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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS

PABLO ROBERTO VIEIRA FERREIRA

MANEIRAS DE COMPOSIÇÃO EM PERFORMANCE

NATAL/RN 2020

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PABLO ROBERTO VIEIRA FERREIRA

MANEIRAS DE COMPOSIÇÃO EM PERFORMANCE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas.

Orientadora: Profa. Dra. Naira Neide Ciotti.

NATAL/RN 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART

Ferreira, Pablo Roberto Vieira.

Maneiras de composição em performance / Pablo Roberto Vieira Ferreira. - 2020.

113 f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Natal, 2020.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Naira Neide Ciotti.

1. Performance. 2. Composição. 3. Espaço urbano. I. Ciotti, Naira Neide. II. Título.

RN/UF/BS-DEART CDU 792

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PABLO ROBERTO VIEIRA FERREIRA

MANEIRAS DE COMPOSIÇÃO EM PERFORMANCE

Banca examinadora:

__________________________________________________ Profa. Dra. Naira Neide Ciotti

(Presidenta – PPGArC/UFRN)

__________________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Eduardo Rocco de Gasperi

(Examinador Externo a Instituição - UFOP)

__________________________________________________ Profa. Dra. Patrícia Garcia Leal

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AGRADECIMENTOS

Preciso agradecer, primeiramente, aos amigos que contribuíram para que eu me aproximasse de alguns escritos teóricos de importância para o caminhar desta pesquisa: Josie Pessoa, Rodrigo Severo, Franco Fonseca e Felipe Fagundes, vocês foram incríveis e persistentes.

À minha orientadora, Naira Ciotti, que abraçou meu projeto de pesquisa e que vem me apoiando desde a graduação em Teatro, contribuindo de maneira significativa para minha formação como artista e pesquisador ou dialogando com seus escritos, na construção de um professor-performer.

Aos parceiros da turma de mestrado com quem, nessa jornada, pude conversar sobre pesquisa/vida e com os quais expandiu-se uma relação da sala de aula para amizades que quero por perto: Alexsandro Silva, Fernanda Melo e Ronildo Nóbrega, meus amores de Recife e Campina Grande. Aos de casa, com quem já vivi essa e outras etapas: Franco Fonseca, Elze Maria Barroso e Naara Martins, tão plurais e potentes em suas diferenças.

Às contribuições generosas da docente Denise Rachel, que esteve comigo na etapa de qualificação e me deu encaminhamentos potentes para finalização desta pesquisa, assim como a leitura e devolutivas dos docentes Patrícia Leal e Marcelo Rocco com quem pude estar também na etapa final da escrita.

Aos meus companheiros de trabalho na Sociedade T, Moisés Ferreira e André Chacon, pelo entendimento dos momentos em que precisei me ausentar para dar conta das demandas da academia e por me darem apoio e palavras de motivação.

Aos meus familiares, que sempre torceram por mim e acompanharam de perto-longe esse processo de crescimento, enchendo-me de positividade e força para alcançar meus objetivos.

A todos aqueles que me parabenizaram pela entrada no mestrado, que se disponibilizaram a ajudar no que fosse preciso, que conversaram e demonstraram interesse sobre meu tema de pesquisa. Todos esses encontros estimularam-me a seguir essa jornada.

À Capes, pela bolsa concedida, permitindo que eu me mantivesse financeiramente nesse período, realizando essa pesquisa sem preocupações

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emergenciais e de sobrevivência, participando de festivais e congressos que dialogavam com minha área de investigação e viabilizando que eu colocasse em prática algumas performances concebidas.

Ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGArC) da UFRN por ter sido o ninho para o desenvolvimento desta pesquisa.

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo investigar, na linguagem da performance, como os artistas organizam suas ações. Propomos pensar em algumas maneiras de compor a partir dos escritos de artistas, investigando as qualidades dessas formas. Nosso intuito é propor uma visão geral das formas de composição que abordam os domínios relacional, político e, até mesmo, artivista. As maneiras são vistas aqui como reflexões teóricas de várias artistas críticas da área de atuação, como Eleonora Fabião, Tania Alice, Beatriz de Medeiros e escritos teóricos de Renato Cohen, Naira Ciotti, Guillermo Gomez Pena e Jorge Glusberg. O resultado final é uma ação de performance, intitulada Desembalador de Memórias, criada e realizada por mim.

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ABSTRACT

This research aims to investigate, in the language of performance, how performers organize their actions. We propose to think of some ways of composing from the writings of artists, investigating the qualities of these ways. We aimed to propose an overview of forms of composition that touch on the relational, political, and even artivist realms. Manners are seen here as theoretical reflections by several critical female artists in the performance area such as Eleonora Fabião, Tania Alice, Beatriz de Medeiros, and theoretical writings by Renato Cohen, Naira Ciotti, Guillermo Gomez Pena, and Jorge Glusberg. The final result is a performance action of my own entitled Unpacker of Memories, created and performed by me.

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Sugestão de programa performativo para a realização da leitura:

 Escolher a sombra de uma árvore de sua preferência  Sentar-se em uma cadeira

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Livro “Exercises for Rebel Artists: Radical Performance Pedagogy”, ... 10

Figura 2: "Mancha Vermelha”, Eleonora Fabião, Rio de Janeiro, 2015. ... 20

Figura 3: “Converso sobre qualquer assunto”, Eleonora Fabião. ... 22

Figura 9: Reperformance de “Brasil: o momento em que o copo está cheio e já não dá pra engolir – nosso caso é uma porta entreaberta”, Natal/RN, 2018. ... 30

Figura 4: “Andando na Parede” de Trisha Brown, 1971. ... 34

Figura 5: “Pintura Corporal de Guerra”, Maria Eugênica Matricardi, Brasília, 2009. . 35

Figura 6: “Composição residual. Pintura em processo”, Maria Eugênica Matricardi, Brasília, 2011. ... 36

Figura 7: “On Giving Life”, Ana Medieta, 1975. ... 38

Figura 8: “Pancake”, Márcia X. realizada na instalação ... 41

Figura 10: "Kombeiro", Corpos Informáticos, Brasília/DF, 2012. ... 55

Figura 11: Povo encerando a praia, Corpos Informáticos no II Circuito Regional de Performance BodeArte, Natal/RN, 2012... 56

Figura 12: “Poder da Invisibilidade”, Coletivo Heróis do Cotidiano. ... 68

Figura 13: “Ensine algo essencial para você, em 5 minutos!”, Natal/RN, 2018. ... 70

Figura 14: "Converso sobre Memórias", Área de Lazer do Conjunto Panatis, Natal/RN, 2018. ... 79

Figura 15: "Desembaladores de Memórias", Bom Jesus/RN, 2018. ... 82

Figura 16: "Desembaladores de Memórias", Bom Jesus/RN, 2018. ... 83

Figura 17: Memória desembalada, Bom Jesus/RN, 2018. ... 84

Figura 18: Memória desembalada, Bom Jesus/RN, 2018. ... 85

Figura 19: Memória desembalada, Bom Jesus/RN, 2018. ... 86

Figura 20: Momento de diálogo após realização da performance, Bom Jesus/RN, 2018. ... 87

Figura 21: "Desembalador de Memórias”, Natal/RN, 2020. ... 89

Figura 22: "Desembalador de Memórias", Natal/RN, 2020. ... 92

Figura 23: "Desembalador de Memórias", Natal/RN, 2020. ... 93

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SUMÁRIO

COMPOSIÇÃO I – DE ONDE PARTO ... 6

COMPOSIÇÃO II – PROGRAME-SE... 15

MULHERES NA PERFORMANCE ... 32

PRECARIEDADE ... 44

COMPOSIÇÃO III – PERFORMANCE E SEUS DESDOBRAMENTOS ... 51

RELAÇÕES COM O ESPAÇO URBANO ... 51

REPERFORMAR O AFETO... 65

COMPOSIÇÃO IV – DESEMBALADOR DE MEMÓRIAS ... 77

DESFECHO [NÃO] FECHO ... 100

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COMPOSIÇÃO I – DE ONDE PARTO

Performance: presença intensificada; ecologia mental e higiene da alma por meio de um esvaziamento do corpo e da mente para a abertura de outros canais. A performance como prática espiritual, existencial, como fusão de arte e vida, intensificação de afetos e das relações. A performance como abraço planetário, ecologia social, ambiental, da subjetividade e como poder de transformação potente e potencializador. A performance, imaginação liberada, desterritorialização de afetos e como invenção do cotidiano, longe de imaginários padronizados. A performance como reterritorialização na terra fértil dos possíveis, como resposta a urgência de cuidar de si, do outro e do planeta, como estética emergente e urgente de um mundo globalizado. A performance como ritual de comunhão, como convite para a partilha, o sossego, a troca. Em outras palavras: aqui, agora, dentro de um movimento compartilhado entre artista e participante, a performance como o mais perfeito estado de entrega ao mundo (ALICE, 2016, p. 33-34). A palavra performance refere-se a uma forma artística existente. A performance como a vida e toda a

experiência, é complexa. À medida em que vamos adquirindo instrumentos para ler a performance, passamos a nos dar conta que esse fenômeno é múltiplo, polissêmico e misturado (CIOTTI, 2014, p. 62). A performance não é dança, nem teatro, arte visual ou música. Ela é fruta que escorre pelas bordas dos lábios das gentes cansadas de hábitos, de bons hábitos, cansadas de açúcar, de doce, cansadas de códigos e semióticas (MEDEIROS, 2011, p. 191). A performance também é um lugar interno, inventado por cada um de nós, de acordo com nossas próprias aspirações políticas e necessidades espirituais mais profundas; nossos desejos e obsessões sexuais mais obscuras; nossas lembranças mais perturbadoras e nossa busca inexorável de liberdade. No momento em que termino esse parágrafo, mordo a língua ao descobrir-me demasiado romântico. O sangue é real. Meu público se preocupa. (GÓMEZ-PEÑA, 2005, p. 204) A performance é um questionamento do natural e, ao mesmo tempo, uma proposta artística. Isso não deve causar surpresas: é inerente ao processo artístico o colocar em crises os dogmas – principalmente os dogmas comportamentais – seja isso mediante sua simples manifestação ou através de ironia, de referências sarcásticas etc. (GLUSBERG, 2013, p. 58). Trata-se de um evento específico com sua natureza liminoide trazida à tona, quase invariavelmente

separada do resto da vida, apresentada por performers e assistida por uma audiência, ambos considerando a experiência como constituída de material a ser interpretado, a ser refletido e a ser engajado – emocionalmente, mentalmente e talvez fisicamente (CARLSON, 2009, p. 224). Poderíamos dizer, numa classificação topológica, que a performance se colocaria no limite das artes

plásticas e das artes cênicas, sendo uma linguagem híbrida que guarda características da primeira enquanto origem e da segunda enquanto finalidade (COHEN, 2002, p. 30).

A produção em performance, na perspectiva deste trabalho, é movedora. Move-se, pois enquadrá-la em um conceito ou elencar um único ponto de surgimento é reducionista. Pensar uma ramificação dessa linguagem significa dar um mergulho em um mar conturbado onde arte e vida estão diluídas. Sendo assim, diluo-me também

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7 nessas águas, uma vez que a performance está no meu trajeto-corpo desde 2012, estimulando-me a chegar até aqui com algumas braçadas tortas.

Bogart e Landau, por exemplo, fazem uma reflexão muito importante sobre o trabalho de Viewpoints1 e composição. Sobre essa última esfera, em especial,

colocam que “Composição é um método que permite o diálogo com outras formas de arte, como se as tomasse emprestadas e sobre elas refletisse” (BOGART; LANDAU; 2017, p. 32). A partir dessa constatação inicial, propusemo-nos a investigar como se dá a composição quando optamos por uma estética performativa que investe na experiência compartilhada. Por isso, esta pesquisa investiga algumas maneiras de composição em performance que contribuem para os processos criativos de performers diversos, assim como eu.

Nesse sentido, contribuem para a construção dessa pesquisa, a exploração do conceito de programa performativo desenvolvido pela performer e teórica carioca, Eleonora Fabião. Além disso, a pesquisa foi atravessada também pelos escritos da professora e performer Beatriz de Medeiros, com algumas provocações do Corpos Informáticos; e pelas proposições da performer e professora da UNIRIO, que atuou no Coletivo Heróis do Cotidiano e foi fundadora do Performers Sem Fronteiras (PsF)2,

Tania Alice.

A partir dessa tríade de performers escolhidos, conectados aos teóricos da área, teço conexões entre a linguagem da performance e composição, na intenção de contribuir com o alargamento das discussões na área das Artes Cênicas.

Busco dialogar com o programa performativo, pois acredito na força que esse procedimento composicional possui, trazendo a ideia de um escopo a ser desenvolvido pelo artista/performer, evidenciando que sua temporalidade “é muito diferente daquela do espetáculo, do ensaio, da improvisação, da coreografia” (FABIÃO, 2013, p. 4). Nesse sentido, entendo que o programa performativo, oferece uma ampliação das maneiras de compor em performance.

1 Os Viewpoints são uma filosofia traduzida em uma técnica para: 1. treinar performers; 2. construir

coletivos; e 3. criar movimento para o palco. Os Viewpoints são uma série de nomes dados a certos princípios de movimento através do tempo e do espaço; esses nomes constituem uma linguagem para falar sobre o que acontece no palco. Os Viewpoints são pontos de atentividade que o performer ou criador faz uso enquanto trabalha (BOGART; ANNE; 2017, p. 25-26).

2 Plataforma que reúne performers de diversas nacionalidades que realizam projetos artísticos,

culturais e terapêuticos com e para vítimas de traumas de choque (conflitos armados, migrações, guerras, catástrofes naturais…) ou traumas de desenvolvimento (pessoas idosas, pessoas adoentadas, internadas em hospitais psiquiátricos, órfãos, entre outras situações).

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8 A produção de Alice (2016) evidencia uma arte com forte engajamento social a partir da utilização da performance nos contextos como forma de deflagração das fragilidades humanas, tendo o afeto como dispositivo de interação. Para a performer,

É nessa transformação que podemos ver a potência principal da performance: a performance não representa, mas é, transforma, recria, remodela modelos vigentes, tornando visível e palpável o invisível e o despercebido, e propõe alternativas para a transformação. Acredita. Impulsiona. Remodela. Reinventando, sempre (ALICE, 2016, p. 23).

As “performances são composições atípicas de velocidades e operações afetivas extraordinárias que enfatizam a politicidade corpórea do mundo e das relações” (FABIÃO, 2011, p. 77). Como se percebe, pensar a palavra composição, aqui, pode ajudar a compreender esses processos relacionados com a linguagem da performance.

Método, caminho, pistas... Para Cotrim e Ferreira (2009, p. 10), “a tomada da palavra pelo artista significa seu ingresso no terreno da crítica, desautorizando conceitos e criando, em franco embate com os diferentes agentes do circuito”.

Aqui, aproprio-me, em diálogo, desses escritos, pois sendo a performance uma

expressão cênica3, o contato com algumas maneiras de se fazer composição nessa linguagem possibilitará uma ampliação desse universo referencial, contribuindo para que haja novos discursos influenciados por quem está fazendo no aqui-agora, reinventando, assim, os espaços de atuação/ocupação, produção/criação.

Os escritos de Fabião (2015) têm contribuído para a criação e a discussão entre pesquisadores da atualidade que dialogam com a performance, como é o caso da performer Silva (2016)4, que também se dedicou a fazer um estudo sobre algumas

práticas performativas que conversam com essa pesquisa.

3 Nos dizeres de Cohen (2002, p. 28), “a performance é antes de tudo uma expressão cênica: um

quadro sendo exibido para uma plateia não caracteriza uma performance; alguém pintando esse quadro, ao vivo, já poderia caracterizá-la”. Nesse sentido, o autor dá importância ao corpo que realiza uma ação, que se coloca em um estado de interação, que é visto e sentido pela audiência.

4 Mestra em Artes Cênicas pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande

do Sul (PPGAC). Graduada em Artes Cênicas - Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012). Seus interesses são nas áreas de dança, teatro, performance e educação. Disponível em: < https://www.escavador.com/sobre/6734627/renata-teixeira-ferreira-da-silva>. Consultado em: 10 fev. 2020.

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9 Pensando nessa perspectiva inventiva, trago alguns escritos do visionário performer mexicano Guillermo Gómez-Peña5. De caráter mais radical, sinaliza em um

dos seus escritos que

Se o leitor detecta algumas contradições conceituais e inconsistências na minha escrita [...] eu imploro seu perdão: eu sou um vato contraditório, assim como são a maioria dos performers que conheço (GÓMEZ-PEÑA, 2005, p. 201)6.

Ele lançou um livro em 2011, juntamente com Roberto Sifuentes, intitulado

Exercises for Rebel Artists: Radical Performance Pedagogy, onde compartilha a

maneira de trabalho dentro dos workshops que realiza mundo afora com seu coletivo.

5 Guillermo Gómez-Peña é um artista/escritor performático e diretor do coletivo transnacional de arte

La Pocha Nostra. Nasceu na Cidade do México e chegou aos Estados Unidos, em 1978. Desde então, vem explorando os assuntos interculturais através da performance, da poesia multilíngue, do jornalismo, do vídeo, do rádio e da arte da instalação. Seu trabalho performático e oito livros têm contribuído para debates sobre diversidade cultural, identidade e as relações E.U.-México. Seu trabalho de arte já foi apresentado em mais de 700 locais através dos Estados Unidos, Canadá, América Latina, Europa, Rússia e Austrália. Vencedor de um MacArthur Fellowship (bolsa), de um American Book Award (prêmio literário), é também um Afiliado Sêniore do Instituto Hemisférico de Performance e Política. Goméz-Peña colabora regularmente com a National Public Radio (rádio pública nacional), escreve para jornais e revistas nos Estados Unidos, México e Europa e é editor colaborador do The Drama Review (NYU-MIT). Disponível em: < https://hemisphericinstitute.org/pt/enc09-performances/item/55-09-guillermo-gomez-pena.html>. Consultado em: 10 fev. 2020.

6 Tradução do autor a partir do trecho: Si el lector detecta algunas contradicciones conceptuales e

inconsistencias en mi escritura [...] le ruego me perdone: soy un vato contradictorio, como lo son la mayoría de los performeros que conosco.

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10 Figura 1: Livro “Exercises for Rebel Artists: Radical Performance Pedagogy”,

Guillermo Gómez-Peña e Roberto Silfuentes, 2011.

Gómez-Peña fez muitas contribuições para o campo da performance no que concerne aos processos que relacionam sua arte e a sociedade em que vivemos, notadamente, nos desafios encarados pelos performers, estimulando o debate ao desdobrar seu corpo, friccionando políticas de gênero, de raça e de etnia.

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11 Sobre o workshop de performance do coletivo La Pocha Nostra, menciona que “criar comunidades temporárias de artistas rebeldes de diferentes disciplinas, idades, origens éticas, persuasões de gênero e nacionalidades, nas quais a diferença e a experimentação não são apenas aceitas, mas encorajadas” (GÓMEZ-PEÑA; SIFUENTES, 2011, p. 10)7 está entre seus objetivos e motivações.

A força da escrita artística contida nesses textos interessa-me inclusive por pensar, numa primeira instância, a própria produção dos performers no meio acadêmico, abrindo lugares de fala, alargando diálogos e fortalecendo a geração de outros bens culturais para além dos espetáculos, performances, instalações.

Em uma segunda instância, o espaço de reflexão (e o registro dela) é, também, de salutar importância para a criação de bases, colocando em pauta a voz do artista se questionando sobre seu próprio fazer artístico.

Escrita potente e poética está também presente na trajetória do Corpos Informáticos que, tendo a Beatriz de Medeiros como coordenadora, possibilita outras maneiras de entender a performance.

Arte, aquela praticada pelo Corpos Informáticos e muitos coletivos de performance, não tem moldura nem prego que a segure. A moldura é dura e dura, mas também é doce e obedece, chiclete. O prego fere e deixa marcas na parede, mas não nos corpos e suas mentes. Os espaços institucionalizados da arte são molduras, prendem e a separam dos ventos (MEDEIROS, 2013, p. 04).

Nesse sentido, a ênfase nos escritos de artistas surge-me, dessa maneira, como embasamento teórico, uma vez que meu diálogo se dá diretamente com os textos/ensaios do meu campo epistemológico. A ideia de uma informação vinda do artista sustenta a maneira como quero construir essa pesquisa, fazendo dela uma ponte entre os pensamentos desses performers e a minha própria constituição enquanto artista-pesquisador.

Como a arte da performance é um território conceitual e de fronteiras flutuantes, no qual a contradição, a ambiguidade e o paradoxo não são somente tolerados, mas estimulados (GÓMEZ-PEÑA, 2005), essas diferentes percepções são potentes para gerar novas perspectivas. Espera-se que, após a conclusão da pesquisa, tenha-se em

7 Tradução do autor a partir do trecho: • To create temporary communities of rebel artists from different

disciplines, ages, ethic backgrounds, gender persuasions, and nationalities, in which difference and experimentation are not only accepted but encouraged.

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12 mãos um trabalho que contenha maneiras de como esses performers se organizam e preparam suas ações artísticas, tendo, o leitor, acesso de maneira mais fácil a esses disparadores criativos.

Utilizar a palavra “pista”, nesse contexto, parece-me o mais apropriado, pois pretendo entender algumas marcas deixadas no chão pelos performers citados, buscando não só seguir os caminhos percorridos, mas também encontrar novas rotas, vestígios, indícios...

Alerta Ciotti (2011, p. 32) que “o problema não é simples, estudar performance é um desafio, inclusive um autodesafio”. Por isso, escolho propostas de trabalho aproximadas de minha pele, que foram experimentadas e passadas pelo/no corpo, fazendo com que a ação reverbere nos meus escritos.

Tendo essa posição afirmativa tomada, resta-me destrinchá-la, demonstrando como me instigaram a pesquisar cada vez mais dentro do campo da performance e a entender os outros usos do corpo dentro de cada proposição. Para Alice (2016, p. 26),

Interdisciplinar, transformadora, transgressiva, a performance, além de se cunhar como linguagem artística, apresenta-se, mais do que como uma disciplina artística, como uma indisciplina que amplia fronteiras, abre horizontes, rompendo com códigos representacionais preestabelecidos, afirmando-se como linguagem artística independente, não comercial e não comercializável, gerando consciência política e fomentando desejos de transformação social.

Portanto, meus escritos buscam, nesse momento, somente falar desses referenciais, porque, de certa forma, estiveram juntos a mim nessa caminhada no universo da performance. É ciente de minha parte que outros performers estão também em um movimento de criação e registro de suas ações e/ou mecanismos, mas procuro fazer esse recorte justamente por saber que o campo se expande e que minhas pequenas mãos não conseguem segurar todo esse dinâmico movimento. Mesmo agora enquanto escrevo. Mesmo depois de construído esse castelo de (in)certezas.

Na fala de Matesco8 (2009, p. 23), “o artista não é apenas quem representa a

coisa, mas também aquele que revela seu sistema de projeções”. Nesse sentido,

8 Doutora em Artes Visuais (UFRJ) é crítica, curadora e professora associada de História da Arte na

Universidade Federal Fluminense. Trabalhou como curadora assistente na Funarte, no Museu de Arte Moderna/RJ e no Projeto Rumos Visuais do Itaú. Sua área de pesquisa gira em torno da questão Corpo e Arte e realizou as curadorias Tehching Hsieh no Centro HO (2002) e Corpo na Arte Brasileira (co-curadoria com Cocchiarale Itaú Cultural/2005). Publicou os livros Suzana Queiroga (Artviva, 2005),

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13 meus escritos de agora buscam dar conta das palavras de movência desses performers, de fazê-las agir nesse tempo, mostrando, conforme aborda Bogart e Lindau (2017, p. 32), que a “Composição é para o criador (diretor, escritor, performer, designer etc.)”, ou seja, performance como campo de investigação para todos aqueles que querem se aproximar da linguagem.

Optei por intitular a divisão das partes do trabalho em Composição, pois essa palavra permeia meu processo de pesquisa e está intimamente ligada com a maneira que desenvolvo cada bloco dessa pesquisa, ou seja, trata-se de uma tomada de decisão, uma ação que exerço diante dos caminhos escolhidos. Corroborando com Grotowski, “o Performer, com letra maiúscula, é um homem de ação. Ele não é um homem que faz o papel de outro. É o atuante, o sacerdote, o guerreiro: está fora dos gêneros estéticos9.

Dessa maneira, a presente pesquisa está dividida em quatro Composições, sendo a COMPOSIÇÃO I – DE ONDE PARTO a parte compositiva introdutória.

Na sequência, tem-se COMPOSIÇÃO II – PROGRAME-SE onde faço uma explanação acerca do conceito de programa performativo desenvolvido por Fabião e de como contribui para o campo da linguagem da performance e para a própria criação de performances. Além de seus pressupostos teóricos, dialogo com performers que possuem práticas que se apropriam desse procedimento, como é o caso da performer Silva (2016). Como continuidade do capítulo, dedico-me a trazer uma reflexão sobre as performances realizadas por mulheres, além de abordar a estética da precariedade como sendo auxiliadora nos modos de pensamento e produção dentro da linguagem da performance.

Em COMPOSIÇÃO III – PERFORMANCE E SEUS DESDOBRAMENTOS reflito sobre a performance em relação com o espaço urbano e com o afeto. Não se trata de segregar esses tópicos, tornando-os independentes. Acreditei ser interessante olhar a performance com esses enfoques, pois cada uma dessas

Uma Coleção em Estudo/ Coleção Banerj. (Museu do Ingá, 2010) e Corpo, Imagem e Representação (Zahar, 2009), Em Torno do Corpo (PPGCA/UFF, 2016) e Experimentação e método (Museu do Ingá/Philae, 2018). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Crítica da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: arte contemporânea, corpo e arte brasileira contemporânea, arte brasileira, corpo e arte contemporânea e corpo e arte. Disponível em: <https://www.escavador.com/sobre/2644417/viviane-furtado-matesco>. Consultado em: 10 fev. 2020.

9 GROTOWSKI, Jerzy. “Performer”. eRevista Performatus, Inhumas, ano 3, n. 14, jul. 2015. ISSN:

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14 palavras gera uma maneira de compor e pensar a performance. Nessa parte, trago performers e/ou perspectivas que não trabalham com o conceito de programa performativo com o intuito de ampliar as discussões sobre essas maneiras de composição que defendo.

Por fim, em COMPOSIÇÃO IV – DESEMBALADOR DE MEMÓRIAS, teço uma reflexão sobre o programa performativo que desenvolvo, Desembalador de Memórias, na qual tomo, como ponto de partida, a proposição de Fabião atrelada aos meus desejos de trabalhar uma relação dialógica que tem como ponto de troca uma balinha e que suscita as memórias dos transeuntes.

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COMPOSIÇÃO II – PROGRAME-SE

[...] cometer performances tornou-se vital para mim. (FABIÃO, 2015, p. 120)

Em Agosto de 2018, com o apoio do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e da bolsa CAPES, estive no Rio de Janeiro para a participação no seminário internacional Trans-In-Corporados: Construindo Redes para a Internacionalização da Pesquisa em Dança realizado pelo Laboratório de Crítica e

pelo Programa de Pós-Graduação em Dança da UFRJ, com recursos da CAPES e em parceria com Goethe-Institut, Festival Panorama e Museu de Arte do Rio, nos dias 23, 24 e 25. Na ocasião, apresentei um paper intitulado “Linha Branca: investigações do programa performativo”, abordando a criação de uma performance atrelada ao conceito desenvolvido por Eleonora Fabião exemplificado numa série de ações realizadas tanto nas praças do Rio de Janeiro, como em outras cidades do Brasil e do mundo.

Já havia trocado e-mails com Fabião buscando paradeiros do seu famoso livro

Ações, lançado em 2015 com financiamento do Programa Rumos Itaú Cultural

2013/2014. Sabendo que faria estadia em suas terras por conta do evento, mandei um outro e-mail perguntando se poderíamos nos encontrar. Ela gentilmente respondeu que sim e fui a seu encontro.

O lugar da conversa foi um café dentro do Campus Praia Vermelha da UFRJ. Cheguei com antecedência, reforçando a expressão carioca: “faz teu nome”. Fabião apareceu uns minutos depois. Sentamo-nos e conversamos por um tempo que não fora contado no relógio. Falamos sobre a minha pesquisa, meus referenciais, dos trabalhos que estavam sendo desenvolvidas na UFRJ dentro da área de performance, e sobre política.

Naquela época, as perguntas ainda reverberavam nela e na cidade: Quem matou Marielle? Quem matou Anderson? Quem mandou matar Marielle? Perguntou a respeito da minha permanência, indicando que, se ficasse mais tempo, poderia ter

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16 aulas com ela. Infelizmente, minha estadia não iria se estender para que pudesse ter essa experiência.

No decorrer da conversa, quando a indaguei sobre como estava vendo a utilização da ideia do programa performativo na produção dos seus discentes, comentou que o programa “oxigenava” suas produções. Gostei dessa palavra. No fundo também buscava oxigênio ali.

No decorrer da minha trajetória artística, deparei-me com a linguagem da performance como possibilidade de rompimento de um fazer artístico autocrático, centralizado na figura do diretor e com pouca participação e interferência da outra ponta, leia-se ator e/ou intérprete.

As primeiras experimentações com performance foram feitas no fluxo, criando, explorando, colocando-me em risco (como se o próprio fazer artístico, em geral, já não fosse). Desde então, tenho me colocado diante de mecanismos de composição diversos que me possibilitaram estar em manutenção e constante aprendizado. O contato com a ideia do programa performativo foi algo muito revelador, um achado em meio a tantos outros referenciais teóricos que permeiam a vida de um artista-pesquisador, fazendo-me repensar com cuidado a idealização das minhas ações.

A primeira vez que ouvi falar no programa performativo aconteceu em 2015 numa residência artística chamada ENCONTRO-LABORATÓRIO, realizada em Natal/RN, mais especificamente no Espaço Gira Dança, ministrada pela artista, produtora e gestora cultural, Talma Salém10. Na ocasião, Salém compartilhou

metodologias de criação e treinamentos relacionados a sua pesquisa, propondo um espaço de experimentações ligadas à performance “Travessia”, que foi contemplada com o Prêmio Funarte Artes na Rua (Circo, Dança e Teatro) 2014 e que também foi apresentada na cidade. Ao fazermos a leitura de um artigo escrito por Fabião11, tive

acesso à ideia de programa como sendo uma ação construída metodicamente, pensada com esmero, que exige dedicação do performer para colocá-la em prática e que é contrária ao pensamento de que o performer não planeja suas ações. Esclarece, a autora, que o performer

10 Para mais informações, acesse: https://talmasalem.com/.

11 Performer, teórica da performance e professora associada da Escola de Comunicação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) -- Graduação em Direção Teatral e Pós Graduação em Artes da Cena onde coordena a linha de pesquisa "Experimentações da Cena: formação artística". Disponível em: <https://www.escavador.com/sobre/7734401/eleonora-batista-fabiao>. Consultado em: 30 set. 2018.

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17 [...] cria um programa e programa-se para realizá-lo. Ao agir, seu programa, necessariamente, des-programa seu organismo e seu meio. Tratam-se de experimentações, de ações “extracotidianas”, da vivência de estados psicofísicos alterados que disseminam dissonâncias diversas: dissonâncias de ordem econômica, política, emocional, orgânica, ideológica, psicológica, espiritual, identitária, sensorial, sexual, social, racial... (FABIÃO, 2009, p. 63). O programa me surgiu como uma válvula que auxiliava no entendimento das minhas ações. Parece que, ao saber da existência dessa ideia de composição, senti-me estimulado a criar tendo, então, um respaldo de como poderia arquitetar as coisas.

Penso que Fabião esforçou-se para retirar a prática em performance de um lugar estigmatizado, relacionado ao superficial, ao inacabado, ao feito às pressas e, com isso, reforçou que fazer performance requer um trabalho investigativo e de valor.

Medeiros (2011, p. 54) faz um apontamento interessante ao dizer que

Um script pode prever ações encadeadas com muita precisão e minutagem fechada. No nosso caso, não há minutagem. É apenas o encadeamento de ações. Não há ensaio total. Acreditamos que ensaio, marcação de tempo e determinação fechada de ações impedem a torrente quando se deseja a participação do público.

Ainda sob a perspectiva de Bogart e Landau (2017, p. 201), elas explanam que “no trabalho de Composição, nós praticamos criando. Matemos em forma nossa liberdade de sermos ousados, articulados, divertidos e expressivos”. Auxiliando na construção de minhas performances, sendo centelhas que me auxiliam quando penso em sua execução, em seu agenciamento entre performer e audiência12, sinto que a

performance acontece antes, na elaboração, mas se configura mesmo enquanto ação quando a realizo, ponho em prática.

A denominação desse tipo de procedimento como “programa” foi usada por Gilles Deleuze e Félix Guattari no célebre texto “28 de novembro de 1947– como criar para si um Corpo sem Órgãos” a partir dos escritos de Antonin Artaud. Nele, os autores indicam que o programa é o “motor da experimentação” ao dizerem que

12 Nessa pesquisa, vou me referir a quem vê a performance como audiência, pois me parece uma

nomenclatura que engloba essa outra esfera do outro lado do fazer performático. No decorrer do meu texto, outros autores já preferem chamar de público, espectador, entre outros.

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18 Isto não é um fantasma, é um programa: há diferença essencial entre a interpretação psicanalítica do fantasma e a experimentação antipsicanalítica do programa; entre o fantasma, interpretação a ser ela própria interpretada, e o programa, motor de experimentação (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 12).

Parece que, em contrapartida à imagem do fantasma, como suscitam os autores, o programa necessita ser corporificado, ganhar carne, dessa maneira, o Corpo sem Órgãos (CsO) envolve uma prática. Ao colocar o corpo nessa relação, é possível (des)estratificá-lo, (des)organizá-lo. A palavra “experimentação” ganha uma dimensão de grande importância ao ser relacionada ao desenvolvimento da noção de programa performativo por Fabião, pois é necessário executá-lo para se ter uma dimensão do que causa ou do que vem a causar. Dessa maneira, pode-se, sob a ótica do CsO, analisar a prática de Fabião, uma vez que desmantela sistemas de controle, vai contra a ordem vigente de pertencimento ao espaço urbano, esvazia, de uma pretensão sólida, a cena que desenvolve.

De acordo com Fornaciari

[...] o texto Como criar para si um corpo sem órgãos trata de uma filosofia no carnal, no corpo, no/em movimento. Uma filosofia que se vale de ideias para atingir a matéria, que busca potencializar novas relações biopsíquicas a partir de práticas corporais. Um pensamento que parte do corpo e a ele retorna, nesse percurso desconstruindo os “órgãos”: desfazendo limiares entre o externo e o interno, entre a noção de parte e todo. Uma razão que respira, e, circulando, conecta o fora e o dentro (FORNACIARI, 2012, p. 192).

Corpo sem Órgãos é esse que é contra a ideia de um organismo que o limita, o impõe barreiras e o condiciona a determinadas maneiras de agir. “Percebemos pouco a pouco que o CsO não é de modo algum o contrário dos órgãos. Seus inimigos não são os órgãos. O inimigo é o organismo” (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 21). Organismo que inibe uma capacidade de interação, que reduz a potência de desejo com seus estratos, com o juízo de Deus.

Se pensarmos na etimologia da palavra programa, podemos verificar que remete a algo mais duro, fechado, mas, nessa perspectiva, ela acaba sendo flexibilizada ao se tornar via de experimento através do corpo, na qual gera uma alteração por causa dessa relação corporal em que é inserida. Para tanto, realizar programas performativos é se colocar num espaço de conexões entre o interno e o

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19 externo dialogando em constância, retroalimentando-se, sendo potência de experimento e estética.

O programa é motor de experimentação, pois a sua prática cria corpos e relações entre eles; deflagrando negociações de pertencimento e ativando circulações afetivas que eram impensáveis antes da formulação e execução do programa (FABIÃO, 2013). Ao contrário do que se pode pensar, o CsO não está esvaziado, ele é preenchido de alegria, encontro, dança, afetos, êxtase.

Possibilitando uma espécie de encontro não agendado, o programa performativo permite que o performer se coloque num estado de entrega, concentrado na realização da ação e das relações que surgem a partir dele, tentando alcançar talvez um CsO. Como aborda Fornaciari (2012, p. 192) “o CsO é criado a partir de um processo de despersonalização de seu criador”. Uma ruptura que faz com que o indivíduo se olhe de maneira mais ampliada, abandonando seu corpo, mas retornando a ele através de sua prática, o dentro e o fora. Nesse sentido, os “programas criam

corpos naqueles que os performam e naqueles que são afetados pela performance”

(FABIÃO, 2009, p. 63). Trata-se de convites mansos e inesperados, posicionamentos que necessitam ser tomados com emergência, convites para a criação do CsO.

Fabião trabalha o corpo na performance com outro enfoque, no qual se percebe fortemente aspectos mais relacionais e dialógicos. Aparentemente, menos radical do que muitas performances que vemos, suas ações também exigem um grau de concentração e entrega muito grandes. Penso agora nas ações Mancha Preta,

Mancha Branca e Mancha Vermelha, onde a performer caminha pela cidade toda

coberta com sacos plásticos nas cores preta, branca e vermelha, respectivamente. Sobre as experiências em Mancha Branca, tem-se o seguinte relato:

Não enxergava nada que não fosse o branco do saco. Breu total. Sem buracos para os olhos ou para o nariz. Sem buracos. [...] Depois da curva estava completamente perdida, caí de uma mureta e fui parar num parque de cachorros que nem sabia que existia. Os cães enlouqueceram com aquela visão. Fiquei completamente imóvel para que eles me cheirassem, para que entendessem que eu estava com mais medo deles do que eles de mim. Nem sei como consegui sair dali. Tem algo se super-herói, algo hilariante e algo muito triste e terrível nisso tudo (FABIÃO, 2015, p. 214).

Ela também se coloca num lugar de risco por caminhar nas condições em que se provoca e por também solicitar ajuda para se vestir, ao se preparar para essas

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20 ações. Eleonora se entrega ao acaso e faz dele seu aliado. A cidade dando respostas desde sempre.

Figura 2: "Mancha Vermelha”, Eleonora Fabião, Rio de Janeiro, 2015. © Felipe Ribeiro

Em cada ação, as experiências ficam acumuladas na história-epiderme da performer. É desse material vivencial que se constitui, elabora outras vias de acesso, oxigena a si mesma. Em texto escrito em 2000, Fabião coloca que “o performer é a encarnação da ação; aquele que mostra, representa, vive, deflagra a experiência individual e coletiva13”. Assim, o performer seria aquele que desvenda as camadas da

pele com seu trabalho, a sua própria e as dos outros; realizando-se no espaço urbano, desvenda as camadas de concreto com suas histórias, memórias, afetos inesperados. A inquietude provocadora parece-me como natureza do performer, nadando contra a correnteza, colocando-se em lugares inóspitos, perigando cair, arranhar-se.

13 FABIÃO, Eleonora. What is Performance? Disponível em:

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21 Consciente, mas sempre flutuante. Neuparth (2014, p. 30) reforça que “a presença viva do corpo é assustadora”. Deflagrar isso, de maneira tão inesperada, mais ainda.

Notar como esses procedimentos composicionais são pensados é importante para verificar o que é acionado em cada programa performativo. Os passos para a realização de Ação Carioca #1: Converso sobre qualquer assunto, ação bastante conhecida de Fabião, por exemplo, são descritos da seguinte maneira:

Sentar numa cadeira, pés descalços, diante de outra cadeira vazia

(cadeiras da minha cozinha).

Escrever numa grande folha de papel:

CONVERSO SOBRE QUALQUER ASSUNTO. Exibir o chamado e esperar14.

Aqui nota-se uma descrição clara dos elementos que são utilizados (cadeiras, folhas de papel), das ações realizadas (sentar, escrever, exibir e esperar) e do tipo de chamamento: uma palavrar sobre assunto qualquer. Fabião deixa claro que, nesse tipo de proposição, há uma ferramenta de trabalho fundamental: a receptividade. “Receptividade transforma corpo em campo. Não tenho ilusão de compreensão mútua, nem desejo de passar mensagem preestabelecida” (2015, p. 17). Estar sentado no espaço urbano, dispondo apenas desses materiais é permitir abrir-se para as trocas que surgem. Do simples ato de conversar pode-se perceber uma nova cidade surgindo.

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22 Figura 3: “Converso sobre qualquer assunto”, Eleonora Fabião.

Para Taylor (2015, p. 272), a “abordagem de Fabião é estranha e reconfortantemente fora do tempo em relação a muita performance contemporânea, que se atém a guardar a performance, arquivá-la, representá-la e vendê-la a museus e galerias”. Ao contrário, suas ações são entregues, compartilhadas, vivenciadas em via pública, assumindo riscos em outras instâncias na medida em que o acaso se faz acaso, brincando de friccionar arte e vida, ou apenas ampliando as compreensões de vida que se tem e das que se quer gerir.

Gostaria de ter a coragem ou soltura de escrever uma carta tão contundente como fez a performer Flávia Naves: nela, menciona que tem feito uso da prática do programa performativo a cada vez que sente necessidade de se “(des)estratificar, [...] (des)habituar, de escovar a contrapelo” (NAVES, 2016, p. 43). Corroboro com ela quando menciona que, através da realização de programas, o artista acaba desprogramando a si e ao meio, acelerando, com sua prática, circulações e intensidades, desencadeando encontros e conversas. Desde então, o programa performativo tem ocupado a minha boca e o meu imaginário.

Relacionado a sua prática, Fabião (2015, p. 17) afirma que trabalha “para a cocriação de sentidos momentâneos e compartilhados. Para a criação conjunta de um campo relacional”. O campo de relações, nesse tipo de proposição, está aberto, não só pela proposta dialógica que possuem algumas ações, mas pelo espaço, pela praça,

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23 pelo lugar de fluxos, onde tem “gente que veio só olhar, (...) gente a sorrir e a chorar” citando a música Encontros e Despedidas cantada por Maria Rita (composição de Milton Nascimento e Fernando Brant). A vertente relacional está muito presente em sua produção e esse aspecto torna-se demasiadamente salutar na construção de algo coletivizado.

Na transversalidade, Alice (2016, p. 28) defende que “na era da virtualidade e das relações sempre mais distanciadas, oferecer presença, cuidado e atenção se torna um dos motores e fermentos da performance, que a tornam potente”. Na minha perspectiva, tanto Fabião quanto Alice trabalham nessa esfera da relação, agenciamento, opção de escolha, troca, toque, ouvir, fazer ou não fazer, chegar ou não chegar.

(30)

24

lendo seu livro percebi que, pela segunda vez, destaco a

frase “dar tempo ao tempo”. me parece que essa

indicação é de maneira essencial nessa construção de

presença e interferência no fluxo cotidiano. é um espaço

de maturação do performer no/com o ambiente. dar

tempo ao tempo é um indício de se deixar observar e ser

observado, afetar ao mesmo tempo que afeta (circuito

afetivo), ser uma parada não usual no caminho daquele

que passa desavisado. cabe aí a ação do tempo que

alimenta a abertura para a interação. como me parece

poético o ato de abrir um livro e deitar-se ao lado dele

para recriar essas fotos dos índios nambikwares. vejo o

trabalho com memória aqui também. é um trabalho muito

sensível e simples. e isso me surpreende de maneira

muito feliz. um diálogo de dois corpos (seu corpo e livro)

que criam um terceiro corpo ali, na praça, no meio do

caminho. falo dessa composição, dessa imagem colada.

um corpo que precisa mostrar, evidenciar algo. fazer com

que tenhamos conhecimento da nossa trajetória.

saudades de um Brasil que foi e que luta ainda para ser.

me interessa muito saber como elabora suas ações. por

aqui tenho elaborado algumas também, às vezes muito

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25

próximas de coisas que já executou. essa conectividade

assusta e me alegra. isso é muito comum na história da

arte, né? pessoas que pensaram coisas muito similares

em contextos diferentes e que sequer interagiram de fato,

corpo a corpo. por aqui as coisas fervilham. na língua, no

pensamento, na palavra

15

.

15 Muitas vezes ao ler o livro Ações elaborei alguns diálogos com Fabião que intitulei de “nossas

conversas”. Aqui tem-se conversa feita a partir da leitura da p. 178 do livro onde a autora descreve o programa de Saudades do Brasil.

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26 Fabião lança que, nas proposições realizadas no espaço urbano, a via é de mão dupla: eu afeto ao mesmo tempo que sou afetado também. Essa mola cíclica é responsável por evidenciar o quanto de mim há no outro e vice-versa. O quão podemos ser estranhos e similares em nossas abrangências de vida e o quanto há de humano nesse reconhecimento. Taylor, ao comentar a produção de Fabião (2005, p. 279), fala que “em vez de se concentrar na obra de performance singular e autoral, ela se volta para a arte como experiência, como forma de se comunicar e conectar com os outros”. Nessa perspectiva, há de se perceber uma relação de troca entre performer e audiência.

Esse tipo de proposição pode gerar uma discussão ainda retomada no campo da performance que é a diferença entre apresentação e representação, pois é comum ouvir perguntas do tipo: O que você quer dizer com isso? O que significa? Matesco (2009, p. 47) esclarece que

A confusão entre apresentação e representação da performance se deve ao fato de ela existir não porque o objeto é um signo, mas porque ela se torna um signo durante o seu desenvolvimento. O significado da performance reside na relação estabelecida entre emissor e receptor, pois é um ato de comunicação.

Embora a performance cause um curto-circuito entre arte e não-arte, a relação de compreensão e aproximação vai se dando no desenvolvimento dela, no qual as elaborações dos signos vão ocorrendo. Isso se deve também ao fato de que “o

performer é seu próprio signo” (GLUESBERG, 2013, p. 73), sendo detentor dos

caminhos que sua ação vai tomar.

Portanto, ao presenciar uma performance, a audiência não precisa traduzi-la, mas criar conexões com o que vê, percebe. Dessa maneira, coloca Gluesberg (2013, p. 126) que “o receptor de uma performance não necessita – insistimos – decifrar nada. Sua relação com o evento é uma experiência direta e vital”.

Colocar-se no âmbito da experiência parece ser primordial nesse tipo de proposição, abrindo espaço de discussões dentro do fazer artístico. Assuntos autobiográficos, traumas compartilhados, processos de cura, entre outros temas movedores também fazem parte dessa diversidade de maneiras de composição.

Dessa maneira, os programas performativos baseiam-se em alguns elementos dramatúrgicos bastante compreensíveis. Entre eles, Fabião (2009, p. 63) aborda sobre “a recusa de performar personagens fictícios e o interesse em explorar

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27 características próprias (etnia, nacionalidade, gênero, especificidades corporais), em exibir seu tipo ou estereótipo social”, ampliando as concepções de cena e da própria experiência.

Impossível não recordar Larrosa ao nos dar indícios significativos acerca da experiência quando diz que:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2015, p. 24).

Podemos depreender daí que as ações que Fabião realizou soam como paragens que indicam algum tipo de tomada de decisão. Uma relação de experiência e encontro que requer dar tempo ao tempo, como mesmo escreve. Parecendo corroborar com Larrosa, a realização de programas tem o intuito de “desacelerar espetacularidade, acelerar receptividade, criar zona de instabilidade, terreno precário onde cadeira, chão, eu, outro, nós, comunicação, palavras, cidade, público, privado permanecem mudando de sentido” (FABIÃO, 2015, p. 17) possibilitando que algo mude, agindo por essa via de não enunciação, de não necessitar de uma apresentação, sendo operacionalizado no momento que ocorre.

Buscando uma forma de aproximação da ideia do programa performativo, vivenciei uma ação da performer realizada no Rio de Janeiro nos anos 2014/2015 intitulada de Brasil: o momento em que o copo está cheio e já não dá pra engolir –

nosso caso é uma porta entreaberta.

Dessa vez, a ação seria experimentada na Av. Rio Branco, centro conhecido na cidade de Natal/RN por seu comércio efervescente, como um exercício da oficina [PERFORMANCE: CONTEXTO - DISRUPTURA - MOVIMENTO] contemplada no Edital Chico Villa de Formação Cênica. Ministrada em parceria com Natã Ferreira16 e

16 Artista visual e pesquisador de Performance no espaço urbano, tecnólogo em Eventos (Produção

Cultural) pela Etec de Artes de São Paulo (2012). Graduado em Artes Visuais na UFRN (2017). Atualmente, mestrando no curso de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRN.

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28 Rita Cavassana17 na FUNCARTE, de 15 a 26 de outubro de 2018, a oficina teve como

mote, além do compartilhamento de nossas pesquisas pessoais, a exploração do espaço urbano e suas poéticas, buscando algumas maneiras de perceber e rever o entorno, o que acabou se configurando como um grande bloco de experiências.

Coletivizamos a realização de Brasil: o momento em que o copo está cheio e

já não dá pra engolir – nosso caso é uma porta entreaberta, pois, além de mim, havia

mais três performers. Em nosso programa, definimos um trajeto e um ponto em que cada performer ficaria parado esperando o momento para a troca. Assim sendo, cada um de nós andava com o copo até encontrar o outro performer e o entregar, fazendo com que o elemento fosse repassado até o último performer que encerraria a ação.

Originalmente, as indicações para a realização desse programa constam no livro Ações (2015, p. 249) e são as seguintes:

Encher um copo d’água até o limite. Caminhar numa rua movimentada com o copo na mão, braço estendido, sem derramar uma gota.

Se derramar, encher novamente até o limite e prosseguir.

No período da tarde, caminhar de maneira lenta segurando um copo transparente com água até a borda numa das avenidas mais movimentadas da cidade de Natal, numa ação que ia de encontro ao fluxo da passagem, ajuda-me a pensar como se dá a organização de uma ação, como ela vai sendo arquitetada, pensada, o que vou precisar acionar para sua realização, quais medidas tomar, que acordos serão esses. Por isso, pensar a reperformance, ali, foi muito interessante para criar esse knowhow de vivência, além de ter se configurado como uma forma de ação pedagógica e preparação para os participantes.

17 Performer e Artista do corpo. Bacharel em Comunicação das Artes do Corpo na PUC-SP e Mestre

em Artes Cênicas na UFRN com a pesquisa "Performance Compartilhada com Crianças: Um relato do Professor Performer". Participou em 2015 da performance "Carta a Renato Cohen” e do projeto "CHÃO Laboratório de Performance para Crianças em Meio Rural".

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29 Para a nossa proposição, resolvemos compartilhar o copo para que mais pessoas também pudessem performar aquela ação, descaracterizando esse aspecto solo, mas mantendo as ações. Nesse dia, acabamos falando sobre a ideia de reperformance com os presentes.

Para Taylor (2015, p. 274), as “noções de autenticidade, originalidade, historicidade, de cuidadoso re-fazer de obras emblemáticas, e ampla acessibilidade, fundamentam a re-performance”. Para mim, refazer essa ação específica estava em foco, sentir as movências que agem em Fabião, degustar também de seus devaneios poéticos através do andar.

Marques traz reflexão interessante ao falar sobre o ato de andar. Argumenta que

O ato de andar passa a ser o gesto mais comum a medida em que colocar os pés em movimento convoca a atestação da aliança natureza e cultura na e pela singularidade do corpo: passo a passo expomos a potencialidade desse manancial sensorial, motor, perceptivo e cognitivo, conforme experimentamos relações, conexões, associações com o entorno, com os outros, com os muitos, em suma, com a coletividade. Isto porque, o corpo que anda expõe a si próprio à irrupção inestancável de colisões com outros corpos conforme, a cada passo, se torna um outro corpo (MARQUES, 2017, p. 29).

Pensar o corpo no espaço, caminhando lento de maneira controlada, braço esticado na altura do ombro, copo de plástico transparente com água até a borda, concentração ampliada, olhar para frente e para fora. Um corpo realizando uma ação não usual.

De acordo com Alice (2016, p. 58), a reperformance (ou reenactment) é uma

[...] forma de expressão ao vivo de um acontecimento performático implicando corpo, presença, autotransformação do performer e reciclagem de energias, não é um ato retrospectivo somente que tenta manter a ilusão da permanência e retenção do efêmero de maneira aparentemente duradoura. Ele é também a forma de uma memória que, ao invés de lembrar o que foi perdido, reproduz e traz à tona uma presença. Temos então uma nova composição de formas e energias, uma recomposição por meio da conexão mental, sem que se precise pensar a história como algo progressista, gerando a cada instante uma “evolução”, dentro de uma perspectiva moderna.

A reperformance surge-me aqui como maneira de experimentação e diálogo artístico com Fabião, reavivando corpos, proposições, diálogos em outros contextos

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30 ou nos dizeres de Silva (2016, p. 87) “como um estopim, um gatilho, uma potência”, que me deixa conectado com suas produções, fazendo-me entrar num estado de experimentação.

Figura 4: Reperformance de “Brasil: o momento em que o copo está cheio e já não dá pra engolir – nosso caso é uma porta entreaberta”, Natal/RN, 2018.

© Natã Ferreira

Pessoas com pressa, segurando sacolas, com tarefas a serem cumpridas, mês de outubro esvaindo-se, semanas que antecederam as eleições do segundo turno para a presidência. Rua enérgica. Caos instaurado. Caminho na direção contrária a dos transeuntes, ao mar de gente. Algumas reações brutas. “Isso é macumba!” Outros demonstrando uma certa surpresa, curiosidade. A reperformance dentro da proposição de Alice (2016, p. 62) age como “um diálogo onde o corpo do performer que realiza o reenactment tenta reatar com a intensidade de proposta original, com um corpo ausente/presente, reterritorializando afetos e potências com as quais ele se identifica”, gerando outras percepções.

Dirá Serres (2011, p. 143) que “nem toda arte é doce, chiclete, goma de mascar. Toda arte pode ser fruta, virar doce, virar fruta”. Acredito que o trabalho com a

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31 performance inserida no espaço urbano pretende transformar o concreto em fruta, em algo que se sinta o gosto, que se saboreie.

Algumas transeuntes mulheres, ao encontrarem Rita Cavassana desenhando/demarcando as silhuetas dos participantes que se colocavam no chão, chamaram-na de bruxa, dizendo que deveria queimar na fogueira. Reação similar que Fabião (2015, p. 228) descreve ao realizar, em Montreal, no IX Encontro do Instituto Hemisférico de Performance e Política, a Série Precários: toco tudo: “Vai embora sua bruxa! Não queremos você aqui”. Ruas tão distantes, relatos tão parecidos. Afetos atravessados nas mais diversas esferas.

Após algumas leituras e de refletir um pouco, percebi que Fabião não ignora os momentos de abertura que porventura possam surgir. No caso dessa ação, não tinha dimensão da recepção dos transeuntes, se iriam interagir, perguntar alguma coisa ou realizar a ação com ela como propõe a performer na Ação Rio-Pretense #6: jarros18.

Medeiros confessa que, na performance, pôde

[...] perceber o quanto precisamos apreender no tempo átimo. Aprender a aprender. Não hei de negar os ganhos com a possibilidade da antecipação, mas um reconhecimento da (im)possibilidade do instante. Há descobertas que se mostram possíveis apenas no ato. No desdobrar dos corpos presentes em determinado espaço tempo: problemáticas nativas do instante, do lance, das inter-relações do momento19.

Há um espaço para esse tipo de diálogo inesperado que pode surgir a qualquer momento. Como coloca Silva (2016, p. 59), a performance, ao se colocar enquanto performance urbana “encontra intenso potencial de relação, de encontro com o outro, de conexão com diferentes sujeitos, de classes sociais variadas e de experiências culturais distintas” ampliando, assim, as recepções e respostas no momento de sua realização.

Percebo que as indicações para a realização de Converso sobre qualquer

assunto, por exemplo, são bastantes claras, mas, obviamente, ela não pode prever

18 Nessa ação, Fabião utiliza dois jarros – um de barro, outro de prata; um cheio d’água, outro vazio.

Ela move a água de um para o outro até seu desaparecimento completo e, caso os passantes se aproximem, pode oferecer os dois jarros para que realizem a ação sozinhos ou oferecer um dos jarros para que realizem a ação juntos.

19 MEDEIROS, Maria Beatriz de; COSTA, Mateus de Carvalho. Performance e composição urbana:

outros processos educacionais em práticas artísticas em grupo. Disponível em:

<http://grafiasdebiamedeiros.blogspot.com/2016/09/performance-e-composicao-urbana-outros.html>. Consultado em: 17 jul. 2019.

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32 quem irá se sentar ou não, quais assuntos serão abordados ou tempo delimitado para cada troca. É aí que vejo um espaço para o improviso, para o desconhecido: essas relações que vão se construindo com o próprio desenrolar da ação. Sobre essa experiência, menciona que na rua compreendeu que “essa primeira ação não é exatamente sobre arte de lugar específico (site-specific art), mas sobre a abertura de espaços” (FABIÃO, 2015, p. 14). Colocar-se nesse lugar é também vivenciar a rua e suas respostas afáveis-inesperadas-acolhedoras-agressivas. É realmente gerar um campo de imanência.

Nos dizeres de Fabião (2015, p. 45),

Como a performance faz ver, corpo e mundo nunca estarão formados: corpo e mundo geram suas incompletudes recíprocas. Corpo e mundo não são exatamente inacabados, mas inacabáveis: provisórios, parciais, participantes: precários, precários, precários. Não estão única ou exatamente em processo de transformação contínua, mas em estado de geração permanente. Corpo-mundo que gera o mundo-corpo que o gera.

Essa retroalimentação da qual Fabião parece dizer ao tratar do corpo-mundo-corpo é elemento essencial e gerador no quer provocar: encontros através de um circuito afetivo presente, capaz de interferir no tecido urbano ao ser acionado com a presença dos transeuntes. Para Taylor, Fabião (2015, p. 272) “nos convida, na qualidade de público, a presenciar ou nos fazer presentes, participando. Presenciar – não é o mesmo que se identificar com um outro –, no entanto, nos posicionar no cenário”.

Dessa maneira, o programa performativo torna-se um agenciador dessa relação entre performer e audiência e contribui para que performers organizem suas composições ao pensar desde a organização de sua ideia aos materiais que serão utilizados.

MULHERES NA PERFORMANCE

Em outro aspecto, falar dos trabalhos que Fabião tem feito, no campo da performance, é pensar uma produção realizada por mulheres. A partir de diversas

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33 performances que potencializaram a presença de mulheres no meio artístico ao evidenciarem suas urgências e os seus modos de criação, Silva faz uma observação bastante interessante quando diz que esse movimento acaba se configurando enquanto resiliência. Para ela,

Trata-se da resistência das mulheres em cena, seja performando, dançando, atuando, criando arte ou produzindo conhecimento e reflexão especializados através de sua prática. Na história da performance contamos com nomes importantes de transformação dos paradigmas do papel da mulher na sociedade, seus limites e espaços, e assim, transgredindo as regras e limites de ação do corpo feminino para além do privado (SILVA, 2016, p. 68).

Descentralizando uma fala hegemônica e masculina, a produção feminina em performance significa um (re)posicionamento das mulheres como sujeitos do discurso ao propor novas maneiras de composição, novas teorias e modos de pertencimento que dialogam mais com seus universos particulares, gerando dessa maneira, novos escritos também. Portanto, analisa Cotrim e Ferreira (2009, p. 11) que “cada período histórico tem, assim, produzido diferentes tipos de escrita artística, reveladores tanto das condições socioculturais do artista quanto das transformações de linguagem, apresentando modos diversos da sua inscrição na arte”. Assim sendo, tanto a realização de trabalhos, como a própria análise crítica, contribuem para a história da performance realizada por mulheres. As performances de Fabião e de Alice dão continuidade ao somatório das produções de Marina Abramovic, Orlan, Márcia X, Gina Pane, Lygia Clark, entre tantas outras performers que produziram subjetividades distintas com seus corpos ao dialogar com as artes visuais, a dança e/ou instalações.

Artistas que acabaram rompendo com alguns paradigmas, como é o caso da coreógrafa e bailarina americana Trisha Brown que, ao desorientar o senso de equilíbrio gravitacional da audiência, acrescenta uma nova noção de “corpo no espaço”. Em sua obra Andando na Parede “que foi apresentada numa galeria do Whitney Museum (...), os performers andavam pelas paredes em ângulo reto em relação ao público” (GOLDBERG, 2006, p. 152). Possuindo trajes e equipamentos de alpinistas, essa proposição explorava as possibilidades do movimento no espaço.

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34 Figura 5: “Andando na Parede” de Trisha Brown, 1971.

© Carol Goodden20

Trabalhos como os de Trisha Brown, por exemplo, foram fortalecendo a produção em performance realizada por mulheres, intensificando uma personalidade investigativa múltipla dessas artistas que abordavam tanto questões relacionadas a própria resistência do corpo, como aos abusos sofridos, as suas poéticas íntimas, aos materiais que o corpo produz (saliva, sangue), entre outros. Recordo do trabalho da performer brasileira Maria Eugênia Matricardi que usa o sangue de sua menstruação em Pintura Corporal de Guerra21. Nela, retira um coletor com sangue de sua vagina e

começa a realizar pinturas em seu corpo perante uma audiência.

20 Disponível em:

<http://walkerart.org/collections/publications/performativity/drawings-of-trisha-brown/>. Consultado em: 03 dez. 2019.

21 Vídeo de Pintura Corporal de Guerra, performance realizada no I Salão Universitário de Arte

Contemporânea, Galeria Espaço Piloto-UnB (2009). Disponível em: <https://vimeo.com/42238663>. Consultado em: 21 out. 2019.

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35 Figura 6: “Pintura Corporal de Guerra”, Maria Eugênica Matricardi, Brasília, 2009.

© Ana C.

Em uma ação lenta, com duração média de 20 minutos, ela se colocou parada e nua no centro de um espaço onde o ato de se pintar vai sendo desenvolvido aos poucos. Em descrição da performer:

Nua entro na galeria. Fico alguns minutos em concentração. Retiro de dentro da vagina um coletor menstrual. Molho os dedos médio e anular no sangue, traço uma linha horizontal abaixo dos olhos. Pinto o rosto, depois traço uma linha vertical pelo torso, outra horizontal pelos seios. Marco com os dedos gotas de sangue que escorrem no lado esquerdo e direito do peito. Coloco o restante da menstruação na boca, sinto o gosto do meu endométrio deixando o sangue escorrer da boca pelo torço até chegar na vagina e gotejar no chão22.

22 Para acesso a descrição e ao vídeo de Pintura Corporal de Guerra. Disponível em:

<http://mariaeugeniamatricardi.com/pintura-corporal-de-guerra---2009.html>. Consultado em: 03 dez. 2019.

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