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Uma exploração inicial das informações sobre família no Censo Demográfico de 2010

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Uma exploração inicial das informações sobre família no Censo

Demográfico de 2010

*

Zuleica L.C.de Oliveira† Paula Miranda-Ribeiro‡ Luciene Longo§

Resumo

O objetivo do presente trabalho é explorar as informações do Censo Demográfico de 2010 sobre as tendências recentes dos arranjos familiares e de domicílios no contexto metropolitano do país. Busca-se, ainda, levantar algumas indicações sobre os contornos assumidos pelos arranjos formados por famílias constituídas por casais que tiveram mais de uma união, permitindo fazer algumas inferências sobre as chamadas famílias “reinventadas”. O tipo de arranjo familiar constituído por cônjuges do mesmo sexo também está incluído no escopo do presente trabalho. Resultados para as regiões metropolitanas (RMs) de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador sugerem um predomínio do modelo biparental com filhos, assim como a presença digna de nota de arranjos familiares que parecem corresponder ao padrão da modernidade avançada, como os domicílios unipessoais, o modelo biparental sem filhos, ou mesmo de parte de domicílios com referência feminina no conjunto das RMs examinadas. No entanto, mostrou também a participação nada desprezível do modelo da família extensa, sobretudo nas RMs do Nordeste. Acrescente-se, ainda, o fato de que, nas famílias “reinventadas”, foi significativo o peso das famílias com referência feminina, com destaque mais uma vez para as RMs do Nordeste. Assim, a modernidade parece conviver com a desigualdade, fazendo com que a família brasileira continue sendo marcada pela descontinuidade, heterogeneidade e diferenciação.

Palavras-chave: Família; Gênero; Arranjos Familiares; Região Metropolitana.

*

Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Águas de Lindóia/SP – Brasil, de 19 a 23 de novembro de 2012.

Professora Associada da Escola de Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro. ‡

Professora Associada do Departamento de Demografia e do Cedeplar, Universidade Federal de Minas Gerais.

§

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1) INTRODUÇÃO

As transformações socioeconômicas, demográficas e culturais levadas a efeito nas sociedades capitalistas industrializadas e em menor escala, naquelas em processo de desenvolvimento, concorreram para o enfraquecimento do modelo de família conjugal e para a emergência de novos arranjos conjugais e familiares a partir da segunda metade do século XX. Apesar de intensidades variadas, as tendências de mudança se assemelharam entre os países do mundo desenvolvido, sugerindo que a imagem da sociedade já não corresponde mais de forma inquestionável ao modelo masculino (Touraine, 2007).

O crescimento do número de divórcios, das uniões consensuais, dos nascimentos fora do casamento, o aumento da idade média ao casar, a diminuição do número de filhos e o seu maior espaçamento, além da elevação da escolaridade feminina e da entrada massiva da mulher na força de trabalho, têm provocado transformações na relação entre família e gênero, com impactos sobre a organização familiar. A falência do modelo tradicional da família conjugal, assentada na ética do provedor aparece como um dos principais traços dessa transformação.

O modelo tradional da família conjugal vem mostrando sinais evidentes de modificação que se traduzem não apenas pelo declínio de seu tamanho relativo, mas que sugerem transformações profundas em sua natureza. O deslocamento de homens e mulheres de seus papéis socialmente construídos, tanto no plano da cultura como no da subjetividade, é expressão de transformações ocorridas nas culturas de gênero na esfera do privado, das relações e da intimidade (Giddens, 2000).

No mundo contemporâneo busca-se a assegurar a individualidade e a autonomia no âmbito familiar, o que é um fato social novo, trazido pela modernidade avançada (Giddens, 2000). O processo de individuação dos membros da família ganha dominância frente ao grupo familiar. A hegemonia masculina perde terreno, sendo substituída, cada vez mais, pela autonomia feminina e pela menor dependência das gerações mais novas, sendo reflexo, em última instância, da alteração verificada nas relações de poder entre homens e mulheres no interior da família.

Consequentemente os laços conjugais e familiares tornaram-se mais frágeis e instáveis. A construção de novos modelos de família que se contrapõem ao modelo tradicional da família conjugal vão se tornando, por outro lado, mais freqüentes. Evidencia-se o crescimento de arranjos gerados pela coabitação, separação e monoparentalidade, entre outros processos.

O objetivo do presente trabalho é explorar as informações do Censo Demográfico de 2010 sobre as tendências recentes dos arranjos familiares e de domicílios no contexto metropolitano do país. Buscar-se-á ainda, levantar algumas indicações sobre os contornos assumidos pelos arranjos formados por famílias constituídas por casais que tiveram mais de uma união, permitindo, assim, fazer algumas inferências sobre as chamadas famílias “reinventadas”. O tipo de arranjo familiar constituído por cônjuges do mesmo sexo também está incluído no escopo do presente trabalho.

A introdução de aspectos relativos aos arranjos familiares baseados em diferentes uniões, bem como os formados por cônjuges do mesmo sexo teve o propósito de dar visibilidade a fenômenos que não tinham até então o seu reconhecimento social

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assegurado por intermédio das estatísticas públicas. A contabilização desses fenômenos é uma primeira condição para a garantia desse reconhecimento, contribuindo, por outro lado, para o questionamento do caráter hegemônico do modelo da tradicional família conjugal que continua alimentando o ideal de família.

2) A ORGANIZAÇÃO DA FAMÍLIA BRASILEIRA: ALGUMAS INDICAÇÕES As tendências de mudança na organização familiar no Brasil apontam na direção observada nos países capitalistas industrializados, muito embora seja preciso fazer duas ressalvas: a sua menor intensidade e a relativização do seu caráter homogeneizante. O processo de modernização desenvolvido no país caracterizou-se pela sua precariedade. Ele não foi acompanhado pela modernidade, constituindo-se no fenômeno identificado por alguns autores como “modernização frágil, sem modernidade”(Calderón, Hopenhayn & Ottone, 1993 apud Arriagada, 2002). Este fenômeno denota um tipo de modernização que se realiza de forma segmentada não incorporando processos da modernidade que se referem particularmente às “dimensões culturais da mudança” (Arriagada, 2000).

No Brasil a modernidade é singular, coexistindo com a tradição e, muitas vezes, também com o conservadorismo (Souza, 2003). Ela é marcada pela desigualdade, gerando um quadro de mudança diferenciado entre os segmentos sociais e o espaço geográfico, formado por regiões bastante heterogêneas do ponto de vista econômico, social e cultural, o que repercute sobre a organização familiar brasileira. É preciso lembrar que a história da família brasileira foi moldada pela descontinuidade, heterogeneidade e diferenciação, refletindo diversidades de natureza histórica, social e geográfica que são expressão das condições concretas de existência dos distintos segmentos sociais (Correa, 1982, Samara, 1987).

Seguindo o padrão dos paises capitalistas industrializados o modelo nuclear biparental com filhos, embora dominante, vem perdendo a sua importância relativa no âmbito dos arranjos familiares no Brasil. Por outro lado, é também observado o crescimento relativo de formas alternativas de organização da família e de domicílios. Entre 1981 e 1990 a família nuclear biparental com filhos experimentou uma diminuição relativa de 6,3%, passando de 65,0 % para 60,9%, enquanto que os domicílios unipessoais e o modelo nuclear monoparental com filhos e com referência feminina tiveram o maior aumento relativo, da ordem de 21,4% e 19,0% (Ribeiro et al, 1998).

O padrão de mudança nos arranjos familiares e de domicílios refletiu também diferenças regionais entre o Nordeste e o Sudeste. O Nordeste apresentou níveis mais elevados tanto do modelo nuclear biparental com filhos, como do modelo de família com filhos e com referência feminina entre 1981 e 1990. A redução mais significativa do modelo da família nuclear biparental com filhos ocorreu no Sudeste, cabendo ao Nordeste o aumento mais expressivo das famílias com referência feminina.

O efeito da metropolização também se fez sentir por meio do maior crescimento de arranjos alternativos de organização da familia e de domicílios, bem como do declínio mais pronunciado do modelo da família nuclear biparental no espaço metropolitano do país. Diferenças foram, ainda, encontradas nos modelos de organização famíliar segundo os níveis de rendimento de seus integrantes entre 1981 e 1990 (Ribeiro et al, 1998).

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Estudos recentes têm identificado à manutenção das tendências de transformação dos arranjos familiares e domiciliares no país. O modelo da família biparental com filhos continuou declinando. Passou de 59, 7% em 1996 para 51,5% em 2006 (Alves et al, 2010), alcançando, por sua vez, um patamar ainda mais baixo em 2008, de 48,2% (Pinheiro et al, 2010). Em contrapartida, a família nuclear biparental sem filhos, a família nuclear monoparental, masculina e feminina e os domicílios unipessoais permaneceram apresentando níveis de crescimento.

Entre as famílias monoparentais, sobressaíram aquelas com referência feminina, muito embora já se possa constatar o crescimento de lares constituídos por homens sozinhos e seus filhos. O número de famílias com liderança feminina passou de 18,1% em 1970 para 26,5% em 2000 (Nascimento, 2006).

Os domicílios unipessoais também vêm crescendo desde 1970, apresentando um incremento relativo entre 1970 e 2000 de 358,3% durante esse período (Nascimento, 2006). Cumpre ressaltar ainda, os arranjos baseados em uniões consensuais que vêm se consolidando ao longo das últimas décadas e o arranjo familiar formado por casais do mesmo sexo. A participação das uniões consensuais no conjunto dos arranjos familiares passou de 11,7% em 1980 para 28,6% em 2000 (Nascimento, 2006). Quanto aos casais formados por cônjuges do mesmo sexo não se dispunha até o momento de estatísticas públicas para a sua contabilização.

Um outro aspecto que denota a mudança na organização da família brasileira diz respeito ao novo papel assumido pelas mulheres em termos da provisão familiar. A representação das mulheres brasileiras na categoria de provedoras principais de suas famílias foi constatada por Marri e Wajnman (2007). Cabe, contudo, ressaltar que essa representação se situou em patamares inferiores aos dos países desenvolvidos.

Constatou-se ainda, que quando comparadas aos homens provedores de suas famílias, as mulheres que se encontravam na mesma situação, apresentaram níveis de rendimentos menos elevados, assim como permaneceram submetidas a um número maior de horas dedicadas ao trabalho doméstico. Embora as mulheres brasileiras tenham experimentado um crescimento nas categorias de co-provedora e de provedora principal, não há, até agora um reconhecimento social desse fato devido ao peso do patriarcalismo no plano simbólico (Oliveira, 2005).

A conformação dos arranjos familiares e de suas transformações na sociedade brasileira guarda estreita relação com a mudança levada a efeito na condição feminina, propiciada, entre outros fatores, pelo aumento da escolaridade feminina, pela diminuição da fecundidade e pelas novas condições sociais e econômicas que têm impelido às mulheres a ingressarem no mundo do trabalho.

A construção de uma nova identidade feminina, com reflexos sobre a organização da família tem sido feita em consonância com a modernidade singular do país. Araujo e Scalon (2006) mostraram o descompasso existente entre o ideal igualitário e as práticas tradicionais entre as mulheres brasileiras. O valor dado ao casamento e à maternidade, além de práticas mais hierarquizadas divide o contingente feminino. Lins de Barros (2006) também destacou a existência de tensões entre o ideal igualitário e a

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permanência de práticas hierarquizadas e desiguais entre homens e mulheres e entre as gerações, em segmentos médios, metropolitanos.

Entre as camadas médias de áreas urbanas de menor porte, nos subúrbios das grandes cidades ou mesmo entre camadas de baixa renda a tradição permanece guiando as relações familiares (Rocha-Coutinho, 2006). O estudo de Heilborn (1984) reforça esse aspecto mostrando a singularidade dos segmentos médios da zona suburbana do município do Rio de Janeiro, entre os quais o tradicionalismo é ainda forte. Isso se expressa também em termos do espaço geográfico do país. O estudo de Longo e Miranda-Ribeiro (2006) para Minas Gerais em 2006 revelou o maior tradicionalismo desse estado quanto à organização da família.

A dinâmica da organização da família brasileira tem refletido a sua complexidade e a heterogeneidade de seus processos. Ela não parece estar sendo moldada apenas a partir de um padrão moderno, conforme as tendências levantadas por Singly (2007). Ela é também resultado da desigualdade, distinguindo, assim os segmentos sociais e as regiões do país.

3) A METODOLOGIA

Para a operacionalização dos tipos de família e de domicílios foi utilizada a tipologia proposta por Arriagada (1997). Essa tipologia considera os seguintes tipos de famílias/domicílios:

Unipessoais: constituídos por apenas uma pessoa;

Nucleares: pessoa de referência (chefe) e cônjuge com ou sem filhos, ou somente pessoa responsável pelo domicílio com filhos;

Extensos: pessoa de referência (chefe) e cônjuge com ou sem filhos, ou somente pessoa responsável pelo domicílio com filhos, mais outros parentes;

Compostos: igual aos nucleares ou estendidos, mais outras pessoas que não são parentes;

Sem núcleo: pessoa de referência (chefe) sem cônjuge nem filhos, mais outros parentes ou não parentes.

Todos os tipos podem ter como pessoas responsáveis pelos domicílios homens ou mulheres. (Arriagada, 1997:14)

Para fazer essa classificação, foram usados os microdados da amostra do Censo Demográfico 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como o foco dessa classificação é o domicílio, não foram separadas as famílias conviventes, pois na tipologia proposta por Arriagada (1997), além das famílias nucleares, há também as extensas (presença de outros parentes) e compostas (presença de não parentes). Essa tipologia só pode ser aplicada aos dados censitários se considerarmos o total de moradores dos domicílios, pois ao desmembrar as famílias em famílias conviventes, a classificação de famílias extensas e compostas deixará de existir, ao transformar os demais membros fora do núcleo familiar em outras famílias. Por isso, escolheu-se analisar o domicílio para captar todos os tipos de famílias descritos na literatura, inclusive as extensas e compostas. Os laços de dependência doméstica não

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foram considerados portanto os empregados domésticos e parentes dos empregados domésticos foram excluídos da análise, ou seja, não estão incluídos entre os “não parentes”. Também não foram incluídos indivíduos sozinhos em domicílios coletivos, por terem características distintas das pessoas que moram sozinhas em domicílios particulares. Assim, foram criados 14 tipos distintos de famílias:

Quadro 1

Tipos de famílias e domicílios

Nuclear 1 pessoa de referência, cônjuge e filhos

Nuclear 2 pessoa de referência e cônjuge

Nuclear 3 pessoa de referência e filhos

Extensa 1 pessoa de referência, cônjuge e filhos + outros parentes

Extensa 2 pessoa de referência e cônjuge + outros parentes

Extensa 3 pessoa de referência e filhos + outros parentes

Composta 1 pessoa de referência, cônjuge e filhos + não parentes

Composta 2 pessoa de referência e cônjuge + não parentes

Composta 3 pessoa de referência e filhos + não parentes

Composta 4 pessoa de referência, cônjuge e filhos + outros parentes + não parentes

Composta 5 pessoa de referência e cônjuge + outros parentes + não parentes

Composta 6 pessoa de referência e filhos + outros parentes + não parentes

Sem núcleo pessoa de referência sem cônjuge, sem filhos + outros parentes +/ou não parentes

Unipessoal pessoa que vive sozinha

Fonte: Elaboração própria, com base na proposta de Arriagada, 1997.

Cumpre esclarecer que a classificação dos tipos de família segundo as suas 14 categorias constitutivas foi utilizada apenas para a elaboração do diagrama. Para as tabelas de análise, foi feita uma classificação mais agregada devido à pouca representatividade de algumas das informações estatísticas. Essa classificação compreendeu as seguintes categorias: Nuclear 1 (biparental com filhos), Nuclear 2 (biparental sem filhos), Nuclear 3 (monoparental com filhos), Extensa 1(extensa biparental incluindo Extensa1 e2 ), Extensa 2 (monoparental referindo-se à Extensa 3), Composta (incluindo os tipos de 1 a 6), Domicílios Sem Núcleo Conjugal e os Domicílios Unipessoais. Quanto às famílias reconstituídas, optou-se por considerar as

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informações sobre filhos segundo a desagregação filhos de ambos os cônjuges, filhos somente da pessoa de referência e enteados somente da pessoa de referência. Ressalta-se ainda, que quanto aos casais formados por pessoas do mesmo Ressalta-sexo foram utilizados somente os seus valores absolutos devido a pouca representatividade da informação estatística. Outro procedimento metodológico que cabe destacar refere-se o fato de que para a elaboração do Diagrama e da Tabela 1 a operacionalização dos tipos de família foi feita tomando com base a variável pessoa, enquanto que nas tabelas subseqüentes utilizou-se a variável relativa aos domicílios.

4) A UNIDADE ESPACIAL

A unidade espacial de análise das informações censitárias de 2010 referiu-se ao contexto metropolitano constituído pelas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador. O espaço metropolitano pode ser considerado como o ”lugar síntese das desigualdades, dos desequilíbrios, das heterogeneidades” (Torres Ribeiro, 1987) congregando a coexistência de valores familiares voltados tanto para a modernidade como para o tradicionalismo. A metrópole é o cenário no qual são construídos os modelos culturais que se reproduzem para as outras unidades espaciais do país, norteando as mudanças possíveis e a alteração nas práticas sociais (Torres Ribeiro, 1987). É o lugar preferencial da transformação de natureza cultural onde se expressa com mais nitidez o processo singular da modernidade brasileira.

A base produtiva e o ritmo das transformações nos valores e práticas sociais se distinguem, porém, entre as metrópoles brasileiras. O processo de metropolização brasileiro expressa as desigualdades regionais geradas por um processo de desenvolvimento calcado na concentração espacial de capital e de força de trabalho. A diferenciação entre as regiões metropolitanas (RMs) se expressa, entre outros indicadores, no seu ritmo desigual de crescimento. Há RMs que apresentam taxas de crescimento anuais acima de 3,0 %, enquanto que outras experimentam incrementos distintos entre o município núcleo e a periferia metropolitana (Observatório das Metrópoles, 2005). As RMS brasileiras participam de forma heterogênea da renda e da dinâmica da economia, apresentando graus variados de concentração da população e da riqueza gerada.

Desse modo, as diferenças entre as RMs são dignas de nota, refletindo padrões demográficos e condições sociais, econômicas, políticas e culturais distintas. Em estudo realizado pelo Observatório das Metrópoles (2005) sobre a hierarquização dos espaços urbanos no país foram identificadas seis categorias que serviram de base para a escolha das RMs selecionadas para o presente trabalho. A primeira categoria contemplou apenas a RM de São Paulo, com valores significativos em todos os indicadores definidos no estudo. A segunda colocada foi a RM do Rio de Janeiro que manteve, porém uma distancia considerável da RM paulista. Na terceira posição estão reunidas as RMs de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e de Salvador.

As RMs de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador concentravam parte importante das forcas produtivas nacionais e cerca de 44,0% da população metropolitana em 2010 (Observatório das Metrópoles, 2010). Elas refletem também as diferenças regionais do processo de metropolização brasileiro. O estudo mostrou que os critérios de condição social muita boa e boa foram assegurados apenas

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pelas RMs da região Sudeste e Sul, reafirmando a diversidade econômica, social e cultural característica do conjunto metropolitano selecionado como unidade espacial de análise do presente estudo.

5) OS RESULTADOS

O exame dos tipos de família e de domicílios para o conjunto das RMs de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador revelou que a sua população continua em sua quase totalidade vivendo em unidades familiares (Diagrama e Tabela1). Apenas cerca de 11,0 % da população desse conjunto metropolitano vivia em domicílios não familiares, com destaque para aqueles que não constituíam um núcleo conjugal (6,5 %). O padrão dos tipos de família que vem se consolidando ao longo das últimas décadas não mostrou alteração em 2010. De um lado, o predomínio do modelo biparental com filhos (46,3%), seguido, em proporções bem mais reduzidas, pela família extensa biparental (14,0%) e pela família nuclear monoparental (10,3%).

Figura 1

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Tabela 1

Tipos de família e domicílio segundo as RMs de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador

Tipo de família * Total SP RJ BH POA REC SAL

Nuclear 1 46,3 48,2 44,0 48,4 46,2 43,1 42,3 Nuclear 2 8,8 8,4 9,7 7,6 11,3 7,7 7,9 Nuclear 3 10,3 9,7 10,6 11,2 10,2 10,3 11,5 Extensa 1 14,0 14,1 14,0 12,7 13,0 16,4 14,3 Extensa 2 8,4 7,6 8,8 8,2 7,0 11,5 10,9 Composta 1,3 1,3 1,2 1,2 1,3 1,6 1,8

Sem núcleo conjugal 6,5 6,8 6,4 6,8 5,4 6,0 6,7

Unipessoal 4,4 3,9 5,3 3,9 5,6 3,4 4,6

Fonte: Elaboração própria, com base nos microdados do Censo Demográfico de 2010. * Os tipos de família estão definidos no tópico 2, Metodologia.

Regiões Metropolitanas

A supremacia do modelo da família conjugal com filhos no contexto metropolitano corrobora a idéia de que o ideal da família conjugal permanece sendo perseguido por um grande número de pessoas. O celibato ou a vida sem parceiro não possui o mesmo valor simbólico atribuído à família conjugal (Singly, 2007). No caso brasileiro o ideal da família conjugal tradicional permanece sendo valorizado mesmo entre alguns segmentos médios da população, como indica o estudo de Velho (1987).

O ideal da família conjugal com filhos reforça a importância que continua sendo dada à família e ao casamento (Casper and Bianchi, 2002). No entanto, é preciso ter presente que a família conjugal com filhos não corresponde mais ao modelo característico dos anos 50. Esse tipo de arranjo familiar tem passado por grandes mutações desde a segunda metade do século XX. O modelo da família conjugal constituído pelo homem provedor e pela mulher dona de casa em tempo integral é cada vez mais menos comum. Em 2002 esse tipo de arranjo familiar, a exceção do Chile e do México já não predominava entre os países da América Latina (Arriadaga, 2002), se contrapondo ao padrão da provisão compartilhada entre os cônjuges, ou mesmo da provisão principal feminina. No Brasil urbano é digna de nota a proporção alcançada pelas mulheres cônjuges na categoria de co-provedoras de suas famílias, em torno de 32,3% em 2003(Oliveira, 2005).

Estudos como o de Marri e Wajnman (2007) e de Oliveira (2005) revelaram que o modelo biparental com filhos experimentou situações bastante diferenciadas que são dadas pela condição de atividade dos integrantes da família, sobretudo da mulher, pelos seus níveis de escolaridade e de rendimentos, assim como pelos eventos de recasamentos, entre outros fatores. As novas condições sociais e econômicas que levaram à mudança na condição feminina, contribuíram de modo decisivo para a alteração do modelo biparental com filhos.

A permanência, embora com proporção bem mais reduzida, do modelo da família extensa biparental no conjunto das RMs examinadas reflete um aspecto da tradição na organização familiar brasileira. Esse arranjo que “prioriza os laços consangüíneos aos conjugais” é visto por alguns autores como uma modalidade típica da organização familiar de camadas de baixa renda (Fonseca, 1995). Ou, como indaga Hita (1997) talvez como uma “sobrevivência arcaica” do modelo tradicional da família extensa que predominava no país durante o seu período colonial.

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Machado (2001) chama atenção para o fato de que a família extensa não deixou de ser um arranjo familiar importante para diversas camadas da população, estando presente tanto em famílias biparentais como nas monoparentais dos segmentos de baixa renda. De qualquer modo, a proporção da família extensa biparental não foi desprezível no conjunto das seis RMs em 2010, expressando, talvez os arranjos familiares de parte da periferia metropolitana. Já as famílias nucleares monoparentais que ocupavam a terceira posição entre os arranjos familiares em 2010 refletem tendências heterogêneas que serão descritas abaixo em razão de sua clara associação com o sexo da pessoa de referencia que será objeto do tópico seguinte.

O quadro descrito acima se reproduz, em linhas gerais, quando se consideram as RMs isoladamente, apontando para existência de um padrão comum ao contexto metropolitano, muito embora algumas variações possam ser identificadas (Tabela 1). O predomínio do modelo biparental com filhos se processou com maior intensidade nas RMs de São Paulo e de Belo Horizonte, alcançando proporções em torno de 48,0% (tabela 1). Nas demais RMs as proporções oscilaram entre 46,2% (RM de Porto Alegre) a 42,3% (RM de Salvador) respectivamente. Cumpre assinalar, que a variação observada não correspondeu aos limites impostos pelos ritmos desiguais de metropolização das RMs examinadas, assim como não obedeceu, por sua vez, às fronteiras regionais existentes.

Os modelos da família extensa biparental e da família nuclear monoparental asseguraram também as segunda e terceira posições em todas RMs. Contudo, vale mencionar as proporções obtidas pela família extensa biparental nessas RMs, variando de 16,4% na RM de Recife para 14,0 % aproximadamente nas RMs de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador (Tabela 1). Merece ainda menção o peso mais elevado do modelo biparental sem filhos na RM de Porto Alegre (11,3%).

As variações encontradas nos tipos de família entre as RMs refletem, em grande medida os contornos de seus processos demográficos, como os padrões de formação da família, os níveis de divórcios, fecundidade e mortalidade, como também a influencia das dimensões socioculturais e socioeconômicas, a exemplo das características do seu mercado de trabalho, sobretudo no que diz respeito à atividade feminina.

5.1) OS ARRANJOS FAMILIARES SEGUNDO O SEXO DA PESSOA DE REFERÊNCIA

Os padrões masculino e feminino dos arranjos familiares e dos domicílios foram analisados tomando como base a Tabela 2. Conforme a literatura tem mostrado, homens e mulheres apresentam organizações familiares bastante diferenciadas. A organização familiar com referência masculina estava assentada basicamente no modelo nuclear biparental com filhos (50,5%), no modelo nuclear biparental sem filhos (17,8%) e no modelo da família extensa biparental (10,7%) no conjunto das seis RMs em 2010. Os outros arranjos com referência masculina foram pouco significativos. Ainda nos domicílios não familiares com referência masculina destacaram-se aqueles de natureza unipessoal, apresentando uma participação em torno de 11, 0 %.

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Tabela 2

Tipos de família e domicílio segundo as RMs de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador e o sexo da pessoa de referência

Tipo de família *

homem mulher homem mulher homem mulher homem mulher homem mulher homem mulher homem mulher

Nuclear 1 50,5 21,9 52,6 23,9 47,2 20,5 53,8 20,4 47,5 23,1 51,0 20,5 47,8 19,8 Nuclear 2 17,8 8,4 17,2 8,4 19,3 8,8 15,8 6,9 21,4 10,7 17,0 7,3 16,2 7,5 Nuclear 3 2,4 24,6 2,2 24,0 2,7 23,9 2,5 28,6 2,6 22,6 2,1 25,0 2,9 26,4 Extensa 1 10,7 5,9 10,7 6,0 10,7 5,7 9,8 5,0 9,7 5,4 13,2 7,3 10,8 6,3 Extensa 2 1,2 12,0 1,1 11,1 1,3 11,9 1,0 12,7 1,0 9,2 1,3 16,6 1,3 14,7 Composta 0,8 1,0 0,8 0,9 0,8 0,8 0,7 1,0 0,7 0,8 1,0 1,1 1,1 1,1

Sem núcleo conjugal 5,4 9,0 5,9 9,1 5,0 8,9 5,7 9,9 4,4 7,3 4,4 9,2 5,5 9,5

Unipessoal 11,2 17,2 9,5 16,6 13,0 19,5 10,7 15,5 12,7 20,9 10,0 13,0 14,4 14,7

Fonte: Elaboração própria, com base nos microdados do Censo Demográfico de 2010. * Os tipos de família estão definidos no tópico 2, Metodologia.

Total

Regiões Metropolitanas/Sexo da pessoa de referência

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A incidência do modelo nuclear biparental com filhos com referência masculina foi maior nas RMs de Belo Horizonte (53,8%) e de São Paulo (52,6%), como já havia sido mencionado anteriormente, enquanto que nas RMs do Rio de Janeiro (47,2%), Porto Alegre (47,5%) e Salvador (47,8%) as proporções alcançadas por esse arranjo familiar se situaram em patamares mais reduzidos.

Quando se trata do modelo nuclear, biparental sem filhos sobressaem as RMs de Porto Alegre (15,8%) e do Rio de Janeiro (16,2%). O modelo da família extensa biparental destacou-se, por outro lado, na RM de Recife. Por fim, quanto aos domicílios unipessoais com referência masculina foram as RMs de Salvador (14,4%) e do Rio de Janeiro(13,0 %) que apresentaram os valores mais elevados.

Nos arranjos familiares com referência feminina o quadro evidentemente é outro, destacando-se o modelo nuclear monoparental (24,6%), o modelo nuclear biparental com filhos (21,9%) e os domicílios unipessoais (17,2%). A participação do modelo, nuclear monoparental no conjunto dos arranjos familiares com referência feminina foi mais expressiva nas RMs de Belo Horizonte (28,6%), Salvador (26,4%) e Recife (25,0%). Os arranjos monoparentais com referência feminina apresentam tendências heterogêneas que se expressam por intermédio da coexistência de práticas e de valores voltados tanto para a tradição como para a modernidade. No período colonial há registros numerosos de unidades familiares “chefiadas” por mulheres, contestando a centralidade da figura masculina na família como regra única (Samara,1987). Correa (1982) e Samara (1987) mostraram a existência das famílias monoparentais com referência feminina não somente durante o Brasil colônia, mas durante o século XIX e XX entre as camadas de baixa renda.

Estudos como o de Woortmann e Woortmann (2002) indicaram que esse segmento é constituído por mulheres de baixa renda, sendo formado em sua maioria por viúvas, solteiras ou mulheres que abandonaram ou foram abandonadas pelos seus companheiros e que cuidam de seus filhos com a ajuda ou não de parentes.

Já os arranjos monoparentais com referência feminina que refletem valores e práticas da modernidade são constituídos por mulheres dos segmentos médios e alto que optaram por essa condição em razão dos eventos de separação e de divórcio ou mesmo visando à busca de autonomia pessoal e que podem manter a condição de referência de suas famílias devido aos seus maiores níveis de escolaridade e de rendimentos. Woortmann e Woortmann (2002) ressaltaram que esse segmento reflete “o que parece ser novo” na estrutura familiar brasileira. Os arranjos monoparentais femininos adquirem, portanto, conotações distintas, sendo ambas as tendências encontradas provavelmente com mais intensidade no espaço metropolitano do país.

A proporção de domicílios com referência feminina nas RMs examinadas denota a alteração que vem ocorrendo nas relações de gênero em período recente, com impactos sobre a organização familiar. As proporções variaram de 40,1% na RM de Belo Horizonte a 45,0% nas RMs de Recife e Porto Alegre (Tabela 3). Outro indicador que aponta no sentido da mudança por gênero nas relações familiares refere-se à proporção de domicílios com referencia feminina nos quais é informada a presença de cônjuge. O aumento das famílias lideradas pelas mulheres com cônjuge presente no domicílio tem

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sido registrado por meio de estudos recentes. Pinheiro (2008) destacou que a proporção desse tipo de família passou de 2,4% em 1993 para 9,1% em 2007.

Tabela 3

Proporção de domicílios com referência feminina e a presença de cônjuge no domicílio nas RMs de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre,

Recife e Salvador

Regiões metropolitanas % dos domicílios com % dos domicílios com % dos domicílios com

referência feminina referência feminina referência feminina,

e cônjuge presente sem cônjuge presente

Total das 6 RMs 43,3 36,5 63,5 SP 42,2 38,5 61,5 RJ 44,8 35,2 64,8 BH 40,1 32,6 67,4 POA 45,1 39,5 60,5 REC 45,3 35,4 64,6 SAL 44,8 34,1 65,9

Fonte: Elaboração própria, com base nos microdados do Censo Demográfico de 2010.

Este fato é bastante significativo expressando tanto a maior o ocorrência do desemprego entre os homens, como principalmente uma melhoria na declaração censitária sobre a pessoa de referência no domicílio que como se sabe tem um forte conteúdo cultural. O termo pessoa de referência da família expressa a imagem da figura masculina de “chefe” da família, indicando, assim a força do sistema de valores patriarcais da sociedade brasileira. A participação dos domicílios com referência feminina segundo a presença de cônjuge mostrou um padrão que parece estar se generalizando, com destaque, contudo, para as RMs de Porto Alegre (39,5%) e de São Paulo ( 38,5%). Já os domicílios unipessoais com referência feminina estão relacionados preferencialmente às RMs de Porto Alegre (20,9%) e do Rio de Janeiro (19,5%), congregando, possivelmente, mulheres mais velhas e parte das mais jovens que passaram a integrar práticas modernas de vida, como a de morar sozinha. No caso dos domicílios unipessoais é, no entanto, importante levar em consideração a estrutura etária das mulheres. Uma proporção significativa das mulheres encontradas em domicílios unipessoais provavelmente é constituída por mulheres idosas, o que pode explicar os valores mais expressivos obtidos por esse tipo de arranjo familiar nas RMs de Porto Alegre e do Rio de Janeiro nas quais a presença de mulheres idosas é relevante.

5.2) OS “NOVOS” ARRANJOS CAPTADOS PELO CENSO DEMOGRÁFICO DE 2010

O crescimento das famílias originárias de novas uniões pode ser considerado como uma das principais transformações ocorridas no âmbito da família brasileira. Apesar desse tipo de família ter existido no passado, o que a distingue do tipo anterior é a existência dos pais biológicos que optam por viverem separadamente, sós ou em companhia de outro parceiro. O fenômeno das famílias formadas por diferentes uniões guarda estreita relação com a prática do divórcio, disseminada de forma significativa na sociedade brasileira. Os arranjos familiares formados por diferentes uniões se distinguem claramente dos arranjos que foram examinados até então.

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Embora apresentem uma grande diversidade interna as chamadas famílias “reinventadas” têm dinâmicas e características próprias (Medeiros, 2004). Elas incorporam a partir de sua constituição pelo menos mais de duas famílias, acarretando mudanças sem precedentes nas relações entre os seus membros. Alguns autores chamam atenção para o fato de que devido ao seu caráter inovador são encontradas dificuldades para nomear esse tipo de arranjo familiar, denominado muitas vezes como famílias recasadas, família reconstruídas, famílias reestruturadas ou como famílias reinventadas, designação que parece melhor captar a natureza desse tipo de modelo familiar (Medeiros, 2004; Kunrath, 2006). Em geral, são designações que pretendem reforçar o vínculo desse tipo de família com o modelo tradicional da família conjugal, desconsiderando um dos principais traços que parece moldar esse arranjo familiar, ou seja, a intenção de desconstrução da instituição do casamento, o que nem sempre se concretiza na prática, como atestam alguns estudos, como de Medeiros (2004).

Estudos qualitativos mostram que a família reinventada não pode ser identificada como uma recriação da família nuclear conjugal na medida em que ela apresenta uma maior flexibilidade quanto às relações intra-familiares fundamentadas em uma divisão mais igualitária entre os cônjuges e os outros membros da família, tanto no que diz respeito ao exercício da autoridade como da provisão familiar (Feres,-Carneiro, 1998). Outros estudos questionam a existência de um maior igualitarismo nas famílias reinventadas, em razão, muitas vezes da permanência de valores culturais que continuam definindo os lugares familiares de homens e de mulheres (Medeiros, 2004). Embora não haja consenso quanto às características desse tipo de arranjo familiar, não se pode negar a sua maior complexidade.

Os estudos sobre o arranjo familiar das famílias reinventadas têm se apoiado basicamente em abordagens de natureza qualitativa. A razão desse fato reside na inexistência de estatísticas públicas voltadas para a identificação desse fenômeno em termos de grandes números. O Censo Demográfico de 2010 incluiu em seu levantamento um quesito que permite fazer uma distinção entre filhos de ambos os cônjuges e filhos somente da pessoa de referência, possibilitando, assim fazer uma primeira aproximação ao fenômeno das famílias que são formadas por casais que tiveram mais de uma união. Como se sabe os dados do IBGE sobre família não permitem a reconstrução das redes de parentesco que transcendem os limites do domicílio, baseando-se em um conceito de família que se restringe à unidade domiciliar. A Tabela 4 construída a partir das categorias filhos de ambos os cônjuges, filhos e enteados somente da pessoa de referência fornece três indicações que poderão ser aprofundadas em trabalhos posteriores. A primeira delas refere-se à representação das famílias constituídas por filhos de ambos os cônjuges, cerca de 83,0% no conjunto das RMs examinadas. A segunda está relacionada ao menor peso desse tipo de arranjo nas RMs de Salvador (78,6%), Recife (80,3%) e do Rio de Janeiro (80,2%). Cumpre ressaltar, a existência de um padrão que reúne as RMs de São Paulo e de Belo Horizonte, com as maiores proporções de filhos de ambos os cônjuges, e de outro as RMs de Salvador, Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro nas quais os filhos e enteados apenas da pessoa de referência alcançaram os valores mais elevados.

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Filhos e enteados da pessoa de referência em domicílios familiares e o sexo da pessoa de referência segundo as RMs de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo

Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador Regiões metropolitanas

filho de filho só da enteado da filho de filho só da enteado da filho de filho só da enteado da ambos pessoa de pessoa de ambos pessoa de pessoa de ambos pessoa de pessoa de

referência referência referência referência referência referência

Total das 6 RMs 83,1 9,9 7,0 86,4 4,9 8,7 73,7 24,3 2,0 SP 85,5 8,5 6,0 87,9 4,6 7,5 78,3 19,9 1,8 RJ 80,2 11,5 8,3 84,2 5,5 10,3 70,0 28,0 2,0 BH 86,0 7,9 6,1 89,0 3,9 7,1 75,6 22,8 1,6 POA 81,8 10,2 8,0 85,7 4,0 10,3 72,2 25,6 2,2 REC 80,3 11,9 7,8 84,5 5,7 9,8 68,3 29,5 2,2 SAL 78,6 13,0 8,4 83,0 6,5 10,5 66,0 31,3 2,7

Fonte: Elaboração própria, com base nos microdados do Censo Demográfico de 2010.

Total Referência masculina Referência feminina Sexo da pessoa de referência

Por fim, a terceira indicação se refere ao fato de que o modelo de família formado por casais que tiveram mais de uma união guarda relação com o sexo da pessoa de referência. Nos domicílios com referência feminina a categoria filhos só da pessoa de referência alcançou os valores mais elevados, da ordem de 24,3% para o conjunto das seis RMs, contra 4,9% para os domicílios com referência masculina. Ressalta-se, que foi na RM de Salvador (31,3%) e em menor proporção nas RMs de Recife (29,5%) e do Rio de Janeiro (28,0%) que os domicílios com referência feminina experimentaram a maior incidência na categoria filhos somente da pessoa de referência.

Um exame de informações somente para as famílias extensas com referência feminina (dados não apresentados) revelou valores ainda mais altos na categoria filhos somente da pessoa de referência para as RMs de Recife (36,7%) e Salvador (35,8%). Essas informações parecem estar apontando para a importância no âmbito das famílias constituídas por mais de uma união de modalidades de arranjos familiares geralmente característicos das famílias de baixa renda no conjunto das RMs analisadas.

O outro arranjo familiar captado pelo Censo Demográfico de 2010 foi o constituído por casais do mesmo sexo. Esse tipo de arranjo não existia para efeito das estatísticas públicas, revelando o seu não reconhecimento por parte da sociedade brasileira, e ganhando maior visibilidade recentemente devido a reivindicação da população homossexual por igualdade de direitos. Pretende-se chamar atenção para a importância dos órgãos produtores de estatísticas públicas incluírem de forma definitiva em seus levantamentos quesitos que permitam não apenas a contabilização desse segmento da população, como também a busca por sua melhor qualificação. Não cabe um tratamento estatístico da informação sobre os domicílios formados por casais do mesmo sexo em razão de sua baixa representatividade. Nesse sentido, optou-se nesse trabalho por apresentar apenas os valores absolutos referentes à declaração da existência de casais do mesmo sexo no domicílio.

O Quadro 2 permite fazer duas constatações. A primeira é sobre a pouca expressão desse tipo de arranjo familiar, o que está evidentemente relacionado com problemas de declaração da informação resultantes de constrangimentos de ordem sociocultural. A segunda sobre o efeito claro da metropolização. O maior número de declarações contemplou as metrópoles nacionais de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas vale ressaltar que essas duas regiões metropolitanas também concentram as maiores populações. É importante a divulgação desses números porque eles se constituem em um primeiro passo para a construção/produção do “fato social” casais do mesmo sexo e de seus sistemas de classificação estatística. Dar visibilidade a esses números é

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contribuir, em grande medida para o debate social voltado para a busca da eliminação dessa forma de discriminação e de preconceito, integrando, por sua vez a idéia de pluralismo dos arranjos familiares na sociedade brasileira.

Quadro 2

Domicílios familiares nos quais foi declarada a presença de casais do mesmo sexo segundo as R Ms de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador

Total das 6 RMs 28862 SP 10732 RJ 9306 BH 1906 POA 2779 RE 2162 SA 1977 Regiões Metropolitanas Número de pessoas

Fonte: Elaboração própria, com base nos microdados do Censo Demográfico de 2010.

5) CONCLUSÕES

A presente análise revelou o predomínio do modelo biparental com filhos, assim como a presença digna de nota de arranjos familiares que parecem corresponder ao padrão da modernidade avançada, como os domicílios unipessoais, o modelo biparental sem filhos, ou mesmo de parte de domicílios com referência feminina no conjunto das RMs examinadas. No entanto, mostrou também a participação nada desprezível do modelo da família extensa, sobretudo nas RMs do Nordeste. Acrescente-se, ainda, o fato de que nas famílias “reinventadas” foi significativo o peso das famílias com referência feminina, com destaque mais uma vez para as RMs do Nordeste. Assim a modernidade parece conviver com a desigualdade fazendo com que a família brasileira continue sendo marcada pela descontinuidade, heterogeneidade e diferenciação.

Essa análise suscitou questões que não puderam, contudo, ser aprofundadas aqui, mas que serão objeto de trabalhos futuros. É preciso entender a realidade das famílias brasileiras em função de algumas características como idade, escolaridade, rendimento, condição de atividade e participação no orçamento familiar dos membros da família. O exame dessas informações permitirá, em grande medida, um melhor entendimento sobre as tendências recentes dos arranjos familiares do País.

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