acabou por confortá-lo e absolver a pobre casa da sua inalterável fisionomia.

Tornou a olhar para a aldraba. Bato, não bato, que é o que me prende os dedos? —ouviu uma voz... a voz de Filomena, e estacou.

Era lua cheia, pelos fins de Março Marçagão, na altura do ano em que os dias são iguais às noites, e pelo tinir dos garfos e pausas intermitentes assentou para consigo que estavam a cear. — Miga bem a tigela ! — dizia a

(6)

voz materna, amorável no seu sotaque ralhado. — Miga bem, Jaime, que só tens caldo ! Depois as vozes calaram-se. Ressoam assim os córregos quando descem das serras e tropeçam nos seixos solevantados. Mas ele que tinha que especular?! Decidiu-se. Bateu uma... duas... três vezes, e postou-se, parado, à escuta, como os mendigos depois de rezarem o padre-nosso

14

Mentalmente pôs-se a orçar o tempo que ia passando pelo tempo que

levariam a apreender o apelo, a erguer-se da esteira, a poisar a malga, e a abrir-lhe a porta. Demoravam-se... Pareceram-lhe delongas a mais. Não teriam ouvido! Considerando afinal que as pancadas, percutidas frouxas e irresolutas, não se tivessem imposto à atenção, martelou rijo e afoito. Agora sim, uma voz juvenil, abelhuda, destas que no cortiço estão sempre prontas a acudir ao rumor, ergueu-se:

— Quem está lá? — Gente...

Notou que o silêncio, um silêncio precaucioso, enchia a casa como a luz da candeia que se acende no escuro. Um segundo... dois... três, nem que passassem as alpoldras dum rio. Então Filomena não reconhecia o metal da sua voz?! Que não lhe havia de parecer de todo estranho, estava em que lhe ouviu proferir subitamente e de afogadilho:

— Vai ver quem é, Jorgina!

Sentiu correr o fecho, e Manuel Louvadeus empurrou a porta. E, sem aguardar sequer que se abrisse de todo, mal lhe ofereceu passagem, de ilharga, quase acotovelando a moça, entrou com uma golfada de vento. Estavam, como palpitara, de malga em punho à roda do lume. O cepo ardia ao fundo na pedra lar e a sua lumalha verde descompunha a claridade da candeia

15

que voltejava ao centro na ponta do nagalho. Viu a todos suspensos. A mulher olhava para ele, atónita. Os filhos olhavam para ele sem o conhecer, pudera! O gato maltês, com o espalhafato da entrada, cobrara medo e pinchara assarapantado para um canto, donde o observava com pupilas a fuzilar de cólera e inquietação. E Manuel Louvadeus, risonho, sem os deixar respirar, lançou de chofre por cima de suas cabeças

perplexas:

— Santas noites lhes dê Deus!

Só então Filomena pulou na esteira. Muito pesada tinha a rabadilha! Pois a ela, que era perra fina, não devia saltar ao entendimento que um homem com aquele rompante, aquele traje, em cabelo, não era senão o seu homem que voltava?! Seria que a penumbra da casa o desfigurasse! Qual! De relance, um relance de nada, notou que ela estava ainda a afirmar-se, dir-se-ia incrédula ou meio timorata, olhos postos nele mais fixos que os tições no braseiro. E foi como se lhe dessem com uma moca. Caramba, assim estaria mudado!? Não, não tinha desculpa que, embora andasse há uns dez anos pelo mundo, sem que há uns seis desse novas nem mandatos — morreu, está preso, mataram-no — por muito, mesmo muito que os trabalhos e o trópico picassem a fisionomia de um homem, o coração lhes não advertisse logo quem ali estava. E, cheio de ressentimento,

16

(7)

paletó e pôr à mostra o lanho que uma gadanha antiga lhe deixara no braço: sou o Manuel Louvadeus ou quem sou? — quando ela se atirou para ele:

— Ah, marido da minha alma!

E, ao passo que se lhe enroscava ao pescoço, desengonçada e temível como a onça, gemia num ricto de angústia e vexame:

— Que tonta eu sou que te não reconheci logo à primeira! O coração bem me dizia que eras tu! Mas quem o havia de crer, mudado como tu me vens?! Quem o havia de crer depois de tantos anos sem dares sinal de vida!? E, a esconder a vergonha, abraçava-o tão abraçado, que toda a sua cabeça se lhe amassagou contra o peito mamaçudo, sob a asa do lenço de ramagens, que se lhe soltara do queixo. Coitada, tresandava ao fumo da lareira e ao feno! E tal impregnação bastou para ressuscitar nele os odores antigos, subir-lhe ao olfacto dormente o aroma da caçoila familiar e da casa paterna, e reviver a lida com pai e mãe, a trabucada dos estábulos pelas sementeiras, aqueles estábulos onde antes de casarem muitas vezes se encontraram a horas mortas. E instantaneamente a sua imaginação desferiu voo para outro quadrante. Bons tempos: raparigas em barda, saúde, sol, a mão calejada do rijo cabo da sachola,

17

sim, mas satisfeito com um pataco no bolso para cigarros e o seu quartilho. E que mais ! ? Depois, outra volta à. imaginação, e, por

contraste, perpassou-lhe diante dos olhos Mato Grosso com a lava infernal dos garimpos, as pirogas dos rios de águas verdes improfundáveis, o

silêncio das catingas em que o sertanejo, sozinho debaixo do sol a pino, se afoga como num mar morto, o sócio, ladrão na quinta casa! Que

relâmpagos na cabeça dum homem!

— Toda a gente a dizer-me que tinhas morrido, que nunca ninguém mais te vira, que botasse luto e te fizesse os responsos... e o coração a dizer-me: não, o meu homem é vivo. Se não fosse vivo, a alma tinha-se botado cá do outro mundo a dizer-mo! — e lambuzava-o com os grandes beiços

amorosos, húmidos como uma esponja empapada de água salgada.

— Está bem, mulher, está bem! Deixa-me... Olha que me esganas... O pai? — O pai está rijo e fero.

Ia fazer-lhe outra pergunta, quando pela espalda desabou sobre ele, rosto, lábios, cabelos de que uma melena fugia para a testa, uma haste florida que adivinhou ser Jorgina.

Ah, pois não tinha ela também os seus direitos? Tinha e ainda os não usara. Um minuto ele a vira meio indecisa. Notou que se pusera a identificá-lo

18

e não quis interrompê-la na operação. Então seu pai era aquele homem de ar exótico, lurido do clima, tocado na figadeira, com um traje diferente ao da terra, sarja azul tão lustrosa que lhe devolvia a tinta dos olhos, relógio de prata em pulseira de oiro, sapatos amarelos, esta espécie de sapatos meio pantufos, que parecem botas de elástico aparadas por baixo do tornozelo, e ele comprara em Asunción?! Por uma nesga, dir-se-ia, da consciência seguira todo o desdobre da fita sentimental. E, zás, vencendo o acanhamento, eis que ela se lhe atirava ao pescoço. Sorrindo à amorosa freima, Manuel Louvadeus apenas sabia dizer-lhe:

— Que moça você está! Que moça!

(8)

Lembrava-lhe, fragrante e risoteira, a flor dum cacto, de certos cactos martirizados dos chapadões incandescidos, que desatam numa flor tão bonita que fazem pasmar os ares e chamam todos os moscardos à volta. — Que moça você está!... Este é o mano ?

O mano tinha posto a tigela na pilheira e esperava de pé, os braços a escorrer pelas ilhargas, que o pai se dignasse deitar-lhe os olhos. Mas já ele erguia as mãos:

— A bênção, senhor pai... 19

Manuel Louvadeus enterneceu-se com aquela prática à antiga da rendição filial e, ao mesmo tempo que admirava a valente racha, cobria-lhe a cabeça com a mão, olhos embaciados de lágrimas, não achando outra palavra:

— Seu capoeira !

— O avô? — perguntou-lhe pela segunda vez, ao cabo da grande pausa que se seguiu.

— O avô está rijo e fero — respondeu ele, repisando as palavras da mãe. — Já não é criança...!

A exclamação diluiu-se no silêncio, sem eco, desprovida de sentido temporal. Olhavam muito estranhos uns para os outros, ele possuído da estupefacção involuntária de se ver ali e de os ver, ao contrário do resto, bem mudados, eles da sua imprevista e surpreendente presença. A candeia, bafejada pela aragem que se coava da telha-vã, passeava deste para aquele o seu espectro facecioso, carregando-lhes as feições. Foi ao envelhecer mais o pai, que Jaime acordou:

— Pois não, mas é como se fosse. Entrou há muito na casa dos setenta. Olhe que é ele que faz a lavoira quase toda da Rochambana. Eu mal lá meto o arado. Ainda hoje pega dum saco de dez alqueires pela boca, dá-lhe o balanço, e atira com ele para as costas.

20

— Mas sempre aflito de génio — interpôs Jorgina.

— Quer saber, senhor pai? Doía-lhe um queixal. Em vez de ir ao barbeiro que lho tirasse, não senhor, atou a ponta duma guita a um prego, outra ponta ao dente e, zás, deu tal safanão, que lá o botou fora. Foi o primeiro. Tinha raízes que nem uma giesta! Fartou-se de deitar sangue. Vimos modo de não haver nada que lho vedasse...

— Homens assim estão-se a acabar! — proferiu Manuel Louvadeus.

— Já não quero que haja — tornou o filho.— E correr? Outro dia, pelas neves, atirou a uma lebre. Partiu-lhe a perna. Pois deitou-se atrás dela e foi apanhá-la meia légua mais longe. Dizia o Caxarreto caçador: às vezes as lebres com uma perna partida até escapam aos cães. Um homem danado! Lá está para a Rochambana...

— Sozinho...?

— E não tem medo. Tirá-lo de lá é tirar-lhe a vida — disse Jorgina. — O pai já ouviu que nos querem roubar a serra!? Por esses povos fora, não se fala noutra coisa. Vai correr muito sangue.

Com decantarem os filhos os feitos do avô, tinham-se relaxado as efusões de Filomena. Ela agora recuava o rosto para ver Manuel Louvadeus a seu cómodo. Ele, por sua vez, contemplava-lhe com certa pena e engulho a cara coberta de rugas, sem um

(9)

dente à frente, o que lhe desfeava a boca. Demais de feia, pareceu-lhe decepada. E ambos que outra coisa eram senão ruína!? Coitaxana, fitava-o, e na sua confusa sentimentalidade não sabia se havia de rir se chorar. A ele davam-lhe ganas de tornar para Mato Grosso, afundir-se pelo chão abaixo, não ser o Manuel Louvadeus, burro das desgraças, virar a jagunço, e levar tudo raso à boca de pistolão. Porque não era um nababo certo com dois ou três arranha-céus no Rio ou em S. Paulo, talho ou duas ou três padarias na Rua da Carioca a render para o meço! Isso ou voltar para a terra, a ladrar como um cão num oiteiro: Sou rico, muito rico, o que é, a riqueza ficou-me no meio do mato! Mas lá está! Juro-vos que está!

Filomena agora aproximava a cara da sua, como se só assim, dada a luz froixa da candeia, aquelas pupilas, tão azuis e tão finas que nunca ele tivera pensares, por muito secretos, que não desvendassem, só assim conseguissem ler o seu drama. Quando se deu por inteirada, talvez desgostosa com o que lera, as pálpebras fecharam-se-lhe dolorosas ou sovacadas de ânsias, que ele estava a ver acumularem-se, como nuvens de procela interior, tangidas por mau pensamento. Tornaram depois a abrir-se, tornaram a fechar-abrir-se, e ergueram-se por fim, tais válvulas de sola oleosas e gastas, a dar vau ao choro desfeito. E entre soluços

entrecortados choramingava: 22

— Aqui te tenho, homem da minha alma! Aqui te tenho. Graças, minha Nossa Senhora dos Aflitos! Mas tu vens bom?! Esfalcaram-te as consumações! Fora isso, vens tal-qualzinho. Ai, eu é que estou para aqui um caco, uma

rodilhona da lida e mais lida!

E, enquanto a filha tinha nos lábios um sorriso contente, um sorriso pássaro da selva a esvoaçar, e o filho conservava o ar aprumado de plantão, continuou na lamúria:

— Tanta gente a dizer-me que estava viúva, que te fizesse o bem de alma, e o coração a jurar que estavas vivo! Tanto chorei, tanto rezei, que o Céu ouviu-me. Aqui te tenho, marido da minha alma!

— O pai acreditou? — perguntou Manuel Louvadeus.

— Acreditou, quê! — exclamou Jorgina. — Não, o avô nunca acreditou. Tanto ele como o Dr. Rigoberto riam-se mesmo de quem se saía com a parte... — Como vai ele, o nosso Dr. Rigoberto?

— O Dr. Rigoberto está bom — respondeu Filomena. — Os do Governo têm-lhe feito muitas poucas-vergonhas. Levaram-no preso, mas tiveram que o

soltar, que ele também tem amigos. Depois prenderam-lhe os filhos, e ele, ao fim dum tempo, lá os tirou da cadeia. Parece um carvalho dos montes. Nada lhe mete medo. Olha, faz o bem que pode.

23

Também cá pela serra ninguém toma outro advogado. Ele aqui dita. Não dita leis, leis, mas o que ele diz é o que se faz. Todos aqui no povo metem as mãos no lume por ele, é só mandar.

— Então o Dr. Rigoberto não acreditava que eu tivesse morrido?...

— Não, esse não queria ouvir dizer que tivesses morrido. Quando o levaram preso, viu-me a chorar. Julgou que era por ele. E também era por ele, pois não era, que sempre foi nosso amigo! Mas lá lhe disse que não tinha notícias tuas... que não sabia o que havia de pensar. Voltou-se para mim: — Descansa, rapariga, o mundo dá muita volta. Nem eu me vou ao fundo, nem ele morreu. Torno, pois não torno, e um dia hei-de ter o prazer de

(10)

abraçar aqui o teu homem. Mas tu vens bom, marido da minha alma! Eu é que estou um caco...

Era a segunda vez que o dizia e Manuel Louvadeus, perante aquela mulher de génio frenético, que apenas guardava um luaceiro da graça primitiva, protestou que não, que estava a mesma. E movido por um rebate de

consciência — um silêncio de tantos anos não podia justificar-se pela distância a que ficavam Cuiabá e o Coxipó, lá no calcanhar de Judas, se se lhe não juntasse boa dose de desleixo e fatalismo de pobre diabo, empolgado pela febre de cavar a vida, não falando no prazer mórbido que os malditos haurem da renúncia,

24

gerador de inconsciência — apertou ao peito, dum lado, a mulher, gasta, mas de estrutura sólida como os troncos dos pinheiros, do outro a filha, perfeita madrugada. Reparando depois para Filomena, cabelo sobre o riço e grisalho, mais acutângulo o rosto e as cordoveias a trepar no pescoço como lianas por um ipé, os ossos a fazerem promontório por detrás da pele arregoada, doeu-lhe a alma, e um soluço subiu-lhe à garganta:

— Nem um instante deixei de vos trazer na minha companhia. Você acredita, mulher. Às vezes o coração me andava tão negrinho, tão negrinho, que tudo para mim era noite cerrada. Mas tu estás boa! Mesmo boa...! Pouco

envelheceste...

Filomena, felizmente para ela, ver-se-ia raras vezes ao espelho e acreditava. Pois acreditava e ela, que até ali tanto chorava como ria, exultou com a ideia de que não tivesse sofrido quebranto o lume de formosura e exprimiu-o com disfarçado mas risonho requebro:

— Pois, graças a Deus, andei sempre de saúde. Olha, homem, atravessei como S. Ludovico o inferno sem me chamuscar. Assim ou assado, tudo é viver. O relógio do tempo vai dando horas. Enquanto os filhos não foram capazes de enxotar os porcos, vivi acalcanhada, mais acalcanhada que a erva dos caminhos. O passante põe o pé, vai para baixo; levanta

25

o pé, lá se revira, vingando-se à vida que Deus lhe deu, e não morre porque não quer morrer. Depois, quando pilhei os dois crescidinhos, meio teixugos, já pude dormir. Tanto o rapaz como a rapariga não voltam a cara ao trabalho. Mas são uns mafarricos — e olhava amorosamente para eles. — O Jaime lá tem o seu génio... há-de moderar-se com o tempo... Fez-se uma pequena pausa, cada qual reimerso no mar de coisas que trazia no peito. Veio o gato, de rabo no ar, roçar-se às pernas de Louvadeus como se também nele reconhecesse o seu senhor e amo, e quisesse fazer as pazes, ou afirmar-lhe que não tivera medo. O cepo, rilhado pelo fogo,

estralejava. Foi Filomena que, em voz tremente, se alçou de novo sobre o pélago:

— E como te correu a vida, homem? Correu-te mal! Sabes que mais, com dinheiro ou sem dinheiro, cá nos havemos de governar.

A Manuel Louvadeus doía-lhe que a sua pessoa incutisse ideia de miséria e ia a retorquir que ganhara boa massa, quando bateram à porta. A mulher, ao ver-lhe esboçar uma topetada de arrelia com a cabeça, carregou o

sobrolho. Deixa bater. Tornaram a reboar os golpes: truz, truz. Sussurro. Mais truz, truz. Chamaram:

— Manuel...! Filomena...! 26

(11)

Era voz conhecida — o compadre Justo Rodrigues — a quem se não podiam negar. Pressentiram que trazia atrás uma mó de gente, curiosos uns, noveleiros outros, que o vinham saudar. O Vicente, que lhe oferecera uma boleia na camioneta de carga, passara palavra, e meio povo estava ali botado. Que remédio senão aparecer! A Jorgina abriu ao açude. À frente, de facto, rompia o compadre Justo. Fazia pouca diferença: mais gordo, com as belfas puxadas para a barbela, sempre a arrastar a perna direita, mais comprida que a esquerda, pelo que o alcunharam de Perna Marota. Vinham com ele o tio Zé Grulha e o tio Caries, mirrados, comidos do surro e da velhice, e o Augusto Finote, alontrado. Vivas e mais vivas, o Justo falou das novidades da terra e por fim da rixa do Jaime Louvadeus com os

Lêndeas:

— Tens aqui um homem! — proferiu, indicando o moço. — Os Lêndeas são pimpões e mau gado, mas encontraram quem chegasse para eles.

— Eu já sei — disse Manuel Louvadeus, de fisionomia sombreada. — Contou-mo o Luís Barbadinho em Lisboa, na Pensão do Álvaro, antes de tomar o comboio. Os Lêndeas apanharam-no no meio da serra sozinho, não foi? e caíram sobre ele para o desancar. Por modos, a briga começou com uma paulada que aqui o Jaime lhes deu no cachorro...?

27

— Sim, foi. Foi por causa do cão. Por causa do cão, hum, e pelo mais — corroborou Jaime com transparente secura.

— Iam-se esfandegando — tornou Justo.

Nem Filomena, nem Jorgina despregaram os lábios. Olhavam para o lume, como se tivessem a peito alhear-se do assunto.

— Bah — exclamou Jaime em tom ligeiramente de alarde, mas que se via ter em mira atupir aquela vala que era o silêncio que se fizera. — Paguei-me... andou! Com águas passadas não moem moinhos. Não se fala mais nisso. Decorreu outra grande pausa, cheia de reservas e inferências mentais duns e doutros. Quando na embrenhada floresta deixaram de soprar os ventos contrários, proferiu Louvadeus:

— A justiça não meteu a pata?

— Não meteu — disse Justo. — Faltavam as testemunhas. O barulho passou-se na Corga, nos altos, ao ir para Valadim das Cabras, onde não botam os rebanhos de Inverno. Os carros é que vão lá carregar mato. Não admira que não andasse ninguém por ali. O Bruno foi a terra... Chegaram a levar-lhe a extrema-unção à cama. Cá este pimpão rodou por seu pé para casa. Vinha com a cabeça rachada, mas nem ao médico quis ir. Por isso lhe ia saindo caro. Agravou-se-lhe a brecha da cabeça e esteve por um

28

cabelo à beira do cachafurdo. Ele que conte... E que me dizes, querem-nos tirar a serra...?

O Justo era um grande tagarela, não sendo para estranhar que desse notícias que competia à mulher e aos seus darem. Tornou Louvadeus: — E cá a falperra ?

A falperra, mal. Àquela altura já se havia de andar a semear o milho nas terras de sequeiro, mas o codo não o permitia. O calendário há muito que não regulava. Noutros tempos, chegado o mês da Páscoa, cantava o cuco e recantava. Quem o ouvira? O solo não produzia, cansadinho, cansadinho a mais não poder! Chamavam a Portugal a nação das sete sementes como ao mundo de Cristo o mundo dos sete pecados. Qual, quando se semeava um

(12)

alqueire e se colhiam quatro, era um louvar. Também ninguém mais queria amanhar a terra! O solo era negro e sujava as mãos. A gente boa sumia-se na emigração. O que sobrenadava era o rebotalho. Pudera, tanto o

lavradorzinho da arada como o cabaneiro viviam frigidos com tributos, mais escravos que os negros. Davam de comer à cáfila toda. Sustentavam o fidalgo, o ministro, o doutor, o escrivão, o padre; sustentavam o

pedinte, o citote, o ladrão; desfaziam-se em maná, e ficavam nus e viviam nus que nem castanheiros depois de abanados. Queria saber o que lhes valia a eles e aos casacas? Era não fazerem contas.

29

No dia em que viessem a ajuizar quanto custava um bago de pão, acabava-se o mundo. Ah, isso acabava! Permaneceram mudos um pequeno espaço de tempo a reconhecer a roxidão do sudário. Depois, Justo interpelou com entono cordial:

— Olha lá, disse-me o Vicente que vinhas doutor...! Tu já o eras... Louvadeus sorriu sem fatuidade nenhuma.

— Por modos o padre de Urro, que trazíeis na vossa companhia, teve de meter a viola no saco quando se pôs a discutir contigo. Hã? Viste mundo... Estudaste...

— No sertão alguma coisa se há-de fazer. Sim, li para lá a trouxe-mouxe. Em Cuiabá havia um homem, um santo homem, que tinha um armário de livros e mos emprestava. Era naturalista e ia pelo mato com duas caixas. Numa metia os bichinhos, na outra as ervas. Algumas vezes fui com ele. Só a sua companhia instruía mais que uma aula de lentes...

Depois de o ouvir, abanar com a cabeça, aprobativo e encantado, Justo, vendo-o magro, com certa timidez nos gestos, disparou-lhe em rosto, para epílogo das suas demonstrações de interesse:

— Está bem, está bem. E money? Trazes money? Não trazes, escusas de mo dizer. É pena. Na tua casa, coitados, os abonos também não são grandes... 30

Louvadeus crispou os lábios, sem responder. Já lá faltava o estúpido com a mania de meter as mãos nos bolsos da gente! Esteve vai-não-vai para mandá-lo à tábua. Limitou-se a desviar os olhos, enjoado com a pergunta. Mas o bigorrilha, interpretando mal o seu acanhamento, reforçou o

diagnóstico pejorativo:

— O Brasil, sempre o tenho dito, é para quem é.

— Olha que novidade! Sempre assim foi desde que o mundo é mundo — comentou o Finote.

— Não basta ter unhas, é preciso manha — tornou Justo. — Sabes o que uma vez ouvi ao Contim, de Rebolide, quando lhe perguntei: A Banda de lá a você não o tenta? — Tenta, tenta — respondeu ele — mas a mim não me serve. E sabe vossemecê porquê? Não sou gajo. Um homem lá para remar tem que ser gajo. Não nasci com tais artes. É verdade que lá só os espertos é que ajeitam a vida?

Manuel Louvadeus, penetrando todo o subentendido, replicou com doçura: — Há de tudo, compadre, há de tudo. Também lá, entre portugueses e nativos, não tem conta a gente séria.

Suspenderam o colóquio, que crescia o monte, em geral engoiados nas

capuchas, raro este e aquele em mangas de camisa, ou mulher de xaile — as noites ainda iam frescas — e ele não atinava para onde

(13)

se havia de virar. E ali andava duns para os outros, de todos para a mulher, que o não largava agora na sua impaciência amorosa.

Atropelava-se gente no patim e tais olharapos, parados no vão da porta, nem deixavam entrar o ar que se respira. A luz era escassa, mas alteara-se a lua cheia e à sua claridade, lembrando-alteara-se dos velhos, fazendo-alteara-se lembrar dos novos, que deixara meninos, a todos ia distribuindo apertos de mão e abraços, consoante. Depois, passo à direita, passo à esquerda, viu-se estrada fora, com um grande rancho atrás, a caminho do Nacomba. Renovara o estabelecimento, tendo deitado abaixo a casa felugenta e erguido aquela de perpianho, com o reboco branco das juntas cortado à régua. O vinho baptizado dava para tudo. Sórdido, mas melhor cara. O Júlio Nacomba, por sua vez, mais barrigudo e importante, e sempre em mangas de camisa, tomentos, para não gastar a vestia.

À luz do petromax Manuel Louvadeus, espraiando olhos pelo adjunto, distinguiu os manatas com os cotovelos mais rotos e as joelheiras das calças mais empoladas. De ricochete ao que observava, sentiu de salto que, toscado e remirado no fatinho friorento e amarfanhado do Trópico, descia no crédito dos patrícios. Persuadiu-se mesmo que começavam a olhar para ele sem curiosidade. Depois, sem respeito. Embora não valesse a pena gastar cera — palavras, atenções,

32

salamaleques — com ruins defuntos, Manuel Louvadeus, chocado de tal

suspeição, rápida como o farpejar duma cobra, envergonhou-se. Se fosse de dia, ter-lho-iam lido no rosto. Toca a remar contra a maré:

— Deita vinho, seu Nacomba, deita! Não tem você biscoito?... Ah, tem bolos da Lapa... e bacalhau frito... Pois ponha bolos da Lapa e bacalhau frito. Ponha, ponha santa trincadeira... ponha tudo que tem...

Ao bródio foi acudindo gente da terra e de fora da terra. Bem sabia ele que não há, para ganhar a simpatia do serrano e fazer-lhe entreabrir a beiceira no franco sorriso fraterno ou exalçá-lo à simpatia e admiração, como uma saúde à boca das pipas. No seu tempo era ali que se selavam alianças para a vida e para a morte e se combinavam até cardanhos e cacetadas. E agora? Agora seria a mesma coisa, que a bola do mundo dava muita volta até uma costumeira se voltar da cabeça para os pés. Sim, senhores! À medida que rodava a caneca com o vinho do Távora, um vinho que arranhava o céu da boca blandiciosamente — aquilo o vendeiro acabara de lhe meter a torneira e não tivera ainda tempo de o baptizar — as línguas desentaramelavam. Veio a talho de foice a semeadura da serra dos Milhafres. Justo Rodrigues, um dos quarenta-maiores, agiota, marchante de gado e com vacas ao ganho em dúzias e

33

dúzias de presépios, que era o presidente da Junta, declarou, e a sua palavra fazia doutrina:

— Já disse, e voltarei a dizê-lo na Câmara segunda-feira que vem, que já fomos chamados: a serra é nossa e muito nossa. Queremo-la assim, estamos no nosso direito. Desta forma é que nos faz arranjo. Os de Lisboa querem-na coberta de pinhal...? Semeiem pinhal nos parques e jardins onde têm empedrado e relva só para vista. — Assim é-vos melhor, dá mais lucro — dizem eles. — Pois dará. São opiniões. — Admitindo que fosse certo, e ainda não o disse nenhum Salomão, nós é que a havemos de semear. Tudo o que seja para fora desta regra é roubo. A serra era de nossos pais e

(14)

avós, dos nossos rebanhos, dos lobos que no-los comiam, do vento galego que afiava lá pelos descampados as suas navalhas de barba. Pois então?! Chegou ali um homem de Corgo das Lontras: compra samarras. O Nacomba voltou-se para ele: — E a gente lá da terrinha que diz, tio João do Almagre ?

— Conho, que há-de dizer?! A serra foi dos serranos desde que o mundo é mundo, herdada de pais para filhos. Quem vier para no-la tirar, connosco se

há-de haver!

Um rapaz novo, de grevas, a mão no guiador duma velha bicicleta, atravessou-se à boca da taverna:

34

— No Labrujal, está toda a gente a postos. Tirarem-nos a serra é o mesmo que arrancarem-nos coiro e cabelo. Mas falam os trabucos, oh se falam! Estão prontinhos, carregados com sal e cacos de pote!

— Lá os meus rabosanos da Azenha da Moura andam a arder — disse Manuel do Rosário, ferreiro e velho amigalhaço do Louvadeus, ao tempo que riscava no rol a conta dum freguês que acabava de lhe pagar.

— Se nos privam da serra, como nos havemos de governar?! Temos então que nos meter a ladrões dos caminhos?!

— Ao Zé Liró, de Toiregas, ouvi eu que, venha lá quem vier, torna por onde veio a toque de caixa — tornou João do Almagre.

— A serra dos Milhafres há-de botar mais eco que Aljubarrota! — ouviu-se a um mocete de Rebolide da Veiga que trazia namoro em Arcabuzais.

Não compreenderam e passou sobre eles um silêncio oco, cheio de interrogações.

— Em Valadim das Cabras, Sr. Justo — proferiu um sujeito adiantando-se para a roda — os homens, dos dezoito aos trinta anos, fazem exercício tal qual os recrutas na parada. Só queria que os vissem bater o calcanhar! Um antigo cabo da armada

35

é o comandante. É teso e sabe-a toda. Até já arranjou carabinas! — Onde as foi buscar?

— Sabe-se lá! Chut. Ouvi dizer que eram dos trauliteiros e estavam escondidas num palhal.

Quem assim falava era o Joaquim Pirraça — aliás Piçarra — muito conhecido por aqueles sítios, cabreiro e negociante de cereais, a quem as andanças do comércio traziam de terra em terra, ora a cavalo, ora numa

fourgonnette que ele próprio guiava. Foram todos para ele de mão espalmada.

— Vem aí o João Rebordão que diga...

João Rebordão, de Parada da Santa, encarnava a chefia da revolta contra o florestamento da serra. Era um tipo de meia idade, peitaço amplo de

batedor de perdizes, assente em pernas que nem varas de calabre. Demais disso, pessoa bem relacionada e amigo do seu amigo. Com a moto a

petardear, estacara a dar o recado ao Justo:

— Disseram-me que estavas para aqui. Então o dito dito, na próxima quarta-feira todos na vila?

— Como um só homem!

— Rosna-se que o Barnabé Lêndeas anda para nos tramar, feito com o Dr. Labão. Não se pode contar com semelhante traste!

(15)

Brasil. Este era um bom elemento. 36

Há poucos tão bem-falantes como ele e é homem que sabe onde tem a cabeça. Seria bom puxá-lo cá para a patuleia...

— Chegou o Manuel Louvadeus? Onde está ele que o quero abraçar?

Já Manuel Louvadeus saía da taverna. Deram um estreito abraço. Trocaram suas cortesias, depois impressões. Rebordão inteirou-o da guerra em que se achavam envolvidos. Guerra de vida ou de morte.

— Manuel, tens de ser dos nossos...

— Sou, João, sou. Está aqui o teu cabo de ordens. Mas olha que a violência nunca leva a bom termo.

— Não me digas isso! Muito do que se faz, não se faz ao bem, faz-se ao mal. É velho como o mundo. A maioria dos reinos, das fortunas, dos senhorios, das dominações, foram construídos pela força e argamassados com sangue. É ou não é assim?

— E não brada aos céus que assim seja? — Os céus estão-se marimbando.

— Tudo é transitório...

— Deixa ser! O minuto para a nossa febre é longo como as léguas-da-póvoa. Contamos contigo. E vou-me lá que se faz tarde. Aparece na vila. Daqui vão o Justo e o Nacomba e não sei quem mais. Adeus, amigo!

Manuel Louvadeus entrou na taverna, cabisbaixo. 37

— Vai correr sangue, não haja dúvida — proferiu o Nacomba, que estivera a ouvir, dobando com a cabeça e arregaçando a beiceira. — Vai, vai! Se o Governo teima em meter aqui a pata, temo-la tramada ! Mas você, seu Louvadeus, está-se ninando. A Rochambana fica fora do perímetro. Cerce, cerce com a linha da demarcação pela banda do sul, mas fora. Trazem-na de olho por causa da fonte, mas isso de passá-la a bilhestres é lá com

vocês...

— A Rochambana é a minha chácara — proferiu Louvadeus com brincada firmeza na voz. — Nem sei se meu pai queria !

— O Teotónio!? Olha, olha! — emitiu o tio Carles em tom de meio sarcasmo. — Já lhe ouviram que o primeiro que se adiantasse de más tenções era o primeiro a patear.

— Quem lhas faz, paga-lhas! — corroborou o Justo.

— Com língua de palmo — disse o Nacomba. — Homem derrancado! Vocês não sabem o que se passou com o Manga Curta, o couteiro? Pois este ladrão, que só serve para desinquietar quem está quedo, levava-lhe um coelho e o ferro que o agarrou. Vai o Teotónio abispou-o a esgueirar-se. Correu-lhe à frente, de espingarda apontada ao peito: Ou pões aí o que levas ou estás aqui estás no inferno! O Manga Curta é farsola, pois até de joelhos se ia deitando.

38

— Ainda hoje, se é preciso esgalhar um pinheiro, sobe por ele acima como um gato — disse o neto.

— Onde deita a unha é dele — tornou o Nacomba. Falavam ao paladar de Manuel Louvadeus, que, embora homem cordo, não ficava indiferente às façanhas do pai. O velho era um bicho de respeito. E ele, desvanecido sem o dizer, fez sinal ao vendeiro que punha a pachorra toda a servir os

(16)

bebedores:

— Bota vinho, seu Nacomba, bota vinho! — E volvendo cara ao adjunto: — Muito me contam os meus patrícios. Sim, senhores. Lá na Rochambana não se toca. Quanto à serra, no geral, o Governo não procede bem em violentar as aldeias. Desgraçadamente, por toda a parte o povo é carneiro de tosquia. Mas também sucede ser criança, e não sabe o que quer, nem o que mais lhe aproveita. Estão certos vocês que ficam roubados? Não é para vosso bem que vem arado mecânico rasgar maninho?

— Qual nosso bem?! É para bem deles. Os pinheiros cortam-nos eles, quando forem medrados. As estradas que se propõem fazer pela serra fora só para eles é que servem. As casas constroem-nas para os guardas. Põem

telefones, mas é para uso próprio, prevenirem os postos se os mateiros andam à lenha ou lhes cortam uma estaca. Numa palavra, os benefícios só a eles beneficiam. Adeus, adeus, ali ninguém mais entra. Pior que a torre da Madorna! — arengou o moço que pouco antes citara a batalha de

Aljubarrota. 39

Ficaram outra vez calados perante os cadafalsos que se lhes erguiam no horizonte. Modo de se vingarem, bebiam. Saúde, mais saúde, alguns regougavam.

O setestrelo ia a meio quarto do céu e o cajado de volta. Um ventinho arisco ramalhava para os pinheirais.

As canecas de meia canada e os copos de quartilho prosseguiram numa dobadoira, umas cheias, outras despejadas. Nem pretos no alambique da cana! Como sempre, a goela do amigo serrano era um golfo que nada enchia. Também à força de molhar a boca e escabeçar as canecas, Manuel Louvadeus sentiu que a bebida lhe toldava o juízo. Mas o regalo de se ver na

terrinha natal, no meio da malta, acabou por fazê-lo esquecer de si e do mundo. Bebeu, bebeu, e daí a pouco não sabia a quantas andava. O chão dançava-lhe debaixo dos pés. Há uma motilidade nos ébrios fora do arbítrio, ou agindo com um arbítrio atenuado, que lhes faz desatar a língua e mover de modo mais ou menos lógico. Louvadeus tinha o vinho discursivo, menos, porém, que melodramático. Se lhe acontecia pôr a mão na consciência, para abalançar-se a altas

40

congeminações, mal disparatava. A testilha era com Justo:

— Não sabes nada de nada o que é a vida, compadre! És um bolas! Para ti a vida é enceleirar. Fácil operação! A vida, queres tu saber, a vida é ir pelo madeiro fora, por cima do rio, e não deixar molhar os atafais nem deixá-los levar à torrente. Mas se a torrente os há-de levar, alma até Almeida. Que fazias tu, Justo, se te visses senhor de rasas e rasas de oiro e ficasses dum momento para o outro depenado e sem coisíssima

nenhuma? Hã? que fazias tu, Justo, se te visses hoje um ricaço, e amanhã acordasses à dependura? Diz-me lá, qual era a primeira coisa que fazias, que sempre quero conhecer a têmpera da tua alma...?!

— É conforme, Louvadeus. Se me visse hoje pobre, e ontem rico, a primeira coisa que fazia era coçar a cabeça. Hem, como é que tinha sido?

— E depois?

— Depois não sei. Depois, tratava de remediar. Suponhamos que me ardia a casa, que havia eu de fazer...?

— E se te roubassem?

(17)

ladrão.

— Corria atrás do ladrão. E se o ladrão tivesse pés de cavalo? 40

— Ah, isso, sei lá o que faria... Se lhe pudesse mandar um balázio... — Mandavas-lhe um balázio. E que valia? Supõe que o ias pilhar com as mãos à dependura...

— Bah, não sei também o que faria! Uma entaladela boa não era coisa que não viesse a tempo. Não sei!

— Não sabes? Sabes, sabes, que és um fonas e onzeneiro. No fundo és tão malandro como esse que roubou. O que tu fazias sei eu, compadre Justo: se o apanhasses a jeito davas-lhe mais que uma boa entaladela... Mandava-lo para o maneta!

O outro pôs-se a rir para tirar o mordente às palavras tontas do Louvadeus, que já estava com um bom grão na asa:

— Talvez. Era um piranga a menos no mundo.

— Pois não devias matar ele. O homem digno não mata outro, nem que seja o mais refinado Caim. Não mata, não.

— Se é um paz de alma como tu!

— O homem honrado mata. Mas há outro que não mata. O homem honrado rege-se pela cartilha do padre, do juiz, do rico, e traz rege-sempre aperrada por baixo do gabinardo uma navalha de ponta e mola. São terríveis os homens honrados, e têm sempre por eles a opinião pública, Deus e a justiça! Os desgraçados e os infames para o caldeirão!

42

Ficou calado. Em volta bebiam e deitavam sentenças proporcionais. Um que outro apoiava. Um deles dizia:

— Se me roubassem o que tinha ganho com o suor do meu rosto, e eu caçasse o larápio, era também capaz de lhe tirar o chiadoiro.

O Manuel Louvadeus foi para ele, copo meio tombado a verter o vinho: — Matavas? Olha que matar um homem é coisa muito séria. Mesmo por justo desagravo é sempre vileza que brada aos céus. Tu matavas, moço, porque te tinham roubado o dinheiro e não passavas do pior dos matadores. Destruir esta máquina tão admirável que é a vida de um homem, uma máquina a que ninguém sabe dar corda a valer, tão perfeita se tornou, não há nada no mundo que o justifique. Sim, senhor! Por isso, estoirar com ela antes do tempo é grande pecado perante o sol, as estrelas, as serras ao longe a olhar para nós, os insectos, os corvos que passam no céu e podem ver, oh! oh!

Calaram-se muito azabumbados, que aquilo tinha ares de sermão. Não era preciso compreender tudo. Justo admoestou:

— Compadre, são horas de deitar.

Nacomba viu-se por sua vez obrigado a abanar a cabeça, admirado daquelas sentenças meio sibilinas:

43

— É homem viajado. Sabe! Sabe!

— Se calhar, torceu por lá o pescoço a algum pilho...— tornou o matador hipotético.

Justo, que era amigo vigilante, veio logo com o paládio:

— Qual, é falar por falar. Não vedes que o homem está tocado...?! Já não diz coisa com coisa...

(18)

O outro esboçou um esgar de incrédulo e Louva-deus, a quem não passou despercebido aquele meneio, foi para ele:

— Olha, moço, olha que estas mãos foram sempre honradas. Estão limpas de traição. Sangue quem o não tem nelas? Matei onça... matei fera... matei surucucu... matei animal daninho. Homem não matei. Senão, digam-me lá se se lhe compara matar bicho que é ao mesmo tempo onça, jacaré, surucucu? Os outros responderam à uma:

— Nunca as mãos lhe doam. Se matou um bicho desses, está muito bem morto. — Mesmo quis matar, e não matei. Não, senhor! Matou Deus por mim. Deus ou o Diabo negro.

Ficou a olhar para o copo que lhe dançava nas mãos. Depois, dir-se-ia que tomado duma decisão brusca, levou-o à boca e, como quem despacha um

remédio, virou-o de um trago.

— Matou-o Deus ou o Diabo negro com a minha faca... a minha faca de mato. Aí está o crime!

44

Entretanto, cansados com a arenga descosida de Manuel Louvadeus, Jorgina e o irmão tinham-se travado de razões a respeito da Rochambana: Havia vantagem em vendê-la, não havia? A Filomena, que acabara também por sair para a estrada, ouvia sem abrir a boca.

Vendo-se isolado, sem ninguém que lhe prestasse atenção, o Manuel

Louvadeus cresceu para o grupo onde se tinham pegado de ditos e razões e, como se se fizesse limpaça no seu cérebro dos fumos do álcool, pronunciou muito sensato, com pausa e repicado acento:

— Na Rochambana não se toca!

— Manuel — volveu Justo — vende a tapada que ficas rico... A Rochambana não te coube em sorte, por morte de tua mãe...?

— Coube, mas meu pai é que manda. Também não preciso da riqueza para coisíssima nenhuma. Sabes tu o que é a riqueza? A semente da leituga. Sopra-lhe o vento e cai onde calha e menos se espera. Cai tantas vezes nas mãos daquele que menos corre. Escapa-se frequentemente das mãos daquele que a leva agarrada. Assim me sucedeu a mim. Mas ela lá está no sertão à minha espera em dois palmos de mato!

— Então não se vende...

— Não se vende. Quero fazer lá uma casa — reatou Manuel Louvadeus num tom em que transluzia

45

pensamento reservado que trouxera a amadurar. — Uma casa para residir. No meio da serra, livre debaixo do Sol e das estrelas, livre na terra e no céu, é que eu gosto de me ver. Amigos, habituei-me a viver sozinho. Vocês nem imaginam a confusão que me causou a cidade de..., a cidade, depois de cinco anos de sertão. Julguei que virava doido !

— Morar na Rochambana, senhor pai?! — exclamou Jorgina em ares de amuo.— Todas as noites uivam para lá os lobos. Têm as madrigueiras mais acima. O avô gosta porque ele e os lobos são amigos.

— Tu tens medo dos lobos, tontinha!? — pronunciou Louvadeus em tom amável de repreensão. — Olha que os lobos são bichos valentes, bichos

simpáticos. Comem os carneirinhos? E o prior, e o senhor juiz, o Nacomba, e até aqui o tio Grulha, se lho chegam ao dente, comem carneirinho! Quem é mais lobo? Não tenhas medo dos lobos, tontinha! Connosco não se metem. Para o mau lobo e espantar ele trago ali boa receita... — e apontou a grande mala oblonga de lona, nova em folha, com fasquias pintalgadas, que

(19)

se descortinava na camioneta, parada diante da taverna, por cima duma rima de telhas. E como todos lhe seguissem o olhar e parecesse terem compreendido, a corrigir a bazófia imprudente de que trazia consigo rifle ou outra arma de bala, proibida: — Medo do homem, sim, do homem ladrão, 46

do homem fera! Os lobos não me metem medo. Quem viveu na mata com a onça e o índio, o índio brabo, que nas suas horas é terrível, não tem medo do bicho nacional, este pobrinho de bicho mesmo que tenha fome!

Movido pelo alembrete, o Vicente subiu acima da camioneta e, sopesando o malão, escorregou-o pelo frontal abaixo. À beira, estava o Jaime com o primo Plácido a ampará-lo. E, mal poisou terra, cada um à sua argola, largaram com ele, à vontade e ligeiros. Justo Rodrigues e os mais viram-nos partir lestos, a grandes pernadas, direitos à casa dos Louvadeus que ficava à desbanda do povo. Pelo rasgo e desembaraço como seguiam, olharam uns para os outros, proclamando com unânime insolência: muita parra e pouca uva. E todos, desde logo, compadre Justo, Manuel do Rosário, João do Almagre, Nacomba, Grulha, Finote, afivelaram um ar despiciendo, aquele ar que anoja mais que cobra a desenrodilhar-se do capim.

E Louvadeus disse em tom encavacado: — A mala traz uma ridicularia. Vocês sabem, pois não sabem, inglês só viaja com mala de mão.

Com tais palavras, comprovativas da impressão detraente, engendrou-se um certo frio entre os paroquianos, embora à claridade equívoca, formada pelo gás do petromax e o luar, se não visse bem nítida

47

a cor dos olhos e os rictos não passassem de sombras fugidiças. Mas ficaram todos calados, a ruminar de certos maus pensares.

— Sim, senhores. Compreendo, não me vêem automóvel?... Ele virá,

encomendado de Alemanha. Não duvidem. Deixei nas bandas de lá uma grande fortuna, é só ela vir.

Calou-se. Em volta uns sorriam. Outros estavam assarapalhados na sua miséria ou com medo que viesse, de facto, muito rico. Teve pena deles. Teve pena de si.

— Não vai mais uma pinga, minha gente? Não vai? Então, seu Nacomba, pague-se. Quero ir pedir a bênção a meu pai à Rochambana.

Atirou com uma nota de cem escudos ao balcão.

— A esta hora...? — objectou Justo.— Homem, amanhã tens tempo... Teu pai está fino... não julgues que morre esta noite...

— Há-de ser hoje. O amanhã é com as tavernas, que só fiam ao outro dia. Quero ver como está o homem e como estão crescidas as árvores que

plantei!

Recolheu o troco e pediu um pau para se encostar. O Nacomba pôs-lhe à disposição o lódão das romarias. Iam os dois rapazes com ele. Mas Jorgina teimou que também ia. E ele ficou baboso com a decisão da moça, embora a visse pouco antes, à luz do creosene, a percorrê-lo com olhar

esperluxador: — Que 48

me traz ele? Vem a tinir? — Puxou-a então para si e, abrindo-lhe os

dedos, meteu-lhe no anelar da direita um anel de serpentina, oiro de lei, com dois rubis, à laia de pupilas acesas, e brilhantes de suporte ao engaste. E como visse a sua Filomena parada a observar a manobra,

(20)

chamou-a com um chamou-aceno de cchamou-abeçchamou-a:

— Para você este...— e quis meter-lhe no dedo outro anel em cadenilha, cravejado de gemas, mas o dedo era muito grosso e só pôde caber no meiminho. Ela desatou às gargalhadas tão descompostas como satisfeitas, com que ele muito folgou. Fizera aquilo para que vissem que não vinha tão nu como estavam julgando. Depois, sacou duas libras, e deu uma ao Jaime e outra ao Carlos Plácido, que era como irmão do seu filho.

— Valem trezentos escudos cada uma!

E, para rematar, abriu a bolsa de prata, e semeou pelos rapazes pesos, peças de dez escudos, moedas de cinco escudos, e de vinte e cinco, dez e cinco tostões, até esgotar o cabedal.

Os serranos, depois de encafuarem as moedas no mais fundo das algibeiras, não desse o Diabo na cabeça do homem para tornar-lhas a pedir, ficaram a abanar a cabeça, de boca aberta, olhos arregalados. Que remédio senão corrigir o mau juízo!? Brasileiro que semeia fanfas às rebatinhas, é que não chega

49

tão chocho como isso. E rendidos, cativados de todo, professando sobre ele uma opinião lisonjeira, quando se pôs a caminho da serra porfiaram em o acompanhar. Era uma procissão, à mão direita o compadre Justo, à

esquerda o Nacomba, que deixou a mulher a aviar os quartilhos, também ele, o grande judeu, açulado ao faro da bagalhoça.

50

II.

No átrio dos Paços do Concelho de Bouça do Rei, o Dr. Rigoberto, de Arcabuzais, o presidente da Câmara, Dr. Labão do Carmo — para vila e termo, com malícia duns e inocência verbal doutros, o Dr. Lambão — o Dr. Arcângelo, ressurrecto doutor da mula ruça, e gentio, entre o qual Manuel Louvadeus no seu celofane de brasileiro recém-vindo, e Julião Barnabé, por alcunha o Lêndeas, homem importante da serra, faziam roda num cavaco desenfadado. Acabavam de abrir as repartições e a feira estava a encher. O Dr. Rigoberto, reviralhista notório, que regressara na véspera de Lisboa, contava as anedotas picarescas que arrebanhara pelo Chiado de achincalhe à situação, ou aos seus homens. O Dr. Labão, lídimo

representante da política nova e seu arauto, não prestava facilmente o flanco. Mas não gostava da chuchadeira... cá por coisas, dizia ele, as quais

51

coisas consistiam em poder parecer a ouvidos indiscretos condescendente com a má-língua. E, velho macacão, lançou a isca em que o zoilo morderia infalivelmente :

— Sustento os interesses dos povos, não sei se sabe. A serra é-lhes indispensável. Quando chegarem os delegados dos Serviços Florestais, vou dizer-lho.

— Dizer-lho como advogado é bom, como presidente da Câmara, melhor. Eu cá, como presidente da Câmara, nem lhes permitiria pensar que podem fazer o contrário. Sim, porque é que o Município de Bouça do Rei não há-de,

(21)

segundo o velho direito, arvorar-se em baluarte das aldeias serranas? O Dr. Labão, que era um oportunista de primeira, dobrado a todos os ventos, embatucou. Teve a sorte, assim acurralado, de surgir naquele instante um grande automóvel de praça dos lados de Trancoso com

estreloiçado ímpeto. Ia a afrouxar, mas teve de guinar à esquerda para não colher o Ripopó doidinho, que representava no meio da estrada as suas partes gagas. E foi estacar com estertoroso tumulto debaixo das tílias, entre o edifício camarário e um magote de feirantes que, de saquitel ao ombro, guarda-sol debaixo do braço, deram um salto à banda,

assarapantados com o monstro que desabava sobre eles. 52

— Lá vêm os engenheiros! — proferiu o Dr. Labão no tom desafogado dos gregos diante do mar.

Viram-nos descer do carro, de perna entorpecida, porque a primeira coisa que fizeram foi bater o pé. Enlevaram-se depois no bonito panorama do horizonte próximo. Dos montes, se não escorria o leite e mel das terras da promissão, circunstância de primeira para tais funcionários, um sol regaladamente musical arrancava da terra negra, do arvoredo versicolor e das vinhas retardadas pelo Inverno uma geórgica da mais espectacular agronomia. Uns segundos apenas se detiveram em êxtase. Distraíram-se ainda outros tantos segundos com as roseiras das platibandas, cujas lindas e frescas flores dir-se-ia se tinham postado ali para lhes darem as boas-vindas em nome da botânica local, desvanecida. De olhos

arroubados, Suas Excelências avançaram para os Paços do Concelho. Ao seu encontro acudia ofegante o digno e avisado secretário da Câmara, Amaro Rosendo, com um açude de cavalheiros empós. E desatou-se mesmo ao fundo da escadaria a catarata de salamaleques e apresentações.

Estava tudo a postos na sala em que ia celebrar-se a conferência. Contra a cal branca da parede perfilava-se a serranada, grave e em traje de domingo. Caras quase todas rapadas, angulosas, de fundas comissuras, em que haviam trabalhado à compita sol,

53

vento e chuva, ou nariz torcido como as árvores batidas particularmente dum quadrante, camisas de linho caseiro, cóscoras de goma, mãos como pás penduradas das cavas do colete ou a escorrer pelos joelhos, tais les bourgeois de Calais.

Entrementes chegavam açodados os bacharéis da vila, autoridades, pessoas gradas, e ainda os representantes retardios das aldeias, e constituiu-se a mesa.

O senhor engenheiro Lisuarte Streit da Fonseca refastelou-se no cadeirão, compôs com discreto jeito o aparelho acústico, porque era surdo, surdo como sete portas à meia-noite, e afagou as mãos uma contra a outra, à laia de sinal a Fontalva. Este soergueu a ponderosa e magnificente pasta, com fivelas de segurança como coldres antigos, e exumou um monte de

processos, que carregariam um galego. Enquanto brunia a luneta, apartava os papéis, desembrulhava os gráficos, e ia pregar dois deles na parede, atrás da mesa, com percevejos, Streit circum-navegava olhos pelo friso gótico dos parranas. Devia dar-lhe no goto Manuel Louvadeus, porque se voltou para o Dr. Labão, manifestamente interrogativo. Rigoberto percebeu que dizia:

— É um brasileirote de Arcabuzais, chegado há pouco. Traz bago, não traz bago, está para se averiguar.

(22)

54

Toda a gente que estava na mesa ouviu a parte cochichada, menos Streit. E tantas vezes este proferiu: quê? quê? aproximando a orelha, que Labão acabou por compreender que era mouco e foi-lhe buzinar ao ouvido o que acabara de proferir em gama baixa. Fontalva entretanto começara a

leitura. Matéria sabida. O perímetro a arborizar na serra dos Milhafres alcançava as abas de dez aldeias: Arcabuzais, Urro do Anjo, Corgo das Lontras, Valadim das Cabras, Almofaça, Azenha da Moura, Parada da Santa, Ponte do Junco, Toiregas e Rebolide. Estas aldeias eram, em relação ao planalto maninho, a sua bordadura verde vitalizada. O espaço bravio interjacente representava no plano nacional prejuízos económicos

intoleráveis. Não se justificava a sua manutenção, tal qual, a título de que fornecia umas tantas carradas de tojo ou carqueja a este e àquele povo ou pastavam nele umas dúzias de ovelhas tinhosas. Todavia, nas aldeias referidas, condensava-se uma certa resistência, mais latente aqui, mais explosiva além, contra o regime que se pretendia instaurar, regime que, se por agora as privava de certas zonas baldias, lhes trazia vantagens incalculáveis no futuro.

César Fontalva foi durante muito tempo martelando as razões, que poderiam invocar os povos, contra os imperativos do Estado, deus ex machina. Para 55

os serranos, devia aquela perlenda ser música celestial. Aprumados contra o muro, tinham o ar de estátuas, arrumadas provisoriamente num depósito ou essas que se vêem nas arquivoltas das catedrais, possuídas de ar angélico ante os dogmas transcendentes.

O Dr. Labão, reboludo e ancho, lábios de alguidar muito caídos para a barbela, cabeceava. Já a seu lado, o Dr. Basílio Esperança parecia, hermético e fixe, cortado num tabuão de cerejeira. A sua força dentro da União estava naquela tendência para a imobilidade. Não falava, não ria, não deitava vozes a gaiteiros, e consideravam-no, embora o Dr. Rigoberto conhecesse actos seus dum piranguismo exacerbado, um varão de Plutarco. A leitura do relatório prosseguia com jeito de nunca mais acabar e Rigoberto viu Streit compor na orelha, com certa tremura nervosa, o

detector minúsculo, rectificar-lhe a posição com as polpas dos dedos, que eram finos e brancos. Deu conta que o queixo lhe avançava na linha da estatura, impaciente. Pelo volume das folhas não lidas, Fontalva tinha ainda para um bom quarto de hora. E, a meia voz, na qualidade de superior hierárquico, foi-lhe dizendo que saltasse os considerandos e entrasse na matéria propriamente dita. Fontalva virou logo as páginas com gesto expedito e manifesto agrado.

56

Zumbia no ar a moscaria infernal, atiçada pelo calor e o silêncio. Da feira vinha um sussurro pastoso de mil vozes, relinchos, trompas, entrecortado pelo alto-falante: Cá está o barateiro! Cá está! É hoje, amanhã acabou-se! Amanhã só a preço dobrado. Um pau por um olho! Meias de algodão para homem a 5 escudos. Para senhora a 6 escudos. Barata feira! Está a acabar. Quem leva o resto? Em sua frente, algumas bocas abriam-se até as orelhas. O Dr. Labão fechava agora um olho sonolento e abria outro com envergonhada reboleira. Acabou-se afinal a leitura. E depois duma declaração sumária que Fontalva leu atropeladamente, como gato que salta

(23)

sobre brasas—: — Os signatários renunciavam, em nome dos povos de que eram os legítimos representantes, a todos os direitos havidos e por haver à parte da serra que entestava com as suas folhas e fora seu logradoiro arbitrário, porquanto não existiam documentos nem actas nos livros das Juntas que comprovassem ser alguma vez coutada ou serventia tradicional da freguesia; em compensação, os Serviços Florestais dispensavam aos povos logradoiros definidos, que eles aproveitariam a seu talante, segundo os hábitos ancestrais— convidou os presentes a subscrever. O Dr. Labão foi o primeiro a pegar da pena e a rabiscar o nome com visível desafogo, depois o Dr. Basílio homem-lige do Governo, o Sampaio da

57

Fazenda, o Dr. Arcângelo Camarate e o Dr. Coriolano Arruda, causídico da vila. Fontalva ofereceu em seguida a pena a Rosendo, e por último, como mais distante, ao Dr. Rigoberto Mendes. O advogado limitou-se a observar que tinha objecções a fazer. Fontalva chamou na fila dos representantes das aldeias o mais próximo, que era o Justo Rodrigues, de Arcabuzais, e esse, por sua vez, abanou a cabeça. O Manuel Louvadeus murmurou: — É a entrega da galinha de capoeira pelos ovos do gavião! Fontalva, como se se tratasse de imprevista nega, em verdade com um acentozinho de gozo na voz, inquiriu, fitando os inconformistas:

— Não querem então assinar...? E não assinam porquê?

— Como querem os senhores que os povos assinem a sentença de extorsão? — lançou Rigoberto.

Streit atirou a mão direita ao alto com certo frenesim, mão tão diáfana que naquela hora, espalmando-se a favor do sol, deu o aspecto de uma espada, ao passo que a voz se lhe impregnava dum sotaque de pesar: — Não vejo onde vai tão lastimoso veredicto!

Os homens permaneciam de boca fechada, à volta do papel, estatelado em cima da mesa. Rigoberto ouviu que o Dr. Labão bordava ao ouvido de Streit, na voz gordurosa, de permeio com um sorriso languinhento, 58

um comentário qualquer em que a palavra «brutos» andava para cima e para baixo como feijões na panela do pobre. Qual brutos, velhacos na quinta casa é que eles me parecem — murmurou Streit em resposta. E retirando com brusqueria a orelha da boca de Labão, assumiu a atitude hierática que convinha a um chefe.

— Vá, senhores, decidam-se! — tornava Fontalva com voz persuasiva, porém não destituída de peremptório. — Não têm razões sérias a opor e calam-se. Portanto vamos dar o caso como encerrado, a menos que se dignem expor as suas dúvidas...

Rigoberto acudiu então na sua voz ampla e folgazona como se realizasse uma interpelação:

— Dá-me licença...? Estes senhores calam-se, não porque lhes faltem razões, mas porque não sabem concretizar essas razões. Bem vêem

Vosselências que sempre é mais simples dizer por que se pratica um acto do que dizer por que deixa de se praticar. As aldeias recusam-se a anuir ao plano florestal e têm motivos de sobra para isso. Quais são eles? Eis a questão que lhes deve interessar aos senhores, sendo, como não tenho dúvidas de supor, oficiais de Serviços que, pelo facto de serem de ordem nacional, visam ao bem comum. Antes de mais nada, precisam os meus

(24)

deixam... 59

Streit, na qualidade de chefe de missão, fez sinal a Fontalva, apontando os mapas, para que os elucidasse. Avançou o agrónomo para os gráficos da parede, seguido dos paroquianos. Fontalva, com eles à roda, dedo em

riste, foi contornando o perímetro e dentro do perímetro as áreas de cada povo. Todos falavam, barafustavam, emitiam monossílabos de pasmo ou de indignação perante o destroço que iam sofrer os seus andurriais. De todos apenas o Lêndeas se mantinha sereno, alto, enxundioso e róseo, com

subqueixo de muitas roscas, lembrando aqueles porcos que, depois de ganharem os prémios nos concursos de pecuária, estão pendurados e a escorrer do chambaril. Era grande amigo com o Labão, e este chamou por ele. Foi logo. Cochicharam ao ouvido. O Labão mostrou cara de enfado. E depois que o Lêndeas se retirou para o grupo macareno, muito ancho pela importância que acabavam de lhe dar, o Dr. Labão disse a meia voz para Streit, e Rigoberto muito bem ouviu — onde lhe faltava uma palavra, reconstituindo pelo sentido — a leria do maledicente:

— Este quer assinar, mas tem medo. Já o ameaçaram. É o maior finório da serra. Sempre lhe digo: o senhor vá-se enchendo de paciência. O Dr. Rigoberto quando começa a falar tem corda para dois dias.

60

— Deus me livre de tal cataclismo. À uma hora, hei-de ir tomar o Sud. Diga-me uma coisa, quem paga ao advogado?

— Pagam-lhe como é costume pagarem-lhe. De Urro disse-me o Barnabé que lhe levaram um carro de tocos; de Ponte do Junco, duas carradas de giestas. De Azenha, as raízes de dois carvalhos. Das outras aldeias

mimosearam-no com belros de lã, estrume das cortes e até houve quem fosse acurralar-lhe a horta e a terra de batatal.

— Tem graça! O diabo é se me faz perder o comboio!

Rigoberto estava a dois passos e, mesmo que não quisesse, ouvia. Ê

provável que Labão não tivesse dado conta quanto a sua voz, no esforço de a contrafazer para se dirigir ao surdo, se tornava metálica e

perceptível. Fez-se uma pausa. Fontalva acabava a prelecção e Streit virou-se outra vez para Labão:

— Pelos vistos este homem alto, Lêndeas, a modo de gorila, é seu amigo? — Somos velhos amigos. Está rico. Era filho dum cardador.

— Ele será homem para mover os labregos a aceitar? Dávamos-lhe meios... — É capaz — respondeu Labão.

— Tem filhos?

— Tem dois... meios bardinotes. Degeneraram. 61

— Nomeiam-se guardas. Ele que prometa um subsídio aos lavradores e cortadores do mato, em proporção.

O Presidente chamou Lêndeas para o canto da janela e aí renovaram o

colóquio. Entretanto Streit tomava a palavra, antepondo-se ao colega, seu imediato:

— O problema eu o torno a formular: existe neste concelho uma vasta zona, coisa de 10 a 15 mil hectares, meia desértica, meia maninha, parte

escalvada pela erosão ou de penedal improdutivo, parte a mato galego, chamada a serra dos Milhafres. Na periferia estão enquistadas com suas

Referências

Documentos relacionados

Você não deve ingerir bebidas alcoólicas ou medicamentos que contenham álcool em sua formulação durante e no mínimo 1 dia após o tratamento com metronidazol, devido à

Sob essa visão, não se pode tentar uma comparação entre os tipos de mate- mática praticada pelos conquistadores e a matemática praticada pelos povos con- quistados.. As categorias

Eu vim tentando mostrar que há algo porque há seres que são necessários, a saber, o espaço, o tempo e as leis naturais básicas; e, assim, não poderia haver nada. E que as

De acordo com [Ezrah (Esdras) 5:14 – “E até os utensílios de ouro e prata, da casa de YAhuh, que Nabucodonosor tomou do templo que estava em Yahushalayim e os levou para o templo

Em um sentido social, político, equivale dizer que os que são oprimidos, os que são excluídos, enfim, violados - em uma perspectiva dos direitos humanos que visam a dignidade

A Medida Provisória nº 966/2020 (MP) protege o agente público que, em situação de incerteza causada pelo coronavírus, tome uma decisão que agora pareça certa, mas que no futuro,

Na primeira reunião de coordenação do ano, realizada pela manhã, o governo decidiu emitir sinais de que não há risco de apagão elétrico, contrariando declarações do presidente

Aproveite que você pode gravar quantas vezes quiser, não deixe para o último dia, pois assim você pode fazer várias versões.. • No texto, use fontes maiores que o tamanho 18 e