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O Enquadramento da Controvérsia Pública da Ciência sobre o Coronavírus pela BBC Brasil 1

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – VIRTUAL – 1º a 10/12/2020

O Enquadramento da Controvérsia Pública da Ciência sobre o Coronavírus pela BBC Brasil1

Caio Costa Santos2 Arthur da Silva Lopes3

Instituto Gonçalo Moniz, Salvador, BA

RESUMO

Este artigo traz o resultado da análise de enquadramento das matérias que abordam controvérsias públicas da ciência em torno do coronavírus publicadas pela BBC Brasil durante o primeiro semestre de 2020. Foram analisadas no total 45 publicações do portal do jornal, onde as produções foram enquadradas em quadros predominantes, secundários e/ou terciários. O estudo tem como objetivo identificar quais narrativas foram utilizadas pelo veículo e observar como os principais fatos foram noticiados na cobertura. Diante do fenômeno da “infodemia” observado durante a pandemia, este trabalho contribui na compreensão do papel influenciador da mídia em como o público leitor interpreta os acontecimentos.

PALAVRAS-CHAVE: coronavírus; controvérsias; enquadramento; jornalismo; comunicação.

​INTRODUÇÃO

Em um contexto onde se tem a existência de um novo vírus, com alta capacidade de transmissão, sem que exista tratamento eficaz conhecido, vacina para prevenção ou conhecimento total acerca da sua fisiopatologia, epidemiologia e da sintomatologia da doença provocada pelo mesmo, é consequência lógica que as pessoas, de modo geral, estejam ávidas por respostas, sobretudo tratando-se de uma crise de saúde que tem como possível consequência o risco da morte.

1 Trabalho apresentado no IJ01 – Jornalismo da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica em

Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação

2Bolsista de Extensão do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz/Bahia), estudante do 8º. semestre do Curso de Jornalismo

da Universidade Salvador, e-mail: caiocostasnts@gmail.com

3 Bolsista de Iniciação Científica do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz/Bahia), estudante do 6º semestre do

Bacharelado Interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia, e-mail: arthurdslopes@gmail.com

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Com efeito, a pandemia da COVID-19 surge e se desenvolve em meio à incertezas e riscos, fazendo com que a informação se torne não somente um componente crucial para enfrentamento da situação sanitária, como também uma estratégia de poder (LIMA et al, 2020).

A mediatização e a disputa que se engendram em torno da informação assistidas atualmente também foram observadas em outras crises sanitárias, como a da AIDS, da Influenza A subtipo H1N1 e da Zika, entretanto, a presença e a relevância das mídias sociais, viabilizadas pelo advento e desenvolvimento da internet na atual pandemia, assim como do acesso facilitado aos aparelhos móveis e às tecnologias digitais de edição de textos e imagens, contribuem para a propagação, muitas vezes acrítica e desenfreada, de diferentes narrativas decorrentes do excesso de informações veiculadas nas diversas mídias, amplificando o fenômeno denominado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como infodemia (BROTAS e SIMÕES, 2017; GILMAN, 2010; LIMA et al, 2020).

Uma consequência direta dessa massiva produção e compartilhamento de informações é a desordem informacional, em que torna-se difícil filtrar aquelas que são verdadeiras e efetivamente úteis e aquelas que falsas. A respeito dessas últimas, Wardle e Derakhshan (2017) propõem categorias teórico-analíticas que as diferenciam em duas dimensões: ​mis-information​, quando informações falsas são disseminadas, mas sem intenção de causar dano e ​dis-information​, caso informações falsas danosas tenham sido compartilhadas intencionalmente.

Desta forma, assim como Wardle e Derakhshan (2017), Helena Martins (2020) sublinha que o termo ​fake news é insuficiente para descrever a problemática comunicacional por não considerar sua dimensão política, propondo portanto a adoção do conceito de desinformação, “com o qual se busca ressaltar a intencionalidade na produção e na propagação de informações falsas, equivocadas ou descontextualizadas para provocar uma crise comunicacional e, assim, obter ganhos econômicos e/ou políticos”.

Além disso, somam-se à desinformação, as teorias da conspiração e as controvérsias acerca da origem do vírus, das medidas de isolamento social e do tratamento da doença, onde considerável parte das construções discursivas que dão corpo às teorias da conspiração buscam no próprio discurso técnico-científico

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possibilidades de legitimação, ainda que distorcendo-o deliberadamente para que seja possível encontrar explicações científicas que as justifiquem. Desta forma, são utilizadas para deslegitimar as contribuições científicas segundo interesses particulares de certos grupos das esferas civis e governamentais, como alguns políticos e empresários.

O posicionamento assumido pelo governo federal brasileiro, por exemplo, foi marcado notadamente pela minoração da doença e pela negação dos riscos apresentados pelo novo coronavírus, onde o Presidente Jair Bolsonaro se projeta internacionalmente como alvo de críticas por comparar a COVID-19 a uma “gripezinha” e criticar, sistematicamente, o isolamento horizontal implementado pelas gestões municipais e estaduais, incitando a população a quebrar as regras da medida, frequentando espaços públicos, além de ameaçar governadores e prefeitos, em defesa da “saúde econômica” em detrimento da “saúde das pessoas”.

De acordo à Raicik et al (2018), as controvérsias são inerentes do fazer científico e representam discordâncias que podem ocorrer em relação à conceitos, métodos e interpretações ou mesmo rupturas, quando uma nova reivindicação entra em conflito com algum conhecimento existente pré-estabelecido. Grosso Modo, pode ser definida quando um problema técnico-científico é colocado em debate entre aqueles implicados pelo objeto em disputa e aqueles que são capazes de entender aquilo que se está em jogo.

Assim, as controvérsias científicas não são um problema informacional por si só, embora costumem criar tensões entre os campos científico e jornalístico. O que se observa, no entanto, é que “[...] nas controvérsias científicas cada vez participam mais agentes fora do campo científico, mas com poder político ou simbólico para intervir, muitas vezes acentuando a desordem informacional” (LIMA, p. 11, 2020).

Ante a emergência de saúde pública global, a ciência vem experienciando uma mudança de perspectiva no âmbito da opinião pública, onde segundo estudo feito pela Edelman Trust Barometer Special Report: Trust And The Coronavirus (2020), na contramão da desconfiança vivida pela mesma até então - que se traduziu, por exemplo, em movimentos como o “antivacina” -, a população passa a concebê-la como sendo aquela capaz de dar respostas à atual crise sanitária. E ela tem dado conta. Camargo Jr. (2020) aponta que de 11 de fevereiro à 15 de abril de 2020, cerca de 2.150 artigos

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haviam sido publicados nos servidores ​preprint ArXiv​, ​medRxiv ​e ​bioXriv​. Quase seis

meses depois, as plataformas já contabilizam mais de 10 mil trabalhos.

É nesse sentido que faz-se importante ressaltar que as mídias sociais não são as únicas implicadas no processo de produção da desinformação. Embora muito mais associadas à mis-information, as mídias tradicionais também alimentam as correntes de desinformação, sobretudo quando privilegiam o compartilhamento de resultados de pesquisas científicas sem que se tenha feito devida análise crítica sobre os mesmos, especialmente quando provenientes do campo biomédico, fenômeno já observado por Brotas e Simões (2017), Camargo Jr. (2020) e Lima et al. (2020) e López-Cózar e Martin-Martin (2020). Isso se torna especialmente preocupante não só em razão da quantidade de trabalhos científicos produzidos e disponibilizados de forma quase imediata através dos repositórios ​preprint​, bem como do descompasso em relação às retratações críticas feitas no seio da comunidade científica e o noticiamento das mesmas pelos veículos tradicionais.

O artigo tem, portanto, o objetivo de analisar a cobertura da BBC Brasil sobre controvérsias públicas sobre a ciência em torno do coronavírus no primeiro semestre de 2020, identificar quais narrativas jornalísticas foram utilizadas no noticiamento e como os acontecimentos em torno da pandemia estiveram presentes nas matérias textuais produzidas pelo jornal.

METODOLOGIA

Com um público que soma aproximadamente oito milhões de seguidores nas redes sociais Facebook, Twitter e Instagram, a subsidária nacional da BBC foi escolhida como o objeto para estudo pelo seu destaque no mercado jornalístico brasileiro.

COLETA DE DADOS PARA A ANÁLISE

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Para a coleta do material, foi utilizada a linguagem de programação ​Phyton​4 com intuito de criar um ​script utilizando a biblioteca ​Scrapy​ 5 ​, onde a partir dela, foi possível coletar os ​links das matérias da BBC Brasil publicadas entre 1 de janeiro a 30 de junho de 2020. Para a composição do banco de dados, foi pré-definido que seriam capturadas as matérias com a palavra “coronavírus” no título.

Após selecionado, o material foi armazenado como uma planilha de dados no formato ​Comma-Separated Values (CSV)​, com o título, subtítulo, data de publicação e

link​ da página da matéria disponível para visualização.

Após leitura do material, foram selecionadas para análise e composição do estudo matérias que abordassem controvérsias que giram em torno da pandemia. Dentro do tema, são abordados os tópicos que discutem a divergência de posicionamentos entre a comunidade científica sobre mecanismos de combate a transmissão do vírus, através do uso das máscaras, o debate científico sobre o uso da cloroquina como um medicamento utilizado no tratamento de pacientes com COVID-19 e a disseminação de desinformação sobre o vírus. No total, foram 45 matérias analisadas.

ANÁLISE DE ENQUADRAMENTO

Para a identificação de quais quadros ( ​frames​) estiveram presentes no discurso narrativo da BBC Brasil e análise qualitativa do material publicado, foi escolhida a análise do enquadramento (​framing​).

O conceito de enquadramento foi apresentado pelo sociólogo norte-americano Erving Goffman (1974) em ​Frame Analysis​. O enquadramento foi descrito pelo Goffman como marcos interpretativos construídos socialmente, que permitem às pessoas atribuírem sentido aos acontecimentos e às situações sociais, atuando na construção de sentido para os eventos da sociedade. (PORTO, 2004)

Para Entman (1991), o enquadramento expõe como a narração jornalística é guiada por características textuais utilizadas no momento de informar a notícia como palavras, metáforas, conceitos, símbolos, ironias e insinuações.

4Desenvolvida pelo Guido van Rossum e lançada em 1991, ​Pyhton​ é uma linguagem de programação com modelo

de desenvolvimento aberto e comunitário, administrado pela organização ​Python Software Foundation​.

5Scrapy​ é um ​framework open source​ do ​Phyton​ que funciona como uma ferramenta para extração de informações

de páginas da internet. Com ela, pode ser feito a coleta de informações da internet de forma sistematizada (​web crawle​r)​.

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Neste estudo, cada matéria analisada pode ser categorizada por até três quadros. O primeiro quadro, funciona como o principal enquadramento do texto. Ele está presente nas principais informações noticiadas no conteúdo textual, como no título e primeiro parágrafo. O segundo e terceiro quadro, caso a matéria tenha, são os sentidos que estão sendo abordados em suporte ao primeiro sentido em destaque, em um segundo e terceiro plano, respectivamente.

Com base nos estudos sobre enquadramento da ciência de Nisbet (2008) e Ramalho et al (2012) e pesquisa exploratória realizada pelo Grupo Pesquisa Mídia e Vacina do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência, foram categorizados para análise os quadros informados no quadro abaixo:

Quadro 1 - Características metodológicas dos quadros

Quadros Descrição dos quadros Dispositivo dos quadros Impacto da Pesquisa e

Desenvolvimento Tecnológico

Desenvolvimento de novas pesquisas, avanços nos estudos e aplicação de novas

descobertas, desenvolvimento de um diagnóstico, vacina ou novas drogas; Testes de medicamentos.

avanços, descobertas, pesquisa, estudos, ciência, artigo

científico, vacina, testes, sequenciamento, cura, laboratório, ensaio clínico, novas drogas, medicamentos, grupo de pesquisa, genoma; DNA, RNA;

Bioético e/ou Jurídico Debate sobre os princípios éticos e o julgamento entre atitudes certas e erradas no combate à pandemia; Discute a relação sobre a escolha entre quem deve viver ou morrer;

Aborda aspectos legais de punição para quem desrespeita medidas de impedimento da disseminação do vírus; Aborda a regulação das ações dos

justiça, punição, legal,

proibição, multa, crime, “já iria morrer”, “muitos vão morrer”, “só vai matar velho”, certo, errado, “escolha de sofia”, “velhofobia”, Supremo Tribunal Federal, Ministério Público, juiz, lei, decisão, medida difícil, jurídico;

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governos em relação a pandemia pelo judiciário.

Riscos e Incertezas Abordagens sobre os riscos de contração do vírus e

desenvolvimento da doença; Questionamentos sobre a idéia de “grupo de risco” ou restrição do perigo a idosos; A discussão sobre o uso de medicamentos de eficácia ainda não comprovada pela ciência; Dúvidas sobre as características epidemiológicas do coronavírus.

perigo, risco, dúvidas, “não há certeza”, “não há

comprovação”, “ainda não são conclusivos os testes”, contaminação, “não há cura”, “não tem vacina”, “não tem remédio”, “ainda não sabemos”, “precisam ser feitos mais testes”, “as pesquisas ainda estão começando”, “futuro incerto”,

Políticas Públicas na Saúde Debate sobre o SUS, a confiança ou descrença no sistema público;

Aborda a atuação e estratégias governamentais (federal, estadual e municipal) no combate ao vírus;

Monitoramento das ocorrências relativas pelo Estado; A divergência do governo federal com o estadual e municipal na condução da pandemia.

SUS, saúde pública, posto de saúde, “disponibilidade de testes”, ministério da saúde, ministro da saúde, secretaria da saúde, hospitais públicos, monitoramento, boletim epidemiológico, vigilância epidemiológica, vigilância sanitária, capacidade do sistema, leitos hospitalares, Bolsonaro, governo do estado, governo federal, prefeito, incidência, prevalência, número de casos;

Socioambiental e Cultural Relata as alterações do modo de viver em tempos de pandemia; Discute os impactos da pandemia nas comunidades, aspectos religiosos, grupos sociais e profissionais; O impacto da pandemia na saúde mental da população vivendo em quarentena; Negacionismo

pobreza, favela, comunidades, morro, grupos religiosos, cotidiano, paciente, familiar, cultos, igreja, evangélicos, cura divina, saneamento, alteração da rotina, quarentena, isolamento social, mudanças ambientais, meio ambiente, redução da poluição, ruas vazias, saúde

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da ciência; Discute a

propagação da desinformação e fake news sobre o coronavírus; Aborda teorias conspiratórias sobre o coronavírus; Evidencia a importância do trabalho de checagem dos fatos.

mental, ansiedade, solidão, fechados, suspensas, escola, encontros e eventos em mídia sociais, lives; Bill Gates, plano da china, arma biológica, redução populacional, milagre, “existe uma cura caseira”, “vitamina C imuniza”, vírus chinês, boatos, vírus não existe, fact-checking;

Econômico e Mercadológico Debate sobre ajuste no sistema capitalista e do modelo neoliberal;

Aborda a importância nas pesquisas para ações de empresas de biotecnologia; Destaca preços, investimentos, impacto da cotação das ações nas bolsas de valores, oportunidades de negócio e competitividade entre atores do mercados globalizados; Aponta a necessidade de patenteamento; Trata do custo do orçamento do investimento público ao enfrentamento da pandemia; Impacto da pandemia no mercado de trabalho.

recessão, desemprego, auxílio emergencial, capitalismo, medidas econômicas, desaceleração econômica, prejuízo financeiro, auxílios do governo, bolsa de valores, mercado, orçamento público, orçamento da união, crise econômica, capacidade orçamentária, economia, pequenas empresas,

empresários, recessão, ações;

Fonte: Grupo Pesquisa Mídia e Vacina do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência

RESULTADOS

Das 45 publicações analisadas, 22 apresentaram apenas um quadro interpretativo predominante, 23 publicações apresentaram um quadro secundário em suporte ao predominante e apenas nove matérias contaram com a presença de um

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quadro terciário. No gráfico ilustrado abaixo, é apresentada a incidência dos enquadramentos encontrados na análise:

Figura 1 - Gráfico representativo dos quadros identificados na BBC Brasil

Fonte: Elaborado pelos autores

Riscos e Incertezas foi o quadro com maior representatividade entre os quadros predominantes, representando 33,4% dos enquadramentos principais presentes nas publicações. O quadro também teve uma grande participação nos quadros secundários, sendo 26, 1% dos enquadramentos utilizados como um suporte secundário. Nele, as matérias que coletam falas de especialistas da saúde para informar quais certezas a ciência já possui sobre o vírus e a pandemia, a discussão sobre os riscos de contágio e quais dúvidas os estudos científicos não possuem respostas até o momento, ganham destaque.

Na entrevista com o Paul Slovic, presidente da ONG Decision Research, especializada em estudos sobre processos de tomada de decisão e julgamento, professor da universidade de Oregon, nos EUA, publicada por Daniel Buarque em 11 de março de 2020, os quadros Socioambiental e Cultural e Políticas Públicas dão suporte em um segundo e terceiro plano, respectivamente, ao quadro Riscos e Incertezas. Com o título “Coronavírus: 'Foco da imprensa em número de mortes e falta de proteção amplia medo geral', diz especialista em percepção de risco”, a publicação apresenta a visão do Paul sobre como a infodemia sobre a COVID-19 nos veículos jornalísticos, especialmente o foco no número de casos e mortes, aliada a propagação de notícias falsas nas redes sociais criam uma sensação de medo, insegurança e falta se segurança na população. O especialista aponta, também, que a mídia precisa ter uma responsabilidade e cuidado social no momento de selecionar as informações noticiadas sobre o coronavírus, além

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de acreditar que as autoridades precisam passar mais firmeza e clareza nas táticas e políticas públicas de combate ao vírus.

Na matéria “Coronavírus: tudo o que você precisa saber sobre o uso ou não de máscaras” assinada por Letícia Mori e publicada em 26 de março de 2020, o quadro Riscos e Incertezas é apresentado como o único enquadramento narrativo. No texto, são apresentadas dúvidas frequentes sobre a utilização de máscaras e o posicionamento das autoridades públicas e especialistas da saúde até o momento sobre a eficácia delas como forma de prevenção a disseminação do coronavírus. Entre as questões abordadas, estão presentes perguntas sobre a eficácia de máscaras caseiras e qual tipo de máscara pessoas em contato com pacientes de COVID-19 devem utilizar. Para responder as perguntas, a BBC Brasil contou com a fala do virologista Jonatas Abrahão, da Sociedade Brasileira de Virologia e professor da Universidade Federal de Minas Gerais. O virologista afirmou que as máscaras apresentavam pouca eficácia como instrumento de proteção ao vírus para a população, com exceção dos profissionais de saúde e pessoas com suspeita da doença. Abrahão apontou também para o risco de uma “falsa sensação de segurança” que a utilização da máscara pode passar para a população, o que em suas palavras, poderia motivar um negligenciamento das principais medidas de prevenção à disseminação, como o isolamento social.

A recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) e do Ministério da Saúde de que máscaras cirúrgicas devem ser usadas somente por quem tem suspeita de covid-19 e para profissionais de saúde foi largamente ignorada por pessoas no país inteiro. [...] ‘Se você não é profissional de saúde, a melhor forma de prevenir é manter mesmo o isolamento social, manter distância das pessoas se precisar sair, lavar bem as mãos e não tocar o rosto’. [...] “As máscaras têm outro problema, é a falsa sensação de segurança. A pessoa pensa: ah, eu estou com a máscara, então posso sair, estou protegido, e não é bem assim. Sem contar que a maioria das pessoas não sabe usar, fica tirando para falar, aí leva a mão para o rosto pra tirar e colocar”, diz Jonatas Abrahão. (MORI, 2020)

O quadro com segunda maior projeção entre os enquadramentos predominantes foi o Políticas Públicas, representando a faixa de 24,4% do total das produções textuais publicadas. Entre os quadros secundários, Políticas Públicas foi o mais utilizado, com uma presença de 39,1% entre as matérias que contaram com um segundo enquadramento. Na amostra, matérias discutindo o posicionamento de autoridades e órgãos públicos como o Ministério da Saúde diante a crise, assim como as

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recomendações da OMS para o enfrentamento da pandemia, ganham destaque dentro do enquadramento.

Na notícia “Coronavírus: por que OMS agora recomenda uso de máscara em público contra covid-19” publicada em 6 de junho de 2020, é apresentada a mudança de posicionamento da OMS diante o uso das máscaras como instrumento de ajuda contra a propagação do coronavírus. Antes, a organização dizia que não existiam evidências que pessoas saudáveis ​​eram protegidas da transmissão ao utilizarem máscaras, salienta a BBC Brasil. Na notícia, é mencionada a recomendação da médica epidemiologista Maria Van Kerkhove, especialista técnica da organização, na utilização de máscaras de tecido para toda a população. Segundo a OMS, novas informações concluem que as máscaras de tecido podem funcionar como "uma barreira para gotículas potencialmente infecciosas". Com Políticas Públicas como o único quadro, o texto ressalta que as autoridades públicas no Brasil já haviam recomendado o uso de máscaras por pessoas saudáveis, antes da mudança de posicionamento noticiada. A matéria relembra também o histórico de discordâncias do presidente Jair Bolsonaro com a organização, citando as ameaças do presidente em retirar o Brasil do OMS por “viés ideológico” e a discordância com as recomendações de medidas de isolamento propostas pela organização, as quais Bolsonaro considera um “exagero” para uma “gripezinha”, segundo menção na matéria.

O Bioético e Jurídico teve a terceira maior incidência como quadro predominante, totalizando 17,8% da análise. Nele, a vinculação de informações envolvendo o debate sobre quais são as medidas apropriadas para a contenção do vírus e o tratamento dos pacientes de COVID-19 ganham destaque na BBC Brasil.

Em “Cloroquina 'une' Bolsonaro e Maduro em meio à pandemia de coronavírus”, feita por Luis Barrucho e publicada no dia 15 de maio de 2020, a matéria discute a posição similar do Maduro e Bolsonaro, presidente da Venezuela e Brasil, respectivamente, em favor ao uso da cloroquina, apesar dos políticos publicamente discordarem de suas posições ideológicas nos últimos anos. Ao longo do texto, é mencionado e informado a falta de apoio científico na comprovação da eficácia do medicamento no tratamento de pacientes com COVID-19, além de casos registrados onde os paciente sofrerem graves efeitos colaterais. Para abordar a politização do posicionamento sobre o uso da cloroquina pelas autoridades governamentais, a matéria

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enquadrou Políticas Públicas como um quadro secundário em apoio ao Bioético e Jurídico.

Sendo o quadro de quarta maior representatividade, representando 13,3% dos quadros predominantes na coleta, Socioambiental e Cultural apresentou um foco em como a pandemia afetou e alterou o cotidiano das pessoas, especialmente como a disseminação de desinformação e a “infodemia” sobre o coronavírus pode ter um impacto negativo na sociedade.

Na reportagem “Coronavírus: o menino de 5 anos que ficou cego e outros efeitos trágicos das informações falsas sobre a covid-19”, assinada por Marianna Spring e vinculada em 16 de junho de 2020, a BBC investigou dezenas de casos de informações erradas sobre a covid-19, conversando com autoridades médicas e pacientes a fim de relatar o impacto da desinformação na vida humana. A reportagem encontrou relações entre as fake news propagadas durante a pandemia e episódios de ataques, mortes e incêndios provocados ao redor do mundo.

Brian, 46, conversou com a BBC por telefone de um leito de hospital na Flórida. Sua mulher está em estado grave, sedada e com um respirador em uma sala ao lado. “Seus pulmões estão inflamados, e seu corpo simplesmente não responde”, afirma, com voz trêmula. Após ler teorias conspiratórias na internet, o casal pensou que a doença era um engodo ou no máximo uma gripe. Mas no início de maio, sua mulher contraiu o coronavírus. ‘Agora me dou conta de que o coronavírus definitivamente não é falso. Ele está lá fora, se espalhando. (SPRING, 2020)

Os quadros Impactos da Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico e Econômico e Mercadológico tiveram uma menor expressão entre os quadros predominantes, representando 8,9% e 2,2% da análise, respectivamente. Enquanto o primeiro focou na discussão sobre o avanço ou encerramento das pesquisas sobre um possível medicamento para o tratamento do coronavírus, como a cloroquina, no Econômico e Mercadológico discutiu-se os interesses mercadológicos de uma comercialização destes medicamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cobertura da BBC Brasil sobre as controvérsias em torno do coronavírus no primeiro semestre de 2020, contou com alguns temas centrais que nortearam a discussão

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analisada como a utilização da cloroquina, o uso de máscaras e a desinformação sobre a pandemia, como mencionado anteriormente nos critérios de seleção. Observou-se que dentro desses temas, foram utilizados diversos quadros e diferentes ângulos interpretativos para explorar e discutir os aspectos informados, divididos de forma a localizar quais foram mobilizados de forma predominante na construção das narrativas, e quais o foram de forma secundária e terciária. Neste sentido, o quadro das Políticas Públicas se destaca como secundário em todos os temas, expondo uma tendência narrativa do veículo em criar uma relação entre as controvérsias apresentadas e as reações das autoridades governamentais diante dos acontecimentos, especialmente daquelas que se inserem no âmbito nacional, que coaduna com aquilo tem-se testemunhado em relação à politização dos discursos acerca da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 (LIMA ​et al​., 2020; CAMARGO JR., 2020).

Embora exista, no corpo das matérias publicadas pela BBC Brasil, discussões sobre a desinformação e que esta assuma o papel de fact-checking ao trazer especialistas para esclarecer rumores e ​fake news ​sobre o coronavírus, coadunando de certa forma com aquilo que destaca a revista The Lancet em editorial publicado em fevereiro, onde afirma que informações confiáveis e verificadas são as principais armas de combate a prevenção do pânico em pandemia. Contudo, a pesquisa aponta que o quadro Riscos e Incertezas foi ainda o principal norteador em um primeiro plano informativo sobre as controvérsias em torno do coronavírus, alimentando matérias onde são apresentadas os riscos de graves sequelas da doença, as incertezas sobre o fim da pandemia, isolamento social e de quando uma vacina ou medicamento eficaz contra o COVID-19 será disponibilizado para a população, indo contra a fala do Paul Slovic apresentada pelo próprio veículo em entrevista veiculada no portal do jornal, onde o presidente da ONG Decision Research aponta para a influência que as informações negativas sobre o vírus podem afetar negativamente o leitor.

REFERÊNCIAS

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Referências

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