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Êxodo rural: os processos migratórios nos territórios rurais no Estado do Ceará

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êXODO RURAL: Os pROcessOs migRAtóRiOs nOs

teRRitóRiOs RURAis nO estADO DO ceARá

RURAL EXODUS: migRAtiOn pROcESSES in

RURAL AREAS in thE StAtE Of cEARá

ResUmO

O estudo propõe compreender os processos migratórios das popu-lações rurais para os centros urbanos no Estado do Ceará, no contexto de construção sócio-histórica da sociedade capitalista. A abordagem consis-te em compreender esses processos, a partir da análise das políticas pú-blicas destinadas aos agricultores, através dos projetos de reforma agrá-ria. O estudo evidencia o debate social entre os segmentos urbano/rural, objetivando analisar as relações sociais engendradas nesses processos. Utilizando-se de fundamentação metodológica teórico-crítica, buscamos apreender as determinações que constituem esses processos, gestadas na assimétrica relação entre a busca por trabalho formal e a permanência dos agricultores nos territórios rurais, que vem produzindo, ao longo da história, um dos mais graves fenômenos que afeta a vida campesina e amplia o debate acerca da questão agrária: o êxodo rural. Para o alcance dos objetivos, utilizou-se de pesquisa bibliográfica e documental, o que propiciou melhor apreensão do estudo proposto.

palavras-chave: Reforma agrária. Urbano/rural. Relações sociais. Ques-tão agrária. Êxodo rural.

ABStRAct

The study aims to understand the migratory processes of rural popu-lations to urban centers in the state of Ceará, in the context of historical social construction of capitalist society. The approach is to understand these processes, from the analysis of public policies for farmers, through land re-form projects. The study highlights the social debate among urban/rural segments, aiming to analyze the social relations of these processes. Using theoretical-methodological review, we seek to grasp the determinations that constitute these processes, gestated in the asymmetric relationship between the search for formal employment and residence of farmers in rural areas, which has been producing throughout history one of the most serious phe-nomena that affects the peasant life and broadens the debate about agrari-an question: the rural exodus. To reach the objectives, we used the literature and documents, which allowed better understanding of the proposed study.

Keywords: Land reform. Urban/rural. Social relations. Agrarian question.

Rural exodus.

iolanda pereira da silva

Graduada em Serviço Social da Fa-culdade Metropolitana da Grande Fortaleza – FAMETRO

Recebido em: 30/05/2014 Aceito em : 22/10/2014

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a r t i g o s 1 intRODUÇÃO

Os processos migratórios no Brasil têm sua origem em meados do Século XVIII, com o advento da revolução industrial, se intensifi-cando ao longo da história com a expansão e fortalecimento do capitalismo. A necessidade de mão-de-obra para as fábricas fez surgir uma nova classe social constituída de trabalhadores urbanos e rurais, o proletariado, resultando no processo de urbanização vertiginoso e de-sorganizado, que contribuiu para o aumento da pobreza dando início a desertificação dos territórios campesinos, expresso no êxodo ru-ral. Ocorre também em outras circunstâncias como analisa Furtado (2011, p. 74-77).

[...] como a decadência da pecuária nos sertões do Nordeste, assolados pela seca, e o floresci-mento dela no extremo sul da colônia. Em suma, um conjunto de fatos que vai provocar nova re-distribuição do povoamento. [...] a pecuária du-ramente atingida por secas cada vez mais amplas e severas. A Seca Grande de 1791-3 foi o último e quase mortal golpe sofrido, no século XVIII, pelos sertões do Nordeste.

O êxodo rural é um processo de fluxos migratórios rural/urbano que constitui um fe-nômeno social de forte impacto na formação territorial das cidades e do campesinato brasi-leiro. É um processo sócio-histórico produzi-do por fatores econômicos, sociais e climáticos decorrentes da industrialização e globalização da economia, a ineficiência das políticas públi-cas de convivência com o semiárido, a busca por trabalho formal e a alienação das popula-ções rurais, em especial os jovens, pela atração da vida urbana, a ideologia predominante do individualismo e consumo do sistema capita-lista no interior do cotidiano urbano observa-do por Araújo (2000, p. 01).

O cotidiano passa a se estabelecer pela pressão de relações sociais e imprime ordem no campo, metamorfoseando-se como aparência de uma vida distinta. Entretanto, o mundo da mercado-ria, com sua lógica e linguagem, se generaliza no cotidiano até o ponto em que cada coisa o vei-cula com suas significações, e, através do tecido urbano, invade o campo. Por conseguinte, na realidade cearense, os trabalhadores rurais pro-curaram as cidades para complementar essa vida moderna, com seus signos de consumo.

No Ceará, a migração das populações campesinas para os centros urbanos tem como uma de suas características aos seguidos perí-odos de estiagem prejudicando a pecuária e o plantio da agricultura de subsistência, princi-pal fonte de alimentação dos agricultores. Os territórios rurais cearenses, no início do Sé-culo XIX, eram ocupados por pecuaristas que empregavam os trabalhadores rurais que per-diam suas colheitas. (NEVES, 2007).

Um marco histórico no processo de mi-grações no Ceará ocorre no final do Século XIX com a devastadora seca de 1877, configu-rando profundas mudanças na tradicional or-dem econômica sertaneja e na vida da cidade. “De fato inaugura-se neste instante a seca tal qual a entendemos hoje: miséria, fome, des-truição da produção, dispersão da mão-de--obra, migrações, invasões às cidades, corrup-ção, saques[...]” (NEVES, 2007, p. 80).

As migrações rurais iniciadas nesse perí-odo marcaram o Ceará, em especial Fortaleza, Capital do Estado, que passava por um cres-cente período de modernização e urbanização. Segundo Ponte (2007, p. 167)

A devastadora seca de 1877-1879, porém, in-terrompeu temporariamente esse fluxo moder-nizador que se instaurava na cidade. Além da desestabilização econômica cearense e provocar intenso êxodo rural para a capital, a longa estia-gem possibilitou a propagação de uma fulmi-nante epidemia de varíola, vitimando mais da metade dos 100 mil retirantes amontados em abarracamentos providenciados pelo governo na periferia de Fortaleza. [...] o auge daquele te-atro de horrores foi o 10 de dezembro de 1878, quando o cemitério do Lazareto recebeu 1.004 vitimas da epidemia, ficando por muito tempo na memória da capital como ‘O Dia dos Mil Mortos’.

Os fluxos migratórios, ocorridos no Es-tado do Ceará ao longo desse decurso tempo-ral, têm modificado drasticamente a vida das populações camponesas, produzindo aglome-ração dessas populações nos centros urbanos, contribuindo para o crescimento populacional desordenado, resultando no surgimento de favelas urbanas e moradias em áreas de risco. Problemas que afligem Fortaleza nos dias atu-ais, como o aumento da pobreza, agravamento de desemprego, violência e dos altos índices de

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déficits habitacionais, surgindo a necessidade de políticas públicas efetivas no enfretamento a questão social campesina e urbana.

Lacerda (2005, p. 04) apresenta estudos que relatam um período de maior contingên-cia de imigrações no Brasil, ocorridos entre os anos de 1960 a 1980. Os dados revelam que

Entre 1960 e 1970, aproximadamente 13 milhões de pessoas abandonaram suas residências rurais em busca dos centros urbanos, o que correspon-dia a 33% da população rural no início do perío-do. No período entre 1970 e 1980 a população de migrante foi de aproximadamente 16 milhões, correspondendo a 38% da população rural no início do período.

Nesse contexto, analisar os processos migratórios das populações rurais para os cen-tros urbanos no Estado do Ceará, no contex-to de construção sócio-histórica da sociedade capitalista, requer a compreensão dos fatores históricos determinantes de sua gênese: a in-dustrialização econômica, expansão do capita-lismo e fatores socioambientais.

2 êXODO RURAL cOmO eXpRessÃO DA QUestÃO sOciAL

O sol poente, chamejante, rubro, desaparecia rapidamente como um afogado, no horizonte próximo. Sombras cambaleantes se alongavam na tira ruiva da estrada, que se vinha estirando sobre o alto pedregoso e ia sumir no casario dor-mente dum arado. Sombras vencidas pela misé-ria e pelo desespero que arrastavam passos in-conscientes na derradeira embriaguem da fome. (QUEIROZ, 2010, p. 75).

Os fluxos migratórios se intensificaram em consequência dos períodos de estiagem que devastaram o meio rural em fins do sé-culo XIX se estendendo aos dias atuais. Além da seca de 1887, que marcou o início das mi-grações, a seca de 1915 também deixa marcas profundas na história do sertanejo cearense, provocando o agravamento da questão social nos territórios rurais.

Outro fator determinante desse agrava-mento é o longo processo histórico de con-centração de terras nas mãos dos grandes

la-tifundiários1 e a exploração da mão-de-obra

camponesa que produziram imensas desigual-dades sociais nos territórios rurais, transfor-mando a questão agrária em expressivo fenô-meno da questão social, traduzido na luta pelo direito de acesso a terra.

A propriedade fundiária, concentrada nas mãos de grandes latifundiários, transfor-mou as relações de trabalho no meio rural. A estrutura agrária no Brasil prima pelo regime capitalista de produção, como analisa Iama-moto (2012, p. 89-90)

A propriedade fundiária é um pressuposto his-tórico e fundamentado permanente do regime capitalista de produção, comum a outros modos históricos de produzir. Entretanto, o capital cria a forma histórica especifica de propriedade que lhe convém, valorizando este monopólio na base da exploração capitalista, subordinada ao capital. [...] A renda da constitui parte da mais-valia so-cial, produzida pelo trabalho social assalariado no processo produtivo, que é apropriado pelos proprietários fundiários, em decorrência do fato de disporem de um titulo jurídico da proprie-dade da terra. O que é típico da renda fundiária capitalista é ser resultado do trabalho global da sociedade, e não resultado imediato do trabalho do produtor direto na agricultura, supondo a in-termediação ativa do capital.

A concentração de terras e a exploração da força de trabalho camponesa são fatores de-terminantes geradores de tais desigualdades e contribui para o aumento da pobreza nos ter-ritórios rurais e do êxodo rural. Obrigaram as populações rurais a migrarem para os grandes centros urbanos, afetando substancialmente a produção da agricultura familiar e, sobretudo, a vida da população campesina, fatores de for-talecimento da questão agrária2.

O êxodo rural é um fenômeno que atinge uma grande parcela de agricultores, vitimando

1 O início da colonização do território brasileiro se fez

com a doação de grandes extensões de terras a particu-lares, denominadas sesmarias. Dai surgiram os latifún-dios escravistas. (SILVA. 1985)

2 A força com que a questão agrária brasileira ressurge

hoje não advém apenas da maior liberdade com que po-demos discuti-la. Mas também do fato de que ela vem sendo agravada pelo modo como têm se expandido as relações capitalistas de produção no campo. Em outras palavras a maneira como o país tem conseguido aumen-tar a sua produção agropecuária tem causado impactos negativos sobre o nível de renda e de emprego da sua população rural. (SILVA. 1985, p. 12)

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essa população a aventurar-se na vida urbana em busca de inserção no mercado de trabalho que lhes garantam segurança alimentar e de rendimentos, submetendo-se à exploração da mão-de-obra, barata e não qualificada, para o mercado e de fácil adaptação aos meios de produção industrial primário.

A luta por moradia substitui a luta pela terra, caracterizando a permanente busca por uma vida digna e o acesso aos direitos sociais, garantidos na constituição e omitidos pelo Estado em sua benevolência relação com um sistema econômico explorador, que precede o homem como mercadoria descartável e o faz escravo de sua ideologia dominante, sob a alienante propagação de um mundo de opor-tunidades a partir do esforço individual e do utópico poder de consumo.

É nesse contexto que analisamos o êxo-do rural, como expressão da questão social rural, que produz pobreza no meio rural e re-produz as históricas relações de desigualdade entre os segmentos sociais urbanos e rurais. Inviabiliza o acesso das populações rurais aos seus direitos sociais e a garantia de sobrevivên-cia em seu território, negando o direito à terra, à educação e à renda que lhes promova vida digna, garantindo o sustento de sua família e a permanência em seu território nativo.

As expressões da questão social rural, circunscritas nos processos migratório, re-fletem nos centros urbanos com o aumento populacional vertiginoso acelerando um pro-cesso de urbanização permanente das cidades. Esse fenômeno transforma trabalhadores ru-rais no excedente populacional, aproveitada pelo capital para desvalorização da força de trabalho.

3 pOLíticAs púbLicAs De cOnvivên-ciA cOm O semi-áRiDO

Até meados do Século XIX, os fatores climáticos, considerados localizados e irregu-lares, não afetam as estruturas de poder a da economia brasileira, NEVES (2007). Entretan-to, os seguidos períodos de estiagem começam a produzir efeitos na produção algodoeira e

pecuária, contribuindo para agravar os pro-blemas na produção comercial.

O Estado do Ceará possui grande parte de seu território na região semiárida, tornan-do necessário o desenvolvimento de políticas públicas de convivência com esta região, onde os períodos de estiagem são frequentes resul-tando no aumento da pobreza rural, consequ-ência da perda da colheita e afetando a criação de animais.

As políticas públicas de enfrentamento aos períodos de estiagem foram implementa-das inicialmente visando o combate às secas, com a criação, em 1909, da Inspetoria de Obras Contra as Secas, conferido, posteriormente, em 1945, no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS. Foram construídas grandes obras hídricas como açudes, canais de integração, operações de emergência com carros-pipas e Programas de Cisternas de Pla-cas. Entretanto, tais ações amenizaram, mas não significaram uma solução definitiva para os problemas decorrentes das secas.

Associadas às políticas de enfrentamen-to às secas, o Estado passou a implementar ações de combate a pobreza rural, visando a permanência dos agricultores nos territórios rurais. Entretanto, tais ações de caráter com-pensatórios, focalizados e minimalistas, ainda não foram capazes de produzir efeitos consi-deráveis de resolutividade dos problemas do campesinato brasileiro, a exemplo do êxodo rural. São exemplos dessa política os Progra-mas Seguro Safra e Bolsa Família.

Associadas às políticas de caráter com-pensatórias encontram-se as políticas de inves-timento, gerenciadas por instituições financei-ras estatais, responsáveis pelo endividamento de pequenos produtores, resultado da ausên-cia de assistênausên-cia técnica e amenizados pelas renegociações. Nos casos de declaração de “estado de seca” e de perda da produção, os agricultores são contemplados com o “perdão total da divida”. Aqui podemos citar as ações do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF.

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refor-ma agrária3 que visam a distribuição de

ter-ras para fins sociais. São exemplos dessas ações os Projetos de Assentamentos Rurais. As políticas públicas voltadas para os pro-blemas dos trabalhadores sem terra ou com pouca terra para produzir buscam, em cur-to prazo, redistribuir terras privadas que não cumprem o seu papel social, o que atende ao entendimento primário de realização da re-forma agrária, que somente é possível com a distribuição de terras, como destaca Oliveira (2006, p. 153, apud LIMA, KHAN, CASIMI-RO FILHO, VIANA, 2011, Não paginado).

[...] a falta uma política de desenvolvimento agrário levou à implementação de uma política de assentamentos rurais via mercado de terra que consistiu em uma descaracterização e mer-cantilização da reforma agrária no país. Como consequência muitos assentamentos não con-seguem produzir o suficiente para alimentação e pagamento das terras adquiridas via ‘reforma agrária de mercado’

Os assentamentos rurais expressam a ação concreta da reforma agrária, compreen-dida no âmbito da distribuição de terras aos trabalhadores campesinos, entretanto não é possível construir um projeto de reforma agrá-ria que não reconheça o homem do campo como sujeito social e, sobretudo, não contem-plem possibilidades concretas de emancipação humana no mundo rural. Nesse sentido, “as expectativas de geração de emprego e renda de combate à pobreza e êxodo rural estimulam o debate social”. (LIMA et al, 2011, p. 88).

A assistência e o acompanhamento téc-nico configuram outro aspecto que considera-mos limitador para efetivação qualificada das políticas de reforma agrária nos assentamen-tos. É visível a lacuna existente entre a propos-ta espropos-tapropos-tal e o alcance de seus objetivos. Sob o argumento do acesso ao crédito, antes acessível somente aos grandes latifundiários, o governo lança mão de políticas de crédito rural para in-vestimento, entretanto não o potencializa do

3 A reforma agrária só se colocou verdadeiramente como

uma exigência social premente em países, ou regiões, em que existia uma grande massa de lavradores impe-didos de ter acesso à propriedade da terra. Só em situa-ções desse tipo é que ganhou força social a ideia de que a terra deve pertencer a quem a trabalha. (VEIGA. 1984)

conhecimento necessário para desenvolvimen-to e gestão dos projedesenvolvimen-tos produtivos, especifica-mente no que concerne a criação de instrumen-tos de comercialização coletiva da produção. A quantidade de implantação dos pro-jetos de assentamentos rurais nesse decurso temporal representa um reconhecido avanço na conquista da terra, todavia não acompa-nhou os avanços tecnológicos necessários para o desenvolvimento socioeconômico desses territórios, em especial aqueles adquiridos em territórios do semiárido nordestino, onde o di-fícil acesso à água e as condições climáticas po-dem inviabilizar a implantação e manutenção dos projetos produtivos irrigáveis, tornando os trabalhadores campesinos na permanente con-dição de dependência da ação assistencial do Estado, impressa na efetivação de políticas pú-blicas compensatórias, focalizadas e seletivas.

Araújo (2002) aponta para a sociedade cearense o problema do êxodo rural, que é um fator determinante de concentração e aglome-ração nos centros urbanos. Fator predominan-te para a implementação de políticas públicas de fixação do homem nos territórios rurais até os de 1970. Entretanto, a autora atesta para o fracasso dessa política pública.

O fracasso dessa política pública fez com que dé-cadas depois, esse mesmo assunto assumisse im-portante posição no debate atual, desenvolvido no país, sobre a desruralização. Um fenômeno ainda pouco definido, que no caso do nordes-te brasileiro, supostamennordes-te, seria resultannordes-te da ocorrência e constantes secas associadas à atra-ção das cidades, pela concentraatra-ção dos investi-mentos industriais e urbanos, que determinam frequentes migrações rurais, e em decorrência levaram a redução das populações residentes no campo a um contingente mínimo, com taxas ne-gativas de crescimento. ARAÙJO (2002, p. 02)

Outro aspecto considerável são as políticas de educação oferecidas aos tra-balhadores campesinos. Salvo raras exce-ções, tais políticas seguem o padrão glo-balizado da educação. Não primam pelas especificidades do meio rural, contribuindo para a transformação da identidade rural dos indivíduos e alienando para a cultura do ur-bano, e a cultura descartável do individua-lismo e do consumismo inerentes ao capital.

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a r t i g o s

No Estado do Ceará, as políticas de de-senvolvimento econômico atuam sob a égide da exploração dos trabalhadores, reconfigu-radas na emergência de novos postos de tra-balhos com a criação de Polos industriais em cidades do interior do Estado, resultando na intensificação do êxodo rural, incentivado pela busca do trabalho formal.

A emergência dos grandes Polos indus-triais nas cidades do interior do Ceará tem contribuído significativamente para o aumen-to do êxodo rural no Estado. Esse fenômeno é mais recorrente entre os jovens em busca do trabalho formal. A transformação da identi-dade rural, fruto da alienação da ideologia da ordem vigente, as difíceis condições de sobre-vivência nos territórios rurais, decorrentes de frequentes períodos de estiagem, e da falta de acesso à saúde e transporte, intensificam o flu-xo migratório.

Nesse contexto, é possível compreender que as ações estatais de enfrentamento ao êxo-do rural não são ainda capazes de concorrer com a forte industrialização e globalização econômica mundial e, sobretudo, a consolida-ção do capitalismo que, apesar de suas crises cíclicas, se fortalece com a exploração de tra-balhadores urbanos e rurais.

Portanto, é possível identificar a partir dessa análise a relação imbricada entre o Esta-do e o capital na manutenção da pobreza rural, transformando agricultores em trabalhadores urbanos sem qualificação, favorecendo o bara-teamento e a exploração de sua mão-de-obra, agravando substancialmente os problemas so-ciais nos territórios rurais e urbanos, emergindo um novo debate entre esses segmentos sociais.

4 O DebAte sOciAL entRe Os segUi-mentOs URbAnO e RURAL

A emergência de uma nova urbanização, configurada nas migrações de populações ru-rais para os centros urbanos, abre um novo de-bate nas relações urbano/rural. Segmentos so-ciais que não podem ser dissociados, as relações engendradas entre campo e cidade determinam o fluxo socioeconômico desses territórios

mar-cados pela emergência do poder econômico do capital e das ações minimalistas do Estado.

No Ceará, essa relação foi construída sob a predominância do urbano sobre o ru-ral, impressa na exploração e no preconceito da classe dominante representada pelas elites cearenses. Um fato histórico de forte impacto social marcou as primeiras migrações rurais para Fortaleza, ainda no início de sua forma-ção socioeconômica e cultural, foi a chegada de milhares de trabalhadores vitimados pela devastadora seca de 1877. O registro de Neves (2007, p. 81) retrata esse período negro da his-tória do Ceará.

A seca pega todos de surpresa. [...] No semiárido, a produção inteiramente destruída, os moradores consomem suas últimas sementes e, aos poucos, mas numa onda irresistível, vão deixando para trás seus casebres e suas terras arrendadas. Saem famintos de seus lares e começam a vagar pelos caminhos e estradas em busca de auxílio. O ca-minho da capital cedo transformar-se-á na úni-ca opção para sobrevivência: os ‘moradores’ das fazendas de criar transformam-se em retirantes.

A chagada dos imigrantes da seca marca o início do debate entre os segmentos sociais urbano/rural que transcende tempos e fatos históricos, tendo por fundamento as relações de exploração dos retirantes. Aos retirantes, re-cebidos com perplexidade pela população ur-bana, foram destinados os trabalhos de grande esforço sob forte disciplina. Aos moradores que ali já estavam estabelecidos lhes cabia a vigilância e o controle dos retirantes, que não demorou a serem rotulados de preguiçosos, so-bretudo, os que viviam a mendigar pelas ruas. Neves (2007, p. 82). O aumento da pobreza, da prostituição, de roubos e de doenças assustava a população urbana, produzindo ações coer-civas e repressivas por parte das autoridades. Esse contexto situa o debate entre os segmentos urbano/rural como um determi-nante histórico dessa relação. Também descri-to por Furtado (2005, p. 74), esse debate tem sua gênese na formação da sociedade brasi-leira, circunscritas nas relações culturais do povo brasileiro, desde sua colonização. Nesse período, camponeses, escravos negros e ín-dios foram as principais vítimas da explora-ção de mão-de-obra e violaexplora-ção dos direitos.

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Em toda a segunda metade do século XVII e primeira do seguinte, os colonos do chamado Estado do Maranhão lutaram tenazmente para sobreviver. Criada com objetivos políticos, mas abandonada pelo governo português, a pequena colônia evoluiu de tal forma que meio século de-pois, no dizer de um observador da época, “para um homem ter o pão da terra, há de ter roça; para comer carne há de ter caçador; para comer peixe, pescador; para vestir roupa lavada, lavadeira”. A inexistência de qualquer atividade que permitis-se produzir algo comercializável obrigava cada família a abastecer-se a si mesma de tudo, o que só era praticável para aquele que conseguia pôr as mãos num certo número de escravos indíge-nas. A caça ao índio se tornou, assim, condição de sobrevivência da população.

Na sociedade contemporânea, as rela-ções entre as popularela-ções rurais e urbanas são construídas na convivência dos novos traba-lhadores das fábricas dos Polos industriais e nas periferias da cidade, onde se estabelece-ram grande parte dos retirantes das secas e os imigrantes contemporâneos. Ainda predomi-na sobre o segmento rural o domínio da classe dominante, sobretudo, na desvalorização de sua força de trabalho.

As configurações sócio-históricas dessa relação social se metamorfoseiam, transfor-mando os imigrantes rurais em permanentes vítimas do modo de vida burguesa dos cen-tros urbanos, determinados pela ideologia capitalista, o que estimula o debate da estru-tura conservadora que rege a sociedade e não percebem as populações campesinas como detentoras de direitos sociais, tal qual, as po-pulações urbanas. Todavia, esse debate não se esgota nas relações, nos aspectos econômicos e sociais, permeia a cultura e os costumes desses segmentos sociais.

5 cOnsiDeRAÇões finAis: nOtAs RefLeXivAs

Debulhar o trigo recolher cada bago do trigo Forjar no trigo o milagre do pão e se fartar de pão Decepar a cana recolher a garapa da cana Roubar da cana a doçura do mel se lambuzar de mel. Afagar a terra conhecer os desejos da terra Cio da terra, a propícia estação e fecundar o chão. Chico Buarque (O Cio da Terra)

Os processos migratórios nos territórios rurais no Estado do Ceará têm produzido a

desertificação no meio rural. Ao analisar os fa-tores determinantes desse processo, o presente estudo compreende o alcance que tais deter-minações produzem na vida socioeconômica dos trabalhadores rurais.

O meio rural sofre profundas transfor-mações que afetam sua sobrevivência e, conse-quentemente, a sobrevivência da humanidade, considerando que é da terra que se extrai toda matéria-prima necessária para a produção in-dustrial e alimentícia.

O implemento de políticas públicas ca-pazes de promover a emancipação social e po-lítica na vida campesina se faz necessário no enfretamento ao êxodo rural. Entretanto, seu alcance ainda não tem garantido a permanên-cia dos agricultores em suas terras.

A reprodução da lógica do capital tem pro-duzido nos territórios rurais a forte alienação de uma sociedade fundamentada no individualis-mo e no consumisindividualis-mo descartável, que propaga a falsa ideia do “ter” em detrimento do “ser”.

O êxodo rural é, portanto, o fruto de um longo processo sócio-histórico de transforma-ção da sociedade em mercadoria a ser compra-da a baixo custo pelo capital em sua avassa-ladora busca pela lucratividade e encontra no Estado o firme amparo para manutenção de sua lógica exploradora e segregadora.

Nesse sentido, é possível analisar que as motivações que emergem nos fluxos migra-tórios resultam da falta de condições especí-ficas para o desenvolvimento do campo que primem por um sistema agrário favorável ao pequeno agricultor.

RefeRênciAs

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Referências

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