A POIÉTICA DA REPRESENTAÇÃO DE FIGURAS HUMANAS EM CENA DRAMÁTICA André Luís Onishi102 Universidade Estadual de Maringá (UEM)
RESUMO
Este trabalho investiga o processo criativo de conceber um desenho com teor de representação cênica, de modo a imitar os desenhos quase cinematográficos das
graphic novels (histórias em quadrinhos também chamadas de romance gráfico),
realizando uma leitura desta imagem criada como teatro, analogamente à leitura que Manguel faz da pintura Os sete atos de misericórida, de Caravaggio (2001). Os esboços que foram desenvolvidos são apresentados aqui como processos poiéticos, na tentativa de criar, por meio de desenho, uma cena dramática semelhante à de um romance gráfico, para discutir a pesquisa como criação.
INTRODUÇÃO
Motivado pelo estudo da criação de uma história em sequência gráfica, denominada graphic novel e empregada pelo desenhista Will Eisner (2007), na sua obra Um contrato com Deus, investigo, neste texto, uma proposta inicial de pesquisa para composição de uma imagem, conferindo nela teor dramático. Parto da leitura desta como um palco teatral tal como Manguel (2001, p. 291) propõe em seu livro
Lendo imagens, afirmando que “uma imagem, pintada, esculpida, fotografada,
construída e emoldurada é também um palco, um local para representação”.
A justificativa para a aplicação do teatro nas artes visuais se dá pela minha formação como ator pelo grupo de teatro universitário da Universidade Estadual de Maringá (GRUPUTUM). Daí meu interesse em analisar este processo de criação da imagem como teatro. Portanto, este texto contém os resultados parciais deste processo poiético, abreviado no decorrer do texto para poiética.
O objetivo geral deste estudo é discorrer sobre esta poiética da representação das figuras humanas em cena dramática. Para tanto, especificamente, apresento as referências utilizadas para se chegar nesta poiética, detalho a criação dos estudos das figuras humanas e discuto os caminhos tomados no desenrolar desta poiética.
CENÁRIO
Para conceber esta poiética de representação da figura humana em cena dramática, recorri ao termo graphic novel, que define o gênero de histórias em quadrinhos de cunho adulto e tema complexo, impregado para distinguí-las dos quadrinhos tradicionais (GIMENEZ MENDO, 2008). É possivel encontrar nesse gênero a semelhança do cinema no modo com que as cenas de ação são desenhadas, similares aos enquadramentos das câmeras cinematográficas, como também as representações dramáticas dos protagonistas, seja por expressão facial ou postura corporal.
O drama que é possível presenciar no cinema tem sua origem no teatro tal como é conhecido nos dias de hoje, em que o palco é cenário para que um ator expresse ideias e intenções em um determinado momento, criando um gesto que é captado, observado e percebido pelo espectador (COSTA, 2008).
Outro desenhista que influenciou esta poiética foi Burne Hogarth. Em seu livro
O desenho da figura humana sem dificuldades, traz escorços de figuras humanas
traçados com mestria. Ele propõe a criação do corpo como uma massa no espaço, pois “tal como um escultor com barro de modelar, o artista pode ir estruturando e compondo” (HOGARTH, 1998, p. 43). Deste modo, procurei, nesta pesquisa, escorçar cinco figuras humanas em uma mesma cena para, em seguida, discorrer sobre o desenvolvimento da minha poiética.
PROCESSO DE CRIAÇÃO
O processo de criação dos escorços foi propiciado pela imaginação103 de uma cena de discussão envolvendo os cinco protagonistas da história de minha autoria. Para compor a obra, imaginei um palco para ação, uma rua no período noturno onde os cinco personagens se encontram numa discussão, sendo cada um deles direcionados por um verbo de ação, tal como num trabalho cênico. Delimitei estes verbos de ação para conseguir impor intenções na estilização das figuras humanas, de modo que elas transmitissem seu posicionamento perante a discussão retratada, a fim de encaixá-los, individualmente, na cena geral.
O primeiro esboço realizado em caneta e papel me fez sugerir, para cada personagem, os seguintes verbos de ação: Hiena, descontentar; Midori, denunciar;
Massari, dissipar; Alex, provocar; e Alan, menosprezar. Tendo esta proposta, imaginei
a cena: Midori aponta algum ato falho de Alex que, por sua vez, retruca de forma provocativa, caracterizando sua birra contra Midori. Na tentativa de dissipar esta discussão, Massari se posiciona no meio dos dois, enquanto Alan e Hiena observam a cena de modo irônico e descontente, respectivamente. Este é o contexto da cena a ser criada. A história que se passou antes desta representação e aquilo que se dará em seguida não será alvo desta investigação e nem será revelado para o observador. O que importa aqui é o trabalho para criar uma imagem que contenha o teor dramático proposto e os desdobramentos que se dão em torno deste como possíveis soluções criativas para a concepção do desenho final.
O trabalho continuou com um segundo esboço em lápis e papel, no qual imaginei aqueles verbos de ação interiorizados nos personagens, tentando, assim, obter um resultado mais limpo da imagem. Na segunda composição, as figuras humanas (e canina) foram representadas de forma mais adequada, estando mais claras as gesticulações, vestimentas e expressões faciais. No terceiro esboço104 (figura anexa) acrescentei um jogo de luz e sombra à cena, propondo que a luz venha do próprio observador analogamente à leitura que Manguel (2001) faz da pintura Os sete
atos de misericórdia, de Caravaggio. Assim, sem a luz ou sem o observador, a obra
artística não se completa e a cena se apaga na sombra da noite.
Gimenez Mendo (2008, p. 52) afirma que “a luz tem o efeito prático de modelar o volume, criar a sensação de profundidade e acrescentar dramaticidade e simbolismo ao argumento representado”. Para o desenho final, não desenvolvido até a presente versão desta proposta, é requerido usar caneta esferográfica preta no lugar do lápis grafite, aumentando ainda mais o teor dramático da obra a ser finalizada e autenticada pelos olhos do observador.
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CONCLUSÃO PARCIAL
Pretendi, neste texto, discorrer, sinteticamente, sobre o processo criativo de conceber uma imagem a partir de uma poiética de trabalho. Além dos resultados aqui descritos, penso que este estudo está intrínseco na vontade de criar minha própria
graphic novel. Usei deste ensejo para aperfeiçoar meu entendimento de pesquisa em
arte, tentando criar uma obra artística, justificando-a de modo científico, já que uma das discussões estabelecidas no curso de Licenciatura em Artes Visuais, da UEM, é sobre a capacidade do artista-pesquisador expressar-se verbalmente sobre sua própria criação.
REFERÊNCIAS
COSTA, Cristina. Questões de arte. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2008. EISNER, Will. Um contrato com Deus. São Paulo: Devir, 2007.
GIMENEZ MENDO, Anselmo. História em quadrinhos. São Paulo: UNESP, 2008.
HOGARTH, Burne. O desenho da figura humana sem dificuldade. Nova Iorque: Evergreen, 1998.
MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 20. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.