23-11-2017 | Guia do Empresário
Ana Sofia Lopes // professora adjunta da ESTG/IPLeiria
"Ganhos na produtividade
decorrentes da formação
são difíceis de quantificar"
Há quatro anos, Ana Sofia Lopes, professora adjunta da ESTG/IPLeiria, foi premiada por um estudo sobre o impacto da formação na produtividade e nos salários. Nesta entrevista, explica o que mudou desde 2013 e lamenta que a maioria das empresas ainda esteja pouco empenhada na fonnação contínua
Os resultados do seu estudo de 2013 mantêm-se atuais? Sim. Em primeiro lugar, o objetivo do estudo foi o de desenvolver uma ferramenta - taxa interna de rentabilidade (TIR) - capaz de per-mitir às empresas e aos trabalhado-res que participam em formação profissional antecipar o retorno com este tipo de investimento. As-sim, e no que à composição da TIR diz respeito, ela mantém-se atual, uma vez que a tipologia de custos e benefícios envolvidos é a mesma: os custos diretos e os custos de oportunidade (associados a horas não trabalhadas ou redução de tempo de lazer e descanso) bem como ganhos líquidos atuais e futuros. Já em relação aos valores obtidos para esse indicador para as
empresas da amostra (mais de um milhar, ao longo de seis anos), estes permanecem atuais pois não se registaram grandes oscilações nos últimos cinco anos, pelo contrário, em média permaneceram quase inalterados.
A consciência sobre as vantagens da formação profissional evoluiu nos últimos anos?
Observa-se alguma mudança em termos de perceção das vantagens da formaçào profissional ao nivel do reforço de competências que possibilitam maior capacidade de adaptação a novos cenários, tornando as empresas mais competitivas e os trabalhadores mais motivados e alinhados com a estratégia da empresa, o que se
tem refletido em alterações na es-colha (mais ajustada) da tipologia das ações de formação profissional (reforço das componentes técnica, organizacional, comportamental e económica).
No entanto, a dificuldade na men-suração destes benefícios e logo na perceção do retorno positivo (ou seja. que sejam suficientes para cobrir os custos) leva a que se verifique uma ainda reduzida participação das empresas neste tipo de reforço de capital huma-no. De facto, em 2015. e segundo dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento, do Ministério do Tra-balho, Solidariedade e Segurança Social, apenas 19,8% das empresas apresentavam indicadores de
formação profissional.
Quais as empregns menos envol-vidas? Esta realidade é sobretudo mais visível no caso de empre-sas de menor dimensão onde o aproveitamento de economias de escala para a redução dos custos com a formação é impraticável. Penso que, nestes casos, o envolvi-mento das associações empresa-riais. bem como o estabelecimento de parcerias com instituições de ensino superior. será fundamental para ultrapassar estas dificuldades, refletindo-se na desejada mudança comportamental face à formação profissional.
A formação contínua é uma ne-cessidade já posta em prática?
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PERFIL
Ana Sofia Patrício Pinto Lopes é pro-fessora adjunta da ESTG/WLeiria, onde exerce funções docentes desde `001, sobretudo na área de econo- 'a. É mestre em Economia Aplica- a, doutorada em Economia (área Ele especialização em Teoria Econó-mica - Economia de Trabalho) pela Faculdade de Economia da Univer-sidade de Coimbra. Tem colaborado em projetos de prestação de serviço. As suas áreas científicas de interesse são: o mercado de trabalho, o capital humano, as dinâmicas empresariais e o desenvolvimento local/regional. Tem diversas comunicações e traba-.. os publicados
23-11-2017 | Guia do Empresário
Há já um conjunto de empresas (infelizmente apenas uma mino-ria) que compreende que a sua competitividade, num contexto de mudança, implica uma adaptação constante não só ao nível da tec-nologia, mas também ao nível dos seus recursos humanos, o que pas-sa naturalmente por uma contínua oferta de formação profissional. Reconhecem ainda que este tipo de formação permite a solidifica-ção dos conhecimentos técnicos e comportamentais, possibilitando a crescente melhoria do desempe-nho dos trabalhadores. Para além disso, nestas empresas mais dinâ-micas, a formação é já uma aliada da estratégia da empresa. uma vez que é orientada para o desenvolvi-
mento de competências facilitado-ras dos objetivos da mesma (e isto é visível pelo facto de se estarem a privilegiar este tipo de ações de formação, por exemplo, segundo dados do GER a participação em ações que visam o enquadramen-to na organização praticamente duplicou de 2010 para 2015). No que respeita aos trabalhadores novamente se verifica uma dicoto-mia, sendo que trabalhadores com maiores níveis de escolaridade e profissionais mais qualificados são os que mais reconhecem os bene-fícios de urna formação continua, chegando mesmo a procurar o reforço da formação escolar.
"Há já um conjunto de
empresas
(infelizmen-te apenas urna
mino-ria) que compreende
que a sua
competitivi-dade, num contexto
de mudança, implica
uma adaptação
cons-tante não só ao nível da
tecnologia, mas
tam-bém ao nivel dos seus
recursos humanos"
É possível avaliar o impacto da formação na produtividade?
Os ganhos líquidos na produtivi-dade decorrentes da formação são
difíceis de quantificar. Para além disso. no período em que ocorre, a formação provoca sobretudo um aumento dos gastos e diminuição dos ganhos - por canalização de horas de trabalho e outros meios de produção para a formação. Este facto torna a formação extrema-mente sensível aos ciclos económi-cos sendo das primeiras "despe-sas" a ser cortadas em alturas de maiores dificuldades.
Mas é importante haver estudos nesta área. Estudos que avaliem o
impacto da formação profissional. não só o seu efeito imediato, mas também antecipando os ganhos futuros. facilitarão a perceção, por parte de empresas e trabalhadores,
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Seis anos de investigação
da formação enquanto investi-mento com retornos positivos. Esta avaliação poderá, não só ser feita ao nível macro, mas também micro - permitindo, nomeadamente, o ajustamento futuro da formação às necessidades específicas das empresas. Pode ainda contemplar o estudo do impacto de diferentes tipos de formação, por exemplo, a de cariz mais formal. No nosso país. temos próximo de 30 mil traba-lhadores estudantes no ensino superior, cuja formação adqui-rida se espera que seja também benéfica para as empresas onde se encontram, mas que é ainda pouco reconhecida como tal pelas mesmas.
Que outros fatores encontrou que influenciam a produtividade? O
estudo visou sobretudo a análise do impacto do capital humano sobre a produtividade aparente do trabalho sendo que, para além da formação profissional foi possível apurar um efeito significativo da maior escolaridade e dos anos de experiência profissional (sobre-tudo aqueles que decorreram na própria empresa). Para além disso, é evidente a importância para a produtividade de algumas caracte-rísticas das empresas, tais como, a utilização mais ou menos intensiva de capital físico. a tecnologia, a dimensão da empresa, a partici-pação de capital estrangeiro e o sector de atividade.
A investigação de Ana Sofia Lopes - coordenadora do TeSP em Venda e Negociação Comercial e docente do Departamento de Gestão e Economia da ESTO/ IPLeiria - concluiu que uma hora de formação adicional gera um impacto positivo de 0,12% na produtividade e 0.04% nos salários. E mostra que os empregadores capturam 82% dos ganhos de produtividade. enquanto os trabalhadores ficam com os restantes 18%. Os resultados apontam para um retorno de 13% para as empresas e 33% para os trabalhadores. Cerca de 86% das empresas obtém uma taxa interna
de retorno positiva
O trabalho, elaborado em conjunto com Paulino Teixeira (Universidade de Coimbra). foi publicado no Intemational Journal of Manpower, com o titulo Troduclivity. wages. and the returns to firm-provided train ing: fair shared capitalism?". e recebeu o prémio "Outstanding papem of the year 2013".
Durante seis anos, Ana Sofia Lopes acompanhou as dinâmicas relacionadas com a formação paga em mais de mil empresas. responsáveis por 30% do emprego no sector privado em Portugal. •
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