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Poses e flagrantes: ensaios sobre história e fotografias

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Academic year: 2021

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Editora da Universidade Federal Fluminense Niterói, 2008

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Copyright © 2008 by Ana Maria Mauad

Direitos desta edição reservados à EdUFF - Editora da Universidade Federal Fluminense - Rua Miguel de Frias, 9 - anexo - sobreloja - Icaraí - CEP 24220-900 - Niterói, RJ - Brasil -Tel.: (21) 2629-5287 - Fax: (21) 2629- 5288 - http://www.editora.uff.br - E-mail: eduff@vm.uff.br

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora.

Normalização: Caroline Brito de Oliveira Edição de texto: Icléia Freixinho Revisão: Sônia Peçanha

Capa e projeto gráfico e editoração eletrônica: José Luiz Stalleiken Martins Supervisão gráfica: Káthia M. P. Macedo

Dados Internacionais de Catalogação-na-Fonte - CIP M448 Mauad, Ana Maria

Poses e Flagrantes: ensaios sobre história e fotografias / Ana Maria Mauad — Niterói : Editora da UFF, 2008.

262 p. ; 23 cm. — (Coleção Biblioteca EdUFF, 2004) Bibliografia. p. 253

ISBN 978-85-228-0474-0

1. Fotografia. 2. Fotógrafo. I. Título.

CDD 770.23

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Reitor: Roberto de Souza Salles Vice-Reitor: Emmanuel Paiva de Andrade

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Humberto Fernandes Machado Diretor da EdUFF: Mauro Romero Leal Passos

Diretor da Divisão de Editoração e Produção: Ricardo Borges Diretora da Divisão de Desenvolvimento e Mercado: Luciene Pereira de Moraes

Assessora de Comunicação e Eventos: Ana Paula Campos Comissão Editorial

Presidente: Mauro Romero Leal Passos Gisálio Cerqueira Filho Hildete Pereira de Melo

João Luiz Vieira

José Walkimar de Mesquita Carneiro Lívia Reis

Márcia Menendes Motta Maria Laura Martins Costa Mariângela Rios de Oliveira

Vânia Glória Silami Lopes

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gradecimentos

Mesmo correndo o risco de cometer esquecimentos, parte do processo de rememoração, creio que este seja o momento de agradecer às pes-soas que me incentivaram em minha trajetória acadêmica e reflexão teórica

Ao Paulo Knauss, por ser o que ele é: amigo, parceiro e importante interlocutor.

À Angela de Castro Gomes, à Mariza Soares e à Hebe Mattos por aju-darem a criar um espaço especial para pensar e produzir: o LABHOI, e à Ismênia Lima Martins, por ter criado esse espaço e deixado de algum modo a sua generosidade inscrita nele.

Ao Flavio Damm, por ter conseguido ultrapassar os limites da cientifici-dade e se tornar um objeto-parceiro de pesquisa.

Ao Ciro Cardoso, por todo o incentivo e apoio ao longo de muitos anos.

Ao Milton Guran, por ter me aberto os olhos para a variedade do olhar fotográfico.

Às pesquisadoras do Museu Paulista, Solange Ferraz de Lima e Vânia Carvalho, por terem me recebido para o pós-doutorado e por continuarem a ser importantes e afetivas interlocutoras.

Às minhas bolsistas de iniciação científica: Adriana Hassim, Erica Gomes Daniel, Ana Flávia Pires, Fernanda Rabelo, Daniela Ferreira Nunes, Mariana Furloni, Mariana Silva, Beth Castelano, Ellen Guedes, Daiana Andrade.

Aos meus parceiros de uma história em movimento: Ana Paula da Rocha Serrano e Fernando Dumas.

À Katharina, ao Victor, João Gabriel e Alejandro, por me agüentarem em casa fazendo hummmmm.

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aPresentação, 11 introdução, 13

Parte i

caPítulo 1 – atravésdaimagem: fotografiaehistória – interfaces, 29 caPítulo 2 – históriaesemiótica: sobreoconceitode

intertextualidadenaanálisedefontesdememória, 49 caPítulo 3 – PassadocomPosto: fotografiaememória, 57

Parte ii

caPítulo 4 – asfronteirasdacor: imagemerePresentaçãosocial nasociedadeescravistaimPerial, 75

caPítulo 5 – namiradofotógrafo: o riode JaneiroeseusesPaços atravésdaslentesde gutierrez, 93

caPítulo 6 – a inscriçãonacidade: Paisagemurbananasfotografias de marc ferreze augusto malta, 111

caPítulo 7 – imagensdePassagem: fotografiaeosritosdavida católicadaelitebrasileira, 1850-1950, 121

Parte iii

caPítulo 8 – JanelasqueseabremParaomundo: fotografia deimPrensaedistinçãosocialno riode Janeiro, naPrimeirametadedoséculo xx, 149

caPítulo 9 – flávio damm, ProfissãofotógrafodeimPrensa: ofotoJornalismoeaescritadahistória contemPorânea, 171

caPítulo 10 – genevieve naylor, fotógrafa: imPressões deviagem (brasil, 1941– 1942), 195

caPítulo 11 – o mundocomocomunidadeimaginada: diversidade culturalnasrePresentaçõesfotográficasde flávio damme sebastião salgado, 227

conclusão

entreostemPos, atítulodeconclusãoPrecária, 245 referências, 253

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Presentação Enfim, juntos....

O processo de comunicação social é, atualmente, dominado pela imagem: até para escrever, entramos em uma imagem e dialo-gamos com “ícones”. Portanto, creio que não haja mais, no campo das ciências sociais, quem não veja a fotografia – e as imagens em geral – como um objeto (tanto físico quanto de estudo) capaz de revelar aspectos fundamentais dos fenômenos sociais. Isso porque a fotografia, sobretudo a de caráter documental, representa sempre um aspecto relevante da vida social. No entanto, pela banalização de seu uso e pela sua natureza polissêmica, aparentemente tão aberta, há até pouco tempo parecia impossível tratá-la cientificamente. Ela é, antes de tudo, um produto e responde, portanto, aos próprios imperativos da sua produção. Outra característica interessante é que ela só se rea-liza plenamente no ato do consumo, na leitura de quem a vê. De um lado, temos então um olhar que é o agente do recorte de um aspecto do mundo visível, que seleciona o conteúdo da imagem e a forma de apresentá-lo o que, por si só, já é matéria de estudo, tanto quanto a cena representada na imagem. E, de outro lado, temos o leitor que vai decodificar a imagem à sua maneira e com os condicionamentos de seu tempo e sua inserção social. Enfim, o uso da fotografia é um ato eminentemente cultural do princípio ao fim.

Acontece que tanto a produção quanto o consumo de uma fotografia envolvem, para sua realização, o emprego da imaginação, ou seja, da nossa capacidade de pensar abstratamente com o fim es-pecífico de descrever plasticamente o mundo visível. Ou seja, criar uma imagem que responda, de alguma maneira, não só à razão – como percebemos uma cena –, mas também às emoções e às sensações que são inerentes a este ato de percepção. É aí que entra o trabalho de Ana Mauad, que orienta o nosso olhar sobre as imagens para nos ajudar a descobrir mais e com mais qualidade, nos dando roteiros de leitura, enriquecendo nossa percepção e dirigindo-a para a produção de conhecimentos.

Estes textos, na verdade, propõem percursos do olhar tanto históricos quanto conceituais, que trama uma estratégia de análise que nos permite encontrar, no transcurso da leitura, tempos e refe-rências diversas, além de travar um estreito diálogo com a produção acadêmica em geral. A primeira parte do livro enfatiza a necessidade de uma análise transdisciplinar da imagem, ao incorporar numa

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pro-A

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ão posta metodológica original as contribuições de estudos semióticos

e da teoria social. O debate aqui apresentado revela a ampliação dos campos e fazeres da história para muito além das fronteiras tradicio-nais. A leitura do livro nos permite percorrer os tempos e espaços da experiência fotográfica dos séculos XIX e XX, indo do império do retrato à dinâmica da fotografia instantânea e do fotojornalismo. Assim, os tempos das poses e flagrantes revelam formas de ver e ser visto.

Desta forma, o volume coloca em perspectiva, no campo his-toriográfico, as pesquisas produzidas ao longo de mais de dez anos de atividade da autora na Universidade Federal Fluminense e como pesquisadora do CNPq. Inscreve-se, assim, entre os pioneiros do gênero, partindo do campo epistemológico da história para transitar sem hesitações pelas demais ciências sociais. Assim, constrói uma sólida e abrangente reflexão sobre o que representam as fotografias e de como podemos utilizá-las para chegar à matéria-prima do nosso trabalho, ou seja, a vida que está por trás da imagem. Originais na forma de abordar a questão sem perder o rigor de análise, sempre dialogando com os propósitos e pressupostos mais instigantes da disciplina, os textos de Ana Mauad são, hoje, referência incontornável neste campo de estudos.

A grande vantagem deste livro é, justamente, reunir os textos e sistematizar reflexões dispersas, em parte inacessíveis, simplificando a vida de todos que, de uma maneira geral, já descobriram nas imagens as linguagens pelas quais circulam grande parte do que é essencial na vida dos indivíduos e das sociedades.

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ntrodução

Em relação a muitas dessas fotos, era a História que me separava delas. A História não é simplesmente esse tempo em que não éramos nascidos? (BARTHES, R. A câmara clara, p. 96-97)

Em relação às minhas próprias fotografias, venho mantendo uma prática herdada de minha avó: a coleção. Vovó Mariana as guardava numa grande caixa de papelão, misturadas aos recortes de jornais, santinhos de primeira comunhão, relicários e muitos outros retalhos de lembranças. Eu, de minha parte, desde o momento em que me dei conta de que já havia criado uma descendência, passei a organizá-las, cronologicamente, em álbuns. Aos poucos as fotografias em papel estão sendo substituídas pelas imagens digitais, mas, ainda assim, preserva-se a narrativa temporal acrescida da legenda temática desig-nada para distinguir cada arquivo: férias no Chile, 2006; aniversário Katharina, 2005.

Entretanto, a experiência de conviver com as muitas fotografias que a minha avó guardava imprimiu em minha consciência uma dimen-são de temporalidade, gravada em rostos, objetos, lugares, situações que já não mais existiam. Não sei se por isso resolvi fazer o curso de história, mas sei que foi por isso que tomei a coleção de fotografias de minha avó como um dos objetos da minha pesquisa de doutorado.

Chegar àquilo que não foi revelado, imediatamente, pelo olhar fotográfico e, como Alice diante de seus espelhos, ver através da imagem, foi o desafio que me propus em relação às fotografias. En-tretanto, diante de tal desafio, não podia me manter na condição de colecionadora, protegida pelo universo da intimidade familiar. Havia de me lançar à multiplicidade de fotografias, buscando decifrar seus usos e funções, mapear e diferenciar suas formas de agenciamento e representação. Enfim, compreender a experiência fotográfica como prática de produção de sentido social. Múltiplos sentidos, no entanto, todos históricos.

Relacionar a prática fotográfica a sua historicidade foi o cami-nho escolhido para analisar a presença da fotografia na experiência histórica dos séculos XIX e XX: as fotografias e suas histórias.

As reflexões reunidas neste livro foram feitas ao longo da minha prática como pesquisadora no Laboratório de História Oral e Imagem

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ção da UFF, no CNPq, e na docência em Graduação e Pós-Graduação, no

curso de história.

O volume é composto por textos apresentados em simpósios e seminários, escritos para sistematizar a pesquisa de dados e ao mesmo tempo consolidar uma reflexão teórico-metodológica sobre um campo da historiografia que veio se definindo juntamente com reflexões sobre a história da imagem, ou ainda, história visual (ME-NESES, 2003). As relações entre história e imagem, longe de definirem um campo autônomo de estudos, apresentam-se como um fórum em que se pode debater a história social. Assim, busca-se dimensionar o estatuto epistemológico do social pela valorização das diferenciadas experiências que definem as práticas sociais, dentre essas, a relação entre ver e conhecer, ou ainda, ver e imaginar.

Animada pelos pedidos reiterados de alunos e colegas em relação a trabalhos que publiquei em periódicos esgotados, anais de congressos com edição limitada, enfim, textos de difícil aquisição pelo público, dediquei-me a organizar esta coletânea. Entretanto, não me limitei a reproduzir as reflexões datadas, empenho-me aqui em travar um diálogo de idéias entre tempos. A cartografia do volume se orienta por duas temporalidades, a da minha própria trajetória como pesquisadora no campo de estudos da história da imagem, e uma outra, delimitada pelos tempos da história nos quais a prática fotográfica se inscreveu como objeto de estudo. Neste sentido, se distribuíram os textos por três partes, sendo que cada uma delas é introduzida por uma reflexão sobre a problemática histórica na qual ela se inscreve.

A primeira parte concentra um conjunto de reflexões de caráter teórico-metodológico, associadas à concepção da fotografia como fonte e objeto da história. Nesta parte são apresentados os princí-pios da metodologia histórico-semiótica para a análise da fotografia, desenvolvida em minha tese de doutorado. A ordenação cronológica dos textos e os comentários sobre cada um servem de medida para se avaliar a aplicabilidade de tal metodologia, suas contribuições para o campo de estudos e os seus limites. As reflexões que acompanham esta parte buscaram ampliar o enquadramento estritamente semiótico, incluindo-se as temáticas sobre narrativa, tempo e memória.

A segunda parte é composta por análises da fotografia na socie-dade oitocentista. Ressaltam-se nos trabalhos a dimensão da fotografia como prática de produção de sentido social, bem como seus usos e funções na sociedade imperial. Nesse sentido, a produção fotográfica na cidade do Rio de Janeiro é objeto de estudos cuja abordagem valo-riza a centralidade do olhar como forma de representar a sociedade brasileira nos Oitocentos. As experiências sociais tratadas são

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das, assim como seus espaços e os sujeitos históricos. O comentário sobre os trabalhos ordenados cronologicamente serve de ponte para um diálogo com a historiografia.

Na terceira, e última parte, as questões mais recentes da pes-quisa com fontes orais e visuais orientam as reflexões apresentadas. São textos que se debruçam sobre a relação entre mídia e história, tomando como objeto de estudo o fotojornalismo brasileiro no século XX. Avalia-se o mercado editorial das publicações ilustradas, a relação entre imprensa e cultura visual burguesa, bem como a narratividade da imagem fotográfica na construção do acontecimento histórico. O texto que acompanha essa parte oferece uma visão, em perspectiva, sobre a relação entre experiência fotográfica e os sentidos da história contemporânea.

Por fim, a título de uma conclusão precária, buscou-se refletir sobre a problemática da imagem fotográfica na sua relação com os tempos da história.

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A primeira parte é composta por três textos voltados para a reflexão teórico-metodológica sobre os usos das fontes visuais na história. Busquei incluir um exemplo de cada uma das associações teóricas tecidas na construção de uma metodologia de análise que articulasse a substância visual das fontes aos problemas historiográ-ficos levantados pela pesquisa.

O Capítulo 1 apresenta a sistematização dos princípios metodo-lógicos da análise histórico-semiótica de fotografias. A metodologia havia sido desenvolvida ao longo do meu doutorado (1986-1990) e, até esse momento, sua apresentação ficava limitada à introdução da tese. Aproveitei a oportunidade de escrever para o dossiê sobre metodo-logia da Revista Tempo do Departamento de História da UFF, a fim de dar um corpo a esses princípios metodológicos, acrescentando-lhes novas discussões, dentre as quais, aquela apresentada pelo filósofo francês Philipe Dubois a respeito do realismo fotográfico e da natureza fundadora do ato fotográfico.

A leitura de Dubois permitiu-me ampliar o escopo das reflexões, deslocando para dentro da mensagem fotográfica a natureza complexa do seu ato de fundação: a fotografia registra, apresenta e represen-ta, sendo ao mesmo tempo índice, ícone e símbolo. A polissemia da mensagem visual explicava-se pela natureza complexa da sua criação, cujas possibilidades de interpretação estavam abertas à dimensão histórica da sua recepção e apreensão.

O problema de ver e conhecer orientava o princípio da análise proposto. Dubois entende a fotografia como uma operação racional que fornece sentido às experiências sociais, mas que, ao mesmo tempo, as dignifica e hierarquiza tornando-as memoráveis. Não se fotografa qualquer coisa, a escolha do que será fotografado segue alguns protocolos que são perpassados pelas experiências sociais compartilhadas, apropriadas ou ainda, expropriadas (se pensarmos em todas as formas de apagamento das imagens). O ato fotográfico foi assim concebido como experiência visual inscrita nos tempos his-tóricos, cujos ritmos diferenciados qualificavam a própria natureza da imagem fotográfica.

Dentro desse contexto de análise, valorizava-se o aspecto comunicativo da imagem fotográfica, que foi concebida como mensa-gem. Tal procedimento engendrou alguns desdobramentos teórico-metodológicos, dentre os quais se ressaltam os processos de produção

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s de sentido visual na sociedade contemporânea, com destaque para os

seguintes aspectos: o papel desempenhado pela tecnologia; a defini-ção do circuito social da produdefini-ção de imagens técnicas, enfatizando historicidade dos regimes visuais; o papel dos sujeitos sociais como mediadores da produção cultural, compreendendo que a relação entre produtores e receptores de imagens se traduz numa negociação de sentidos e significados; a capacidade narrativa das imagens técnicas, discutindo-se aí a dimensão temporal das imagens, os elementos defi-nidores de uma linguagem eminentemente visual e, por fim, o diálogo estabelecido entre imagens técnicas e outros textos, tanto de caráter verbal, como não verbal, a partir do princípio de intertextualidade.

Deste conjunto de desdobramentos, podemos sintetizar quatro aspectos ao considerarmos as imagens fotográficas:

A questão da produção – o dispositivo que media a relação entre o 1.

sujeito que olha e a imagem que elabora ocorre pela manipulação de um dispositivo de caráter tecnológico, que possui determina-das regras definidetermina-das historicamente integradetermina-das às tecnologias da visão (MENESES, 2005).

A questão da recepção – associada ao valor atribuído à imagem 2.

pela sociedade que a produz, mas também a recebe. Na medida em que este valor está mais ou menos balizado pelos efeitos de realismo da imagem, vai apontar para a conformação histórica de um certo regime de visualidade. Portanto, se a questão da relação da imagem com o seu referente e o grau de iconicidade dessa imagem é uma questão estética, seu julgamento (ou apropriação) tem a ver com as condições de recepção e como, através dessa recepção, se atribui valor à imagem: informativo, artístico, íntimo etc. Problematiza-se aqui o domínio do visual (MENESES, 2005). A questão do produto – entende-se, aí, a imagem consubstancia-3.

da em matéria, e ainda a capacidade de a imagem potencializar a matéria em si mesma, como objetivação de trabalho humano, como resultado do processo de produção de sentido social e como relação social. Compreendida como resultante de uma relação en-tre sujeitos, a imagem visual engendra uma capacidade narrativa que se processa numa dada temporalidade. Estabelece, assim, um diálogo de sentidos com outras referências culturais de caráter verbal e não-verbal. As imagens nos contam histórias, atualizam memórias, inventam vivências, imaginam a história. Esse o campo que define a ordem do visível (e do invisível).

A questão do agenciamento – relacionada ao processo social que 4.

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que são guardadas, distribuídas, manuseadas, arquivadas e des-truídas. A biografia das imagens e sua vida social importam, pois implicam relações sociais diferenciadas. Uma fotografia feita no Centro do Rio dos anos 1950, cuja legenda refere-se à Copacabana, possui uma trajetória cujas histórias revelam experiências sociais só esclarecidas pelo estudo das condições de seu agenciamento, pelos guardiães da memória, pelos colecionadores, pelas insti-tuições de guardas, enfim, pelos diferentes sujeitos sociais que operaram sobre essa imagem. Tal dimensão supera, em grande medida, a compreensão da imagem fotográfica como texto e a concebe como materialização de uma prática social.

Vale considerar que, se esses quatro aspectos visam orientar de forma ampla a análise histórica de fotografias, a ênfase em um ou em outro variará de acordo com a problematização proposta para o desenvolvimento do estudo. Ainda assim, não é demais ressaltar, se-guindo a trilha aberta por Meneses (2003), que os estudos históricos, ao tomarem a imagem visual como fonte, devem discutir seu estatuto epistemológico. Dito de outra forma, a noção de fonte histórica há de ser problematizada à luz de uma crítica que a considere como suporte de práticas sociais, superando-se a visão ingênua de que as fontes contêm o passado, e se revelam ao olhar do presente, por sua pura existência. Toda fonte histórica é resultado de uma operação histó-rica (CERTEAU, 1979), não fala por si só, é necessário que perguntas lhe sejam feitas. Tais questionamentos devem levar em conta a sua natureza de artefato e de objeto da cultura material, associado a uma função social e a sua trajetória pelos tempos.

Neste sentido, toda fonte é também objeto de estudo na proble-matização do passado, definindo-se também pelo problema proposto para a análise. Tal perspectiva, longe de recuperar um empiricismo mecânico, busca dialogar com as questões levantadas pela micro-história (LEVI, 1992). Segundo essa abordagem, o contexto histórico não deve ser concebido como pano de fundo de uma mise en scène política ou cultural, completamente dissociada do problema proposto. Ao contrário, a elaboração dos quadros de historicidade, ou como propõe Levi, das lógicas de racionalidade, deve partir da materialidade das experiências sociais, dos seus indícios, vestígios, restos e pistas. Os documentos, dentro desta perspectiva, devem urdir a trama da ex-periência passada, elucidando no presente sua alteridade. As imagens visuais, como documentos /monumentos, permitem-nos conhecer por ângulos pouco habituais a urdidura das relações sociais. No entanto, não basta olhar, é fundamental estranhar.

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s O Capítulo 2 aborda o estudo da relação entre palavras e

ima-gens. Tal preocupação inscreve-se no âmbito das pesquisas que vêm sendo realizadas ao longo da minha participação como pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem da UFF. Criado em 1982, pela iniciativa das professoras Ismênia Lima Martins e Eulária Lobo, o LABHOI foi um dos primeiros grupos de pesquisa a valorizar o uso de fontes não tradicionais, a saber: fontes orais e visuais na pesquisa histórica. Desde 1994, com a ampliação dos seus participantes, o grupo foi reafirmando a sua vocação precursora.

Do ponto de vista teórico, o trabalho desenvolvido pelo LABHOI, com fontes visuais e orais, associa pesquisa de dados, discussão conceptual e prática docente. Meu trabalho dentro do grupo vem priorizando os estudos sobre a relação entre fontes visuais, em espe-cial a fotografia e as fontes orais, compreendidas como mediadores privilegiados para o estudo das memórias sociais. O texto em questão consiste numa primeira sistematização de um conjunto de conceitos para se operar na pesquisa com suportes de natureza distinta.

A escolha da perspectiva semiótica para apoiar a análise histó-rica das chamadas fontes de memória implica a compreensão de que tais registros, longe de se apresentarem prontos à análise histórica, são resultados do trabalho de pesquisa e da orientação teórico-metodológica. Tal orientação implica o fato de que a construção do objeto de estudo, a elaboração da problemática teórica, bem como o estatuto epistemológico das fontes de memória são resultados de uma operação historiográfica (CERTEAU, 1979).

Oriento-me, portanto, por meio de um lugar social, segundo certos protocolos aceitos pela comunidade, na qual me reconheço como sujeito do conhecimento, a comunidade de historiadores. Assim, o pertencimento a um grupo de pesquisa, o LABHOI, implica também uma prática social fundamentada em princípios de investigação. Na linha das fontes de memória, discute-se o estatuto da visualidade e da oralidade como fonte e objeto da história, a relação entre memó-ria e sociedade, o papel do sujeito na produção social da memómemó-ria e os usos sociais do passado. Desta forma, amplia-se o ponto de vista estritamente semiótico, sem, entretanto, abandoná-lo.

Vale ressaltar, assim, outros investimentos nos estudos da re-lação entre fontes orais e visuais, dentre os quais estão a capacidade narrativa de ambos os meios de expressão e o reconhecimento da pluralidade do tempo histórico. Tempo e narrativa são conceitos que se associam na problematização das fontes de memória.

Do ponto de vista das narrativas, destaca-se a produção do do-cumento oral. A perspectiva das histórias de vida, em geral adotadas

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nos roteiros das entrevistas, implica a definição de um fio condutor do ato de rememoração que coloca o sujeito como elemento central da enunciação. No entanto, longe da individualidade e transparência do indivíduo liberal, esse sujeito é sempre coletivo, pois como categoria histórica mantém uma relação de pertencimento (conflitiva ou não), como o grupo do qual provém. Assim, os enunciados elaborados por esse sujeito no ato de rememoração são compostos por tramas nar-rativas cujas lógicas cabe ao pesquisador investigar.

Tais lógicas são tributárias da forma como a categoria tem-poral é acionada. Em geral, a cronologia dos acontecimentos e das experiências compartilhadas domina a forma como a narrativa é construída. Entretanto, tal dimensão, apesar de ser a mais evidente, não é exclusiva, há que se considerar os lapsos, as interrupções, os esquecimentos, bem como as alusões, as digressões e associações em relação a ritmos diferenciados de passagem do tempo dentro da enunciação.

Em relação à narratividade da imagem visual, opera-se principal-mente com a noção de série, na qual o conjunto de imagens estabelece a lógica de representação do objeto fotografado. Tal lógica segue um princípio temporal que é cronológico, mas não exclusivamente, pois há de se considerar a capacidade evocativa da imagem e os usos simbólicos aos quais pode servir. Assim, as múltiplas durações do tempo histórico são consideradas. É o caso das fotorreportagens, dos álbuns de família, das coleções autorais, ou ainda, das seleções temáticas. Nestes exemplos, a narrativa visual é garantida pela rela-ção entre as imagens e das imagens com outros textos, inclusive de caráter verbal.

Entretanto, recentemente, venho me aventurando a buscar a trama narrativa inscrita em uma só imagem. Nesse caso, ao contrário do trabalho com as séries, a dimensão temporal não é diacrônica, ou seja, não se movimenta pelos eixos de longa, média e curta duração (BRAUDEL, 1978). A temporalidade inscrita em uma única foto é resultado do ato fotográfico, portanto, ela é sincrônica. Reúnem-se no seu quadro, da mesma forma que nas séries, níveis temporais diferenciados entrevistos pela forma como os elementos da cena são combinados. Assim, sua condição histórica é referida pelos objetos, figuração, vivências, temas fotografados e recursos técnicos adotados para a produção da imagem fotográfica.

No entanto, sua trama temporal inclui também uma relação entre sujeitos – o fotógrafo e o fotografado. No século XIX, a negociação da pose evidenciava o estúdio fotográfico como espaço onde as disputas pelos sentidos atribuídos às representações sociais eram travadas. O

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s tempo da pose delimitava a inscrição na imagem de uma duração. No

século XX, o imperativo do instante e a noção de flagrante transferiram o tempo de duração da imagem da pose para a espera, concentrando no sujeito fotógrafo a tarefa de capturar no fluxo temporal a imagem desejada (LISSOVSKY, 2003).

Neste sentido, a análise de uma única foto deve partir dos indí-cios, dos rastros temporais deixados dentro do quadro, resultantes do ato fotográfico e partir para o fora de quadro rumo ao mundo no qual essa imagem se insere como narrativa sintética.

Cabe ainda considerar como na produção do texto histórico as palavras e as imagens adquirem força explicativa, evitando-se seu uso acessório ou ilustrativo. Nesse caso, o recurso às novas tecnologias da imagem torna-se uma possibilidade, mas, ao mesmo tempo, um desafio a quem está acostumado a trabalhar com o texto escrito.

Nesse âmbito, o LABHOI vem buscando desenvolver aquilo que denominamos escrita videográfica. Utilizando-se dos recursos de edição conjunta de fontes orais e visuais, segundo um roteiro pre-estabelecido, tem-se conseguido elaborar, em diálogo estreito com o campo do documentário cinematográfico, narrativas nas quais o cruzamento de palavras e imagem cria um texto historiográfico que incorpora a natureza do documento nas diferentes formas de expres-são (sonora, visual e escrita). Um exercício que implica a efetivação de uma formação interdisciplinar para o profissional de história.

O Capítulo 3 debruça-se sobre o tema da memória que, no bojo do processo de redemocratização da sociedade brasileira dos anos 1980, entrou para a pauta de discussões dos diferentes grupos orga-nizados. Neste contexto, um amplo espectro de movimentos sociais (negros, mulheres, homossexuais, sem-teto, sem-terra, entre outros), partidos políticos, associações civis etc. voltou-se para a organização de sua memória. Multiplicaram-se casas, centros, institutos, consubs-tanciando-se, ao longo desses últimos anos, aquilo que Pierre Nora chamou de memória-dever.

A preocupação com a memória denotava claramente o papel desempenhado pela apropriação do passado na construção das identidades sociais. Paralelamente refletia a salutar emergência da consciência política, ao mesmo tempo que organizava e conservava indicadores empíricos, preciosos para o conhecimento de fenômenos relevantes e merecedores de uma análise histórica mais detida. No entanto, é necessário ultrapassar os limites do senso comum do qual a memória emerge e onde encontra sua inspiração primeira, abrindo caminho para a avaliação crítica da história.

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Neste sentido, o estudo da memória, através de seus diferentes sistemas, suportes, agentes e da sua relação com os processos so-cioculturais, vem integrando trabalhos acadêmicos de procedências disciplinares variadas e ocupando um lugar privilegiado nos debates das ciências humanas, notadamente nos espaços interdisciplinares da história oral e dos estudos culturais.

A crise dos espaços legítimos de representação, a mundialização da cultura, a fragmentação dos sujeitos sociais são temas colocados na pauta da contemporaneidade, devendo ser adensados a partir de uma reflexão profunda sobre a nação e seus significados históricos. Sendo assim, o estudo da memória de grupos que tiveram um papel significativo na elaboração dos quadros culturais de uma época é peça-chave para a compreensão das dimensões da história do tempo presente.

Quero aprofundar, nesta reflexão, a problemática que associa a imagem, notadamente a fotográfica, e a memória social, na sua di-mensão pública, tendo em vista que o tema abordado em tal capítulo associou-se à experiência de construção de memórias familiares. Tal preocupação está relacionada às minhas pesquisas recentes sobre a construção das memórias do mundo contemporâneo através do fotojornalismo e sua relação com o regime de historicidade no qual vivemos.

Tendo em vista que os grandes e não tão grandes fatos que marcaram a história do século XX foram registrados pela câmera fotográfica de repórteres atentos ao calor dos acontecimentos: Qual a natureza destes registros? Como fica a narrativa dos acontecimen-tos elaborada pela linguagem fotográfica? Quais são as imagens que compõem a memória social do século passado? É possível falar de uma história feita de imagens? Qual o papel do fotógrafo como criador de uma narrativa visual? E da imprensa como uma ponte entre os aconte-cimentos e sua interpretação? Na busca de respostas a esse conjunto de questões, é fundamental enveredar pela proliferação de imagens técnicas que substituem a experiência pelo seu simulacro, inventando uma memória compartilhada como quem implanta um chip na mente de um andróide – a alusão ao filme Blade Runner é proposital.

Creio ser possível considerar que as fotografias produzidas pela imprensa sejam suporte de uma memória coletiva que registra, retém e projeta no tempo histórico uma versão dos acontecimentos. Essa versão é construída por uma narrativa visual e verbal, ou seja, intertex-tual, mas também multitemporal: o tempo do acontecimento, o tempo da sua transcrição pelo modo narrativo, o tempo da sua recepção no marco histórico da sua publicação (medido pela permanência do tema

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P os es e fl ag ra nt es : e st ud os s ob re h is tó ria e f ot og ra fia

s na pauta das publicações), e o tempo da apropriação historiográfica,

ou seja, o momento em que a memória se torna objeto da história. Antes do ato de problematização do registro pelo viés da crítica histórica, as imagens fotográficas são registros visuais, expressões de um regime de visualidade, suporte de relações sociais, mas não a memória dos acontecimentos em si mesma. A memória não é inerte, ela não se deposita nas coisas, é, ao contrário, resultado do investimento das sociedades humanas em fazer lembrar, em evitar o esquecimento, diferencia-se da história, operação racional e cognitiva, por ser da ordem da emoção, da ação coletiva, do mito. Portanto, as fotografias conformam os quadros da memória social que, acionados pelo traba-lho de memória, também servem para fazer lembrar.

Assim, o conhecimento histórico produzido sobre o passado – categoria sempre definida e reconstruída como objeto – tem, na própria produção de memórias, uma de suas fontes e também um de seus objetos privilegiados. Por outro lado, a imagem fotográfica como suporte de memórias sociais relaciona-se ao campo de estudos da história visual, segundo o qual seria fundamental deslocar a atenção das fontes visuais para o campo da visualidade como objeto detentor de elevado interesse cognitivo (MENESES, 2003).

Dentro dessa perspectiva, alguns aspectos devem ser conside-rados ao se tratar da problemática social da memória, seguindo-se as diretrizes da história visual, a saber: o regime de visualidade, as imagens fotográficas e seus significados, e os fotógrafos que atuam na esfera pública.

Neste sentido, ao se eleger o fotojornalismo como matéria fun-damental de estudo, elege-se também um sujeito histórico: o fotógrafo, que atua como mediador cultural do processo comunicativo. A noção de mediação cultural, tal como apresentada por Raymond Willians (1979) e apropriada por diferentes pensadores latino-americanos, como Martin-Barbero (1997) e Nestor Garcia Canclini (1989), permite que se rompa com a ultrapassada teoria do reflexo e se desvende a intricada rede de influências sociais que consubstanciam a produ-ção cultural na sociedade capitalista. A idéia defendida por Willians propõe associar mediação ao próprio ato de conhecer e elaborar expressões, no âmbito do ativo processo de produção de represen-tações sociais.

As fotografias e suas histórias integram os quadros de rememo-ração desse grupo profissional que atuou na imprensa, em diferentes momentos da história do século XX. Suas memórias, aludindo à experiên cia fotográfica, fundamento da sua trajetória social, permi-tem que se amplie a capacidade cognitiva das imagens fotográficas,

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A na M ar ia M au ad 27

associando-se visão, informação e imaginação. Dessa forma, as fo-tografias produzidas pelos fotógrafos no calor dos acontecimentos servem não só para lembrar, mas também para visualizar e imaginar a própria história.

Os três textos que se seguem foram escritos em momentos dife-rentes, mas convergem para uma discussão comum, a da valorização de uma metodologia pertinente aos trabalhos de pesquisa com fontes visuais e orais.

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a

través da imagem

:

fotografia e história

interfaces

Qual é a relação entre história e fotografia? Será a história pu-ramente a duração e a fotografia seu registro? Existem dois caminhos para operar sobre tal relação. O primeiro é tomar a direção de uma história da fotografia que, mais recentemente, além de inventariar os processos de evolução da técnica fotográfica, busca dimensionar sua inserção social naquilo que se convencionou chamar de circuito social da fotografia.1 Já a segunda alternativa busca compreender o lugar da fotografia na história. É justamente nela que nos inserimos.

Esta reflexão pretende discutir o uso da fotografia na composi-ção do conhecimento histórico, dividindo-se em dois momentos. Ini-cialmente, o objetivo fundamental é apresentar as principais questões teóricas que envolvem a compreensão histórica da fotografia, sua rela-ção com a experiência vivida e com o conhecimento constituído pelas diferentes áreas das ciências humanas. A idéia central, nesta parte, é apresentar a fotografia como uma mensagem que se elabora através do tempo, tanto como imagem/monumento quanto como imagem/ documento (LE GOFF, 1985), tanto como testemunho direto quanto como testemunho indireto do passado (BLOCH, [19--], 2001).

No segundo momento, procede-se à exposição de uma metodo-logia histórico-semiótica para análise da imagem fotográfica, elabora-da com base nas reflexões propostas anteriormente. Trata-se de um texto eminentemente metodológico, no qual se buscou sistematizar as etapas de um método aperfeiçoado, na medida em que vem sendo aplicado em diferentes tipos de fotografias.

a

ilusão da realidade

A fotografia surgiu na década de 1830 como resultado da feliz conjugação do engenho, da técnica e da oportunidade. Niépce e Daguerre – dois nomes que se ligaram por interesses comuns, mas com objetivos diversos – são exemplos claros desta união. Enquanto 1 Dentre os trabalhos que tratam a fotografia como objeto de análise histórica,

des-tacam-se: MARCONDES DE MOURA, C.E. Retratos quase inocentes. São Paulo: No-bel, 1983; VASQUEZ, Pedro. D. Pedro II e a fotografia no Brasil. Rio de Janeiro: Index, [19--]; FABRIS, A. Usos e funções da fotografia no século XIX. São Paulo: Edusp, 1993; TURAZZI, M .I. Poses e trejeitos: a fotografia e as exposições na era do espetáculo (1839-1889). Rio de Janeiro: Rocco: Funarte, 1995.(Ao longo dos dez anos que nos separam da publicação desse artigo, o perfil das produções brasileiras se ampliou bastante, todavia, continuam limitadas aos programas de pós-graduação, sem uma linha editorial que as divulgue.)

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30 A tr av és d a i m ag em : f ot og ra fia e h is tó ria – i nt er fa ce s

o primeiro preocupava-se com os meios técnicos de fixar a imagem num suporte concreto, resultado das pesquisas ligadas à litogravu-ra, o segundo almejava o controle que a ilusão da imagem poderia oferecer em termos de entretenimento (afinal de contas, ele era um homem do ramo das diversões). É bem verdade que no século XIX a distinção entre técnica e magia não era tão clara quanto hoje, como bem ilustra o nome de uma das primeiras lojas de venda de material para eletricidade no Rio de Janeiro: “Ao Grande Mágico”.

Desde então e ao longo de sua história, a fotografia foi marca-da por polêmicas ligamarca-das aos seus usos e funções. Ainmarca-da no século XIX, sua difusão provocou uma grande comoção no meio artístico, marcadamente naturalista, e que via o papel da arte eclipsado pela presença da fotografia, cuja plena capacidade de reproduzir o real, através de uma qualidade técnica irrepreensível, deixava em segundo plano qualquer tipo de pintura.

O caráter de prova irrefutável do que realmente aconteceu, atribuído à imagem fotográfica pelo pensamento da época, transfor-mou-a num duplo da realidade, num espelho, cuja magia estava em perenizar a imagem que refletia. Para muitos artistas e intelectuais, dentre eles o poeta francês Baudelaire, a fotografia libertou a arte da necessidade de ser uma cópia fiel do real, garantindo para ela um novo espaço de criatividade. Baudelaire expõe, nesta passagem de seu artigo “O público moderno e a fotografia”, qual era, para ele, o verdadeiro lugar da fotografia dentre as formas de expressão visual de meados do século XIX:

Se é permitido à fotografia completar a arte em algumas de suas funções, cedo a terá suplantado ou simplesmente corrompido, graças à aliança natural que achará na estupidez da multidão. É necessário que se encaminhe pelo seu verdadeiro dever, que é ser a serva das ciências e das artes, mas a mais humilde das servas [...]. Que ela enriqueça rapidamente o álbum do viajante e dê aos olhos a precisão que faltaria à sua memória, que orne a biblioteca do naturalista, exagere os animais microscópicos, fortifique mesmo alguns ensinamentos e hipóteses do astrôno-mo; que seja enfim a secretária e bloco de notas de alguém que na sua profissão tem necessidade duma absoluta exatidão mate-rial. Que salve do esquecimento as ruínas pendentes, os livros, as estampas e os manuscritos que o tempo devora, preciosas coisas cuja forma desaparecerá e exigem um lugar nos arquivos de nossa memória; será gratificada e aplaudida. Mas se lhe é permitido pôr o pé no domínio do impalpável e do imaginário,

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A na M ar ia M au ad

em tudo o que tem valor apenas porque o homem lhe acrescenta a sua alma, mal de nós. (apud DUBOIS, 1992, p. 23)

Baudelaire enfatiza a separação arte/fotografia, concedendo à primeira um lugar na imaginação criativa e na sensibilidade humana, própria à essência da alma, enquanto à segunda é reservado o papel de instrumento de uma memória documental da realidade, concebida em toda a sua amplitude.

Mas será a fotografia uma cópia fiel do mundo e de seus acon-tecimentos como queriam os positivistas dos Oitocentos? Por muito tempo esta marca inseparável de realidade foi atribuída à imagem fotográfica, sendo seu uso ampliado ao campo das mais diferentes ciências. Desde a entomologia até os estudos das características físicas de criminosos, a fotografia foi utilizada como prova infalsificá-vel. No plano do controle social, a imagem fotográfica foi associada à identificação, passando a figurar, desde o início do século XX, em identidades, passaportes e nos mais diferentes tipos de carteiras de reconhecimento social. No âmbito privado, através do retrato de família, a fotografia também serviu de prova. O atestado de um certo modo de vida e de uma riqueza perfeitamente representada por meio de objetos, poses e olhares.

No entanto, entre o sujeito que olha e a imagem que elabora há muito mais do que os olhos podem ver. A fotografia – para além de sua gênese automática, ultrapassando a idéia de analogon da realidade – é uma elaboração do vivido, o resultado de um ato de investimento de sentido, ou ainda, uma leitura do real realizada mediante o recurso a uma série de regras que envolvem, inclusive, o controle de um deter-minado saber de ordem técnica.

f

otografia

,

história econhecimento

A história da fotografia confunde-se com as diferentes aborda-gens que, em diversos momentos do pensamento ocidental, aplica-ram-se à imagem fotográfica. A idéia de que o que está impresso na fotografia é a realidade pura e simples já foi criticada por diferentes campos do conhecimento, desde a teoria da percepção até a semio-logia pós-estruturalista (DUBOIS, 1992, cap. 1). A própria crítica à essência mimética da imagem fotográfica já envolve um exercício de interpretação desta imagem, datado e, por conseguinte, historicamen-te dehistoricamen-terminado. Percebendo tais injunções, o filósofo francês Philipe Dubois apresenta dois momentos dessa crítica:

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A fotografia como transformação do real (o discurso do código e 1.

da desconstrução);

A fotografia como o vestígio de um real (o discurso do índice e 2.

da referência).

O primeiro momento, predominante no século XX, compreende três setores do saber:

Estudos relativos à teoria da percepção, representados pelos •

escritos de Rudolf Arnhein em seu livro Filme como arte. O ponto de partida das considerações de Arnhein é a desnaturalização da representação fotográfica, estabelecendo uma comparação entre a imagem fotográfica e o objeto concreto. A fotografia é bidimensio-nal, plana, com cores que em nada reproduzem a realidade (quan-do não é em preto-e-branco). Ela isola um determina(quan-do ponto no tempo e no espaço, acarretando a perda da dimensão processual do tempo vivido. É puramente visual, excluindo outras formas sen-soriais, tais como o olfato e o tato. Enfim, a imagem fotográfica não guarda nenhuma característica própria da realidade das coisas. Vale lembrar que uma desconstrução como a do realismo fotográ-fico detém-se, exclusivamente, sobre os efeitos que os recursos da técnica fotográfica exercem sobre a percepção, não considerando os aspectos de conteúdo da mensagem fotográfica.

A vaga estruturalista da década de 1960 esforçou-se em denunciar •

os efeitos ideológicos produzidos pela imagem fotográfica, tanto pela expressão estética embutida nesse tipo de imagem, quanto pelo seu conteúdo. Do ponto de vista da estética da imagem fo-tográfica, Hubert Damisch e Pierre Bourdieu, ambos escrevendo entre 1963 e 1965, denunciam o débito da fotografia para com a no-ção de espaço perspectivo, própria do pensamento renascentista e fortemente marcada por uma determinada visão de representar o mundo. Para esses autores, a fotografia é baseada em convenções socialmente aceitas como válidas e, sendo assim, constitui um importante instrumento de análise e interpretação do real. Dando continuidade às críticas da década de 1960, a revista Cahiers du

Ci-nema, na década de 1970, investe na denúncia do caráter ideológico

das fotografias de imprensa. Num artigo histórico – “Le Pendule”, datado de 1976 –, Alain Bergala aborda as fotografias históricas, denunciando aquilo que chamou de “a parte ‘encenada’ das ima-gens que marcaram a história”. Para este autor, tal encenação seria garantida pelos modos de integração do fotógrafo na ação, pelo efeito de paragem da imagem, pelo papel da grande angular

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A na M ar ia M au ad

etc., elementos que, conjugados ao texto impresso, produziriam uma determinada versão dos fatos históricos que, pelo realismo fotográfico, garantiriam o estatuto de verdade anunciado.

A terceira e última postura ligada à concepção da fotografia como •

a transformação do real remete a uma visão antropológica, cuja principal preocupação é apontar que o significado da mensagem fotográfica é convencionalizado culturalmente. Neste sentido, a recepção da fotografia e sua compreensão pressupõem uma certa aprendizagem, ligada à interação dos códigos de leitura próprios à imagem fotográfica.

O grande problema deste primeiro momento da crítica à imagem fotográfica apontado por Dubois é desconsiderar a realidade empírica que fundamenta os discursos imagéticos, operando, exclusivamente, sobre eles. Portanto, não haveria realidade fora dos discursos que a revelam.

Já a segunda postura crítica em relação ao realismo fotográfico ultrapassa os processos de desconstrução discursiva, retomando, em outro nível, a questão do referente, ou ainda, da materialidade da imagem fotográfica. O ponto de partida é compreender a natureza técnica do ato fotográfico, a sua característica de marca luminosa, daí a idéia de indício, de resíduo da realidade sensível impressa na imagem fotográfica. Em virtude deste princípio, a fotografia é considerada como testemunho: atesta a existência de uma realidade. Como corolário des-te momento de inscrição do mundo na superfície sensível, seguem-se as convenções e opções culturais historicamente realizadas.

Portanto, o segundo passo é compreender que entre o objeto e a sua representação fotográfica interpõe-se uma série de ações con-vencionalizadas, tanto cultural como historicamente. Afinal de contas, existe uma diferença bastante significativa entre uma carte-de-visite e um instantâneo fotográfico de hoje. Por fim, há que se considerar a fotografia como uma determinada escolha realizada num conjunto de escolhas possíveis, guardando esta atitude uma relação estreita com a visão de mundo daquele que aperta o botão e faz “clic”.

É justamente por considerar todos esses aspectos que as fo-tografias nos impressionam, nos comovem, nos incomodam, enfim, imprimem em nosso espírito sentimentos diferentes. Cotidianamente, consumimos imagens fotográficas de jornais e revistas que, com o seu poder de comunicação, tornam-se emblemas de acontecimentos, como aquela já famosa foto do bombeiro carregando o corpo inerte de uma criança no atentado do edifício em Oklahoma, em abril de

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1995. A simples menção da foto já nos remete aos fatos e aos seus resultados.

Por outro lado, também faz parte da nossa prática de vida foto-grafar nossos filhos, nossos momentos importantes e os não tão signi-ficativos. Um elenco de temas que vai desde os rituais de passagem até os fragmentos do dia-a-dia no crescimento das crianças. Apreciamos fotografias, as colecionamos, organizamos álbuns fotográficos, em que narrativas engendram memórias. Em ambos os casos é a marca da existência das pessoas conhecidas e dos fatos ocorridos que salta aos olhos e nos faz indicar na foto recém-chegada da revelação: “Olha só como ele cresceu!”.

Desde a sua descoberta até os dias de hoje, a fotografia vem acompanhando o mundo contemporâneo e registrando sua história numa linguagem de imagens. Uma história múltipla, constituída por grandes e pequenos eventos, personalidades mundiais e gente anô-nima, lugares distantes e exóticos e intimidade doméstica, sensibili-dades coletivas e ideologias oficiais. No entanto, a fotografia lança ao historiador um desafio: como chegar ao que não foi imediatamente revelado pelo olhar fotográfico? Como ultrapassar a superfície da mensagem fotográfica e, do mesmo modo que Alice nos espelhos, ver através da imagem?

h

istória e iconografia

,

Problemas esoluções

Não é de hoje que a história proclamou sua independência dos textos escritos. A necessidade dos historiadores em problematizar temas pouco trabalhados pela historiografia tradicional levou-os a ampliar seu universo de fontes, bem como a desenvolver abordagens pouco convencionais, à medida que se aproximavam das demais ciên-cias sociais em busca de uma história total. Novos temas passaram a fazer parte do elenco de objetos do historiador, dentre eles, a vida privada, o cotidiano, as relações interpessoais etc. Uma micro-história que, para ser narrada, não necessita perder a dimensão macro, di-mensão social, totalizadora das relações sociais. Neste contexto, uma história social da família, da criança, do casamento, da morte etc. pas-sou a ser contada, demandando, para tanto, muito mais informações que os inventários, testamentos, curatela de menores, enfim, tudo o que uma documentação cartorial poderia oferecer. A tradição oral, os diários íntimos, a iconografia e a literatura apresentaram-se como fontes históricas da excelência das anteriores, mas que demandavam do historiador uma habilidade de interpretação com a qual não estava aparelhado. Tornava-se imprescindível que as antigas fronteiras e os

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limites tradicionais fossem superados. Exigiu-se do historiador que ele fosse também antropólogo, sociólogo, semiólogo e um excelente detetive, para aprender a relativizar, desvendar redes sociais, compre-ender linguagens, decodificar sistemas de signos e decifrar vestígios, sem perder, jamais, a visão do conjunto.

Michel Vovelle, na primeira parte de Ideologias e mentalidades, discute a relação entre iconografia e história das mentalidades, des-tacando a sua utilização por parte dos historiadores da Idade Média que – ao analisarem ex-votos, altares, estátuas etc. – buscaram tra-çar tanto uma geografia do sagrado como o perfil das sensibilidades coletivas no passado. Os problemas levantados por Vovelle (1987) convergem para uma única questão: “Pode-se, efetivamente, elaborar uma verdadeira semiologia da imagem?” (p. 93).

A esta pergunta o coro de respostas não é unívoco, muito me-nos consensual, e engloba propostas das mais diversas, que incluem o estudo do mito, o trabalho lingüístico, uma abordagem filosófica, a avaliação estética, a discussão sobre o tipo de mensagem que as iconografias transmitem, segundo a abordagem da comunicação, métodos quantitativos etc.

Neste âmbito, como no anterior, a diversidade converge para um ponto único: a questão da grade interpretativa. Que unidades com-poriam a grade de interpretação das imagens do passado? Mais uma vez, tal como no jogo infantil de encaixe, ao tirarmos uma caixa en-contramos outra. Cabem, portanto, as perguntas: como interpretar as imagens produzidas no passado? Qual a natureza da produção visual? Esta produção é invariável ou possui condicionantes históricos? Será a imagem das pinturas, dos desenhos, da estatuária sagrada, dos vitrais das capelas medievais, da mesma natureza que as imagens técnicas, a exemplo daquelas do cinema e da fotografia? Questões e mais questões que complicam e enriquecem o trabalho do historiador dedicado à análise de fontes não-verbais. Desta forma, como bem aponta Michel Vovelle, “as interrogações que hoje se colocam são antes uma prova de saúde do que de enfermidade” (1987, p. 102).

f

otografiae história

:

aPontamentos Para

uma abordagemtransdisciPlinar

No que diz respeito à fotografia, alguns problemas merecem atenção especial. Problemas que envolvem tanto a natureza técnica da imagem fotográfica como o próprio ato de fotografar, apreciar e consumir fotografias, entendendo-se este processo como o circuito social da fotografia. Deve-se acrescentar ainda, é claro, o problema

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relativo à análise do conteúdo da mensagem fotográfica que envolve questões específicas no que se refere aos elementos constitutivos desta mensagem: existe a possibilidade de segmentar o contínuo da imagem? Caso afirmativo, qual a natureza das unidades significantes que estruturam a mensagem fotográfica? Entendendo-se a fotografia como mensagem, quais os níveis que a individualizariam?

Para tentar solucionar este feixe de problemas há que se assumir uma proposta transdisciplinar. A aproximação da história da antropo-logia e da socioantropo-logia é bastante profícua. Em relação à antropoantropo-logia, destacam-se algumas importantes contribuições, tais como: a abor-dagem antropológica do conceito de cultura; o estudo da dimensão simbólica das diversas práticas cotidianas; a análise da extensão ideal das práticas materiais etc.

Esse conjunto de questões deve estar associado a uma perspec-tiva sociológica que distingue, entre outros aspectos: a importância em considerar a dimensão de classe da produção simbólica, bem como o papel da ideologia, na composição de mensagens socialmente significativas, e da hegemonia como processo de disputa social que se estende à produção da imagem. Não se deve descartar também o fato de que a avaliação das redes sociais da fotografia envolve uma abordagem em que produtores e consumidores da imagem fotográfica possuem um “locus” social definido.

Tudo isso, aliado à necessidade de se analisar o conteúdo da mensagem fotográfica que demanda, por sua vez, conceitos de áreas de conhecimento, cujo diálogo não se faz com a mesma freqüência das anteriormente indicadas, compondo, assim, metodologias coordena-das, tais como uma abordagem histórico-semiótica da fotografia.

Nessa perspectiva, a fotografia é interpretada como resultado de um trabalho social de produção de sentido, pautado sobre códigos convencionalizados culturalmente. É uma mensagem, que se processa através do tempo, cujas unidades constituintes são culturais, mas as-sumem funções sígnicas diferenciadas, de acordo tanto com o contexto no qual a mensagem é veiculada, quanto com o local que ocupam no interior da própria mensagem (MAUAD, 1990). Estabelece-se, assim, não apenas uma relação sintagmática, na medida em que veicula um significado organizado, segundo as regras da produção de sentido nas linguagens não-verbais, mas também uma relação paradigmática, pois a representação final é sempre uma escolha realizada num conjunto de escolhas possíveis.

Portanto, ao redimensionar o papel da interpretação dos con-ceitos, conjugando uma série de disciplinas na elaboração da análise, a abordagem das mensagens visuais é transdisciplinar. Nesse sentido,

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se é a associação da história à antropologia ou à sociologia (ou às duas juntas) que indaga sobre as maneiras de ser e agir no passado, é a semiótica que oferece mecanismos para o desenvolvimento da análise. É ela que permite que se compreenda a produção de sentido, nas sociedades humanas, como uma totalidade para além da fragmen-tação habitual que a prática científica imprime.

Desta forma, para a análise das ideologias, mentalidades ou práticas culturais, a utilização de fontes não-verbais deve ter em pau-ta o imperativo metodológico, sugerido pelo historiador americano Robert Darnton: “Ao invés de confiar na intuição numa tentativa de invocar um vago clima de opinião, seria o caso de tomar pelo menos uma disciplina sólida dentro das ciências sociais e utilizá-la para rela-cionar a experiência mental com as realidades sociais e econômicas” (DARTON, 1990, p. 254).

f

otografiacomo fontehistórica

:

leitura einterPretação

A fotografia é uma fonte histórica que demanda por parte do historiador um novo tipo de crítica. O testemunho é válido, não im-portando se o registro fotográfico foi feito para documentar um fato ou representar um estilo de vida. No entanto, parafraseando Jacques Le Goff, há que se considerar a fotografia, simultaneamente, como imagem/ documento e como imagem/monumento. No primeiro caso, considera-se a fotografia como índice, como marca de uma materiali-dade passada, na qual objetos, pessoas, lugares nos informam sobre determinados aspectos desse passado – condições de vida, moda, infra-estrutura urbana ou rural, condições de trabalho etc. No segundo caso, a fotografia é um símbolo, aquilo que, no passado, a sociedade estabeleceu como a única imagem a ser perenizada para o futuro. Sem esquecer jamais que todo documento é monumento, se a fotografia informa, ela também conforma uma determinada visão de mundo.

Tal perspectiva remete ao circuito social da fotografia (FABRIS, 1992, cap. 1) nos diferentes períodos de sua história, incluindo-se, nesta categoria, todo o processo de produção, circulação e consumo das imagens fotográficas. Só assim será possível restabelecer as con-dições de emissão e recepção da mensagem fotográfica, bem como as tensões sociais que envolveram a sua elaboração. Desta maneira, texto e contexto estarão contemplados.

Os textos visuais, inclusive a fotografia, são resultado de um jogo de expressão e conteúdo, que envolve, necessariamente, três componentes: o autor, o texto propriamente dito e um leitor (VILCHES,

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1992). Cada um destes três elementos integra o resultado final, na medida em que todo o produto cultural envolve um locus de produção e um produtor, que manipula técnicas e detém saberes específicos à sua atividade, um leitor ou destinatário, concebido como um sujeito transindividual cujas respostas estão diretamente ligadas às pro-gramações sociais de comportamento do contexto histórico no qual se insere, e, por fim, um significado aceito socialmente como válido, resultante do trabalho de investimento de sentido.

No caso da fotografia, é evidente o papel de autor imputado ao fotógrafo. Porém, há que se concebê-lo como uma categoria social, quer seja profissional autônomo, fotógrafo de imprensa, fotógrafo oficial ou um mero amador “batedor de chapas”. O grau de controle da técnica e das estéticas fotográficas variará na mesma proporção dos objetivos estabelecidos para a imagem final. Ainda assim, o con-trole de uma câmera fotográfica impõe uma competência mínima, por parte do autor, ligada fundamentalmente à manipulação de códigos convencionalizados social e historicamente para a produção de uma imagem possível de ser compreendida. No século XIX, este controle ficava restrito a um grupo seleto de fotógrafos profissionais que nipulavam aparelhos pesados e tinham de produzir o seu próprio ma-terial de trabalho, inclusive a sensibilização de chapas de vidro. Com o desenvolvimento das indústrias ótica e química, ainda no final dos Oitocentos, ocorreu uma estandardização dos produtos fotográficos e uma compactação das câmeras, possibilitando uma ampliação do número de profissionais e usuários da fotografia. No início do século XX, já era possível contar com as indústrias Kodak e a máxima da fotografia amadora: “You press the botton, we do the rest”.

É importante levar em conta também que o controle dos meios técnicos de produção cultural envolve tanto aquele que detém o meio quanto o grupo ao qual ele serve, caso seja um fotógrafo profissional. Nesse sentido, não seria exagero afirmar que o controle dos meios técnicos de produção cultural, até por volta da década de 1950, foi privilégio da classe dominante ou de frações desta.

Paralelamente ao processo de desenvolvimento tecnológico, o campo fotográfico foi sendo constituído a partir do estabelecimento de uma estética que incluía desde profissionais do retrato em busca da feição mais harmoniosa para seu cliente e o paisagista que buscava a nitidez da imagem e a amplitude de planos, até o fotógrafo amador-artista, geralmente ligado às associações fotoclubísticas, que defendia a fotografia como expressão artística, baseada nos mesmos cânones da pintura (por isso, não poupava a imagem fotográfica de uma

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inter-A na M ar ia M au ad

venção direta, tanto através do uso de filtros, quanto do retoque, entre outras técnicas). Técnica e estética eram competência do autor.

À competência do autor corresponde a do leitor, cuja exigência mínima é saber que uma fotografia é uma fotografia, ou seja, o supor-te masupor-terial de uma imagem. Na verdade, é a competência de quem olha que fornece significados à imagem. Essa compreensão se dá a partir de regras culturais, que fornecem a garantia de que a leitura da imagem não se limite a um sujeito individual, mas que acima de tudo seja coletiva. A idéia de competência do leitor pressupõe que este mesmo leitor, na qualidade de destinatário da mensagem fotográfica, detenha uma série de saberes que envolvem outros textos sociais. A compreensão da imagem fotográfica, pelo leitor/destinatário, dá-se em dois níveis, a saber:

Nível interno à superfície do texto visual, originado a partir das •

estruturas espaciais que constituem tal texto, de caráter não-verbal;

Nível externo à superfície do texto visual, originado a partir de •

aproximações e inferências a respeito dos mesmos. Nesse nível, podem-se descobrir temas conhecidos e inferir informações im-plícitas.

É importante destacar que a compreensão de textos visuais é tanto um ato conceitual (os níveis externo e interno encontram-se necessariamente em correspondência no processo de conhecimento) quanto um ato fundado numa pragmática, que pressupõe a aplicação de regras culturalmente aceitas como válidas e convencionalizadas na dinâmica social. Percepção e interpretação são faces de um mes-mo processo: o da educação do olhar. Existem regras de leitura dos textos visuais que são compartilhadas pela comunidade de leitores. Tais regras não são geradas espontaneamente; na verdade, resultam de uma disputa pelo significado adequado às representações cultu-rais. Sendo assim, sua aplicação por parte dos leitores/destinatários envolve, também, a situação de recepção dos textos visuais. Tal si-tuação varia historicamente, desde o veículo que suporta a imagem até a sua circulação e consumo, passando pelo controle dos meios técnicos de produção cultural, exercido por diferentes grupos que se enfrentam na dinâmica social. Portanto, se a cultura comunica, a ideologia estrutura a comunicação, e a hegemonia social faz com que a imagem da classe dominante predomine, erigindo-se como modelo para as demais.

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No caso da fotografia, os veículos incluem desde os tradicionais álbuns de retrato até os bytes de uma imagem digitalizada, podendo a circulação limitar-se ao ambiente familiar ou ampliar seus caminhos navegando pela internet. Já a situação de consumo é direcionada para um destinatário, seja ele um apaixonado que guarda o retrato de sua amada como uma relíquia, seja um banco de memória que armazenará a imagem fotográfica, até que alguém acesse a informação e assuma o papel de leitor/destinatário.

Na qualidade de texto, que pressupõe competências para sua produção e leitura, a fotografia deve ser concebida como uma mensa-gem que se organiza a partir de dois segmentos: expressão e conteúdo. O primeiro envolve escolhas técnicas e estéticas, tais como enqua-dramento, iluminação, definição da imagem, contraste, cor etc. Já o segundo é determinado pelo conjunto de pessoas, objetos, lugares e vivências que compõem a fotografia. Ambos os segmentos se corres-pondem no processo contínuo de produção de sentido na fotografia, sendo possível separá-los para fins de análise, mas compreendê-los somente como um todo integrado.

Historicamente, a fotografia compõe, juntamente com outros tipos de texto de caráter verbal e não-verbal, a textualidade de uma determinada época. Tal idéia implica a noção de intertextualidade para a compreensão ampla das maneiras de ser e agir de um determinado contexto histórico: na medida em que os textos históricos não são autônomos, necessitam de outros para sua interpretação. Da mesma forma, a fotografia – para ser utilizada como fonte histórica, ultrapas-sando seu mero aspecto ilustrativo – deve compor uma série extensa e homogênea no sentido de dar conta das semelhanças e diferenças próprias ao conjunto de imagens que se escolheu analisar. Nesse sentido, o corpus fotográfico pode ser organizado em função de um tema, tais como, a morte, a criança, o casamento etc., ou em função das diferentes agências de produção da imagem que competem nos processos de produção de sentido social, entre as quais estão a família, o Estado, a imprensa e a publicidade. Em ambos os casos, a análise histórica da mensagem fotográfica tem na noção de espaço a sua chave de leitura, posto que a própria fotografia é um recorte espacial que contém outros espaços que a determinam e estruturam, como, por exemplo, o espaço geográfico, o espaço dos objetos (interiores, exteriores e pessoais), o espaço da figuração e o espaço das vivências, comportamentos e representações sociais.

Do ponto de vista temporal, a imagem fotográfica permite a presentificação do passado, como uma mensagem que se processa através do tempo, colocando, por conseguinte, um novo problema

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ao historiador que, além de lidar com as competências acima refe-ridas, deve lidar com a sua própria competência, na situação de um leitor de imagens do passado. Retomamos, neste ponto, a pergunta anterior: como olhar através das imagens? Por tudo que já foi dito, considerando-se a fotografia como uma fonte histórica que demanda um novo tipo de crítica, uma nova postura teórica de caráter trans-disciplinar, algumas pistas para responder tal questão já foram dadas. Resta, no entanto, indicar, nesta cadeia de temporalidades, qual o locus interpretativo do historiador.

Já foi dito que as imagens são históricas, que dependem das variáveis técnicas e estéticas do contexto histórico que as produziram e das diferentes visões de mundo que concorrem no jogo das relações sociais. Nesse sentido, as fotografias guardam, na sua superfície sen-sível, a marca indefectível do passado que as produziu e consumiu. Um dia, já foi memória presente, próxima àqueles que as possuíam, as guardavam e colecionavam como relíquias, lembranças ou teste-munhos. No processo de constante vir a ser, recuperam o seu caráter de presença, num novo lugar, num outro contexto e com uma função diferente. Da mesma forma que seus antigos donos, o historiador entra em contato com este presente/passado e investe nele sentido, um sentido diverso daquele dado pelos contemporâneos da imagem, mas próprio da problemática a ser estudada. Aí reside a competên-cia daquele que analisa imagens do passado: no problema proposto e na construção do objeto de estudo. A imagem não fala por si só; é necessário que as perguntas sejam feitas.

o

lhando através da imagem

Todas estas reflexões inspiraram a elaboração de uma aborda-gem histórico-semiótica que, sem a pretensão de ser definitiva, vem sendo aplicada, com sucesso, em diferentes tipos de fotografias.

As imagens fotográficas foram utilizadas como a principal fonte histórica em diversas situações: fotografias da Guerra de Canudos, produzidas e organizadas pelo Exército em um álbum representativo da memória da vitória e de uma certa versão de história; as imagens fotográficas das revistas ilustradas de crítica de costumes da primeira metade do século XX, que avaliam o tipo de educação do olhar que elas imprimiam em seus leitores; a construção do outro nas foto-grafias de escravos; os álbuns de família dos séculos XIX e XX, que ensejam penetrar na privacidade da memória através dos retalhos do cotidiano neles contidos; as fotografias oficiais, que permitem a construção da representação simbólica do poder político. Em todos

Referências

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