COMPORTAMENTO DE LIGAÇÕES APARAFUSADAS EM ELEMENTOS
DE MADEIRA SUJEITOS AO FOGO
Nádia D. Correia Aluna de DSCI UC - Coimbra Portugal Poliana D. Moraes Professora UFSC - Florianópolis Brasil João P. Rodrigues20 Professor UC - Coimbra Portugal SUMÁRIO
A legislação actual apresenta uma lacuna no dimensionamento de ligações em estruturas de madeira para temperaturas entre 23ºC e 300ºC. Nesse sentido, realizou-se um estudo experimental sobre a influência deste parâmetro na resistência ao esmagamento da madeira e em ligações com 1 e 3 parafusos. Foi ainda analisado o desempenho térmico do ligador, por meio de ensaios de aquecimento, em 4 tipos de protecções.
Palavras-chave: Madeira, incêndio, ligações, resistência e parafuso.
1. INTRODUÇÃO
O comportamento ao fogo das ligações em estruturas de madeira é ainda um assunto bastante complexo e que levanta inúmeras questões. O tempo que uma ligação resiste em situação de
20
Autor correspondente
–
Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Rua Luís Reis Santos. Polo II da Universidade. 3030-788 Coimbra. PORTUGAL. Telef.: +351 239 797237 Fax: +351 239 797242. e-mail: jpaulocr@dec.uc.pt2. ENSAIOS EXPERIMENTAIS
Realizaram-se ensaios mecânicos que permitiram determinar a resistência das ligações, com um e três ligadores, e do esmagamento da madeira.
Foi ainda analisado o desempenho térmico das protecções dos ligadores, por meio de ensaios de aquecimento, em 4 tipos de protecções, nomeadamente, “tampas” de OSB (Oriented Strand Board) e de madeira maciça, de tinta intumescente CIN C-Therm Aqua com aplicação de uma e duas camadas.
2.1 Amostras e provetes
No estudo da resistência mecânica das ligações foram utilizadas 3 amostras de Pinus taeda, com um ter de humidade de, aproximadamente, 12%, constituídas por 42 provetes cada, os quais foram distribuídos em 6 grupos com densidades homogéneas entre si, conforme especificado no Quadro 1, não se verificando diferenças significativas de acordo com a análise estatística realizada [8].
Quadro 1: Amostras e programa de ensaio
Ensaios Densidade a 20 °C Número de provetes por nível de temperatura
(kg.m-3) 20°C 50°C 100°C 150°C 200°C 230°C Esmagamento 449 a 519 7 7 7 7 7 7
1 Ligador 429 a 490 7 7 7 7 7 7 3 Ligadores 427 a 524 7 7 7 7 7 7
A madeira dos provetes utilizados nos ensaios era proveniente de um lote heterogéneo com idades compreendidas entre 12 e 30 anos, retiradas de florestas plantadas na região de Lages, em Santa Catarina, Brasil. Os provetes encontravam-se isentos de defeitos, sem nós nem fissuras, e oriundos de barrotes de secção transversal de 30 mm x 60 mm e de 40 mm x 60mm. Os provetes destinados ao ensaio do esmagamento da madeira na direcção paralela às fibras foram executados de acordo com a NF EN 383 [9] e aqueles a utilizar na determinação da resistência da ligação com um e três ligadores, tiveram em consideração as especificações da EN1995-1-1 [10], resultando nos provetes apresentados na Figura 1.
a) Ensaio de resistência b) Ensaio de resistência c) Ensaio de resistência ao esmagamento com um ligador com 3 ligadores
Figura 1: Provetes
Os parafusos utilizados nos provetes são parcialmente roscados, classe 8.8 e com 10 mm de diâmetro. Aquando da realização dos ensaios, a região da zona roscada encontrava-se localizada no exterior da madeira.
Para o estudo do desempenho térmico das protecções, optou-se por efectuar dois ensaios de aquecimento, com 5 provetes cada, constituídos por um exemplar de cada tipo de protecção e um provete de controlo (sem protecção), designados por Grupo 1 e Grupo 2 nos resultados. Os provetes apresentavam a geometria ilustrada na Figura 1(b), aos quais foram aplicadas “tampas” de OSB e de madeira maciça através de um sistema de colagem, resistente a temperaturas elevadas. As camadas de tinta foram aplicadas conforme as indicações referidas no folheto fornecido pelo fabricante. De modo a avaliar mais eficazmente o desempenho térmico das protecções, soldou-se um termopar do tipo K a cada um dos parafusos, de modo a fornecer uma evolução de temperatura mais exacta do ligador (Figura 2).
2.2 Ensaios mecânicos
No presente estudo utilizou-se a máquina de ensaio Kratos, com uma célula de carga de 200 kN e com uma precisão de 0,2 kN, a qual possui um sistema computacional que regista os
Figura 2: Protecções térmicas - provete de controlo sem protecção (a); uma camada de tinta intumescente (b); duas camadas de tinta intumescente (c); "tampa" OSB (d); "tampa" de madeira maciça (e).
Para a determinação da resistência mecânica a temperaturas elevadas foi necessário aquecer previamente os provetes durante 150 minutos, de modo a homogeneizar a temperatura no interior dos mesmos. O tempo de aquecimento foi estimado a partir de ensaios preliminares, nos quais os provetes com termopares do tipo K inseridos no seu interior foram introduzidos no forno, pré-aquecido à temperatura de 80 e 120ºC. O tempo de aquecimento foi determinado através do tempo necessário que a temperatura do interior do provete levava a atingir a temperatura do forno, garantindo a homogeneização da temperatura de todo o material aquecido.
Nos ensaios de esmagamento da madeira na direcção paralela às fibras, a velocidade de deslocamento na travessa da máquina transversal de ensaio foi de 1,9 mm/min, a fim de assegurar que o rompimento dos provetes apenas se dê no final de 300±120 segundos, de acordo com a NF EN 383 [9].
Para os ensaios de determinação da resistência com um e três ligadores, a velocidade de deslocamento na travessa foi adaptada aos pressupostos da norma anteriormente mencionada, resultando em velocidades de 1,5 mm/min e 1,3 mm/min, respectivamente.
O ensaio considera-se finalizado quando o esmagamento na madeira for o equivalente a um diâmetro do ligador, ou seja, 10 mm, ou no caso de fendilhamento de um dos elementos da ligação.
2.3 Ensaios de desempenho térmico
Os provetes foram inseridos a câmara térmica à temperatura ambiente por grupos (Grupo 1 e Grupo 2) e aquecidos a uma taxa de 12,5 ºC/min, permitindo atingir 375ºC ao fim de 30 minutos. Durante o ensaio, registaram-se as evoluções das temperaturas nos provetes e no forno, através de termopares que se encontravam ligados a um sistema de aquisição de dados.
Figura 3 17: Mecanismo de ensaio da resistência de ligações com 3 ligadores a temperaturas elevadas.
3. ANÁLISE DE RESULTADOS
Os resultados dos ensaios mecânicos e de desempenho térmico das ligações aparafusadas em madeira a temperaturas elevadas são apresentadas e discutidas neste capítulo.
3.1 Teor de humidade no final dos ensaios
Na Figura 4 apresenta-se o teor de humidade nos provetes após o esmagamento localizado da madeira na direcção paralela às fibras em função da temperatura de ensaio. O teor de humidade diminui linearmente com o aumento da temperatura do ensaio até, aproximadamente, 150ºC, devido à secagem rápida da madeira, encontrando-se os provetes praticamente anidros para esta temperatura. A partir desta temperatura, inicia-se a perda de massa da madeira, a qual está relacionada com a degradação térmica dos polímeros.
Figura 14: Teor de humidade
dos provetes após o ensaio de esmagamento da madeira
Resultados idênticos foram observados nos ensaios de resistência de ligações com um e três ligadores.
Segundo Schaffer [11], a 140 ºC, dá-se a libertação da água contida nos constituintes da madeira e inicia-se a degradação dos seus componentes químicos, nomeadamente, lenhina, celulose e hemicelulose, o que pode estar relacionado com a perda de peso dos provetes. Para temperaturas superiores a 100ºC, de acordo com Young e Clancy [12], tem início a libertação da humidade contida na parede celular pela superfície da madeira.
3.2 Resistência ao esmagamento da madeira na direcção paralela às fibras
A Figura 15 exibe os valores obtidos nos ensaios de resistência ao esmagamento da madeira. Verifica-se que a resistência ao esmagamento da madeira diminuiu com o aumento da temperatura. A 23ºC, a resistência média ao esmagamento foi de 45 MPa, enquanto que a 230 ºC verificou-se uma resistência média de 28 MPa, ocorrendo uma redução de resistência na ordem dos 38%.
Figura 15: Resistência ao esmagamento da madeira na direcção paralela às fibras
As resistências médias reduzidas a 23ºC, para o ensaio de esmagamento localizado desta investigação, são similares às obtidas por Moraes et al. [13] e Manriquez [14] para o Pinus sylvestris e Schizolobium amazonicum, respectivamente (Figura 16).
Figura 16: Comparação dos resultados com outros autores 3.3 Resistência das ligações
As Figura 17 (a) e (b) ilustram a resistência das ligações com um e três ligadores em função da temperatura. Aos 23 ºC, a resistência média é de 13 kN para ligações simples e de 40 kN para ligações com três ligadores. Observou-se que para as diferentes temperaturas de ensaio, excepto para 50 ºC, a resistência obtida para o ensaio das ligações com três ligadores é sensivelmente a tripla da obtida para as ligações simples, apresentando uma diferença inferior a 10 %. Aos 50 ºC a diferença é mais significativa, na ordem dos 28 %.
(a) (b)
Figura 17: Resistência das ligações com um ligador (a) e com três ligadores (b)
As referidas figuras apresentam uma redução não monótona da resistência em função da temperatura, com um mínimo de 6,9 kN a 50 ºC, para ligações simples, e 23,4 kN a 100 ºC para ligações com três ligadores, correspondendo a reduções da resistência de 47,2 % e 41,2 %, relativamente aos ensaios em temperatura ambiente, respectivamente. Verificou-se que para todos os níveis de temperatura analisados, excepto a 50ºC, a redução de resistência em função da temperatura era semelhante quando comparada aos valores obtidos à temperatura ambiente.
A resistência das ligações em elementos de madeira é influenciada por diversos parâmetros, nomeadamente, o teor de humidade, a temperatura de transição vítrea e a degradação da madeira, Wilkinson and Rowlands [15] e Soltis and Wilkinson [16].
A transição vítrea da madeira encontra-se intrinsecamente relacionada com a temperatura e o seu teor de humidade. No decorrer dos seus estudos, Irvine [17] constatou que a transição vítrea da lenhina em diversas espécies de madeira ocorria numa gama de temperaturas compreendidas entre 60 e 90 ºC. Olsson e Salmén [18], ao ensaiarem madeiras húmidas, verificaram que a transição vítrea para o Ulmus americana e para o Pinus strobus ocorre em torno dos 78 e 90 ºC respectivamente. A estrutura da lenhina e a hemicelulose começam a amolecer a partir dos 55ºC, segundo os estudos de Schaffer [11]. A transição vítrea seca, dos polímeros da madeira, ocorre a temperaturas elevadas. Para Back e Salmén [19], a transição vítrea seca da celulose seca ocorre entre 200 e 250 ºC, para a hemicelulose ocorre numa gama de temperaturas compreendida entre 150 e 200 ºC e para a lenhina ocorre numa temperatura superior a 205 ºC, o que pode justificar o comportamento do Pinus taeda a partir de 200 ºC.
Segundo Chafe [20], a redução da resistência na madeira com a temperatura está relacionada com a degradação térmica dos seus polímeros e com o aparecimento de fendas no seu interior durante o processo de secagem.
alcançada esta temperatura.
(a)
(b)
4. CONCLUSÕES
Neste estudo, foi analisada a influência da temperatura no esmagamento da madeira e na resistência das ligações de Pinus taeda com um e três ligadores, tendo sido obtidas as seguintes conclusões:
x O teor de humidade da madeira decresce linearmente até aos 150 ºC;
x A resistência ao esmagamento da madeira na direcção paralela às fibras decresce com o aumento da temperatura;
x A resistência das ligações com um ligador decresce, com um mínimo a 50 ºC, seguindo-se de um aumento até 150 ºC, prosseguida novamente de um decréscimo até aos 240 ºC. O facto da resistência mínima ser atingida aos 50 ºC, pode-se revelar um problema, visto ser uma temperatura facilmente atingível em várias partes do Mundo, principalmente em coberturas;
x A resistência das ligações com três ligadores decresce até aos 150 ºC, verificando-se um mínimo, seguindo-se de um acréscimo de resistência até aos 150 ºC, voltando a apresentar uma diminuição da resistência até aos 240ºC;
x Dos 4 tipos de protecção térmica apresentados para os parafuso, as tampas de OSB e de madeira maciça apresentaram melhor desempenho que a pintura com tinta intumescente.
5. BIBLIOGRAFIA
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[17] Irvine, G. - The glass transitions of lignin and hemicellulose and their measurement by differential thermal analysis, Tappi J., vol. 67, no. 5, 1984, p. 118-121.
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