Artigo
de Revisão
1
1 Programa de Pós-graduação (Doutorado) em Ciências Médicas - Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
2 Programa de Residência Médica em Cardiologia - Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
- Rio de Janeiro, RJ - Brasil
3 Programa de Pós-graduação (Mestrado) em Ciências Médicas - Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
4 Setor de Ecocardiografia do Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Rio de Janeiro,
RJ - Brasil
Correspondência: Angelo Antunes Salgado E-mail: angeloasalgado@gmail.com
Rua Magalhães Couto, 237 ap. 101 - Méier - 20735-180 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil Recebido em: 04/12/2011 | Aceito em: 25/02/2012
Introdução
Os tumores cardíacos primários são extremamente
raros, podendo apresentar frequência em necropsias
que variam de 0,001% a 0,28%
1. Apresentam-se, na sua
maioria, como tumores benignos (75% dos casos), com
Angelo Antunes Salgado
1, Camila Aparecida de Souza Segrégio Reis
2, Vinicius de Lemos Silva
3, Márcia Bueno Castier
4Papel da Ecocardiografia na Avaliação dos Tumores Cardíacos
e de Massas Cardíacas não Infecciosas
Role of Echocardiography in the Evaluation of Cardiac Tumors and non-Infectious Cardiac Masses
Abstract
The echocardiogram is a non-invasive examination, practical and readily available, which can be performed at the bedside, revealing not only non-infectious intracardiac masses, but also helping define their etiology. The role of echocardiography in the evaluation of intracardiac masses, especially tumorous masses, is important for defining etiology and assessing possible therapeutic approaches through either invasive methods or expectant management. This paper reviews the role of echocardiography and attempts to demonstrate how echocardiography can help distinguish histological tumor types, in addition to defining non-tumorous and non-infectious intracardiac masses.
Keywords: Heart neoplasms; Echocardiography/
methods; Diagnostic techniques, cardiovascular
Resumo
O ecocardiograma é um exame não invasivo, prático e rapidamente disponível, que pode ser realizado à beira do leito e servir não apenas para a evidenciação das massas intracardíacas não infecciosas, mas também para o auxílio na sua definição etiológica. O papel da ecocardiografia na avaliação de massas intracardíacas, especialmente na avaliação de massas tumorais é importante na definição etiológica e na avaliação das possíveis abordagens terapêuticas, quer através de métodos invasivos quer seja por conduta expectante. Este trabalho tem por objetivo fazer uma revisão do papel da ecocardiografia na diferenciação dos tipos de massas cardíacas e demonstrar de que forma a ecocardiografia pode contribuir para a diferenciação dos tipos histológicos de tumor, bem como para a definição das massas intracardíacas não tumorais não infecciosas.
Palavras-chave: Neoplasias cardíacas; Ecocardiografia/
métodos; Técnicas de diagnóstico cardiovascular
predomínio de mixomas e fibroelastoma papilar nos
adultos, e rabdomiomas e fibromas em crianças. Os
casos são 25% malignos, com predomínio de sarcomas
2.
Já os tumores cardíacos metastáticos ocorrem com
frequência até 20 vezes maior, apresentando-se em
1:5 pacientes que morrem de neoplasia
3. O melanoma
é a neoplasia de maior potencial metastático cardíaco
4,
porém predomina a metástase cardíaca de neoplasias
pulmonares e de mama, bem como de tireoide, por
sua alta prevalência na população em relação às
demais neoplasias.
Considerações gerais
. sinais e sintomas geralmente são determinados
pela localização do tumor no coração e não pela
sua histopatologia;
. tumores localizados na valva aórtica e no átrio
esquerdo foram associados com maior risco de
embolização
5;
. paradoxalmente, tumores menores foram
associados a maior risco de embolização do que
tumores maiores;
. o tumor deve ser definido em relação à sua
localização, tamanho, mobilidade (pedunculado
ou séssil), número e local de fixação.
. na presença de tumores que se estendem para o
átrio direito pela veia cava inferior (VCI), deve-se
considerar: hipernefroma (mais comum),
leiomiomatose uterina e hepatoma. Deve-se
considerar ainda trombos originários de veias
pélvicas e/ou membros inferiores.
Tumores Cardíacos Benignos
• Mixomas
Consistem em 50% de todos os tumores cardíacos
primários. Ocorrem mais em mulheres (2:1), da terceira
à sexta década de vida
6. Podem causar sintomas
sistêmicos como febre, anorexia, perda de peso e
anemia. Tendem a evoluir para suboclusão do fluxo
mitral, por prolapso do mixoma para o ventrículo
esquerdo (VE) durante a diástole cardíaca, geralmente
ocorrendo de acordo com a postura do paciente (plop
tumoral).
Ocorrem principalmente em átrio esquerdo (80%),
seguido do átrio direito (15%), e raramente em
ventrículos (3-4%). Em 5% dos casos, os mixomas são
múltiplos
7. Eventos embólicos são mais comumente
observados em mixomas pequenos. Apesar da maior
frequência de mixomas em mulheres, os processos
embólicos ocorrem mais em homens.
À macroscopia, os mixomas são pedunculados e de
consistência gelatinosa, com diâmetros variados
(média de 4-7cm), superfície lisa ou levemente
lobulada, podendo ter trombos aderidos à sua
superfície. Cerca de 35% são friáveis ou vilosos, com
maior potencial emboligênico
8.
Características ecocardiográficas (Figura 1): massa de
aspecto homogêneo ou com áreas hipoecoicas difusas
(áreas necróticas e/ou hemorrágicas), sobretudo nos
mixomas maiores; e áreas hiperecoicas (áreas
calcificadas em 20% dos casos, demonstrando tumor
antigo). Geralmente apresentam contornos lisos e têm
como característica principal a presença de um
pedículo fino que o fixa no septo interatrial próximo
à borda da fossa oval, quando presentes nos átrios
8.
Já foram relatados mixomas fixos em parede atrial,
apêndice atrial esquerdo e mesmo em valvas cardíacas
(raros).
Figura 1
Mixoma atrial esquerdo. Observe a gigantesca massa causando obstrução ao fluxo diastólico mitral. Apesar de ser uma massa benigna, apresenta comportamento maligno (obstrução).
• Fibroelastoma papilar
É o tipo de tumor mais frequente em adultos, após
o mixoma (26% dos tumores primários cardíacos).
Ocorrem mais em homens (55%) e surgem por volta
da quinta década de vida. Geralmente são únicos,
havendo preferência por acometimento valvar
(90%)
9; porém em 10% dos casos, há acometimento
de mais de uma valva. São benignos, assintomáticos,
e geralmente diagnosticados por exames
ecocardiográficos de rotina, ou em investigação da
sua principal complicação: embolia de todo ou parte
do tumor, ou ainda embolia de trombo que se forma
ao redor do tumor, gerando acidente vascular
encefálico (AVE), ataque isquêmico transitório ou
mesmo morte súbita
10. Tendem a ocorrer em áreas
de irritação miocárdica, como em prolapso de valva
mitral, áreas de degeneração fibrocálcicas e em
cardiomiopatia hipertrófica.
Apesar de ainda ser considerado menos frequente
do que os mixomas, há um aumento na sua
incidência, possivelmente por maior utilização do
ecocardiograma no diagnóstico de fibroelastomas
assintomáticos. Em estudo de caso-controle, a
sensibilidade e a especificidade do ecocardiograma
foram 88,9% e 87,8%, respectivamente
11. Sendo
assim, o fibroelastoma poderá representar, no
futuro, o tipo de tumor cardíaco mais frequente. À
macroscopia, assemelham-se às anêmonas do mar,
com um eixo central onde surgem várias
vilosidades.
Características ecocardiográficas (Figura 2): são
geralmente pequenos, menores que 15mm no seu
maior diâmetro (variam de 2mm a 70mm),
pedunculados ou sésseis, com projeção em forma de
“dedo”, geralmente oscilante com a movimentação do
sangue.
Figura 2
Fibroelastoma aórtico. Apresenta-se aderido à face ventricular da valva aórtica. Ao Doppler não foi evidenciada destruição valvar significativa.
Estão mais localizados na valva aórtica (ambas as
faces) em 36% dos casos. As valvas mitrais são
acometidas em segundo lugar (26%), seguidas da
valva tricúspide em 11% e valva pulmonar em 7%.
Raramente há acometimento de outras áreas
endocárdicas, como SIV, parede livre do VE e dos
tratos de saída do VE e ventrículo direito (VD), onde
tendem a adquirir maior tamanho. Ao contrário das
vegetações secundárias às endocardites infecciosas,
não há acometimento da função valvar (não há
destruição acentuada da sua estrutura anatômica)
12.
Tumores maiores que 1cm, localizados em câmaras
cardíacas esquerdas, têm indicação de retirada
cirúrgica. Acometem a região média da valva,
diferenciando-os dos strands e das excrescências de
Lambl, que se fixam na linha de fechamento
valvar
13.
• Rabdomioma
É o principal tumor cardíaco benigno na criança,
sendo diagnosticado antes de um ano de idade. Tem
como sintomas principais arritmias e disfunção
cardíaca por obstrução do fluxo intracardíaco. A
maioria dos rabdomiomas tende a regredir com a
idade
14. Podem estar associados à esclerose tuberosa
em até 90% dos casos
15.
Características ecocardiográficas (Figura 3): são
múltiplos, podendo ocorrer nas paredes de ambos os
ventrículos, ou nas valvas atrioventriculares. São bem
delimitados e levemente mais hiperecogênicos do que
o miocárdio subjacente. Não tendem a apresentar áreas
de hemorragias ou calcificações como os fibromas.
Variam em tamanho de milímetros a centímetros,
podendo ser pedunculados
16.
Figura 3
Rabdomioma cardíaco. Observe massas na valva mitral e no ventrículo esquerdo.
• Fibroma
É o segundo tipo de tumor cardíaco benigno mais
comum na criança, com média de idade do
diagnóstico de 13 anos. É raro no adulto. Cerca de
30% das crianças são assintomáticas, sendo os
tumores detectados em exames de rotina.
Clinicamente podem se manifestar com arritmias
ventriculares, insuficiência cardíaca e morte súbita.
Ao contrário dos rabdomiomas, os fibromas não
regridem naturalmente e acometem o VE cinco
vezes mais do que o VD
17.
À macroscopia são tumores solitários, formados
por estrutura fibrosa, medindo 2-10cm, localizados
no SIV ou na parede livre dos ventrículos. Podem
estar bem encapsulados ou difusos no miocárdio.
Características ecocardiográficas: massa única e
delimitada, heterogênea, com áreas císticas, de
necrose e, comumente, calcificação central,
aderida aos ventrículos. A porção ventricular
acometida é hipocinética e pode se apresentar
h i p e r t ro f i a d a , m i m e t i z a n d o c a rd i o p a t i a
hipertrófica septal
18.
• Lipomas
São causados por acúmulo de células adipocitárias
19,
ocorrendo em qualquer lugar do coração, acometendo
subendocárdio, subepicárdio, pericárdio, septo
interatrial. Medem apenas alguns centímetros, mas
podem ser extensos e pesar alguns quilos.
Geralmente são assintomáticos e, quando geram
sintomas, estes estão mais associados à parte elétrica
(arritmias, bloqueios) ou angina por compressão
coronariana
20.
Características ecocardiográficas (Figura 4): são de
características bem diversificadas, já que sua aparência
muda de acordo com sua localização. No pericárdio
podem variar de inteiramente hipoecogênico,
parcialmente hipoecogênico à isoecogênico, enquanto
os lipomas endocavitários são hiperecogênicos e
homogêneos
21.
Figura 4
Lipoma em região do septo interatrial. Não há preservação do forâmen oval.
• Feocromocitomas ou paragangliomas
São extremamente raros, mais comum em mulheres.
Caracterizam-se por estarem situados na região
atrioventricular, com formato ovoide e bem
individualizados
22.
Tumores Cardíacos Malignos
• Sarcomas
Englobam 95% de todos os tumores cardíacos
malignos primários. Geram arritmias, obstruções do
fluxo (pré-sincope, síncope, morte súbita) e derrame
pericárdico. São de três tipos principais:
Angiosarcomas: mais comum dos sarcomas,
acometendo sobretudo homens. Características
ecocardiográficas: ocorrem mais do lado direito do
coração, sobretudo em átrio direito ou em pericárdio,
sendo lesões de dimensões grandes, podendo
preencher toda a cavidade intracardíaca. Quando
acometem o átrio direito, comumente se fixam
próximo à VCI. É comum a infiltração na parede da
câmara acometida e sua extensão para a VCI
23.
Rabdomiosarcomas: tipo mais comum após o
angiosarcoma, englobando 20% de todos os sarcomas,
acometendo ambos os sexos. Características
ecocardiográficas: podem acometer qualquer câmara,
sendo extremamente invasivos, englobando estruturas
contíguas
24.
Leiomiosarcomas: são raros. Características
ecocardiográficas: acometem mais átrio esquerdo, são
invasivos e podem gerar hemopericárdio
25.
• Linfomas
Englobam 5% de todos os tumores cardíacos
malignos primários. Sua incidência tem aumentado
com o aumento no número de indivíduos
i m u n o d e p r i m i d o s p e l a s í n d r o m e d a
imunodeficiência adquirida (SIDA).
Características ecocardiográficas (Figura 5): há o
acometimento de qualquer área do coração ou
pericárdico, principalmente o lado direito do
coração, podendo se estender para as veias cavas,
apresentando-se no endocárdio como estruturas
nodulares ou polipoides. É comum a presença de
derrame pericárdico
26.
Figura 5
Linfoma cardíaco, em paciente HIV positivo, comprometendo o átrio e o ventrículo direitos. Presença de derrame pericárdico associado.
• Mesoteliomas
Acometem pericárdio e se manifestam geralmente
como derrame pericárdico ou como pericardite
constrictiva.
Características ecocardiográficas: acometimento
pericárdico, com espessamento e pouco
envolvimento miocárdio (ao contrário dos
sarcomas), com derrame pericárdico ausente ou de
leve a grande quantidade, podendo gerar
tamponamento. Não há associação clara entre o seu
surgimento e a exposição ao asbesto
11.
Outras Massas Intracardíacas Não Infecciosas
• Hipertrofia lipomatosa do septo
É caracterizado pela infiltração de adipócitos no septo
interatrial, com aumento da sua espessura (>2cm),
preservando a fossa oval, ocorrendo mais comumente
em obesos e em pacientes idosos
27.
Características ecocardiográficas (Figura 6): hipertrofia
septal, com aumento da sua ecogenicidade, sem
comprometimento da fossa oval, gerando o clássico
formato de halteres. O paciente é assintomático,
podendo apresentar, raramente, arritmias atriais
20.
Figura 6
Hipertrofia lipomatosa do septo interatrial. Há preservação da fossa oval.
• Degeneração caseosa do anel mitral
Consiste na degeneração crônica do anel fibroso
valvar mitral, acometendo o seu anel posterior. É
r a r í s s i m a ( 0 , 0 6 8 % d e t o d o s o s e x a m e s
ecocardiográficos), e ocorrem mais particularmente
em pessoas com distúrbio do metabolismo do cálcio
(renal crônico)
28.
Características ecocardiográficas (Figura 7): presença
de massa hiperecogênica com limites precisos em
anel mitral posterior, heterogênea, com acentuada
calcificação, com área central com ecogenicidade mais
atenuada (necrose). Deve ter seu diagnóstico
diferencial com: trombo (mais hipoecogênico e sem
essa calcificação acentuada), abscesso de anel (avaliar
febre associada; vegetações), ou tumor (localização
atípica para mixoma)
29.
• Rede de Chiari / Valvuleta de Eustáquio
A rede de Chiari é um remanescente da valva
venosa direita do coração fetal, presente em 2% da
população.
Características ecocardiográficas (Figura 8):
estrutura filamentar, fenestrada, extensa e oscilante,
presente no átrio direito, podendo estar associada
a forâmen oval patente e aneurisma do septo
interatrial. Está fixada próximo à VCI e se estende
ao SIA
30. Quando a rede de Chiari não apresenta
fenestrações, passa a ser denominada de valvuleta
d e E u s t á q u i o , s e n d o d e m o n s t r a d a
ecocardiograficamente como uma estrutura
linearmente mais individualizada. Não apresenta
importância clínica, podendo, raras vezes, estar
relacionada a processos tromboembólicos, arritmias,
endocardites e complicações de procedimentos
invasivos direitos (embaraçamento do cateter).
Figura 8
Valvuleta de Eustáquio. Típica estrutura filamentar aderida à desembocadura da veia cava inferior.
• Strands Valvares / Excrescência de Lambl
Características ecocardiográficas: estruturas
filiformes, hipermóveis, pequenas (<10mm),
aderidas à face atrial da valva mitral ou ventricular
da valva aórtica, com movimentação independente
da valva
31. Podem estar aderidas a próteses. O
termo strands e excrescência de Lambl se confundem
na sua definição, sendo utilizados como sinônimos.
Devem ser diferenciados de fibroelastoma papilar
13.
Figura 7
Caseous mitral. Observe a estrutura hiperecogênica no anel mitral posterior.
• Trombos intracardíacos:
Os trombos intracardíacos apresentam características
ecocardiográficas que permitem a sua diferenciação
das demais massas cardíacas, além de estarem
associados a alterações anatômicas cardíacas que
possibilitam o seu aparecimento. Portanto é comum
se observarem trombos em regiões em que a estase
sanguínea é acentuada, com presença de remora do
fluxo sanguíneo, como na auriculeta esquerda
aumentada em paciente com estenose mitral e/ou
fibrilação atrial, sobretudo se a velocidade de
esvaziamento da auriculeta esquerda estiver abaixo
do normal (0,4m/s), ou em região apical cardíaca
na presença de discinesia dessa área
32. Trombos
podem ser visualizados no coração direito ou na
artéria pulmonar de pacientes com diagnóstico de
embolia pulmonar.
Características ecocardiográficas: massa de
tamanho variável, com ecogenicidade semelhante
ao miocárdio (trombos recentes) ou diferente deste
(trombos antigos, heterogêneos, com áreas de
calcificação associadas), podendo se projetar para
a luz da câmara cardíaca ou apresentar um aspecto
laminar (trombos antigos do VE tendem a “atapetar
o endocárdio”), vista por pelo menos dois planos
de incidência diferentes.
Trombos em regiões apicais do VE podem ser
diagnosticados erroneamente como tendões apicais,
trabeculações (pacientes com hipertrofia cardíaca)
ou mesmo artefatos de imagem. Para isso, deve-se
considerar o movimento miocárdico associado do
segmento que apresenta o trombo. Se houver
acinesia/discinesia, sobretudo em corações
disfuncionantes e com remora, há forte suspeita de
ser trombo. Caso o segmento contraia e a função do
VE seja normal, o diagnóstico diferencial merece
ser considerado. A formação de trombo em região
apical normocontrátil ocorre apenas na síndrome
hipereosinofílica, em que não há déficit contrátil
segmentar associado
33.
Outra característica do trombo, caso haja dúvida
diagnóstica, é a sua resolução ou diminuição do
tamanho após início de terapia anticoagulante, o
que não ocorre com outras massas.
No Quadro 1 são apresentados alguns pontos-chave
sistematizados. O resumo das principais
características dos tumores cardíacos e das demais
massas intracardíacas não infecciosas encontram-se
nos Quadros 2 e 3.
Metodologia
A presente revisão foi realizada através da seleção
de referências e coleta de informação dos bancos
de dados Pubmed, ISI Thompsom e Scopus, por
intermédio do portal CAPES, utilizando as variáveis
de interesse pela terminologia MeSH “heart
neoplasms”; “echocardiography” e “diagnosis”,
através de um sistema de termos cruzados, com
extração de dados pela leitura das referências
selecionadas. Os artigos nacionais foram
selecionados no banco de dados Lilacs,
utilizando-se as mesmas variáveis.
Quadro 1
Sistematização de alguns pontos-chave
Pontos-chave
Os tumores cardíacos primários são extremamente raros.
O tumor cardíaco primário mais frequente no adulto é o mixoma, sendo mais comum no átrio esquerdo. O tumor valvar mais comum no adulto é o fibroelastoma. Ambos são benignos.
O tumor primário mais comum na criança é o rabdomioma, que são múltiplos e tendem a regredir com a idade. O fibroma é o segundo tumor mais comum na criança, mas não regride espontaneamente. Ambos são benignos.
O tumor primário maligno mais comum é o sarcoma. Deste, o angiosarcoma é o mais comum e geralmente ocorre em átrio direito.
A hipertrofia lipomatosa do septo interatrial ocorre mais em idosos e obesos e poupa a fossa oval. Tem formato clássico de “halteres”.
Rede de Chiari/ Valvuleta de Eustáquio são remanescentes embrionários da valva da VCI e são filamentares. Está aderida à desembocadura da VCI.
Trombos intracardíacos apresentam fatores predisponentes na sua formação (estase sanguínea, presença de corpo estranho) e podem se resolver com anticoagulação.
Massas tumorais Mixoma Fibroelastoma papilar Rabdomioma Fibroma Lipoma Feocromo-citoma/ paraganglioma Quadro 2 Principais características das massas tumorais Observações principais • 50% dos tumores primários • 2♀ : 1♂
• Benigno, porém emboligênico
• 10% dos tumores primários • 55% ♂
• Benigno, porém emboligênico • 36% acomete valva aórtica • 10% múltiplos
• Principal tumor benigno da criança • Tende a regredir com a idade
• Em 90% dos casos, associado à esclerose tuberosa
• Benigno, porém pode gerar sintomas obstrutivos e/ou arritmogênicos
• Segundo tumor benigno mais comum na criança
• Raro no adulto
• Acomete a ambos os sexos • Não regride com a idade • Acomete mais VE que VD
• Benigno, porém pode gerar sintomas obstrutivos e/ou arritmogênicos. Pode gerar morte súbita (raro)
• Acomete qualquer lugar do coração (pericárdio, miocárdio ou endocárdio) • Acomete a ambos os sexos
• Seu peso varia de gramas a quilos. • Benigno, porém pode gerar sintomas
obstrutivos e/ou arritmogênicos. Podem gerar angina por compressão coronariana • Muito raro • Mais comum em ♀ Faixa etária 20 - 50 anos > 40 anos <1 ano >10 anos Variável Características ecocardiográficas
• Contornos lisos ou levemente lobulados • Pedículo fixado ao SIA
• 20% com calcificação • Mais comum no AE (75%)
• Pequenos, menores que 15mm no seu maior diâmetro.
• Pedunculados ou sésseis, com projeção em forma de “dedo”.
• Geralmente oscilante com a movimentação do sangue.
• Acometem a região média das valvas.
• Ao contrário das vegetações secundárias às endocardites infecciosas, não há acometimento da função valvar.
• Múltiplos, podendo ocorrer nas paredes de ambos os ventrículos, ou nas valvas atrioventriculares. • Bem delimitados e levemente mais
hiperecogênicos do que o miocárdio subjacente. • Não tendem a apresentar áreas de hemorragias
ou calcificações como os fibromas.
• O tamanho varia de milímetros a centímetros, podendo ser pedunculados.
• Massa única e delimitada, medindo 1-10cm de diâmetro, heterogênea, com áreas císticas de necrose e, comumente, calcificação central, aderida aos ventrículos.
• A porção ventricular acometida é hipocinética e pode apresentar-se hipertrofiada, mimetizando cardiopatia hipertrófica septal.
• Características bem diversificadas - aparência muda de acordo com a sua localização.
• No pericárdio podem variar de inteiramente hipoecogênico, parcialmente hipoecogênico a isoecogênico.
• No endocárdio são hiperecogênicos e homogêneos.
• Estrutura ovalada, de contornos definidos, em região atrioventricular.
AE=átrio esquerdo; VE=ventrículo esquerdo; VD=ventrículo direito; SIDA=síndrome da imunodeficiência adquirida; VCI=veia cava inferior; SIA=septo interatrial
Massas tumorais Sarcoma Linfoma Mesotelioma Faixa etária 20 - 40 anos Observações principais
• 95% dos tumores malignos primários • Pode ser: angiosarcoma (mais comum),
rabdomiosarcoma e leiomiosarcoma (raro)
• Angiosarcoma: mais comum em ♂ • Rabdomiosarcoma: sem preferência de
sexo
• Leiomiosarcoma: sem preferência de sexo • Pode gerar sintomas obstrutivos e/ou
arritmogênicos e derrame pericárdico (hemorrágico)
• 5% dos tumores malignos primários • Incidência aumentada com a SIDA
• Acomete o pericárdio
• Não há associação com exposição prévia ao asbesto
• Raríssimo
Características ecocardiográficas
• Angiosarcomas: ocorrem mais do lado direito do coração, sobretudo em átrio direito, ou em pericárdio, sendo lesões de dimensões grandes, podendo preencher toda a cavidade intracardíaca. Quando acometem o átrio direito, comumente se fixam próximo à VCI. É comum a infiltração na parede da câmara acometida e sua extensão para a VCI.
• Rabdomiosarcomas: podem acometer qualquer câmara, sendo extremamente invasivo, acometendo estruturas contíguas.
• Leiomiosarcomas: acometem mais átrio esquerdo, são invasivos e podem gerar hemopericárdio. • Acometem principalmente o lado direito do
coração, podendo se estender para as veias cavas. • No endocárdio se apresenta como estruturas
nodulares ou polipoides.
• É comum a presença de hemopericárdio. • Acometem o pericárdico, com espessamento e
pouco acometimento miocárdio (ao contrário dos sarcomas), com derrame pericárdico ou não (pode ocorrer tamponamento).
Quadro 2 (continuação)
Principais características das massas tumorais
AE=átrio esquerdo; VE=ventrículo esquerdo; VD=ventrículo direito; SIDA=síndrome da imunodeficiência adquirida; VCI=veia cava inferior; SIA=septo interatrial
Massa Hipertrofia lipomatosa do septo Degeneração caseosa do anel mitral Rede de Chiari/ Valvuleta de Eustáquio Strands valvares/ Excrescência de Lambl Trombo intracardíaco Características ecocardiográficas
• Hipertrofia septal, com aumento da sua ecogenicidade.
• Sem comprometimento da fossa oval. • Clássico formato de halteres.
• Massa hiperecogênica com limites precisos em anel mitral posterior, heterogênea, com acentuada calcificação, com área central com ecogenicidade mais atenuada (necrose).
• Estrutura filamentar, fenestrada, extensa e oscilante, presente no átrio direito (rede de Chiari).
• Pode estar associada a forâmen oval patente e aneurisma do septo interatrial.
• Fixada próximo à VCI e se estende ao SIA. • Quando a rede de Chiari não apresenta
fenestrações, passa a ser denominada de valvuleta de Eustáquio, (estrutura linearmente mais individualizada).
• Estruturas filiformes, hipermóveis, pequenas (<10mm).
• Aderidas à face atrial da valva mitral ou ventricular da valva aórtica.
• Movimentação independente da valva.
• Massa de tamanho variável, com ecogenicidade semelhante ao miocárdio (trombos recentes) ou diferente deste (trombos antigos, heterogêneos, com áreas de calcificação associadas).
• Podem ser sésseis, pedunculados ou laminares (trombos antigos do VE tendem a “atapetar o endocárdio”).
• Trombos apicais: diagnóstico diferencial: tendões, trabeculações, artefatos. Se segmento discinético: considerar trombo; se normocontrátil: considerar diagnóstico diferencial ou síndrome hipereosinofílica.
Quadro 3
Principais características das demais massas intracardíacas não tumorais
Observações principais
• Infiltração de adipócitos no septo interatrial com aumento da sua espessura (>2mm).
• Preserva a fossa oval • Ocorre mais em obesos.
• Geralmente assintomático (raramente arritmias atriais)
• Degeneração crônica do anel fibroso posterior da valvar mitral
• Raro
• Associado ao distúrbio do metabolismo do cálcio
• Remanescente da valva venosa direita do coração fetal
• Acomete 2% da população
• B e n i g n a . R a r a m e n t e c a u s a tromboembolismo, arritmia, endocardite ou complicações de procedimentos invasivos direitos.
• Podem estar associadas às valvas nativas ou em próteses valvares
• Associado a alterações anatômicas cardíacas que possibilitam o seu aparecimento (estase sanguínea, discinesia miocárdica)
• Pode regredir após início de anticoagulação. Faixa etária >50 anos Idosos Congênita Idosos Variável
Conclusão
O ecocardiograma é um exame não invasivo, prático
e rapidamente disponível, que pode ser realizado à
beira do leito e servir não apenas para a evidenciação
das massas intracardíacas não infecciosas, mas
também para o auxílio na sua definição etiológica.
Potencial Conflito de Interesses:
Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento:
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica:
Este artigo representa parte do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Angelo Antunes Salgado do Programa de Doutorado em Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
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