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Teresa Andresen, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

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Academic year: 2021

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A PAISAGEM DO ALTO DOURO VINHATEIRO: EVOLUÇÃO E SUSTENTABILIDADE

Teresa Andresen, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

O ‘Alto Douro Vinhateiro’ (ADV) foi acrescentado em Dezembro de 2001 à Lista do Património Mundial da UNESCO tendo sido classificado como paisagem cultural evolutiva viva. O ADV faz parte da Região Demarcada do Douro (RDD) (Fig. 1), a mais antiga região vitícola demarcada e regulamentada do mundo em que as primeiras demarcações ocorreram entre 1757 e 1761. Toda a RDD pode ser considerada uma vasta paisagem cultural em que o ADV congrega a área de mais elevada qualidade paisagística, ou seja a área de maior excelência e representatividade de toda a região e que apresenta um bom estado de conservação.

A RDD está dividida em três regiões designadas por: Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior (Fig. 2) e tem uma área de cerca de 250 000 há em que o a área incluída no ADV possuí uma área de apenas 24 600ha, ou seja cerca de 10% da área total. Desde o início dos estudos preparatórios da candidatura que se advogou submeter uma área mais restrita, representativa do carácter da paisagem da RDD. A possibilidade de no futuro se propor a inscrição de toda a região ficaria condicionada ao sucesso do modelo de gestão a implementar no ADV, sendo no entanto desde logo assumido que a área não proposta para inscrição na lista do património mundial seria considerada uma zona tampão do ADV.

Havia a consciência de que a RDD apresentava uma dispersão de valores, com níveis diferenciados, e que nem sempre o estado de conservação era o mais adequado. Por outro lado, a RDD tem uma espinha dorsal que é constituída pelo rio Douro, um dos principais rios da Península Ibérica que nasce em Espanha e desagua na cidade do Porto, em Portugal. Hoje o rio encontra-se represado através de uma sucessão de barragens, umas em Espanha outras em Portugal, mas foi efectivamente um grande eixo de comunicação entre o litoral e o interior de Portugal até ao surgimento, em finais do século XIX, do caminho-de-ferro ao longo das suas margens.

A Convenção do Património Mundial decorre da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano realizada em Estocolmo, em 1972. Surgiu da tomada de consciência a nível mundial de que havia bens inestimáveis e insubstituíveis não só de

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cada nação, mas que afinal eram de toda a humanidade e que a sua perda por degradação ou desaparecimento constituía um empobrecimento do património de todos. A elaboração dos critérios que presidiriam à designação das paisagens culturais foi concretizada durante uma conferência da UNESCO em Outubro de 1992 e em Dezembro de 1993, durante a 17ª reunião da Comissão do Património Mundial na Colômbia, foi aceite a designação da primeira paisagem cultural: o Parque Nacional de Tongartro na Nova Zelândia, um dos lugares sagrados do povo Maori. A inscrição de um bem na Lista do Património Mundial implica que ele vá ao encontro de um conjunto de critérios que demonstrem que ele tem um valor universal excepcional, sendo ainda necessário evidenciar a sua autenticidade assim como a existência de mecanismos legais que assegurem a sua conservação.

O CARÁCTER DA PAISAGEM DA RDD

O clima da RDD é de características mediterrâneas. A precipitação varia entre 1.000 mm nas partes mais atlânticas e 400 mm por ano – e menos – à medida que se caminha para nascente. À primeira vista até pode parecer que não é escassa no seu todo, mas a chuva é escassa por períodos de tempo muito longos e quentes, especialmente no verão, de Maio a Setembro. O Douro é uma paisagem de declives acentuados e vales encaixados, surgindo os planaltos apenas acima de 400 m de altitude (Fig. 3). O rio é a espinha dorsal desta paisagem e as albufeiras das barragens introduziram um espelho imenso onde se reflectem as encostas e o céu. Os afluentes do Douro correm ao longo de vales estreitos.

As formações geológicas da região são muito antigas. Datam desde o Pré-Câmbrico e são essencialmente constituídas por xistos e intrusões graníticas. E isto significa dureza e não é atractivo à fixação das populações. O solo é praticamente inexistente. Aquele que encontramos pelas encostas acima é todo fabricado pelo Homem. O padrão da paisagem inclui manchas importantes de habitats naturais onde predomina a flora mediterrânica pertencente ao Quercetum pyrenaicae e ao Quercetum rotundifoliae. Em associação com outras espécies, o Quercus pyrenaica denuncia a influência atlântica e o Quercus rotundifolia o carácter mediterrânico.

As encostas acentuadas, a dureza do xisto e a escassez da água parecem não ter constituído obstáculos à plantação da videira, da oliveira, da amendoeira e também da figueira e da laranjeira que constituem verdadeiros símbolos da cultura mediterrânica. A distribuição destas culturas na paisagem é também indicadora da transição das

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características atlânticas para as mediterrânicas. As vinhas predominam no Baixo e Cima Corgo enquanto que as oliveiras e as amendoeiras ganham maior representatividade no Douro Superior e também no Cima Corgo, onde as condições climáticas se tornam mais adversas. As oliveiras, as amendoeiras e outras árvores de fruto, como as cerejeiras, têm uma presença muito significativa na compartimentação da paisagem no Baixo e Cima Corgo.

A adversidade climática e geomorfológica assenta bem à capacidade de adaptação da videira, mas a sua plantação só foi possível à custa de um imenso esforço e sabedoria Aqui, a paisagem é uma imensa escultura de encostas armadas onde a cultura da vinha assume preponderância ao lado da oliveira e da amendoeira e dum mosaico de parcelas constituído por matos mediterrâneos. A inscrição na paisagem das diversas formas de armação da vinha é a manifestação por excelência da relação aqui estabelecida com os elementos naturais, que levou à criação de solo e à construção artística de um contínuo imenso de socalcos suportados por muros. E foi desta sábia relação com a escassez que nasceu esta imensa obra colectiva.

Porém, a paisagem é um todo e é evolutiva. É um mosaico diversificado de culturas, matos, linhas de água, aglomerados e assentos agrícolas distribuídos por quintas e casais. Hoje, a evolução das formas de construção da paisagem prosseguiu em coexistência com as formas tradicionais, contribuindo para a perpetuação de uma actividade económica próspera e sustentável.

Na paisagem vitícola do Douro misturam-se diferentes técnicas de organização dos terrenos. Ao lado de vinhas em patamares e de vinhas ao alto, que datam das últimas décadas do século XX, ainda subsistem várias centenas de quilómetros de antigos socalcos correspondentes a técnicas de terraceam ento de diferentes épocas.

Os socalcos mais antigos, designados pré-filoxéricos, são de construção anterior à destruição do vinhedo do Douro no último terço do século passado. Muitos deles foram abandonados nessa época, como mortórios (vinhas mortas) e hoje encontram-se recobertos de vegetação espontânea. Há, porém, muitos socalcos pré-filoxéricos que foram recuperados para replantação da vinha, que ainda hoje preservam os antigos muros de xisto. Associados a alguns deles, deparamos com vestígios de técnicas tradicionais ainda mais antigas, como a dos pilheiros, em que as videiras eram plantadas nas próprias paredes, deixando-se os geios livres para outras culturas, nomeadamente cereal.

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Outros socalcos ostentam paredes sólidas, altas e rectilíneas, suportando geios largos, com quatro, cinco ou mais fiadas de vinha. São socalcos pós-filoxéricos, construídos a maior parte deles entre finais do século XIX e os anos trinta do século XX, no período de reconstrução do vinhedo regional. A grande maioria dos imensos quilómetros de muros que hoje vemos ao longo das encostas datam desta etapa da evolução da paisagem do Douro.

A construção de patamares, iniciada na década de 70, ocorreu sobre mortórios e terraços pré-filoxera e, por vezes, também sobre terrenos onde não tinha havido vinha. A operação implicou grandes surribas de terrenos e a destruição de muros e introduziu o surgimento de manchas significativas de taludes inclinados, que suportam uma plataforma horizontal sobre a qual assentam, de um modo geral, dois bardos de vinha, dimensionados para a mecanização.

Entre os novos sistemas que se procura introduzir no Douro, a vinha ao alto tem vindo a ter acolhimento embora só seja possível até um dado limite de declive. Esta forma de armação tem tido maior repres entatividade no Cima Corgo e também no Douro Superior. A experimentação continua e assim deverá ser no sentido de se encontrar soluções alternativas para os patamares e que minimizem os impactes na paisagem.

As aldeias encontram-se de um modo geral a cotas elevadas dominando a cor branca do casario. Perto do rio são raras as aldeias pois o rio significava doença. Dentro das aldeias existem elementos notáveis de arquitectura vernacular, porém as construções mais recentes têm muitas vezes desvirtuado o seu carácter e torna-se premente uma intervenção de requalificação.

As características de excelência da paisagem cultural da RDD apresentam fortes potencialidades de sustentação do ponto de vista produtivo. Quer em torno da produção de vinhos quer no âmbito do turismo cultural e de lazer, a paisagem cultural identificada com a vinha em socalcos não está irremediavelmente condenada a perecer sob a ameaça de mudanças tecnológicas ou empresariais. Existem condições para que, inovadoramente, a classificação de uma paisagem cultural seja um contributo para a própria sustentabilidade produtiva, favorecendo a materialização do estatuto de qualidade e excelência em preços e mercados mais atractivos.

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APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS DA UNESCO AO ADV

As paisagens culturais correspondem a obras combinada do homem e da natureza e ilustram a evolução das comunidades humanas. Classificam-se de acordo com três categorias principais (Parágrafo 39) em que a segunda categoria é a paisagem essencialmente evolutiva, resultante de uma exigência de origem social, económica, administrativa e ou religiosa e que atingiu a sua forma actual por associação e em resposta ao seu ambiente natural. Este processo evolutivo reflecte-se quer na forma quer na composição da paisagem As paisagens culturais evolutivas subdividem-se em duas categorias: a) paisagem relíquia ou fóssil – aquela que conheceu um processo evolutivo que parou, seja de forma brutal seja por um período, num dado momento do passado e b) paisagem viva – aquela que conserva um papel soc ial activo na sociedade contemporânea associada de perto ao modo de vida tradicional e no qual o processo evolutivo continua. Ao mesmo tempo, ela mostra provas manifestas da sua evolução ao longo do tempo.

Conforme referenciamos, o conceito de paisagem cultural é ainda recente e alvo de alargada discussão sob vários pontos de vista nomeadamente o dos critérios. No entanto, vai sendo interiorizado que as paisagens culturais devem ser entendidos como modelos de referência nomeadamente à luz dos princípios do desenvolvimento sustentável.

O s critérios relativos à autenticidade do bem e demonstração de protecção jurídica e mecanismos de gestão são determinantes. Sublinhe-se relativamente à paisagem cultural que a autenticidade é determinada em função do carácter ou dos seus componentes de distinção. O carácter da paisagem trata-se claramente de um parâmetro integrador, directamente ao encontro do próprio significado de paisagem enquanto manifestação física do resultado da relação dos seres humanos com os elementos naturais, ao longo das gerações e que é possuída de um significado.

Na proposta de candidatura do ADV foram aplicados estes dois critérios obrigatórios relativos à autenticidade/integridade e ao estatuto de protecção e ainda os critérios iii), iv), e v) fraseados da seguinte forma: “A autenticidade/integridade da paisagem cultural do ADV foram argumentadas em função do carácter da paisagem e da valorização das suas componentes de distinção: a antiguidade da Região Demarcada; os terraços; e o cruzamento de culturas. O carácter da paisagem é determinado por uma sábia gestão da escassez de solo e água e do elevado declive do terreno, e

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resulta da observação permanente e intensa, do ensaio localizado e do conhecimento profundo da adaptação da cultura da vinha a situação tão adversa. É uma paisagem que expressa a determinação e a ousadia humanas.

O ADV tem importância ecológica de distinção, congrega valores patrimoniais significativos, é estruturado por um eixo natural: o rio Douro navegável e a rede de afluentes, é atravessado por um caminho de ferro com valor histórico e é um conhecido destino turístico que tem como emblema o mundialmente famoso vinho do Porto.

A definição dos limites tendo como objectivo identificar uma área representativa da diversidade do padrão da paisagem e em bom estado de conservação implicou intenso trabalho de campo e gabinete, apoiado em cartografia e fotografia aérea, identificando limites físicos e visuais

Esta é, portanto, a área considerada de excelência dentro da totalidade da paisagem cultural da RDD e a sua caracterização implicou necessariamente um estudo mais detalhado. Assim, foram aprofundadas as variáveis consideradas determinantes da definição do carácter do ADV. O ADV é significativamente homogéneo sob o ponto de vista geomorfológico e sociológico, logo as variáveis determinantes foram associadas aos solos, à diversidade biológica, ao uso do solo, à armação do terreno e ao património vernacular.

O solo agricultado no ADV é o resultado de uma intensa intervenção humana que conciliando a dureza do xisto e a forte inclinação do terreno, com um conhecimento profundo e de séculos das características climáticas, originou os designados antrosolos, ou seja solos em que a acção antrópica teve uma influência absolutamente determinante nas suas características através de mobilização profunda com desagregação da rocha. No entanto para fabricar solo, foi necessário ainda construir muros de suporte de terra, fertilizar e assegurar uma drenagem eficaz. Assim, e de forma generalizada, podemos dizer que encontramos duas grandes classes de solos: os antrossolos e os leptossolos. O factor de distinção destas duas classes assenta sobretudo no grau de intervenção humana.

A diversidade biológica é profundamente marcada pelo grau de humanização da paisagem, tanto pelo cultivo como pelo abandono dos socalcos. Tendo em conta a fragmentação da paisagem, o desenvolvimento das áreas cobertas por matos e as

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áreas cultivadas foram identificadas cinco áreas com valores distintos sob este ponto de vista.

A definição das classes de uso do solo requereu uma fonte de informação rigorosa. Foi utilizada a fotografia aérea na escala 1/2000 com tratamento do cadastro vitivínicola. Assim a distribuição das principais classes de uso é a seguinte: Vinha 38%; Olival 13 % , Matos (20%), e Albufeiras 7% (Fig. 4). Mas mais significativa do que esta carta, foi a avaliação dos terrenos armados, tendo-se concluído que metade da vinha está armada em socalcos, cerca de 1/3 está armada em patamares e a área restante corresponde a outras formas de armação, nomeadamente a vinha ao alto. Por sua vez, também o olival armado tem uma expressão significativa pois corresponde a cerca de 2/3. ¼ da área de matos encontra-se igualmente armada coincidindo com os chamados mortórios, vestígios da devastação da filoxera na vinha nos finas dos século XIX. De assinalar que os mortórios, para além de um elemento importante da paisagem e do património vernacular, são locais de extrema importância da diversidade biológica.

Quanto ao património vernacular procedeu-se ao levantamento separadamente de quintas e lugares sagrados. As quintas no Douro são uma referência importante na paisagem, constituindo um contínuo de propriedades onde pelas encostas acima a vinha marca uma forte presença. São facilmente referenciadas pelas suas casas rodeadas de edifícios vários sobretudo associados à actividade vitivínicola. Por outro lado, a presença do sagrado na paisagem é pontual, dispersa, modesta, mas com uma localização determinante.

Da síntese destes factores foi possível identificar cinco unidades de paisagem no ADV, o que tornou ainda mais evidente a diversidade do padrão da paisagem (Fig. 5) A metodologia seguida permitiu evidenciar o carácter único de uma relação em situação de escassez e adversidade dos elementos naturais: água, solo e o território acidentado e ainda o carácter sábio desta mesma relação que tem como condição um conhecimento profundo das culturas mediterrânicas e da sua adaptação à escassez e adversidade dos elementos naturais onde a vinha é a cultura por excelência em associação com a oliveira.

Efectivamente, sendo as paisagens culturais sistemas frágeis e ameaçados, um modelo de gestão sustentável é indispensável. O caso do ADV tem uma característica favorável que é a produção do vinho do Porto, um produto economicamente viável

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associado a uma fortíssima carga histórica e simbólica. No entanto é importante não esquecer que se trata de uma paisagem de propriedade privada onde a mobilização dos proprietários, da população residente e dos económicos e culturais é um aspecto estratégico. O facto de hoje o ADV ser um bem inscrito na lista do património mundial é um justo reconhecimento do valor de uma obra de arte colectiva construída ao longo de gerações sucessivas e é também um factor de viabilidade da preservação e valorização desta paisagem.

Agradecimento

Agradece-se a todas as equipas que ao longo de quatro anos colaboraram nos estudos do ADV assim como à Fundação Rei Afonso Henriques promotora destes estudos.

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FIGURAS

Figura 1 – Localização do Alto Douro Vinhateiro na Região Demarcada do Douro

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Figura 3 – Modelo digital de terreno

Figura 4 – O uso do solo

Referências

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